Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | BARATEIRO MARTINS | ||
Descritores: | INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO EXECUÇÃO DE SENTENÇA | ||
Data do Acordão: | 06/25/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T. FAMÍLIA DE COIMBRA – 1.º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 378.º DO CPC | ||
Sumário: | 1 - Sempre que o exequente, para fazer as contas duma liquidação, tem que acrescentar/introduzir/alegar factos que não constam do título executivo, não estamos perante uma liquidação dependente de simples cálculo aritmético. 2 - É o caso da cláusula dum acordo homologado por sentença – em que um dos pais se compromete a suportar despesas de saúde dos filhos – em que, para a liquidação, é necessário acrescentar as despesas entretanto ocorridas. 3 – Hipótese esta em que o incidente de liquidação (art. 378.º do CPC) é o único meio de liquidar (para depois executar) tal condenação, que é genérica. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório A..., residente na (...) Condeixa-a-Nova, por apenso à execução especial por alimentos que lhe moveu B..., residente na (...) Pereira – para haver dele a quantia global de € 4.115,15 (sendo € 3.624,46 de capital e € 490,69 de juros vencidos) e juros vincendos – veio deduzir oposição à execução, alegando, em síntese, que a exequente carece de legitimidade por não invocar estar em representação das duas filhas menores; que a dívida executada não é exequível, não dependendo a sua liquidação de simples operações aritméticas; que sempre disse à exequente que não aceitava as despesas “reclamadas” e muito menos o modo como as “liquida”, colocando-as, na totalidade, a seu cargo. Foi proferido despacho saneador – que julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e foi organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa. Instruído o processo e realizada a audiência, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que concluiu do seguinte modo: (…) julgando parcialmente procedente a oposição deduzida por A..., no que concerne à dívida respeitante às consultas de psicologia, no valor global de € 3.000,00 (e nos juros correspondentes), mando que prossiga a execução apensa apenas na parte excedente. (…)”
Inconformada com tal decisão, interpôs a exequente recurso de apelação, visando a sua total revogação. Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida por A..., ora recorrido, no que concerne à dívida respeitante às consultas de psicologia, no valor global de 3.000,00€ (e nos juros correspondentes), mandando prosseguir a execução apensa apenas na parte excedente. 2- O acordo estabelecido entre recorrente e recorrido não assentava no pagamento, por ambos, de metade das despesas de saúde extraordinárias das filhas, como tantos outros acordos – estes acordaram em dividir 50% de todas as despesas de saúde das suas filhas, como resulta inequívoco do artigo 10º do acordo. 3- A questão a tratar no presente recurso resume-se à qualificação das despesas com as consultas de psicologia como sendo “despesas de saúde”, incluídas no artigo 10º do acordo celebrado, ou “despesas extraordinárias”, incluídas no artigo 11º do acordo celebrado. 4- Entende a ora recorrente que a saúde mental das suas filhas é uma real dimensão da sua saúde, que a mesma não pode, nem quer descurar. 5- Salvo o devido respeito por opinião diversa, as consultas de psicologia aqui em causa, por serem, indiscutivelmente, “despesas de saúde”, são responsabilidade do ora recorrido, na proporção de ½ do valor total das mesmas, apesar de não serem abrangidas pelo seguro de saúde do mesmo – cf. artigo 10º do acordo. 6- Apesar de concordar a recorrente com a douta sentença proferida quando refere que as consultas de psicologia das suas filhas se tratam “inequivocamente de questões de relevância da vida das filhas”, entende também que andou mal o douto Tribunal a quo ao excluí-las das despesas de saúde previstas no artigo 10º do acordo e inequivocamente devidas por ambos os progenitores em partes iguais, incluindo-as erradamente no artigo 11º do mesmo acordo. 7- Ao decidir da forma expendida na douta sentença recorrida, violou o douto Tribunal a quo, entre outros, os princípios da legalidade, da confiança, da livre apreciação da prova e do superior interesse das crianças.
