Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1367/16.4T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA
DIREITO DE REMIÇÃO
DEPÓSITO DO PREÇO
PRAZO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
Data do Acordão: 12/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ANSIÃO - JUÍZO DE EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 138, 149, 196, 197, 232, 250, 824, 842, 843, 845 CPC
Sumário: I. A simples declaração do remidor no sentido de que exerce o direito de remição relativamente a certo bem, desacompanhada do depósito do preço, não tem efeito constitutivo e não produz efeitos, salvo se a lei atribuir alguma eficácia a essa declaração, como sucede, por exemplo, na modalidade de venda por propostas em carta fechada – o n.º 2 do artigo 843.º do CPC.

II. O juiz pode fixar um prazo de 24 horas para praticar um ato se tal prazo se mostrar em concreto proporcionado ao caso, nomeadamente quando anteriormente já tinha sido fixado um prazo de 15 dias para a pratica do mesmo ato.

III. Às notificações pessoais aplicam-se as regras da citação – artigo 250.º do CPC –, pelo que tendo o agente de execução procurado as notificandas na sua residência e não as tendo encontrado, seguia-se a notificação com hora certa – n.º 1 do artigo 232.º do CPC.

Decisão Texto Integral:








Recorrente …………………..P (…);

Recorridos……………………Banco (…)

Melhor identificados nos autos.


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto dos despachos que a seguir se transcrevem:

«Através do requerimento de 31 de maio de 2019 a Executada P (…) veio, ao abrigo do disposto nos artigos 195.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 839.º do CPC, requerer a anulação da venda, com os seguintes fundamentos:

- a venda é nula;

- requereu junto do Exequente a aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012 de 09 de novembro;

- a venda deveria ter sido suspensa;

- a venda viola o disposto no artigo 9.º da Lei n.º 58/2012 de 09 de novembro.

O Exequente pronunciou-se através de requerimento de 06 de setembro de 2019 referindo que o regime previsto na Lei n.º 58/2012 de 09 de novembro tinha, de acordo com o seu artigo 38.º, n.º 1, um período de vigência até 31 de dezembro de 2015, pelo que o requerido pela Executada é extemporâneo.

Apreciação

Constituem factos assentes que desde abril/maio de 2015 os Executados incumpriram os contratos de mútuo celebrados com o Exequente e que por tal facto em 31 de março de 2016 foi intentada a presente ação executiva.

Os autos prosseguiram a sua normal tramitação e em 16 de janeiro de 2019 a Senhora Agente de Execução proferiu decisão de venda, a qual não mereceu censura.

Foi então quando a Executada atravessou nos autos o requerimento de 27 de maio de 2019 onde refere que requereu junto do Exequente a aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012 e, nessa conformidade, requerem a suspensão da execução, citando, em abono da sua pretensão um Acórdão.

O Tribunal considerou não existirem razões para a suspensão da venda, a qual veio a concretizar-se, e o Exequente pronunciou-se no sentido de que o mencionado regime legal não poder ser aplicado ao caso vertente, visto o n.º 1 do artigo 38.º da Lei n.º 58/2012.

A Lei n.º 58/2012 de 9 de Novembro (alterada pela Lei n.º 58/2014) veio estabelecer um regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, tendo para o efeito estabelecido um procedimento excecional, relativamente a situações de incumprimento de contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito à habitação, quando o imóvel em causa seja a única habitação do agregado familiar e tenha sido objeto de contrato de mútuo com hipoteca, diploma este que, nos termos do artigo 38.º, vigorará até ao dia 31 de Dezembro de 2015, sem prejuízo da prorrogação da sua vigência que ficará dependente de avaliação do impacto global dos seus resultados.

Tal requerimento deverá ser apresentado pelo mutuário, como resulta do artigo 8.º, n.º 2, até ao final do prazo para a oposição à execução hipotecária que esteja pendente em Tribunal ou até à venda executiva do imóvel, tendo como efeito impedir que a instituição de crédito promova a execução da hipoteca até que cesse a aplicação das medidas de proteção que venham a ser aplicadas (artigo 9.º, nº 1).

Após a entrega do requerimento junto da instituição de crédito, tem esta 15 dias para se pronunciar sobre o resultado da verificação dos requisitos de aplicabilidade das medidas de proteção, devendo essa comunicação ser efetuada por escrito e de forma fundamentada (artigo 8.º, nº 3).

