Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
26/09.9GTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: AUTORIA
CUMPLICIDADE
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º E 27º CP
Sumário: 1.- Na comparticipação criminosa, sob a forma de co-autoria, são essenciais uma decisão e uma execução conjuntas.

2.- Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes. A decisão conjunta, pressupondo um acordo que, sendo necessariamente prévio pode ser tácito, pode bastar-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime.

3.- Na co-autoria não é necessário que o compartici­pante pratique todos os actos conducentes à realização do facto típico; basta que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do resultado.

4.- Na cumplicidade o agente favorece a prática por outrem de um crime, mas está fora do acto típico, não participando na execução do plano criminoso.

Decisão Texto Integral: Relatório

Pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos
SM..., solteiro, desempregado, actualmente detido no Estabelecimento Prisional Regional de Guimarães,
BB..., solteiro, desempregado, actualmente no …, em Caxias e
CL..., solteiro, desempregado, actualmente no … -Porto
imputando-se-lhes os seguintes crimes:
-------- ao arguido SM... em co-autoria material, em concurso efectivo, a prática de:
- um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.ºs 1, 2, alíneas g) e l), todos do Código Penal; um crime de coacção agravada, previsto e punido pelo artigo pelos artigos 154.º, n.º 1, 155.º, n.ºs 1, alíneas a) e c), por referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal; um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1, do Código Penal; um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352.º, nº 1, do Código Penal; dois crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203.º, nº 1, do Código Penal; um crime de furto tentado, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal; e
em autoria material:
- um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 292.º, nº 1, alínea b), do Código Penal; um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei nº 2/98 de 03-01, por referência aos artigos 121.º, nº 1 e 122.º, nº 1, ambos do Código da Estrada;
--------- ao arguido BB..., em co-autoria, em concurso efectivo, na prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, nºs 1, 2, alíneas g) e l), todos do Código Penal; um crime de coacção agravada, previsto e punido pelo artigo pelos artigos 154.º, n.º 1, 155.º, n.ºs 1, alíneas a) e c), por referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal; um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1, e 2, alínea f), por referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal; um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352.º, n.º 1, do Código Penal; dois crimes de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal e um crime de furto tentado, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 203.º, nº 1, todos do Código Penal; e
--------- ao arguido CL..., em co-autoria, em concurso efectivo, na prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 131.º e 132.º, n.ºs 1, 2, alíneas g) e l), todos do Código Penal; um crime de coacção agravada, previsto e punido pelo artigo pelos artigos 154º, n.º 1, 155º, n.ºs 1, alíneas a) e c), por referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal; um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 1, e 2, alínea f), por referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º, todos do Código Penal; um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352.º, n.º 1, do Código Penal; dois crimes de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal e um crime de furto tentado, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal;

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo, por acórdão de 6 de Maio de 2010, decidiu:
- Absolver o arguido BB... da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º e 132º, nºs 1, 2, alíneas g) e l), todos do Código Penal; de um crime de coacção agravada, previsto e punido pelo artigo pelos artigos 154º, nº 1, 155º, nºs 1, alíneas a) e c), por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, de um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158º, nº 1, e 2, alínea f), por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal e de um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352º, nº 1, do Código Penal;
- Absolver o arguido CL… da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º e 132º, nºs 1, 2, alíneas g) e l), todos do Código Penal; de um crime de coacção agravada, previsto e punido pelo artigo pelos artigos 154º, nº 1, 155º, nºs 1, alíneas a) e c), por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal e de um crime de evasão previsto e punido pelo artigo 352º, nº 1, do Código Penal;
- Absolver o arguido SM... da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º e 132º, nºs 1, 2, alíneas g) e l), todos do Código Penal e de um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352º, nº 1, do Código Penal;
- Condenar o arguido BB..., pela prática de dois crimes de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão relativamente a cada um deles e pela prática de um crime de de furto tentado, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º e 203º, nº 1, todos do Código Penal na pena de 8 (oito) meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico condenar o arguido BB... na pena única de 1 (um) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sendo tal suspensão acompanhada de regime de prova a definir pelos Serviços de Reinserção Social da área de residência do arguido, que deverão enviar trimestralmente os respectivos relatórios.
- Condenar o arguido CL... pela prática de um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158º, nº 1, e 2, alínea f), por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de dois crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão relativamente a cada um deles e pela prática de um crime de furto tentado, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º e 203º, nº 1, todos do Código Penal na pena de 8 (oito) meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico condenar o arguido CL... na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, sendo tal suspensão acompanhada de regime de prova a definir pelos Serviços de Reinserção Social da área de residência do arguido, que deverão enviar trimestralmente os respectivos relatórios .
- Condenar o arguido SM... pela prática de um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo artigo 158º, nº 1, e 2, alínea f), por referência à alínea l), do nº 2, do artigo 132º, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. p. no artigo 145º nº1 a) e nº2 do CP na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; pela prática de um crime de coacção agravada p. p. nos artigos 154º nº1 e 155 nº 1 a) e c) do CP na pena de 2 ( dois) anos de prisão; pela prática de dois crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal na pena de 1 (um) ano relativamente a cada um deles e pela prática de um crime de furto tentado, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 73º e 203º, nº 1, todos do Código Penal na pena de 8 (oito) meses de prisão; pela prática de um crime de condução perigosa p. e p. no artigo 291º nº 1 b) do CP na pena de 1 (um) prisão e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. p. no artigo 3º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei nº 2/98 de 03-01, na pena de 9 (nove) meses de prisão; e
- Em cúmulo jurídico condenar o arguido SM... na pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sendo tal suspensão acompanhada de regime de prova a definir pelos Serviços de Reinserção Social da área de residência do arguido, que deverão enviar trimestralmente os respectivos relatórios .

Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido BB..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1 - Em face de tudo o exposto o arguido BB… foi indevidamente acusado e condenado em um ano de prisão relativamente à prática como co-autor de cada um dos crimes de furto simples p. e p. pelo artigo 203.º do CP e na pena de oito meses de prisão pela prática de um crime de tentativa de furto p. e . p. pelos artigos 22.º,23.º e 203.º do CP, quando deveria ter sido acusado e condenado como cúmplice e não como co-autor, nos termos do artigo 27.º do CP, em relação aos crimes de furto simples. Deveria ser absolvido da prática do crime de furto na forma tentada. A pena a aplicar a um cúmplice deverá ser especialmente atenuada.
2 - A autoria deve definir-se, pelo menos, como domínio de um dos âmbitos de configuração, decisão ou execução do facto, não sendo relevante o domínio per se, mas apenas enquanto fundamenta uma plena responsabilidade pelo facto.
3 - De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o se e o como da execução do facto.
4 - A cumplicidade de acordo com a doutrina e a jurisprudência diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar s facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo agente.
5 - O arguido BB...foi acusado e condenado em co-autoria de crimes sobre os quais ele não tinha qualquer capacidade de decidir sobre o que fazer, como fazer e quando fazer, ele nem sabia como aceder ao interior dos veículos furtados nem tão-pouco sabia pô-los a trabalhar e a conduzi-los.
