Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
367/07.0TMCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. FAMÍLIA DE COIMBRA – 1.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 378.º DO CPC
Sumário: 1 - Sempre que o exequente, para fazer as contas duma liquidação, tem que acrescentar/introduzir/alegar factos que não constam do título executivo, não estamos perante uma liquidação dependente de simples cálculo aritmético.

2 - É o caso da cláusula dum acordo homologado por sentença – em que um dos pais se compromete a suportar despesas de saúde dos filhos – em que, para a liquidação, é necessário acrescentar as despesas entretanto ocorridas.

3 – Hipótese esta em que o incidente de liquidação (art. 378.º do CPC) é o único meio de liquidar (para depois executar) tal condenação, que é genérica.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., residente na (...) Condeixa-a-Nova, por apenso à execução especial por alimentos que lhe moveu B..., residente na (...) Pereira – para haver dele a quantia global de € 4.115,15 (sendo € 3.624,46 de capital e € 490,69 de juros vencidos) e juros vincendos – veio deduzir oposição à execução, alegando, em síntese, que a exequente carece de legitimidade por não invocar estar em representação das duas filhas menores; que a dívida executada não é exequível, não dependendo a sua liquidação de simples operações aritméticas; que sempre disse à exequente que não aceitava as despesas “reclamadas” e muito menos o modo como as “liquida”, colocando-as, na totalidade, a seu cargo.
Contestou o exequente, mantendo o alegado no requerimento executivo, defendendo a exequibilidade do título e a bondade da liquidação por si efectuada.

Foi proferido despacho saneador – que julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e foi organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa.

Instruído o processo e realizada a audiência, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que concluiu do seguinte modo:

 (…) julgando parcialmente procedente a oposição deduzida por A..., no que concerne à dívida respeitante às consultas de psicologia, no valor global de € 3.000,00 (e nos juros correspondentes), mando que prossiga a execução apensa apenas na parte excedente. (…)”

Inconformada com tal decisão, interpôs a exequente recurso de apelação, visando a sua total revogação.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida por A..., ora recorrido, no que concerne à dívida respeitante às consultas de psicologia, no valor global de 3.000,00€ (e nos juros correspondentes), mandando prosseguir a execução apensa apenas na parte excedente.

2- O acordo estabelecido entre recorrente e recorrido não assentava no pagamento, por ambos, de metade das despesas de saúde extraordinárias das filhas, como tantos outros acordos – estes acordaram em dividir 50% de todas as despesas de saúde das suas filhas, como resulta inequívoco do artigo 10º do acordo.

3- A questão a tratar no presente recurso resume-se à qualificação das despesas com as consultas de psicologia como sendo “despesas de saúde”, incluídas no artigo 10º do acordo celebrado, ou “despesas extraordinárias”, incluídas no artigo 11º do acordo celebrado.

4- Entende a ora recorrente que a saúde mental das suas filhas é uma real dimensão da sua saúde, que a mesma não pode, nem quer descurar.

5- Salvo o devido respeito por opinião diversa, as consultas de psicologia aqui em causa, por serem, indiscutivelmente, “despesas de saúde”, são responsabilidade do ora recorrido, na proporção de ½ do valor total das mesmas, apesar de não serem abrangidas pelo seguro de saúde do mesmo – cf. artigo 10º do acordo.

6- Apesar de concordar a recorrente com a douta sentença proferida quando refere que as consultas de psicologia das suas filhas se tratam “inequivocamente de questões de relevância da vida das filhas”, entende também que andou mal o douto Tribunal a quo ao excluí-las das despesas de saúde previstas no artigo 10º do acordo e inequivocamente devidas por ambos os progenitores em partes iguais, incluindo-as erradamente no artigo 11º do mesmo acordo.

7- Ao decidir da forma expendida na douta sentença recorrida, violou o douto Tribunal a quo, entre outros, os princípios da legalidade, da confiança, da livre apreciação da prova e do superior interesse das crianças.