Se a instituição de crédito entender que é presumivelmente viável o cumprimento por parte do mutuário, apresentará um plano de recuperação com uma ou várias das medidas constantes dos artigos 10.º a 14.º.

Após a apresentação ao mutuário da proposta de plano de recuperação, a instituição de crédito e o mutuário dispõem, nos termos do nº 1 do artigo 16.º, de 30 dias para negociar e acordar alterações a essa proposta do plano de reestruturação.

Se o mutuário recusar ou não formalizar uma proposta de plano de reestruturação apresentada pela instituição de crédito e cujo cumprimento se presuma viável, o mutuário perderá o direito à aplicação das medidas substitutivas, exceto se a instituição de crédito mantiver a intenção de as aplicar.

Sucede, porém, que pode haver lugar à aplicação de medidas substitutivas da execução hipotecária, sempre que o mutuário esteja abrangido pelo regime estabelecido na Lei n.º 58/2012 e se verifique alguma das situações previstas no nº 1 do seu artigo 20.º, designadamente se a instituição de crédito tiver comunicado ao mutuário a opção de não apresentar uma proposta de plano de reestruturação, elencando o nº 2 do citado normativo as situações em que a instituição de crédito pode recusar as medidas substitutivas.

De harmonia com o disposto no artigo 21.º da Lei n.º 58/2012, são medidas substitutiva da execução hipotecária: a) A dação em cumprimento do imóvel hipotecado; b) A alienação do imóvel ao Fundo de Investimento Imobiliário de Arrendamento Habitacional promovida e acordada pela instituição de crédito, com ou sem arrendamento e opção de compra a favor do mutuário e entrega do preço à instituição de crédito, liquidando-se assim a dívida; c) A permuta por uma habitação de valor inferior, com revisão do contrato de crédito e redução do capital em dívida pelo montante da diferença de valor entre as habitações.

Para tanto, o mutuário deverá apresentar à instituição de crédito, no prazo de 30 dias a contar das situações contempladas no supra referido nº 1 do artigo 20.º, um requerimento escrito solicitando a aplicação de medidas substitutivas e declarando que nessa data se encontram preenchidos os requisitos de aplicabilidade previstos nos artigos 4.º e 5.º da Lei aqui em apreciação, devendo, por seu turno, a instituição de crédito, também no prazo de 30 dias após a receção do requerimento do mutuário, apresentar uma proposta de medida substitutiva de entre as legalmente previstas, que pode ser recusada pelo mutuário, no prazo de 15 dias, no caso das situações mencionadas nas alíneas b) e c) do artigo 21º, impondo-se à instituição de crédito, em igual prazo, propor-lhe uma das restantes medidas, que nesta circunstância o mutuário terá de aceitar, sob pena de perder definitivamente o direito à aplicação de medidas substitutivas (artigo 22.º).

A aplicação de qualquer uma das medidas substitutivas de execução hipotecária terá como efeito, como decorre do preceituado no artigo 23.º, alínea d) da Lei n.º 58/2012: a extinção de processos judiciais relativos à cobrança de montantes devidos ao abrigo do contrato de crédito à habitação.

Posto isto.

A venda deveria ter sido suspensa?

A leitura conjugada dos normativos legais enunciados conduz à conclusão que a apresentação do requerimento de acesso ao regime extraordinário de proteção de devedores de crédito habitação em situação económica muito difícil não impede que seja intentada ação executiva contra o mutuário e só com o deferimento do acesso, este processo executivo suspende-se.

Ademais, compete ao Exequente deferir ou indeferir o acesso ao regime extraordinário de proteção de devedores de crédito habitação em situação económica muito difícil.

E, no caso vertente, o Exequente pronunciou-se no sentido de ser extemporâneo o requerido pela Executada.

A venda é nula por violação do disposto no artigo 9.º da Lei n.º 58/2012?

De acordo com o disposto n.º 1 do artigo 195.º do CPC a prática de um ato que a lei não admita ou omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare.

O que não ocorre.

O que decorre da mencionada lei é que o exercício de poderes sancionatórios relativamente ao incumprimento do regime aí estabelecido é da competência do Banco de Portugal, podendo até proceder à aplicação de coimas quando haja recusa de acesso dos mutuários que o requeiram, e que reúnam todas as condições previstas, a qualquer uma das modalidades de medidas do regime estabelecido na lei ou violação específica das situações inerentes à revisão do pano anual de restruturação (artigo 36.º).