6 - Por essa razão e atendendo à sua realidade socioeconómica, familiar, ao comportamento social que o arguido vem evidenciando nos últimos tempos, a desestabilização familiar que este processo judicial originou, são factores que dissuadem o arguido de voltar a pensar em regressar à actividade criminosa, por isso, é aconselhável a condenação numa pena de três meses de prisão, como cúmplice, referente a cada um daqueles furtos simples, sendo suspensa a sua execução por dois anos.
7 - Além, de que o arguido sente-se legitimamente prejudicado e discriminado face a outros arguidos no âmbito deste processo e de outros similares, que se encontram em circunstâncias análogas à sua e que não foram sujeitos a penas de prisão tão elevadas.
8 - Deste modo, o tribunal deu indevidamente como provados no acórdão os factos referidos nos pontos 22, 23, 24, 25 e 41 em relação ao arguido BB....
9 - Em relação a estes três crimes foi sobrevalorizada a importância dos factos relatados pelo arguido SM...e desvalorizado o depoimento dos arguidos CL... e BB..., gravados na aplicação informática em utilização no tribunal a quo, de acordo com o referido na acta da audiência de julgamento.
10 - Motivo pelo qual, se impugna a decisão do tribunal, nos termos do art. 412.º n.º 3 do C.P..
11 - Pela prova produzida, por aqueles depoimentos, os factos supra referidos teriam que ser considerados como não provados, em relação ao arguido BB..., há uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e existe um erro notório na apreciação da prova (violação do art.410.º n.º2 do C.P.).
12 - O professor Germano Marques da Silva, defende que a cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa destinada a favorecer um facto alheio, portanto de menor gravidade objectiva, mas, embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida contribui para a sua prática.
13 -Em consequência, o arguido teria que ser absolvido da prática de um crime de tentativa de furto.
14 - E condenado como cúmplice de dois furtos simples nos termos do artigo 27o do Código Penal.
15 - Foi violado o art.410.º, n.º 2, do Código Penal, existe uma contradição entre a prova produzida julgamento, e os factos considerados como provados.
16 - Não foram encontradas impressões digitais do arguido BB...no exterior dos veículos furtados.
17 - Toda a prova atrás identificada, dos depoimentos dos arguidos, e das outras testemunhas de acusação, gravados na audiência de discussão e julgamento, na aplicação informática em utilização no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda; referidos em B; C e D do presente recurso e que aqui se dão por integralmente reproduzidos deverá ser renovada nos termos do art. 430.º do C.P.
Termos em que devera ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta derisão recorrida nos termos supra mencionados por ser de inteira justiça.

O Ministério Público na Comarca da Guarda respondeu ao recurso interposto pelo arguido BB…, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão condenatória.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva convicção, constante do acórdão recorrido é a seguinte:
Factos Provados
Da matéria constante da acusação provou-se que:
1. Os arguidos SM..., BB... e CL... encontravam-se internados no Centro … em cumprimento de medida de internamento institucional, em regime fechado.
2. De comum acordo e comunhão de esforços e plano previamente combinado, os arguidos SM... e CL... planearam evadir-se do referido estabelecimento.
3. Na execução do referido plano, o arguido SM..., no dia 25 de Maio de 2009, em hora não concretamente apurada, retirou das oficinas do referido estabelecimento, uma chave de fendas com 28,6 cm de comprimento, que escondeu dentro do sapato, levando-a para o seu quarto, tendo-a guardado debaixo do colchão.
4. No dia seguinte, os arguidos SM... e CL..., decidiram que seria nesse dia que iriam evadir-se do estabelecimento.
5. Pelas 23m 40m desse dia, o arguido SM..., que se encontrava munido da chave de fendas, chamou o monitor AC..., pedindo-lhe para ir ao quarto de banho.
6. O monitor abriu a porta do quarto do arguido SM...e permitiu-lhe a ida ao quarto de banho que fica fora da zona dos quartos, da qual é necessário abrir uma porta.
7. O monitor AC...ficou a aguardar a vinda do arguido SM...junto à referida porta e quando chegou perto daquele, de forma súbita, encostou-lhe a chave de fendas ao pescoço e disse-lhe em tom ameaçador “abra já a porta do quarto do DX... senão furo-o”.
8. Uma vez aberta a porta do quarto do DX..., o arguido SM...empurrou o monitor para dentro do quarto daquele, retirou os atacadores das suas sapatilhas e com os mesmos, amarrou-lhe as mãos atrás das costas e retirou-lhe as chaves dos quartos.
9. De seguida, os arguidos SM...e CL..., levaram o monitor para dentro da cela de isolamento, aos empurrões.
10. Dentro da referida cela, foram retiradas do bolso das calças do monitor as chaves do seu veículo automóvel, com a matrícula …, e obrigaram-no a permanecer na referida cela, depois de terem tentado fechar a porta da mesma, que não conseguiram, uma vez que a porta só fechava à chave.
11. O arguido SM...entregou as chaves ao arguido CL… .
12. Este, de seguida, abriu a porta do quarto do arguido BB…, bem como, dos outros quartos.
13. Dos quartos apenas saiu o arguido BB...que se juntou aos arguidos CL... e SM… .
14. Nesse momento os arguidos, sentem um barulho de passos, o que os leva a esconderem-se.
15. O monitor AG..., ao retomar o seu local de vigilância, uma vez que tinha sido substituído pelo monitor AC…, enquanto foi ao quarto de banho, ao abrir a porta da unidade do regime fechado, é surpreendido pelos arguidos SM..., DX... e BB....
16. Nesse momento, o arguido SM...desferiu um golpe com a chave de fendas que trazia na mão, atingindo o monitor AG..., no peito, do lado direito, sobre o mamilo.
17. O monitor AG... ao impedir a fuga dos arguidos é ainda surpreendido com a tentativa de outro golpe com a chave de fendas por parte do arguido SM..., que consegue suster com o braço direito.
18. Nesse momento, os arguidos conseguem passar pelo monitor AG... e colocam-se em fuga, saindo do edifício onde se situa a área de regime fechado, dirigem-se para a portaria que tinha a porta fechada, sobem o muro, transpõem a malha metálica protectora e saltam para a rua.
19. Uma vez na rua, utilizando as chaves que tinham tirado ao monitor AC…, entram no veículo automóvel daquele, e dirigem-se para o IP5, sendo o veículo conduzido pelo arguido SM....
20. Este arguido não possui qualquer título que o habilite a conduzir veículos automóveis na via pública.
21. Os arguidos percorrem o IP5 até ao cruzamento das localidades de Açores/Porto da Carne, sendo que, nessa altura, dá-se o rebentamento do pneu da frente, do lado direito do veículo, o que o fez com que o veículo se imobilizasse.
22. Os arguidos deslocam-se, então, a pé até à localidade de ..., local onde, com uma vareta de óleo, abrem a fechadura da porta da frente do lado esquerdo do veículo automóvel com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Rua ... em ....
23. Nesse momento, os arguidos entram na aludida viatura e tentam colocá-la em funcionamento com a vareta no canhão de ignição, o que não conseguem, provocando, no entanto, na mesma danos no mesmo no valor de 150,00 €.
