Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
746/11.8TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
FIANÇA
PRORROGAÇÃO DO CONTRATO
PRESCRIÇÃO
RENDA
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 323º, Nº 1 E 655º, Nº 2 DO C.CIVIL.
Sumário: I – Se as partes não fixarem limite dos períodos de prorrogação do contrato de arrendamento, o nº 2 do art.655º do CC impõe a extinção da fiança no final do prazo que decorre da soma do prazo inicial do contrato com o prazo de cinco anos, tratando-se de uma fiança por tempo determinado.

II - A prestação diz-se impossível quando não pode ser cumprida ou seja, quando se torna inviável a realização da prestação. É originária se for contemporânea da formação do negócio, e designa-se de superveniente quando, originariamente possível, deixou de o ser mais tarde.

Só a impossibilidade superveniente tem efeito liberatório da obrigação, já que a impossibilidade originária da prestação, a que se reporta o art.401º, nº1 CC contende com a impossibilidade objectiva, geradora da nulidade (art.280 CC).

III - Se os autores através de uma primitiva acção exprimiram directamente a intenção de exercer o direito às rendas, a prescrição do crédito relativo a essas rendas interrompeu-se com a citação ( art.323º, nº1 CC).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- Os Autores – A... e mulher J... – instauraram, na Comarca de Leiria, acção declarativa, com forma de processo sumário, contra os Réus – C... e R...

Alegaram, em resumo:

No dia 29 de Maio de 2002 os Autores deram de arrendamento à 1ª Ré o rés- do-chão de prédio urbano, destinado ao comércio de café, snackbar e casa de pasto, pela renda mensal de 150.000$00, assumindo o 2º Réu a qualidade de fiador.

Os Réus não pagaram as rendas vencidas na pendência da acção de despejo que os Autores propuseram, desde 21/4/2003 a 27/10/2005 (data da entrega do locado).

Pediram a condenação dos Réus a pagarem solidariamente a quantia de €22.500,00, acrescida dos juros legais desde o incumprimento do pagamento de cada uma das rendas até integral reembolso, referente às rendas vencidas desde a data da entrada da acção identificada no artigo 9º desta p.i. até a entrega do locado.

Contestou apenas o Réu R... defendendo-se, em síntese:

Por excepção, arguiu a ineptidão da petição, a prescrição das rendas, o caso julgado e a nulidade da cláusula 1ª do contrato de arrendamento.

Por impugnação negou que a Ré tenha usufruído do locado, pois o senhorio recusou-se a fazer obras.

1.2.- No saneador decidiu-se julgar improcedente a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, a excepção do caso julgado e a excepção da prescrição.

1.3.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

Julgar a acção procedente e condenar os Réus no pagamento da quantia de €22.500,00, correspondente a 30 rendas vencidas, acrescida de juros nos termos expostos (vencidos por cada renda mensal, desde o dia 1 do mês anterior aquele a que respeita) à taxa legal de 4% ao ano, nos termos da Portaria nº 291/03, de 08.04, até integral pagamento.

1.4.- Inconformado, o Réu recorreu de apelação, de cujas conclusões resultam as seguintes questões:

A nulidade da cláusula 10ª do contrato de arrendamento (por não haver convenção a prorrogar o prazo da fiança);

A nulidade do contrato de arrendamento, por impossibilidade de concretizar o seu objecto;

A prescrição do direito às rendas de Maio de 2003 a Outubro de 2005.

                Os Autores responderam.


II – FUNDAMENTAÇÃO

                2.1. – O objecto do recurso

                As questões submetidas a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes:

(1ª) A nulidade da cláusula 10ª do contrato de arrendamento (por não haver convenção a prorrogar o prazo da fiança);

(2ª) A nulidade do contrato de arrendamento, por impossibilidade de concretizar o seu objecto;

(3ª) A prescrição do direito às rendas de Maio de 2003 a Outubro de 2005.

                2.2.- Os factos provados ( descritos na sentença )

 ( ... )

2.3.- Os factos não provados ( descritos na sentença)

...