Ou seja, compete ao Banco de Portugal fiscalizar e avaliar o cumprimento, pelas instituições de crédito, do regime extraordinário em causa, decidindo das reclamações apresentadas pelos mutuários, sem prejuízo das sanções previstas caso as instituições de crédito recusem infundadamente o acesso dos mutuários que o requeiram e que reúnam todas as condições previstas, em qualquer das modalidades do regime estabelecido na Lei n.º 58/2012.

Temos assim que não compete a este Tribunal, mas sim, ao Banco de Portugal, averiguar do mérito da decisão de indeferimento/deferimento proferida pelo Exequente no âmbito da enunciada Lei.

Assim, o ato de venda não enferma de nulidade e, consequentemente, não existem razões para que a venda executiva fique sem efeito.

Custas do incidente a cargo da Executada/Requerente, que se fixa em 1,5UC.

Valor da causa: € 70.572,97. Notifique e Comunique»


*

Por requerimento de 15 de julho de 2019 veio P (…) requerer a anulação das notificações efetuadas pela Senhora Agente de Execução alegando, em síntese, que o término do prazo para o deposito do preço transferiu-se para o dia 1 de julho; que a Senhora Agente de Execução não abriu licitações entre os descendentes da executada.

Em 28 de agosto de 2019 onde conclui que de facto o prazo para o depósito do preço por parte da remidora D (…) terminou no dia 01 de julho; que não obstante, nem nessa data a remidora depositou o preço; que no dia 28 de junho foi exercido o direito de remição por M (…), que não depositou o preço.

Nessa sequência, veio a Executada arguir a nulidade do processado, através de requerimento de 13 de setembro.

Também as remidoras atravessaram requerimentos nos autos em 17 de julho 2019 com os mesmos argumentos da Executada P (...)

Apreciação:

À venda em leilão eletrónico, no que não estiver regulado nos n.º 2 e 3 do artigo 837.º do CPC, são de aplicar, por força do n.º 2 do artigo 811.º, as normas dos artigos 818.º, 819.º, 823.º e 828.º, como ainda, as disposições gerais dos artigos 811.º a 815.º, 842.º a 845.º, todos do CPC.

Assim, entendemos que no caso vertente o preço deveria ser integralmente depositado no momento em que é exercido o direito de remição.

Na verdade, não se tratando de venda por propostas em carta fechada e, por tal facto, não tendo o remidor exercido esse direito no ato de abertura e aceitação de propostas em carta fechada, não tem aplicação o n.º 2 do artigo 824.º do CPC, ex vi, artigo 843.º, n.º 2, 1ª parte.

Rege a segunda parte do n.º 2 do artigo 843.º do CPC, cuja remissão para o n.º 2 do artigo 824.º do CPC se reporta apenas à indemnização de 5% que acresce ao valor de venda caso tenha sido efetuado o deposito do preço.

Só assim se compreende que a segunda parte do n.º 2 do artigo 843.º do CPC não remeta, também, para as sanções prevista no artigo 825.º do CPC.

Vista a ausência de sanção, fácil seria atravessar um ou vários requerimentos nos autos onde se vocifera o exercício do direito de remição e se pretendem licitações entre esses direitos.

O certo é que, a Senhora Agente de Execução conferiu o prazo de 15 dias para exercerem o direito de remição; decorrido o mesmo e, até ao presente, não há noticia que as remidoras tenham depositado o preço … o que podiam e deviam fazer.

Assim e não obstante, determino que a Senhora Agente de Execução, por contacto pessoal, notifique as remidoras para, no prazo de 24 horas depositarem à ordem dos presentes autos o preço devido e comprovarem os demais pressupostos de que depende o exercício do direito de remição, com a advertência de que, não o fazendo, não será apreciado o pedido de remição».


*

Despacho de 20 de maio de 2019

«1. (…) É notória a tentativa dos executados e das intervenientes em entorpecer os autos, assumindo postura não colaborante e cooperante e fazendo dele um uso manifestamente incorreto.