24. Com a referida vareta, abriram a fechadura da porta do lado direito do veículo automóvel com a matrícula …, propriedade de FD… que se encontrava estacionada na mesma Rua ..., em ....
25. Seguidamente, entram no mesmo e introduzem no canhão de ignição a vareta e colocam o veículo em funcionamento, conduzindo-o o arguido SM... em direcção à AE 25 e de seguida pela AE 23, em direcção à cidade da ....
26. Os arguidos ao chegarem à AE 23, já eram seguidos por uma patrulha da GNR/BT que tinha sido chamada para o local, em veículo devidamente sinalizado como sendo daquela força, mantendo os rotativos ligados, bem como, a sirene.
27. O arguido SM..., apercebendo-se que estavam a ser perseguidos, saem da referida via no cruzamento para a localidade de ... e passam a circular pela EN 18, em direcção à cidade da ....
28. Este arguido, apercebendo-se ainda da presença de outra patrulha da GNR/BT no local, ao chegar ao cruzamento da EN 18 com o acesso à AE 23, desrespeitando a sinalização existente no local -sinal B2 – Stop e D3a – obrigação de contornar a placa, passa pelo lado esquerdo do ilhéu que se encontrava no pavimento, passando a circular em contra-mão em direcção à AE 23, numa distância de cerca de 400 metros, só não entrando nesta via em sentido contrário, uma vez que os militares da GNR colocaram o veículo por forma a impedir a sua fuga pela mesma, em contra-mão, tendo o arguido violado o sinal C13 (proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h), existente no local.
29. Nesse momento, o arguido SM... vira para o lado direito, fazendo o trajecto apenas nas duas rodas do lado direito, e vira em direcção à localidade de ..., violando os sinais C13 (proibição de exceder a velocidade máxima de 50 e 40 Km/h), existentes no local.
30. Ao chegarem ao cruzamento para aquela localidade, passa pelo lado esquerdo do ilhéu existente no pavimento, circula em contra-mão, virando à esquerda, violando o sinal C13 (proibição de exceder a velocidade máxima de 30 Km/h), existente no local.
31. Passa pelo interior da localidade de ... em velocidade não concretamente apurada, mas certamente superior a 50 Km/h, violando o sinal C13, existente no local.
32. Devido à velocidade imprimida ao veículo, ao efectuar uma curva para a direita, depois da localidade de ..., veio o arguido SM...a perder o controlo do veículo, indo embater com a frente, do lado esquerdo no “rail” de protecção da ponte existente no local, o que originou a imobilização do mesmo.
33. De seguida, os arguidos saíram do veículo e colocaram-se em fuga, tendo o arguido SM...sido capturado momentos depois.
34. Durante o trajecto efectuado pelo veículo automóvel conduzido pelo arguido SM..., este violou grosseiramente as regras da circulação rodoviária, nomeadamente, circulando em contra-mão, em excesso de velocidade e não respeitando a sinalização estradal, nomeadamente, a sinalização vertical colocada no trajecto, sinais B2, D3a e C13, pondo em perigo os próprios ocupantes do veículo e os agentes da GNR/BT que os perseguiam.
35. Como consequência necessária da conduta do arguido SM..., sofreu o lesado AG…, as lesões descritas e examinadas no auto de exame médico de fls. 237 a 239, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente, ferida perfurante na face anterior do tórax direito (cicatriz punctiforme com 0,1mm no terço superior do hemitorax direito distando 9,5 centímetros da linha média, que foram causa directa e necessária de um período de doença de 8 (oito) dias, com 1 (um) dia de afectação da capacidade de trabalho geral e 1 (um) dia com afectação da capacidade de trabalho profissional.
36. Os danos provocados no veículo automóvel RC, ascendem a 1.250,00 €.
37. Os danos provocados no veículo automóvel LN, ascendem a 400, 00 €.
38. O arguido SM... de forma deliberada, livre e consciente, pretendeu e conseguiu, intimidar o monitor AC...à prática de uma determinada acção, ou seja, abrir a porta do quarto do arguido CL..., bem como, a dar-lhe as chaves dos outros quartos, mediante a ameaça da ocorrência de um mal sério e particularmente gravoso, bem sabendo que esta conduta era proibida e punido por lei penal.
39. Os arguidos SM... e CL..., actuando da forma acima descrita, de comum acordo, comunhão de esforços e plano previamente elaborado, de forma deliberada livre e consciente e contra a vontade do monitor AC...ao amarrarem as mãos e colocarem na cela, obrigando-o aí a permanecer, pretenderam e conseguiram privá-lo da sua liberdade de movimentação, bem sabendo estes arguidos que esta conduta era proibida e punida por lei como crime.
40. O arguido SM... actuou ainda de forma livre, deliberada e consciente com o propósito de molestar corporalmente o monitor AG... o que conseguiu, bem sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei como crime.
41. Os arguidos SM..., CL... e BB…, agiram de forma deliberada, livre e consciente pretendendo, e conseguindo, fazer seus os veículos automóveis RC e LN acima referidos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, que actuavam contra a vontade dos seus donos e que não tinham quaisquer direitos sobre os mesmos; quiseram ainda apropriar-se do veículo automóvel com a matrícula VX, apenas não o tendo conseguido por razões alheias á sua vontade, não obstante saberem perfeitamente que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do dono do mesmo, bem sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei como crime.
42. O arguido SM... actuou de forma deliberada, livre e consciente, e não obstante saber que não podia conduzir os veículos automóveis em referência na via pública, sem para tal estar devidamente habilitado, não se absteve de tal comportamento, sabendo que o mesmo era proibido e punido por lei como crime.
43. O arguido SM..., actuou ainda de forma deliberada, livre e consciente, ao conduzir o veículo automóvel RC na via pública, violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária, nomeadamente, circulando em contra-mão, em excesso de velocidade e sinalização estradal, punha em perigo os próprios ocupantes do veículo, bem como os agentes da GNR/BT que os perseguiam, tendo mesmo acabado por se despistar, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
44. Agiram os arguidos SM..., CL... e BB...de forma deliberada, livre e consciente, querendo e conseguindo fugir do Centro …, local onde cumpriam medida de internamento institucional em regime fechado.
45. Os arguidos confessaram parcialmente a prática dos factos e o arguido BB...demonstrou arrependimento.
Quanto à situação económica e pessoal dos arguidos provou-se que:
46. O arguido SM... é oriundo de uma família numerosa, com oito irmãos, sendo a dinâmica do agregado familiar fortemente marcada por um quadro de alcoolismo associado a depressão por parte do pai e atitudes permissivas por parte da mãe, que foi também alvo de sanções penais.
47. O percurso escolar foi marcado pelo absentismo, tendo apenas frequentado o 1º ano de escolaridade, não tendo aprendido a ler e escrever.
48. Com cerca de 10-11 anos, juntamente com outros do grupo, iniciou o consumo de bebidas alcoólicas e droga, tendo o primeiro contacto com o sistema de justiça em Julho de 2003 e a partir daí várias condutas de grande gravidade, algumas delas contra pessoas, o que determinou a intervenção de Tribunal de Família e Menores e a internamento em Centro Educativo com 14 anos de idade.