2.4.- 1ª QUESTÃO

O contrato de arrendamento comercial foi celebrado em 29 de Maio de 2002, estipulando-se o prazo de duração de um ano, com início em 1/6/2002 e termo em 31/5/2003, “considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, enquanto por qualquer das partes não for denunciado nos termos da lei”( cl. 1ª)

Convencionaram na cl. 10ª

“ O terceiro outorgante (R...) assume a qualidade de fiador, responsabilizando-se solidariamente com a segunda outorgante pelo cumprimento das obrigações que esta assume com a outorga do presente contrato, bem como das suas prorrogações ou alterações subsequentes até à cessão do mesmo contrato”.

A sentença considerou justificadamente válida a cláusula, mas o Apelante sustenta a nulidade, alegando não ter sido convencionada a limitação da responsabilidade do fiador.

A análise da cláusula deve ser aferida segundo o critério do art.655º do CC, que não obstante ter sido revogado pela Lei nº 6/2006 de 27/2 (NRAU) é aplicável, por ser a vigente à data da celebração do contrato.

O nº 1 do art.655º CC limita a fiança ao período inicial de duração do contrato de arrendamento, salvo estipulação em contrário. Daqui resulta que as partes podem convencionar, dada a natureza supletiva, qualquer outro período, embora com a imperatividade fixada no nº 2.

A não fixação do número de períodos de renovação do contrato pode tornar incerta e indeterminável a obrigação do fiador, e a consequente nulidade. Por isso, não sendo estipulado o número de limite de prorrogações, aplica-se o regime do nº 2, ou seja, a fiança extingue-se decorrido o prazo de cinco anos.

Decorre do exposto que se as partes não fixarem limite dos períodos de prorrogação, o nº 2 do art. 655º CC impõe a extinção da fiança no final do prazo que decorre da soma do prazo inicial do contrato com o prazo de cinco anos, logo trata-se de uma fiança por tempo determinado (cf., por ex., Ac STJ de 6/3/2014, proc. nº 5429/11; Ac RL de 15/5/2014, proc. nº 1232/11, em www dgsi.pt ).

O Apelante vinculou-se como fiador até à cessação do contrato ( cf. cl.10ª), mas como não resulta qualquer limitação temporal, e não tendo havido nova convenção, a fiança tem-se por extinta decorrido o prazo de cinco anos após o início da primeira prorrogação.

No caso concreto não decorreram os cinco anos sobre as rendas vencidas, pelo que é válida a cláusula, conforme se argumentou na sentença.

2.5.- 2ª QUESTÃO

O Apelante arguiu a nulidade do contrato por impossibilidade do objecto, alegando que não estava licenciado o locado para a exploração comercial, nem existiam condições físicas no local, designadamente as obras necessárias ao seu funcionamento.

A prestação diz-se impossível quando não pode ser cumprida ou seja, quando se torna inviável a realização da prestação. É originária se for contemporânea da formação do negócio e designa-se de superveniente, quando originariamente possível, deixou de o ser mais tarde. A impossibilidade é objectiva quando respeita a toda a gente, ou seja, quando ninguém pode efectuar a prestação, e chama-se impossibilidade subjectiva se apenas o devedor a não pode executar.

                Só a impossibilidade superveniente tem efeito liberatório da obrigação, já que a impossibilidade originária da prestação, a que se reporta o art.401 nº 1 CC contende com a impossibilidade objectiva, geradora da nulidade ( art.280 CC ).

                Ora, para além de não estar comprovada a impossibilidade originária (cf. factos não provados), trata-se até de questão nova em sede recursiva, o que só por si implicaria o não conhecimento.

                2.6.- 3ª QUESTÃO

                No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção da prescrição (art.310 b) CC), argumentando, em síntese, que o prazo prescricional de cinco anos só se iniciou após o trânsito em julgado do acórdão da Relação de Coimbra de 18/5/2010.

O Apelante sustenta a prescrição, dizendo que nenhuma interferência tem o anterior processo, o qual não constituiu impedimento ao exercício do direito, por as rendas em dívida não se conterem dentro dos limites da matéria discutida no mesmo.