2. Notifique as demais partes do despacho proferido nos autos em 19 de novembro.

3. Não há menção nos autos que as remidoras tenham dado cumprimento ao despacho exarado nos autos em 19 de novembro.

Assim e com os fundamentos aduzidos no despacho de 19 de novembro não poderá ser deferido o pedido de remição.

4. Prossigam os autos a sua normal tramitação. Notifique e Comunique».

b) É destas decisões, como se disse, que vem interposto recurso por parte da executada P (…), cujas conclusões são as seguintes:

«1ª- Os despachos proferidos pelo Tribunal a quo em 19.11.2019 com a referencia n.º 92198596 e em 09.12.2019 com a referência n.º 92767984 são nulos.

2ª- É que, a Recorrente conforme se pode verificar pela fls. 5 do despacho proferido pelo Tribunal em 19.11.2019 com a referencia n.º 92198596 requereu a anulação das notificações efectuadas pela Agente de Execução pelo facto da mesma não ter aberto licitações entre os descendentes da executada, bem como por não ter cumprido os prazos legais para o exercício do direito de remição e ainda também por a mesma não ter notificado os executados da falta de deposito do preço.

3ª- Acontece que, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre nenhuma destas questões.

4ª- O Tribunal a quo, ao não se ter pronunciado, sobre as questões suscitadas pela Recorrente nomeadamente quanto à nulidade das notificações feitas pela Agente de Execução, nem sobre a abertura da fase de licitações entre as remidoras, não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar.

5ª- Pelo que, o despacho ora recorrido com a referencia n.º 92198596 é, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 615º do CPC, nulo por omissão de pronuncia.

6ª- Nulidade esta que aqui se invoca expressamente e para todos os legais efeitos.

7ª- Por outro lado, o supra referido despacho ordena que as remidoras procedam ao deposito no prazo de 24 horas.

8ª- Nos termos do disposto no artigo 149º do CPC, Tribunal a quo nunca poderia fixar um prazo inferior a 10 dias para as remidoras procederem ao deposito do preço.

9ª- O Tribunal a quo, ao fixar um prazo de 24 horas para as remidoras depositarem o preço, violou o disposto no artigo 149º do CPC.

10ª- E, também por esse motivo o despacho supra referido nos termos do disposto no artigo 195º do CPC, é nulo.

11ª- Nulidade esta que, a Recorrente aqui invoca expressamente e para todos os legais efeitos.

12ª- No que se refere ao despacho proferido em 09.12.2019 com a referência n.º 92767984 é referido que não há menção nos autos que as remidoras tenham dado cumprimento ao despacho exarado nos autos em 19.11.2019 e por isso não poderá ser deferido o pedido de remição.

13ª- Acontece que, o despacho proferido em 19.11.2019 ordenava a citação das remidoras para no prazo de 24 horas procederem ao deposito, ou seja, um dos pressupostos do cumprimento deste despacho era que as remidoras fossem notificadas para procederem ao depósito.

14ª- E dos autos não consta que as remidoras tenham sido notificadas para esse efeito.

15ª- Logo, o fundamento invocado pelo Tribunal, ou seja, que não há menção nos autos de que as remidoras tenham dado cumprimento ao despacho exarado nos auto sem 19.11.2019, está em oposição com a falta de notificação das mesmas para esse efeito e com a decisão que considera que por isso não poderá ser deferido o pedido de remição.

16ª- Pois, apenas poderia ser considerado que as mesmas não deram cumprimento ao despacho se estivesse demonstrado nos autos que as remidoras foram notificadas para proceder ao depósito, o que não foi o caso!

18ª- Pelo que, o despacho supra referido é nulo, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.

19ª- Nulidade esta que aqui se invoca expressamente e para todos os legais efeitos. 

20ª- Face a tudo o supra exposto deverá ser declarada a nulidade de ambos os despachos supra identificados não podendo os mesmos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 195º do CPC, produzir quaisquer efeitos, o que a Recorrente aqui requer expressamente e para todos os legais efeitos.