49. As medidas educacionais a que foi sendo sujeito não sortiram efeitos educativos, tendo continuado a registar um comportamento pessoal instável, com dificuldades de adaptação às regras dos Centros Educativos.
50. Manteve, mesmo no período de internamento o consumo de substâncias estupefacientes,
51. Junto da família, a intervenção dos técnicos da Acção Social tem-se revelado difícil, também devido ao problema de alcoolismo do pai.
52. No meio onde residem são visíveis os sentimentos de rejeição extensíveis a toda a família.
53. No meio prisional o seu comportamento é também pouco correcto, quer com os restantes reclusos, quer com funcionários, tendo sido alvo de dois registos disciplinares.
54. Assume com algum orgulho o seu comportamento rebelde e indisciplinado, manifestando sentimentos de revolta a nível pessoal, não se mostrando motivado para iniciar um programa terapêutico, mas antes o tendo rejeitado.
55. Aceitou a sua inscrição nas aulas de teatro e educação física e solicitou trabalho.
56. A família tem-lhe efectuado visitas regulares.
57. O arguido BB...desenvolveu um percurso de vida marcado pela morte da mãe quando tinha 3 anos de idade, tendo ficado entregue aos cuidados da avó paterna na Guiné-Bissau.
58.O pai depois trouxe o arguido com 9 anos de idade, e a irmã para Portugal onde residia, mas foi sempre uma figura muito pouco presente.
59. Teve dificuldades em se adaptar à nova vida e desde muito jovem manifestou propensão para aderir a práticas comportamentais desviantes.
60. Concluiu o 5º ano de escolaridade, mas revelou condutas transgressivas e grande absentismo, desmotivação e falta de aproveitamento, envolvendo-se e situações de furto no meio escolar.
61. O arguido passou a ter uma vida pouco estruturada, entregue a si próprio e com 16 anos entrou para o Centro …, inicialmente para cumprimento de medida tutelar de internamento em regime semi-aberto, alterada depois para regime fechado, encontrando-se o termo previsto para 17/06/2010.
62. Desde Maio de 2009 encontra-se no Centro …, frequentando formação escolar.
63. Tem aí cumprido as regras institucionais embora com algumas dificuldades no relacionamento interpessoal.
64. O pai tem mantido contactos telefónicos regulares e o arguido recebe as visitas de tios e primos, o que tem contribuído para uma maior estabilidade emocional.
65. O arguido poderá integrar o agregado familiar de uma prima direita do arguido a quem chama de tia, que está disposta a recebê-lo até ao momento de poder ir ter com o pai a residir no estrangeiro.
66.Tem uma atitude crítica face aos comportamentos transgressivos, mostrando-se preocupado com o resultado deste processo.
67. O arguido CL... é o único descendente da relação entre os seus progenitores que terminou quando tinha 6 anos de idade.
68. Viveu com a mãe e a avó até à morte deste última quando tinha 12 anos de idade.
69. O progenitor foi condenado numa pena de prisão tendo acabado por falecer quando o arguido tinha 11 anos de idade.
70. Começou a revelar problemas comportamentais, quer em relação à mãe, quer no meio escolar, tendo registado insucesso escolar, também devido ao absentismo.
71. Passou a assumir comportamentos ligados ao consumo de estupefacientes e acaba por ser alvo de intervenção tutelar educativa, por dois crimes de roubo, um de roubo agravado, um crime de violação e um de furto, sendo-lhe aplicada medida de internamento em regime fechado no Centro …, por 30 meses.
72. O seu comportamento era também no interior do Centro desafiador das regras institucionais, sobretudo depois da fuga, sem contudo as infringir.
73. Actualmente, no Centro …, no Porto, revela uma postura adequada estando integrado num curso de marcenaria, que lhe dará equivalência ao 9º ano de escolaridade.
74. Beneficia do apoio da progenitora a cujo agregado familiar pretende regressar.
75. Este agregado familiar reside numa habitação com condições de higiene e conforto, vivendo do rendimento de inserção social e do abono das duas irmãs uterinas do arguido.
76. A progenitora manifesta vontade em apoiar o filho, embora com algum receio da influência negativa do grupo no meio social onde habitam e da sua pouca autoridade sobre o filho.
Quanto aos antecedentes criminais provou-se que:
77.O arguido CL... não tem antecedentes criminais.
78. O arguido BB... não tem antecedentes criminais.
79. O arguido SM... foi condenado por factos de 21/05/2007 e decisão de 19/11/2007 foi condenado no âmbito do processo nº 169/07.3TBJA, do Tribunal Judicial de Silves, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 85 dias de multa.
Factos não provados
Nada mais se provou para além ou em contradição com o supra referido.
Assim, da matéria constante da acusação e com interesse para a decisão não se provou que:
1. O arguido BB…, de comum acordo e comunhão de esforços e plano previamente combinado com os arguidos SM... e CL... planeou evadir-se do Centro … .
2. No dia referido em 4. dos factos provados, o arguido BB...decidiu que seria nesse dia que iria evadir-se do estabelecimento.
3. Os arguidos BB...e CL..., actuando da forma acima descrita, de comum acordo, comunhão de esforços e plano previamente elaborado, de forma deliberada, livre e consciente, pretenderam e conseguiram, intimidar o monitor AC...à prática de uma determinada acção, ou seja, abrir a porta do quarto do arguido CL..., bem como, a dar-lhe as chaves dos outros quartos, mediante a ameaça da ocorrência de um mal sério e particularmente gravoso, bem sabendo que esta conduta era proibida e punido por lei penal.
4. O arguido BB..., de forma deliberada livre e consciente e contra a vontade do monitor AC...ao amarrar as mãos e colocar na cela, obrigando-o aí a permanecer, pretendeu e conseguiu privá-lo da sua liberdade de movimentação, bem sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei como crime.
5. Os arguidos SM..., CL... e BB..., agiram de forma deliberada, livre e consciente com a intenção de tirar a vida ao lesado AG..., só o não conseguindo por motivos alheios à sua vontade, bem sabendo que ao desferir com uma chave de fendas, pontiaguda, com cerca de 28,6 cm de comprimento, no peito, do lado direito do ofendido, da forma como o fez, lhe causava a morte, ainda assim, desferiu tal golpe, para além de ter desferido outro, que foi sustado pela vitima, conformando-se com o resultado, sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei como crime.
6. Sabiam os arguidos SM..., CL... e BB...que a conduta descrita em 44. dos factos provados era proibida e punida por lei como crime.
Convicção do Tribunal
Em sede de motivação da decisão de facto, o tribunal formou a sua convicção em todo o acervo probatório produzido em audiência, em conjugação com o teor da prova documental e pericial já junta aos autos.