Respondeu o executado, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pela oponente/recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II Fundamentação de facto
Os factos, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:
A) No processo principal de que este é apenso, por sentença de 3-03-2008, transitada, foi homologado o acordo dos pais das menores C... e D... em que, além do mais, o pai (aqui executado) se obrigou:
A suportar “todas as despesas de saúde das filhas, até ao limite do que seja reembolsado pela Companhia de Seguros onde aquele detém um seguro de saúde e a partir desse limite serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, para tanto, devendo a mãe entregar as respectivas facturas e recibos ao pai, que as deverá pagar, as que receba da Companhia de Seguros imediatamente após o reembolso (que fica obrigado a reclamar diligentemente) e as que lhe caibam em metade, no prazo de 8 dias após apresentação das facturas ou recibos por transferência bancária juntamente com a prestação mensal de alimentos” (Cláusula 10.ª);
Devendo o pai (aqui executado) também pagar metade de “todas as despesas escolares das menores, com livros e material escolar e as despesas extraordinárias das menores, mas relativamente a estas últimas só as que tiverem sido previamente aprovadas pelo pai” (cláusula 11.ª);
E devendo “ser ouvido nas questões de relevância da vida das filhas” (Cláusula 13.ª).
B) Em 30-01-2008, o executado comprometeu-se a entregar à exequente o que viesse a receber da Companhia de Seguros E...do reembolso das despesas de saúde entre Maio de 2007 a 8-01-2008, excluindo € 600. – al. B) dos factos assentes;
C) A exequente apresentou ao executado todos os originais das despesas de saúde no período referido na alínea anterior, para ele reclamar dessa Companhia o reembolso. – al. C) dos factos assentes;
D) Por carta registada com A/R de 29-04-2008, a exequente enviou ao executado os originais das despesas de saúde e de educação das menores, no total de € 808,86, pedindo o seu pagamento. – al. D) dos factos assentes;
E) Por carta registada com A/R de 18-06-2008, a exequente enviou ao executado os originais das despesas de saúde e de educação das menores, no total de € 322,00, pedindo o seu pagamento. – al. E) dos factos assentes;
F) Por carta registada com A/R de 11-12-2008, a exequente enviou ao executado os originais das despesas de saúde e de educação das menores, no total de € 384,03, pedindo o seu pagamento. – al. F) dos factos assentes;   
G) Por carta registada com A/R de 1-02-2011, a exequente enviou ao executado os originais das despesas de saúde e de educação das menores, no total de € 523,90, pedindo o seu pagamento. – al. G) dos factos assentes; 
H) Invocando nada lhe ter sido pago das despesas de C) a G), a exequente moveu-lhe execução, em 31-01-2012, indicando à penhora 1/3 do seu vencimento na F..., Ldª e o veículo automóvel BMW série 5, com chapas (...). – al. H) dos factos assentes;
I) O executado beneficiava de seguro de saúde na Companhia de Seguros E..., por trabalhar nos G..., Lda. – al. J) dos factos assentes;
J) Ficou o executado desempregado em Fevereiro de 2009. – resposta ao quesito 14º;   

K) Deixando de beneficiar do seguro de saúde. – resposta ao quesito 15º;
L) Foi o médico assistente das meninas escolhido por exequente e executado, à nascença de cada uma das menores, tendo-se mantido sempre o mesmo. – resposta ao quesito 4º;   

M) Tendo sido esse médico que em 2007 recomendou o acompanhamento por psicólogas clínicas, resultando o actual acompanhamento feito à D... de encaminhamento efectuado pela escola em 2010. – resposta ao quesito 5º;
N) Recorreu a exequente ao exercício de clínica privada. – al. I) dos factos assentes;
O) Estavam algumas das despesas reclamadas à Seguradora de J) excluídas do contrato de seguro de saúde. – resposta ao quesito 8º;   
P) Não tendo algumas das despesas reclamadas a prescrição médica. – resposta ao quesito 9º;   

Q) Não eram as despesas com psicologia comparticipadas por esse seguro. – resposta ao quesito 10º;
R) Foi esta informação dada ao executado pelo departamento de recursos humanos. – resposta ao quesito 11º;   
S) O executado foi reembolsado de despesas apresentadas à Companhia de Seguros. – resposta ao quesito 16º;   
T) Nunca a exequente falou previamente com o executado acerca de qualquer doença das menores que justificasse consultas de psicologia para elas. – resposta ao quesito 21º; 
U) Suportou a exequente o pagamento das facturas de C) a G). – resposta ao quesito 24º. [1]

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III – Fundamentação de Direito

Visa a execução (processo principal) o recebimento de montantes respeitantes a despesas realizadas com saúde e educação, no âmbito da obrigação alimentar do progenitor/executado para com as suas duas filhas menores.