21ª- Sem conceder quanto ao supra exposto, o presente Recurso vem interposto dos despachos proferidos pelo Tribunal a quo que foram notificados à Recorrente na pessoa da sua mandatária através de uma única notificação com a referencia n.º 92971545, recebida em 16.01.2020, o despacho proferido em 19.11.2019 com a referencia n.º 92198596 e do despacho proferido em 09.12.2019 com a referência n.º 92767984

22ª- O Tribunal a quo no despacho proferido em 19.11.2019 com a referencia n.º 92198596 decidiu que o acto de venda não enferma de nulidade e que por consequência não existem razões para que a venda executiva fique sem efeito e determinou que a Agente de Execução notificasse as remidoras por contacto pessoal para no prazo de 24 horas depositarem à ordem do processo o preço devido com a advertência de não o fazendo, não será apreciado o pedido de remição e considerou ainda que as remidoras tinham que proceder ao deposito imediato do preço.

23ª- Acontece que, não assiste razão ao Tribunal a quo para não declarar a venda nula.

24º- Desde logo, ao contrario do que é referido no despacho ora recorrido, o que está em causa não é a decisão de deferimento ou indeferimento da aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012 de 09 por parte do Banco.

25ª- O que está em causa é o facto do Tribunal a quo não ter suspendido a execução e acto de venda com a apresentação do requerimento por parte dos executados a informar e a provar que tinha requerido a aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012 de 09.11.

26ª- É que, nos presentes autos estava designado o dia 30.05.2019 para a venda por leilão eletrónico do imóvel penhorado, que constitui a casa de morada de família da executada.

27ª- E no dia 27.05.2019 a Recorrente apresentou nos presentes autos o requerimento com a referencia n.º 32557141 no qual informou e juntou o comprovativo de ter requerido junto do Banco exequente a aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012 de 09.11 e requereu nos termos do disposto no artigo 9º da Lei n.º 58/2012 de 09.11 e n.º 1 do artigo 279º do NCPC, que fosse suspensa a execução até que fosse proferida decisão pelo Banco acerca da aplicação do regime supra referido e que a venda designada nos presentes autos fosse dada sem efeito.

28ª- Nos termos do disposto no artigo 9º da Lei n.º 58/2012 de 09.11, com a apresentação do requerimento para aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012 de 09.11, a instituição de credito fica impedida de promover a execução da hipoteca que constitui a garantia do credito à habitação.

29ª- E nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 279º do CPC, o Tribunal tem que suspender o processo executivo e a venda até que seja proferida decisão pelo Banco acerca da aplicação do regime supra referido.

30ª- O Tribunal a quo, ao não ter ordenado a suspensão da execução nem a suspensão da venda do imóvel, violou o disposto no artigo 9º da Lei n.º 58/2012 de 09.11 e no artigo 279º do CPC.

31ª- O Banco apesar de notificado para o efeito não se pronunciou a opor-se a qualquer suspensão da execução e da venda.

32ª- O Tribunal a quo mesmo não existindo qualquer oposição por parte do Banco, não suspendeu nem o processo executivo nem a venda, a qual acabou por se concretizar em clara violação do disposto no artigo 9º da Lei n.º 58/2012 de 09.11 e no artigo 279º do CPC

33ª- O processo executivo e a venda teriam que ficar suspensas até que o Banco fizesse prova nos autos de ter remetido uma resposta escrita devidamente fundamentada aos executados quanto à aplicação ou não do regime previsto na Lei n.º 58/2012 conforme dispõe o n.º 3 do artigo 8º desta lei.

34ª- Nos presentes autos até ao momento não existe qualquer comprovativo do Banco ter enviado qualquer resposta por escrito devidamente fundamentada acerca do pedido dos executados.

35ª- Pelo que, não tendo o Banco feito qualquer prova dessa comunicação junto dos autos sempre o Tribunal teria que ter suspendido a execução e por consequência a venda, o que não fez e por isso violou também o disposto no artigo 8º da Lei n.º 58/2012 de 09.11.

36ª- Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195º do NCPC, a pratica de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva produz nulidade quando a irregularidade possa influir na causa.

37ª- A não suspensão da execução e por consequência a não suspensão da venda fez com que o imóvel fosse vendido em leilão electrónico sem que fossem cumpridas as formalidades previstas na lei.

38ª- Logo, a venda realizada nos presentes autos, ao contrario do que consta no despacho ora recorrido é nula.

39ª- Nulidade esta que aqui se invoca expressamente e para todos os legais efeitos.

40ª- Por ultimo, sempre se dirá ainda que o requerimento apresentado pelo Banco em 06.09.2019 em nada obsta à declaração da nulidade da venda.

41º- Pois ao contrario do que o Banco alegou o requerimento dos executados não é extemporâneo.