Assim, de salientar, no que respeita à prova já junta aos autos:
- auto de apreensão da chave de fendas, constante de fls. 52;
- auto de apreensão de veículo, de fls. 5;
- fotografias de fls. 58-59, relativas às lesões físicas de AG...;
- elementos clínicos de fls. 108 a 112;
- fotografia da chave de fendas , constante de fls. 61;
- fotografia do veículo acidentado (RC), constantes fls. 63 a 65;
- fotografias do veículo (LN), fls. 67 a 70;
- fotografias do veículo (VX), fls. 262-263;
- processo IRS relativo ao arguido SM..., fls. 75 a 83;
- processo IRS relativo ao arguido CL…, fls. 244;
- fotografias do trajecto efectuado (contra-mão), fls. 415 a 417;
- fotografias do trajecto efectuado (contra-mão), fls. 474 a 481;
No que respeita à prova pericial foi ponderado o teor do exame e respectivos relatórios médicos de fls. 237 a 239 e 229 a 231.
Já no que respeita à prova produzida em audiência de julgamento, relevaram, desde logo, as declarações dos arguidos, que, no essencial, confessaram os factos que resultaram provados e pelos quais vinham acusados.
Assim, o arguido SM..., referiu ser verdade o referido na acusação, dizendo, no entanto, que o plano para fugir foi só entre ele e o DX..., até porque, nas suas palavras “só contava com o DX... para fugir”.
Disse que o arguido BB... não sabia de nada e só quando foram abertas as portas dos quartos, ele resolveu acompanhá-los na fuga.
Referiu ainda que nunca foi sua intenção matar o monitor AG..., nem nunca pensou que tal pudesse vir a acontecer, já que apenas queria fugir.
No que respeita à chave de fendas, esclareceu que a tirou para o caso de ser necessário, designadamente para poder rebentar alguma porta ou fechadura, mas não para ferir alguém com ela, como acabou por acontecer.
No que respeita aos furtos dos veículos, referiu que os outros dois arguidos também o ajudavam, embora fosse ele que soubesse mais como se fazia, porque já anteriormente tinha feito aquilo.
Disse ainda que, de facto, conduziu sem licença para tal, que iam em fuga, admitindo ter infringido as normas do Código da Estrada, mas não sabendo já exactamente quais.
No que respeita ao arguida CL..., prestou também declarações idênticas, referindo que ele e o SM...tinham falado uns dias antes em fugir, e disse que sabia também que aquele tinha tirado uma chave de fendas.
Referiu que não combinaram exactamente o que fariam ou não para fugir, mas resultou também evidente das suas declarações que acabou por participar no mesmo plano do arguido SM..., designadamente quando levaram um dos monitores para a sala do isolamento.
Disse, no entanto, este arguido, o que pareceu credível, que não sabia que o SM...iria agredir o monitor com a chave de fendas e que não se apercebeu, sequer, de tal agressão, pelo que, naturalmente, a mesma estaria fora do plano e o arguido em nada participou.
Acrescentou também o arguido DX... que o arguido BB... não teve conhecimento do plano de fuga que ele tinha com o SM...e que se limitou a fugir com eles quando abriu as portas dos quartos para que fugisse quem quisesse.
Isto mesmo foi confirmado pelo arguido BB...que referiu desconhecer o plano de fuga dos demais arguidos, não tendo participado em nenhum acto de ameaça ou coacção ao monitor, limitando-se a levantar-se quando lhe abriram a porta e a acompanhá-los, mas não tendo tido qualquer conhecimento da actuação dos outros dois arguidos até ao momento em que se lhes juntou.
No que respeita à prova testemunhal, foi a mesma rigorosa e objectiva, sendo que as testemunhas inquiridas depuseram também, no essencial, de molde a confirmar os factos que foram dados como provados.
Assim, AG…, relatou ao Tribunal o modo como os factos que o envolveram aconteceram, designadamente quando se apercebe da fuga e tenta impedir, bem como o modo como acabou por ser atingido pela chave de fendas pelo arguido SM....
Referiu mesmo que o arguido BB... ainda disse “ai o que fizeram ao sr. AG...”, confirmando também esta expressão a não participação deste arguido.
Acrescentou que depois disso ainda pôs os braços à frente para se defender.
Esclareceu que, segundo na altura se apercebeu, não seria intenção do arguido SM...matá-lo, mas apenas fugir,
Disse também que o arguido SM...lhe chegou a pedir desculpa através de uma carta.
A testemunha AC..., relatou também com rigor e pormenor os factos em causa nos autos, tendo referido aqueles que presenciou, bem como a participação dos arguidos SM... e BB...nos mesmos.
Esclareceu que, nesse momento, o arguido BB... não estava com os outros dois, pelo que pensa que apenas os outros dois arguidos estariam a par do plano, dado o modo como ambos actuaram.
Disse ainda que depois foi o CL... que abriu os quartos dos outros.
A testemunha LF..., militar da GNR referiu que foram avisados da fuga dos arguidos e acabaram por os avistar na zona da ....
Relatou a perseguição que lhes moveram, bem como o facto dos arguidos terem infringido várias regras estradais, tendo nomeadamente conduzindo em sentido contrário, não parando ao sinal stop, conduzindo em excesso de velocidade, tendo mesmo acabado por terem um acidente.
Depoimento em tudo coincidente com este, foi o prestado pela testemunha CC..., também militar da GNR que, juntamente com LF…, encetou a perseguição aos arguidos.
A testemunha RT..., vigilante do Centro …, relatou os factos de que teve conhecimento, designadamente dos arguidos irem a fugir, ver o monitor AG... atrás deles e o arguido SM... a fazer um gesto na direcção daquele, tendo qualquer coisa na mão, tendo os arguidos acabado por fugir atrás do portão.
A testemunha PM…, técnico da reinserção social, a exercer funções no Centro …, referiu que nesse fim de dia apenas viu os rapazes a fugir e a saltar o portão, só depois se tendo apercebido de que o monitor AC...estava ferido.
As testemunhas FD… e JR... referiram apenas, a primeira, que lhe telefonaram a dizer que tinham furtado o veículo, tendo-se reportando ao valor do veículo, bem como ao facto de ter ficado acidentado, já o segundo referiu também que tentaram levar um outro veículo, o VX, mas não conseguiram, tendo, no entanto forçado a ignição e que pagou € 150 pela sua reparação.
No que respeita aos factos que não resultaram provados tal ficou a dever-se à total ausência de prova acerca dos mesmos produzida, sendo de salientar que, efectivamente, não resultou, quer das declarações dos três arguidos, quer das próprias testemunhas que o arguido BB... inicialmente estivesse envolvido no plano de fuga e consequentemente que tenha praticado em co-autoria com os demais arguidos os crimes de coacção, sequestro e tentativa de homicídio (ou ofensa à integridade física).
Relativamente ao arguido CL..., pese embora tendo-se provado o plano de fuga com o arguido SM..., não resultou provado que esse plano abrangesse a coacção para ele próprio sair do quarto nos moldes em que tal foi executado pelo arguido SM..., como não resultou provado que envolvesse também qualquer ofensa física (ou tentativa de homicídio).
Aliás, no que aos factos consubstanciadores do homicídio concerne, é manifesto que não se provou por parte de qualquer dos arguidos e, designadamente do arguido SM..., qualquer intenção de matar (como, aliás, o próprio ofendido também o disse), pelo que não foi tal factualidade dada como provada.