A sentença recorrida considerou provada a realização de todas as despesas invocadas[2], porém, ponderou que “uma parte dessa dívida, concretamente a que diz respeito às consultas de psicologia, não teve a prévia aprovação por parte do executado, sendo certo que nunca a exequente falou previamente com o mesmo acerca de qualquer doença das menores que justificasse consultas de psicologia para elas”; reputou tais “despesas com consultas de psicologia não abrangidas pelo acordo vigente do regime de REPP, uma vez que o executado não foi sobre elas ouvido, tratando-se inequivocamente de questões de relevância da vida das filhas, não estando o mesmo obrigado a suportá-las ou nelas comparticipar”; e concluiu, julgando parcialmente procedente a oposição quanto à dívida respeitante às consultas de psicologia.

Ao que a exequente/recorrente se opõe dizendo, em resumo, que as despesas com as consultas de psicologia são “despesas de saúde”, incluídas no artigo 10º do acordo celebrado, e não “despesas extraordinárias”, incluídas no artigo 11º do acordo celebrado; razão pela qual “são responsabilidade do ora recorrido, na proporção de ½ do valor total das mesmas, apesar de não serem abrangidas pelo seguro de saúde do mesmo”.

Que dizer?

Em 1.º lugar, que nos factos fixados pelo tribunal a quo – conforme alíneas C) a G) deste acórdão – não há a menor alusão a despesas/gastos concretos com consultas de psicologia; razão pela qual, a partir dos factos fixados na sentença, é impossível alguém retirar a conclusão constante da sentença recorrida, isto é, que uma parte da dívida diz respeito a consultas de psicologia e que essa parte ascende a € 3.000,00[3].

Em 2.º lugar, que também não compreendemos totalmente o sentido da conclusão da executada/recorrente, uma vez que, pedindo-se a revogação total da decisão, se sustenta, antes, que as despesas com as consultas de psicologia são da “responsabilidade do ora recorrido, na proporção de ½ do valor total das mesmas”.

Em 3.º lugar, que, a anteceder logicamente a questão que constitui o objecto da alegação recursiva, se coloca – sendo de conhecimento oficioso (cfr. 820.º/1 do CPC) e tendo sido suscitada nos art. 15.º e ss. da oposição à execução – a questão da inexequibilidade/inexistência/iliquidez do título/obrigação exequenda[4].

Efectivamente – é o ponto – dos € 3.624,46 executados (total do capital executado), a exequente não tem título executivo quanto a € 1.585,67 e quanto ao montante restante o título que tem é inexequível.

Pelo seguinte:

No cabeçalho do requerimento executivo, indica a exequente como título executivo a “sentença condenatória judicial”.
Porém, na descrição que a seguir se faz dos factos, após nos 3 primeiros artigos aludir às cláusulas do acordo que foi homologado por sentença, alega no art. 4.º: “para além de tal acordo alcançado em Fevereiro de 2008, exequente e executado haviam acordado, em 30-01-2008, que o executado entregaria à exequente o reembolso das despesas de saúde das meninas no período de Maio de 2007 a 8-01-2008, excluindo o valor de € 600”; e junta, como “Doc. 1”, uma declaração assinada pelo executado com o teor do alegado no referido art. 4.º.
Como é evidente, tal “Doc. 1” não é uma “sentença condenatória judicial”; e também não é um documento particular que possa servir como título executivo.
É, é certo, um documento particular assinado pelo devedor e até importará o reconhecimento de obrigações pecuniárias, porém, o seu montante não está determinado nem é determinável por simples cálculo aritmético.
Não preenche pois todos os requisitos do art. 46.º/1/c) do CPC, o que significa que não pode servir de base a uma execução, verificando-se assim, em relação aos € 1.585,67, a seu título executados, inexistência de título (cfr. art. 814.º/a)/1.ª parte do CPC)[5].
Quanto ao restante montante (de capital) pedido, existe título que é a sentença homologatória do acordo estabelecido (no âmbito da então RPP), porém, a cláusula invocada (a cláusula 10.ª transcrita na alínea A) dos factos deste acórdão) gerou uma condenação genérica/ilíquida – uma vez que de tal cláusula não consta um montante determinado ou determinável por simples cálculo aritmético – razão pela qual, nos termos do art. 47.º/5 do CPC “ (…) a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo” (art. 378.º/2 do CPC), verificando-se assim, em relação ao restante capital executado, a inexequibilidade do título (cfr. art. 814.º/a)/2.ª parte do CPC).
Cumprindo aqui esclarecer, em face da “resposta” dada pela exequente (nos art. 11.º e 12.º da contestação) à oposição – dizendo que não se verifica a excepção suscitada por ter “especificado os valores que considera compreendidos na prestação devida e terminado com um pedido líquido” – que a exequente se equivoca e não tem presente o campo circunscrito do que é uma “liquidação que depende de simples cálculo aritmético”.
Para a compreensão do sentido de tal expressão é suficiente ter presente que a palavra “simples” (nela contida) é, paradoxalmente, a palavra primordial; isto é, para nos mantermos em tal liquidação têm as contas que ser feitas, apenas e só (sem quaisquer elementos estranhos), a partir e com base no que já está em definitivo estabelecido no título executivo[6].
Sempre que o exequente, para fazer as contas duma liquidação, tem que acrescentar/introduzir/alegar factos que não constam do título executivo, já passamos a estar perante uma liquidação não dependente de mero/simples cálculo aritmético.
É justamente este o caso da presente execução.
A cláusula 10.ª da acordo homologado por sentença (e o mencionado Doc 1. caso fosse – e já vimos que não é – título executivo), só por si, não permite operar quaisquer contas; não é assim liquidável por simples cálculo aritmético.
A partir da cláusula 10.ª, a liquidação só surge no momento em que se lhe juntam “novos” elementos, no momento em que a exequente alega as despesas determinadas que foi tendo ao longo do tempo com a saúde e educação das filhas de ambos.
Elementos/factos de cuja alegação e prova a liquidação depende, elementos/factos que, até à entrada em vigor do DL 38/2003, eram introduzidos nos termos dos então art. 806.º e 807.º do CPC num prévio incidente de liquidação (já no âmbito da execução) e que, após a entrada em vigor do DL 38/2003 (deixando a sentença de condenação genérica de condenar no que se liquidar em execução de sentença para condenar “no que vier a ser liquidado”), passaram a ser introduzidos em incidente de liquidação (cfr. 378.º do CPC), único meio (sem ser por simples cálculo aritmético, nos estritos casos em que o “simples” se verifica) de liquidar (para depois executar) uma condenação genérica.
Conclusão esta a que se acaba de chegar por razões processuais (e por isso de forma) – de nem a cláusula 10.ª da acordo homologado por sentença nem o mencionado Doc 1. (caso fosse e já vimos que não é título executivo) serem liquidáveis por simples cálculo aritmético – que, no caso, até se apresenta como bastante substantiva.
Pelo seguinte:
Na lógica da cláusula 10.ª e do mencionado Doc 1 o pai/executado paga a totalidade das despesas de saúde que lhe forem reembolsadas pela Companhia de Seguros, porém, em vez de se alegar, em linha com o que dizem os “títulos executivos” invocados, que o executado foi integralmente reembolsado pela Companhia de Seguros, alegou-se (art. 10.º) que se “desconhece (…) o valor dos reembolsos efectuados ao executado” e executou-se a totalidade das despesas, isto é, não se alegou sequer, em termos de “novos” factos, elementos compatíveis e susceptíveis de suportar a liquidação efectuada (ainda que esta pudesse ser feita pelo meio processual usado).
O que revela a manifesta falta de acertamento dos títulos executivos invocados, uma vez que não só o título executivo não determina as despesas, como, inclusivamente, a exequente diz ignorar o valor dos reembolsos (feitos pela seguradora).
Observações idênticas podem ser feitas à volta da questão que constitui o objecto da alegação recursiva – a propósito da interpretação das cláusulas 10.ª e 11.ª e da aplicação da interpretação – observações que cumpre silenciar por, tratando-se de questão prejudicada, ainda poder vir a colocar-se e a discutir-se no âmbito do meio processual próprio (incidente de liquidação do art. 378.º/2 do CPC)[7].