42º- Pois, in casu todos os contratos de mutuo conforme consta do requerimento executivo foram celebrados antes da publicação da Lei n.º 58/2012 de 09.11 com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 57/2014 de 25.08 e após essa data iniciaram-se os contactos com vista à regularização do incumprimento, ou seja antes da data da cessação do regime, pelo que nos termos do disposto no artigo 40º da Lei n.º 58/2012 de 09.1 o requerimento apresentado não é extemporâneo.

43ª- Por outro lado, e também conforme supra se expôs até que seja feita prova nos autos de que o Banco enviou resposta fundamentada aos executados sobre o motivo pelo qual entende que não lhe é aplicável o regime, sempre a execução e a venda têm que ser suspensas.

44ª- Face a tudo o supra exposto, ao contrario do invocado pelo Tribunal a quo deve a venda efectuada nos presentes autos ser declarada nula e suspensa a execução.

45ª- Por outro lado, ao contrario do que consta no despacho ora recorrido, as  remidoras não tinham que proceder ao deposito imediato do preço quando exerceram o direito de remição.

46ª- É que, nos presentes autos ambas as descendentes da executada exerceram o direito de remição.

47ª- Ora, dispõe o n.º 2 do artigo 845º do CPC que concorrendo à remição vários descendentes abre-se licitação entre os concorrentes e prefere o que oferecer maior preço.

48ª- Pelo que, só após aberta a fase de licitações se saberia quem faria o lance mais elevado e por consequência qual o valor a depositar.

49ª- E só após saber qual o valor a depositar deveria a remidora ser notificada para proceder ao deposito do preço no prazo de 15 dias.

50ª- Por outro lado, ao contrario do que o Tribunal a quo refere o n.º 2 do artigo 843º  do CPC não é aplicavel ao caso.

51ª- Pois o n.º 2 do artigo 843º do CPC refere-se ao remidor que exerça o seu direito no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o que não é o caso.

52ª- Por outro lado, o n.º 2 do artigo 811 do CPC não refere que não possa ser aplicável o n.º 2 do artigo 824º do CPC às vendas em leilão electrónico, ou seja, não exclui a notificação para proceder ao deposito no prazo de 15 dias.

53ª- Tanto assim que a própria Agente de Execução notificou quer a remidora Daniela Eloi quer o proponente para procederem ao deposito do preço no prazo de 15 dias com base no n.º 2 do artigo 824º do CPC.

54ª- Acresce que, a interpretação feita pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 842º do CPC, de que só se considera validamente exercido o direito de remição por um descendente do executado se acompanhado do deposito do preço é inconstitucional.

55ª- Pois, não faz qualquer sentido que quem fez a proposta em sede de leilão seja notificado para depositar o preço no prazo de 15 dias e a remidora tenha que depositar de imediato, o que configura uma clara violação do principio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

56ª- Por outro lado, tal interpretação viola o principio da proporcionalidade consagrado no artigo 20º da CRP pois as consequências para a falta do deposito imediato são de extrema gravidade pois tem por consequência a preclusão do direito de remição.

57ª- Face a tudo o supra exposto a interpretação feita pelo Tribunal do disposto no artigo 842º do CPC no sentido de que o direito de remição só se considera validamente exercido com o deposito imediato do preço é inconstitucional conforme entendimento sufragado no Acórdão n.º 277/2007 de 02.05.2007 proferido pelo Tribunal Constitucional.

58ª- O Tribunal a quo ao considerar que as descendentes da executada tinham que efectuar de imediato o deposito do preço violou o disposto no artigo 842º e o n.º 2 do artigo 845º do CPC e no n.º 4 do artigo 20º da CRP.

59ª- Por ultimo, no que se refere ao despacho proferido em 11.12.2019 com a referência n.º 92767984, no mesmo consta que não há menção nos autos que as remidoras tenham dado cumprimento ao despacho exarado nos autos em 19.11.2019 e por isso não poderá ser deferido o pedido de remição e manda prosseguir o processo.

60ª- Acontece que, de acordo com o despacho de 19.11.2019 foi ordenada a notificação por citação pessoal das remidoras para procederem ao deposito no prazo de 24 horas.

61ª- Ora, nos autos não existe qualquer comprovativo dos remidores terem sido notificadas para proceder ao deposito.