Respondeu o executado, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pela oponente/recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos. Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. * II Fundamentação de facto K) Deixando de beneficiar do seguro de saúde. – resposta ao quesito 15º; M) Tendo sido esse médico que em 2007 recomendou o acompanhamento por psicólogas clínicas, resultando o actual acompanhamento feito à D... de encaminhamento efectuado pela escola em 2010. – resposta ao quesito 5º; Q) Não eram as despesas com psicologia comparticipadas por esse seguro. – resposta ao quesito 10º; *
III – Fundamentação de Direito Visa a execução (processo principal) o recebimento de montantes respeitantes a despesas realizadas com saúde e educação, no âmbito da obrigação alimentar do progenitor/executado para com as suas duas filhas menores. A sentença recorrida considerou provada a realização de todas as despesas invocadas[2], porém, ponderou que “uma parte dessa dívida, concretamente a que diz respeito às consultas de psicologia, não teve a prévia aprovação por parte do executado, sendo certo que nunca a exequente falou previamente com o mesmo acerca de qualquer doença das menores que justificasse consultas de psicologia para elas”; reputou tais “despesas com consultas de psicologia não abrangidas pelo acordo vigente do regime de REPP, uma vez que o executado não foi sobre elas ouvido, tratando-se inequivocamente de questões de relevância da vida das filhas, não estando o mesmo obrigado a suportá-las ou nelas comparticipar”; e concluiu, julgando parcialmente procedente a oposição quanto à dívida respeitante às consultas de psicologia. Ao que a exequente/recorrente se opõe dizendo, em resumo, que as despesas com as consultas de psicologia são “despesas de saúde”, incluídas no artigo 10º do acordo celebrado, e não “despesas extraordinárias”, incluídas no artigo 11º do acordo celebrado; razão pela qual “são responsabilidade do ora recorrido, na proporção de ½ do valor total das mesmas, apesar de não serem abrangidas pelo seguro de saúde do mesmo”. Que dizer? Em 1.º lugar, que nos factos fixados pelo tribunal a quo – conforme alíneas C) a G) deste acórdão – não há a menor alusão a despesas/gastos concretos com consultas de psicologia; razão pela qual, a partir dos factos fixados na sentença, é impossível alguém retirar a conclusão constante da sentença recorrida, isto é, que uma parte da dívida diz respeito a consultas de psicologia e que essa parte ascende a € 3.000,00[3]. Em 2.º lugar, que também não compreendemos totalmente o sentido da conclusão da executada/recorrente, uma vez que, pedindo-se a revogação total da decisão, se sustenta, antes, que as despesas com as consultas de psicologia são da “responsabilidade do ora recorrido, na proporção de ½ do valor total das mesmas”. Em 3.º lugar, que, a anteceder logicamente a questão que constitui o objecto da alegação recursiva, se coloca – sendo de conhecimento oficioso (cfr. 820.º/1 do CPC) e tendo sido suscitada nos art. 15.º e ss. da oposição à execução – a questão da inexequibilidade/inexistência/iliquidez do título/obrigação exequenda[4]. Efectivamente – é o ponto – dos € 3.624,46 executados (total do capital executado), a exequente não tem título executivo quanto a € 1.585,67 e quanto ao montante restante o título que tem é inexequível. Pelo seguinte: No cabeçalho do requerimento executivo, indica a exequente como título executivo a “sentença condenatória judicial”. * Em conclusão – por razões bem diferentes, mais exactamente, por falta e iliquidez/inexequibilidade dos títulos executivos – julga-se improcedente a apelação e confirma-se o decidido em 1ª instância[8]. * IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida. Custas pela exequente/apelante. (Barateiro Martins - Relator) (Arlindo Oliveira) (Emídio Santos) [1] Não se reproduziu a resposta positiva dada ao quesito 23.º por, em face da resposta negativa dada ao quesito 22.º, ser só por si (sem a resposta positiva ao quesito 22.º) incompreensível. [2] Embora na alínea C), decerto por lapso, não se hajam feito constar quaisquer montantes de despesas. [3] Repare-se, não estamos a dizer que assim não seja (em face da posição das partes nas alegações recursivas, até é bem possível que assim seja), estamos apenas a dizer que tal não foi/está retratado nos factos provados; e, lembra-se, todas as apreciações e raciocínios jurídicos têm que arrancar e estar suportados em factos (premissa menor) que tenham sido devida e claramente dados como provados e não em elementos factuais que se introduzem ex novo no momento em que na sentença se entra na discussão jurídica. É por estas e por outras – perdoe-se-nos a expressão – que repetidamente escrevemos que a fixação dos factos provados é um claro e relevante momento de direito, querendo-se com isto dizer que o julgador, no momento da sua fixação, não se pode abstrair do direito (tem que o ter bem presente), justamente para não se “esquecer” de fixar e retratar em factos tudo o que, tendo ficado provado, possa vir a ter relevo “segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito” (possa vir a ter relevo para a discussão jurídica a seguir a efectuar). [4] Não se coloca, a nosso ver, a questão de não haver sido suscitada (ao abrigo do art. 684.º-A/2 do CPC) a questão da nulidade da sentença recorrida – por esta não se ter pronunciado sobre tal questão – uma vez que, embora esta questão seja logicamente anterior (até na “ordem” que a oposição lhe concedeu), se pode dizer que a solução dada à questão apreciada na sentença recorrida prejudicou o conhecimento da questão suscitada nos art. 15.º e ss. da oposição; por outro lado, tendo sido suscitada na oposição (não obstante ser de conhecimento oficioso), tendo-lhe a exequente “respondido” e não padecendo a sentença de ostensiva nulidade, apreciá-la, desde já, não configura uma “decisão surpresa”. [7] Em todo o caso, a propósito da questão que constitui o objecto da alegação recursiva, deve observar-se que o quesito 16.º não pode/deve ter uma resposta “vagamente positiva”; encerrando o quesito em causa um facto juridicamente relevante, o que ficou efectivamente provado – e algo foi ou doutro modo não se teria dado uma resposta “vagamente positiva” – tem que ser espelhado/concretizado na resposta, sob pena da resposta ser, na prática e em termos úteis, uma resposta rotundamente negativa. Vale aqui o que se observou na nota 4: o julgador, no momento da fixação dos factos, não se pode abstrair do direito (tem que ter presente o relevo do facto constante do quesito 16.º), não se pode “esquecer” de fixar e retratar em factos tudo o que, tendo ficado provado, possa vir a ter relevo para a discussão jurídica que a seguir efectuará. [8] Não se julga a oposição à execução totalmente procedente – como resultaria da falta e iliquidez/inexequibilidade dos títulos executivos – por “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não poderem ser prejudicados pela decisão do recurso” (cfr. 684.º/4 do CPC – princípio da proibição da “reformatio in pejus”) |