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Em conclusão – por razões bem diferentes, mais exactamente, por falta e iliquidez/inexequibilidade dos títulos executivos – julga-se improcedente a apelação e confirma-se o decidido em 1ª instância[8].
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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela exequente/apelante.


 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)



[1] Não se reproduziu a resposta positiva dada ao quesito 23.º por, em face da resposta negativa dada ao quesito 22.º, ser só por si (sem a resposta positiva ao quesito 22.º) incompreensível.

[2] Embora na alínea C), decerto por lapso, não se hajam feito constar quaisquer montantes de despesas.

[3] Repare-se, não estamos a dizer que assim não seja (em face da posição das partes nas alegações recursivas, até é bem possível que assim seja), estamos apenas a dizer que tal não foi/está retratado nos factos provados; e, lembra-se, todas as apreciações e raciocínios jurídicos têm que arrancar e estar suportados em factos (premissa menor) que tenham sido devida e claramente dados como provados e não em elementos factuais que se introduzem ex novo no momento em que na sentença se entra na discussão jurídica. É por estas e por outras – perdoe-se-nos a expressão – que repetidamente escrevemos que a fixação dos factos provados é um claro e relevante momento de direito, querendo-se com isto dizer que o julgador, no momento da sua fixação, não se pode abstrair do direito (tem que o ter bem presente), justamente para não se “esquecer” de fixar e retratar em factos tudo o que, tendo ficado provado, possa vir a ter relevo “segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito” (possa vir a ter relevo para a discussão jurídica a seguir a efectuar).

[4] Não se coloca, a nosso ver, a questão de não haver sido suscitada (ao abrigo do art. 684.º-A/2 do CPC) a questão da nulidade da sentença recorrida – por esta não se ter pronunciado sobre tal questão – uma vez que, embora esta questão seja logicamente anterior (até na “ordem” que a oposição lhe concedeu), se pode dizer que a solução dada à questão apreciada na sentença recorrida prejudicou o conhecimento da questão suscitada nos art. 15.º e ss. da oposição; por outro lado, tendo sido suscitada na oposição (não obstante ser de conhecimento oficioso), tendo-lhe a exequente “respondido” e não padecendo a sentença de ostensiva nulidade, apreciá-la, desde já, não configura uma “decisão surpresa”.
[5] O que torna despicienda a “circunstância” do montante de tais despesas não constar sequer da alínea C).
[6] O caso típico é o da liquidação dos juros (que depende do período de tempo); mas outros exemplos podem ser dados, como o duma indemnização concedida a várias credores conjuntos na proporção dos seus respectivos direitos – cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. III, pág. 254.

[7] Em todo o caso, a propósito da questão que constitui o objecto da alegação recursiva, deve observar-se que o quesito 16.º não pode/deve ter uma resposta “vagamente positiva”; encerrando o quesito em causa um facto juridicamente relevante, o que ficou efectivamente provado – e algo foi ou doutro modo não se teria dado uma resposta “vagamente positiva” – tem que ser espelhado/concretizado na resposta, sob pena da resposta ser, na prática e em termos úteis, uma resposta rotundamente negativa. Vale aqui o que se observou na nota 4: o julgador, no momento da fixação dos factos, não se pode abstrair do direito (tem que ter presente o relevo do facto constante do quesito 16.º), não se pode “esquecer” de fixar e retratar em factos tudo o que, tendo ficado provado, possa vir a ter relevo para a discussão jurídica que a seguir efectuará.

[8] Não se julga a oposição à execução totalmente procedente – como resultaria da falta e iliquidez/inexequibilidade dos títulos executivos – por “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não poderem ser prejudicados pela decisão do recurso” (cfr. 684.º/4 do CPC – princípio da proibição da “reformatio in pejus”)