                O prazo de prescrição é de cinco anos ( art.310 b) CC) e como o crédito emerge das rendas reporta-se às vencidas desde 21/4/2003 a 27/10/2005, uma vez que a presente acção deu entrada em 8/2/2011, dir-se-ia estar prescrito.

Há, porém, que ponderar da relevância da pendência da acção nº ... (instaurada em 21/4/2003) pois as rendas aqui reclamadas são as vencidas na pendência da referida acção.

Nela, os Autores pediram a resolução do contrato de arrendamento e também o pagamento das rendas vincendas até à entrega do locado.

A sentença julgou a acção parcialmente procedente e condenou os Réus a pagarem aos Autores os juros compensatórios desde a data do vencimento de cada uma das rendas já pagas, e tendo em conta o seu valor mensal, até efectivo e integral pagamento (tendo-se em conta a data de pagamento das rendas referias em M) e os meses cujo pagamento foi feito com atraso, a saber, Setembro a Dezembro de 2002, Fevereiro de 2003).

Os Autores apelaram, colocando em recurso a questão da pagamento das rendas de Maio de 2003 a Outubro de 2005, mas a Relação, por acórdão de 18/5/2010, negou provimento ao recurso. Considerou-se na fundamentação que o pedido do pagamento das rendas vincendas até entrega efectiva do locado ficara prejudicado pela decisão, tanto que o objecto da causa de pedir limitou-se às rendas de Setembro de 2002 a Maio de 2003.

Diz a Relação:

“ Esse pedido ( pagamento das rendas vincendas até à entrega do locado) é uma natural decorrência da procedência do primeiro de resolução do contrato de arrendamento e despejo imediato do locado, pedido esse que, como vimos, foi julgado improcedente por se ter provado que a ré pagou as rendas em dívida até à data da interposição da acção e não é visado no recurso, sabendo-se que o âmbito deste pode ser limitado pelo próprio recorrente no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art. 684 nº2, 1ª parte, e 3 CPC) , prejudicando consequentemente a condenação dos réus por qualquer ulterior renda”.

É inequívoco que através da acção nº ..., os Autores exprimiram directamente a intenção de exercer o direito, logo a prescrição do crédito relativo a essas rendas interrompeu-se com a citação ( art.323 nº1 CC )

Sendo assim, conforme se justificou no saneador, ao julgar improcedente a excepção da prescrição, até ao trânsito em julgado do acórdão da Relação manteve-se a interrupção da prescrição do direito ao crédito das rendas vincendas de Maio de 2003 a Outubro de 2005, começando a partir do trânsito o novo prazo de prescrição, por força do disposto nos arts. 326 nº1 e 327 nº1 CC.

Sendo o acórdão da Relação de 18/5/2010 e tendo a presente acção dado entrada em 8/2/2011, é manifesto que não está prescrito o crédito reclamado pelas rendas.

2.7.- Síntese conclusiva

a) Se as partes não fixarem limite dos períodos de prorrogação do contrato de arrendamento, o nº2 do art.655 CC impõe a extinção da fiança no final do prazo que decorre da soma do prazo inicial do contrato com o prazo de cinco anos, tratando-se de uma fiança por tempo determinado.

b) A prestação diz-se impossível quando não pode ser cumprida ou seja, quando se torna inviável a realização da prestação. É originária se for contemporânea da formação do negócio e designa-se de superveniente, quando originariamente possível, deixou de o ser mais tarde.

                Só a impossibilidade superveniente tem efeito liberatório da obrigação, já que a impossibilidade originária da prestação, a que se reporta o art.401 nº1 CC contende com a impossibilidade objectiva, geradora da nulidade ( art.280 CC ).

c) Se os autores através de uma primitiva acção exprimiram directamente a intenção de exercer o direito às rendas, a prescrição do crédito relativo a essas rendas interrompeu-se com a citação ( art.323 nº1 CC )


III – DECISÃO

                Pelo exposto, decidem:

1)

                Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença.

2)

                Condenar o Apelante nas custas.

                Coimbra, 8 de Setembro de 2015.


( Jorge Arcanjo )

( Manuel Capelo )

( Falcão de Magalhães )