No que respeita aos antecedentes criminais dos arguidos relevou o teor dos CRC e quanto à sua situação sócio-económica e familiar as declarações dos próprios arguidos, bem como os relatórios sociais juntos aos autos.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente BB... as questões a decidir são as seguintes:
- se o tribunal a quo deu indevidamente como provados os factos referidos nos pontos 22, 23, 24, 25 e 41 da sentença, relativamente ao arguido/recorrente;
- se a decisão recorrida padece dos vícios a que alude o art.410.º, n.º2, alíneas a), b) e c), do C.P.P., traduzidos em insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, contradição entre a prova produzida em julgamento e os factos considerados provados e, ainda, erro notório na apreciação da prova;
- se resulta dos factos provados que o arguido/recorrente devia ter sido acusado e condenado como cúmplice e não como co-autor, nos termos do artigo 27.º do CP, em relação aos crimes de furto simples e deveria ter sido absolvido da prática do crime de furto, na forma tentada; e
- se pela prática de cada um dos dois crimes de furto simples, deve ser aplicada ao recorrente, como cúmplice, uma pena especialmente atenuada, de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
A impugnação da matéria de facto pode realizar-se através de dois meios: ou através do disposto nas várias alíneas do art.431.º do mesmo Código ou por invocação dos vícios a que alude o art.410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sendo que neste último caso o Tribunal da Relação pode admitir a renovação da prova para suprir os vícios.
O art.431.º do C.P.P. estatui que a modificação da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º, do C.P.P., se se verificarem as seguintes condições:
« a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
c) Se tiver havido renovação de prova .”.
A situação prevista na alínea a), do art.431.º, do C.P.P. está excluída quando a decisão recorrida se fundamenta, não só em prova documental, pericial ou outra que consta dos autos, mas ainda em prova produzida oralmente em audiência de julgamento.
Também a possibilidade de modificação da decisão da 1.ª instância ao abrigo da al.c) do art.431.º, do C.P.P., está afastada quando não se realizou audiência para renovação da prova neste Tribunal da Relação, tendo em vista o suprimento dos vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P..
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do art.431.º do C.P.P..
Esta alínea b) do art.431.º do C.P.P., conjugada com o art. 412.º, n.º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar:
« a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ;
c) As provas que devam ser renovadas
E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal :
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação
O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.).
Se o recorrente se dirige ao Tribunal da Relação indicando toda a prova produzida em julgamento, ou alguma prova, com referência ao consignado na acta, mas na totalidade das declarações ou depoimentos e não segmentos das mesmas provadas gravadas, não indica as concretas provas que impõem decisão diversa quanto à questão de facto, pois o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não tivesse existido.
O recurso é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser especificados, precisamente, e com indicação dos concretos segmentos das provas que demonstram esses erros, por referência ao consignado na acta de julgamento.
Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, a redacção do n.º 3 deste preceito, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “ versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…) ”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “ quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, quando o recorrente tenha procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. - cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766, www.dgsi.pt/jstj.
Porém, se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P., não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação.
Esta posição, que não foi julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no acórdão n.º 529/2003. - cfr. DR, 2.ª Série, de 17 de Dezembro de 2003. , é defendida pela generalidade da jurisprudência, designadamente pelo STJ, em acórdãos proferidos a 9 de Março de 2006 e 5 de Julho de 2007. - in www.dgsi.pt).

No seguimento deste entendimento o art.417.º, n.º 3 do C.P.P., na actual redacção, que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, apenas permite o convite ao recorrente para completar ou esclarecer as conclusões formuladas.
No presente caso, o arguido BB..., nas conclusões da motivação, especifica os factos dados como provados que considera incorrectamente julgados , e que são, na parte que lhe diz respeito, os pontos n.ºs 22, 23, 24, 25 e 41 do acórdão recorrido, e, ainda, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, que são as declarações dos arguidos SM..., CL...e dele próprio.
O que o arguido/recorrente BB... não especifica, minimamente, nas conclusões da motivação, são as concretas passagens das declarações dos arguidos em que funda a impugnação, por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, do mesmo Código, pois, a propósito da impugnação daqueles factos, ao abrigo do art.412.º, n.º3 do C.P.P., limita-se a dizer que “ foi sobrevalorizada a importância dos factos relatados pelo arguido SM...e desvalorizado o depoimento dos arguidos CL...e BB..., gravados na aplicação informática em utilização no tribunal a quo, de acordo com o referido na acta da audiência de julgamento”.
Não pondo o recorrente em causa a existência das declarações do arguido SM...constantes da fundamentação da matéria de facto – onde se escreve que, “no que respeita aos furtos dos veículos, referiu que os outros dois arguidos também o ajudavam, embora fosse ele que soubesse mais como se fazia, porque já anteriormente tinha feito aquilo” -, mas a credibilidade das declarações deste, que tem como sobrevalorizadas, deveria o recorrente, através de indicação de concretas passagens das declarações dos arguidos, indicar os elementos objectivos que impunham um diverso juízo sobre a credibilidade das suas declarações, pois este é um sector especialmente dependente da imediação e da oralidade, própria do Tribunal de 1.ª instância. Porém, não o fez.
Ficam, assim, por indicar, as concretas passagens das declarações do arguido SM...que terão sido sobrevalorizadas pelo Tribunal a quo e as concretas passagens das declarações dos arguidos CL...e BB... que terão sido desvalorizadas e que poderiam permitir ao Tribunal de recurso apreciar e decidir se os pontos da matéria de facto indicados pelo recorrente foram incorrectamente julgados.
Uma vez que o arguido/recorrente, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, fez as especificações ordenadas pelos n.ºs 3 al.b) e 4 do art.412.º, do C.P.P., e que o conteúdo da motivação constitui um limite absoluto, que não pode ser extravasado, não há lugar ao convite à correcção das conclusões da motivação .
Assim, por não cumprimento integral do disposto no art.412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P., não pode o Tribunal da Relação proceder à modificação da matéria de facto através daquele meio de impugnação da matéria de facto.
Passemos ao conhecimento da segunda questão.
O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida , por si só ou conjugada com as regras da experiência comum :
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ; ou
c) O erro notório na apreciação da prova.
Os vícios do art.410.º, n.º 2 do C.P.P. têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º2 do art. 410.º do C.P.P., quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação ( e a medida desta) ou a absolvição ( existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, relevante para efeitos do disposto no art. 410.º do CPP, consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis, e que impede que sobre a matéria da causa seja proferida uma decisão segura.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. – neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 ( proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Simas Santos e Leal Henriques , in “Código de Processo Penal anotado” , Rei dos Livros, Vol. II, 2ª ed., pág. 737 a 739.
Em termos sintéticos, diremos que o vício da contradição, a que se alude na al.b), existirá quando se afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa.
Duas proposições contraditórias não podem ser, ao mesmo tempo , verdadeiras e falsas.
Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados”. - Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques , obra citada, pág. 739.
O vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, elencado na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P., não se verifica quando o resultado a que o juiz chegou na sentença advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados.
O erro notório na apreciação da prova , a que alude a al.c), n.º2 do art.410.º, do C.P.P., tem lugar “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável , quando se dá como provado algo que notoriamente está errado , que não podia ter acontecido , ou quando , usando um processo racional e lógico , se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica , arbitrária e contraditória , ou notoriamente violadora das regras da experiência comum , ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto ( positivo ou negativo ) contido no texto da decisão recorrida”. - Cfr. Cons. Simas Santos e Leal-Henriques , pág. 740, e, entre outros , o acórdão do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ).
No caso em análise, o arguido/recorrente BB... não faz, na motivação do recurso, qualquer alusão aos vícios do art.410.º do C.P.P.. Apenas alude aos mesmos nas conclusões da motivação, limitando-se a alegar que há manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, em violação do art.410.º, n.º2 do Código de Processo Penal, porque, pelos depoimentos do arguido/recorrente e dos arguidos SM...e C..., os factos constantes dos pontos n.ºs 22, 23, 24, 25 e 41 do acórdão recorrido, teriam que ser considerados não provados em relação ao arguido/recorrente.
E haverá, ainda, violação do art.410.º, n.º2, do C.P.P., porque existe “ uma contradição entre a prova produzida em julgamento e os factos considerados como provados.”.
Vejamos.
Relativamente ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, verificamos que o Tribunal recorrido apreciou os factos constantes da acusação e não foi apresentada contestação pelos arguidos.
O recorrente BB...não alega que existe carência de factos para a decisão de direito tomada pelo Tribunal a quo, mas sim uma carência de prova para este considerar como provados, em relação a si, os factos constantes dos pontos n.ºs 22, 23, 24, 25 e 41 do acórdão recorrido e que, por isso, deveriam ter sido dados como não provados.
No caso em apreciação, os factos dados como provados permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento e, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não se vislumbram factos que ficaram por apurar.
Assim, não temos por verificado este vício.
Tendo o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que alude a al.b), n.º2 do art.410.º do C.P.P., que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo, é evidente que não se pode reconhecer a existência desse vício quando o arguido/recorrente BB... alega que a contradição existirá entre a prova produzida em julgamento e os factos considerados como provados.
Nem o arguido/recorrente concretiza nas conclusões da motivação contradições na fundamentação, nem o Tribunal da Relação detecta, no seu texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, factos que tenham sido dados como provados que afirmem e neguem ao mesmo tempo a mesma coisa ou que estejam em oposição com factos não provados, de onde se possa concluir que existe contradição na matéria de facto.
Na motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida não se mencionam fundamentos que colidam entre si, e também não se detecta qualquer oposição lógica entre a fundamentação e a decisão, que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Assim, não se reconhece a existência deste alegado vício imputado pelo recorrente ao acórdão recorrido.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, e uma vez que ele tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o mesmo nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.
Uma vez que o arguido/recorrente situa este vício, não no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas na prova produzida em julgamento, que, no seu entender, não permitiria dar como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 22, 23, 24, 25 e 41 do acórdão recorrido, é evidente que não se pode reconhecer este vício.
Realçamos ainda assim, que constando da fundamentação da matéria de facto provada, que o arguido SM..., “no que respeita aos furtos dos veículos, referiu que os outros dois arguidos também o ajudavam, embora fosse ele que soubesse mais como se fazia, porque já anteriormente tinha feito aquilo”, e que os arguidos “ no essencial, confessaram os factos que resultaram provados e pelos quais vinham acusados”, não vemos que o Tribunal recorrido, ao dar como provada a matéria de facto que o recorrente impugna, designadamente, o ponto n.º 41, tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum , de onde se possa concluir pela existência de um erro notório na apreciação da prova.
Deste modo, concluímos que a sentença recorrida não padece de qualquer dos vícios enunciados no art.410.º, n.º 2 do C.P.P. e julgamos definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada, nos termos que constam do acórdão recorrido.
A questão seguinte, a conhecer, é se resulta dos factos provados que o arguido BB...deveria ter sido acusado e condenado como cúmplice, e não como co-autor, em relação aos crimes de furto simples, e ter sido absolvido da prática do crime de furto, na forma tentada.
A propósito da subsunção dos factos dados como provados ao crime de furto, o recorrente BB...alega que dos factos tidos como provados, nomeadamente, nos pontos n.ºs 10 e 19, resulta que foram os outros co-arguidos que retiraram a chave do veículo de matrícula 91-22-LN, desconhecendo o recorrente essa situação até ao momento em que saíram do recinto do centro educativo. Tendo-se limitado a apanhar uma boleia, não contribuiu para o crime de furto do citado veículo. Não pode, assim, ser condenado como co-autor; quando muito poderá ser condenado como cúmplice.
Em relação ao veículo de matrícula …, apenas o arguido SM... assumiu ter forçado a sua fechadura e tê-lo tentado pôr a trabalhar, sem sucesso. O recorrente e o arguido CL...nem se aproximaram desta viatura, nem ficaram a vigiar para ver se aparecia alguém enquanto o arguido SM... se introduzia no veículo, pelo que deve o recorrente ser absolvido do crime de furto tentado.
Quanto à viatura com a matrícula …, foi o arguido SM... quem executou todos os procedimentos necessários para pôr o mesmo em funcionamento, não tendo o recorrente participado na selecção do veículo a furtar, não ajudou a forçar o acesso ao interior do veículo, nem ajudou a pôr o veículo em funcionamento.
Em nenhum dos três veículos foram encontradas impressões digitais do arguido BB... , nos vidros no exterior dos veículos furtados.
Não tendo havido conjugação de esforços entre todos os arguidos, determinante para a prática dos crimes, não houve co-autoria nos crimes de furto.
Vejamos.
Os elementos constitutivos do crime de furto, enunciados no art.203.º, n.º1 do Código Penal, tipo legal pelo qual o arguido BB...foi acusado e condenado, são os seguintes:
- a subtracção de coisa móvel alheia;
- a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem; e
- o conhecimento e vontade de realização do facto antijurídico, com consciência da ilicitude da conduta ( dolo genérico).
A subtracção consiste na violação do poder de facto que tem o detentor de guardar o objecto do crime ou dispor dele e a substituição desse poder pelo do agente – cfr. Prof. Beleza dos Santos, in RLJ, ano 58.º, pá. 252.
Coisa móvel alheia é a coisa que é propriedade de alguém que não do agente e que é susceptível de apreensão para poder ser subtraída.
A intenção de apropriação traduz a vontade do agente querer fazer sua, ou de outra pessoa, a coisa alheia.
O crime de furto de veículo, p. e p. pelo art.203.º, do Código Penal, distingue-se do crime de furto de uso de veículo , p. e p. pelo art.208.º, n.º1, do Código Penal, designadamente, por este tipo penal exigir, entre os seus elementos constitutivos, a utilização de automóvel sem autorização de quem de direito e a “intenção de restituição”. A “intenção de restituição” é um elemento implícito do crime de furto de uso, como bem realça o Prof. Faria Costa. “Direito Penal Especial”, Coimbra Editora, 2004, pág. 77.
A respeito da autoria, no crime, estatui o art.26.º, do Código Penal, que « é punível como autor quem executar o facto, por si ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.».
Na comparticipação criminosa, sob a forma de co-autoria, são essenciais uma decisão e uma execução conjuntas.
Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes. A decisão conjunta, pressupondo um acordo que, sendo necessariamente prévio pode ser tácito, pode bastar-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime.
Já no que diz respeito à execução, não é indispensável que cada um deles intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes ao resultado final, basta que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do resultado Cfr. acórdão do STJ de 22 de Fevereiro de 1995 (BMJ n.º444, pág. 209 ). .
O conceito de cúmplice alcança-se pela definição do art.27.º, n.º1 do Código Penal e pelo confronto com o autor.
O art.27.º, n.º1 do Código Penal, define como cúmplice, «… quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.».
Na cumplicidade o agente favorece a prática por outrem de um crime, mas está fora do acto típico, não participando na execução do plano criminoso.
Voltando ao caso em apreciação, cremos que existe uma clara discrepância entre os factos dados como provados no acórdão recorrido e aqueles a partir dos quais o arguido BB...conclui que se limitou a apanhar “boleia” nos dois citados veículos conduzidos pelo co-arguido SM... e se propôs viajar num outro terceiro veículo.
Assim, não resulta dos factos dados como provados que o arguido BB...não tinha capacidade de decidir sobre o que fazer na sequência da fuga encetada conjuntamente com os co-arguidos SM... e CL..., designadamente, na escolha dos veículos em que se vieram a introduzir, e que não sabia como aceder ao interior dos veículos ou como pô-los a trabalhar e conduzir.
Do mesmo modo, em relação ao veículo de matrícula … e enquanto o arguido SM... se introduzia no veículo, não consta dos factos provados que o recorrente não se aproximou desta viatura, nem ficou a vigiar para ver se aparecia alguém.
Como não consta dos factos dados como provados no acórdão recorrido menção a não terem sido encontradas impressões digitais do arguido BB... no exterior dos veículos furtados. Aliás, nem vislumbramos a relevância das impressões digitais nos veículos para a inexistência da co-autoria, em face dos factos dados provados e quando parece pacífico que subtraíram aos respectivos donos dois veículos e neles viajaram ainda tentaram subtrair um outro ao seu dono, o que só não conseguiram porque não o conseguiram pôr em funcionamento.
Estando dado como provado, no acórdão recorrido, que o recorrente BB... , no âmbito de uma fuga, com mais dois indivíduos, de um Centro Educativo, onde cumpriam medida de internamento institucional em regime fechado, se quiseram apropriar e apropriaram dos veículos automóveis de matrícula …e de matrícula …, e se quiseram apropriar do matrícula …, o que só não fizeram por razões alheias à sua vontade, sabendo todos eles que os veículos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento dos donos, não vemos como se pode sustentar que o recorrente se limitou a apanhar uma “boleia”.
Em termos comuns, considera-se que um individuo apanha “boleia”, num veículo automóvel, quando o legítimo detentor do veículo, ou quem assim se apresenta, aceita transportar o individuo, voluntaria e gratuitamente, dum lado para o outro.
Dos factos dados como provados, designadamente dos anteriormente impugnados, sem sucesso pelo recorrente, resulta uma evidente consciência e vontade de colaboração dos três arguidos na subtracção e apropriação dos veículos automóveis atrás identificados , tendo em vista a concretização, com sucesso da fuga do Centro Educativo onde cumpriam medida de internamento institucional em regime fechado, bem como uma execução conjunta até ao momento em que, na sequência de um acidente com um dos veículos, saíram do veículo e se separaram, sem prejuízo de uma maior participação nos actos por parte do arguido SM....
Uma vez que os factos dados como provados integram os requisitos da co-autoria e preenchem, por duas vezes, os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do C.P. e, uma vez, o mesmo tipo penal, mas sob a forma de tentativa, impõe-se a manutenção da condenação do recorrente pela prática dos crime de furto , tal como consta da decisão recorrida.
A última questão a decidir é se pela prática, de cada um, dos dois crimes de furto simples, deve ser aplicada ao recorrente, como cúmplice, uma pena especialmente atenuada, de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos.
O recorrente alega que a sua realidade socioeconómica, familiar, o comportamento social que vem evidenciando nos últimos tempos e a desestabilização familiar que este processo judicial lhe originou, são factores que o dissuadem de voltar a pensar em regressar à actividade criminosa.
Na medida da pena o Tribunal recorrido não teve em conta, designadamente, a circunstância do arguido não se ter adaptado a viver em Portugal, estar longe da família, confuso, e numa atitude de revolta face à situação no centro educativo. Concluiu com sucesso o equivalente ao 9.º ano unificado.
O recorrente era o mais novo e não tinha programado a saída daquele Centro. Sente-se prejudicado e discriminado face a outros arguidos no âmbito deste processo e de outros similares, que se encontram em circunstâncias análogas à sua e que não foram sujeitos a penas de prisão tão elevadas.
Revertendo ao caso dos autos, e tendo em conta a posição tomada na anterior questão, em que se concluiu que o recorrente agiu em co-autoria, no furto dos veículos, está prejudicada a possibilidade sustentada pelo arguido de aplicação ao mesmo, na base da cumplicidade, de uma pena especialmente atenuada.
Para efeitos de determinação da medida concreta da pena, ao abrigo do estatuído no art.71.º do Código Penal, a decisão recorrida teve em consideração a personalidade do arguido/recorrente, desajustada e não adaptada às regras vigentes em sociedade e aos comando éticos e jurídicos, que resultam designadamente dos pontos n.ºs 57 a 65 da factualidade provada.
Na matéria de facto que ficou provada não consta que o arguido concluiu com sucesso o 9.º ano de escolaridade, mas sim que tem o 5.º ano de escolaridade, tendo-se envolvido em situações de furto no meio escolar.
A situação de revolta por se encontrar a cumprir uma pena institucional no Centro Educativo do ..., não sendo justificada, como não é, não atenua em nada a sua responsabilidade criminal.
Resultando da decisão recorrida, que o recorrente actuou com dolo directo e intenso, que é elevado o grau de ilicitude, que o valor dos bens em causa e os danos que lhe causaram não são pequenos, que existe acumulação de crimes, que tinha 17 anos de idade à data da prática dos factos, não tinha antecedentes criminais, confessou parcialmente os factos, demonstrou arrependimento – embora não se mencione a reparação dos danos ou a intenção de os vir a reparar -, que são elevadas as razões de prevenção geral e não são despiciendas as de prevenção especial, cremos que as penas aplicadas ao arguido BB...pelos crimes de furto , praticados em co-autoria, são equilibradas e proporcionais em face das exigências de prevenção e não excedem a sua culpa, não havendo razão para, em face das penas aplicadas pelo Tribunal a quo se sentir descriminado e prejudicado.
Assim, improcede, também , esta questão e, consequentemente, o recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido BB... e manter o douto acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça , sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

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Orlando Gonçalves (Relator)
Alice Santos,