62ª- Da consulta aos autos a Agente de Execução tentou efectuar uma única tentativa de notificação no dia 20.11.2019 por volta das 17:00 horas.

63ª- Nos termos do disposto no artigo 232º do CPC, não tendo a Agente de Execução encontrado as remidoras no dia 20.11.2019 teria que ter deixado uma nota com a indicação de hora certa para proceder à notificação num outro dia, o que não fez!

64ª- Pelo que, o Tribunal a quo ao concluir que não foi dado cumprimento ao despacho a ordenar o deposito no prazo de 24 horas por parte das remidoras sem que a Agente de execução tenha feito prova de ter cumprido o disposto no artigo 232º do CPC, ou seja, a citação com hora certa no caso de não encontrar ninguém no local para proceder à citação violou o disposto no artigo 842º e o n.º 2 do artigo 845º do CPC e no n.º 4 do artigo 20º da CRP e no artigo 232º do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá a venda ser declarada nula e por consequência ambos os despachos revogados e substituídos por outro que suspenda a execução declare nula a venda e ordene a suspensão de qualquer venda  até que o Banco exequente demonstre ter comunicado por escrito e de forma fundamentada a decisão à executada quanto à aplicação do regime constante da Lei  n.º 58/2012, ou quando assim não se entender ordene à Agente de Execução que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 845º do CPC, abra a fase de licitação entre as  descendentes da executada e posteriormente a que oferecer o lanço mais alto seja notificada para no prazo de 15 dias depositar o preço, o que a Recorrente desde já aqui requer expressamente e para todos os legais efeitos.

Termos em que assim se julgando e a alterando em conformidade os despachos ora recorridos, V. Exas. farão a tão costumada, JUSTIÇA!».

c) Contra-alegou o Banco (…) o qual pugnou pela manutenção do despacho recorrido.

II. Objeto do recurso.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – Nulidades de sentença – artigo 615.º do CPC.

a) A Recorrente argui a nulidade do despacho proferido em 19.11.2019, argumentando que o tribunal não se pronunciou sobre nenhuma destas questões:

Requerimento da executada a pedir a anulação das notificações efetuadas pela agente de execução, pelo facto da mesma não ter aberto licitações entre os descendentes da executada, bem como por não ter cumprido os prazos legais para o exercício do direito de remição e ainda pelo facto da agente de execução não ter notificado os executados da falta de deposito do preço, o que constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do artigo 615º do CPC.

b) A executada recorrente argui ainda a nulidade do mesmo despacho, proferido em 19.11.2019, argumentando que neste despacho se ordenou que as remidoras procedessem ao depósito do preço no prazo de 24 horas, quando no mínimo, nos termos do disposto no artigo 149.º do CPC, o prazo não podia ser inferior a 10 dias.

Por tal razão, o despacho supra referido é nulo nos termos do disposto no artigo 195º do CPC.

c) A executada recorrente argui ainda a nulidade do despacho proferido em 09.12.2019 porquanto é aí referido que não há menção nos autos que as remidoras tenham dado cumprimento ao despacho exarado nos autos em 19.11.2019 e por isso não poderá ser deferido o pedido de remição.

Porém, argumenta, tal despacho que ordenava a citação das remidoras para no prazo de 24 horas procederem ao depósito, não lhes foi notificado, a elas remidoras, pelo que o fundamento invocado pelo Tribunal, ou seja, incumprimento ao despacho, está em oposição com a falta de notificação das mesmas para esse efeito e com a decisão que considera que por isso não poderá ser deferido o pedido de remição, o que constitui nulidade nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.

2 –  Em segundo lugar, coloca-se a questão relativa à aplicação do regime que foi instituído pela Lei n.º 58/2012, de 9 de novembro, o qual, nos termos do seu artigo 1.º teve por objeto a criação de um regime extraordinário de proteção dos devedores de crédito à habitação que se encontrassem em situação económica muito difícil, e respetivas implicações sobre os atos do processo, designadamente sobre a suspensão da execução e anulação dos atos posteriores que foram realizados e não teriam sido se a execução tivesse sido suspensa.

3 – Em terceiro lugar, se as questões não tiverem ficado prejudicadas por decisões anteriores, cumpre apreciar as questões relativas ao exercício do direito de remição, ou seja:

i -  Definir em que momento o remidor tem de pagar o preço;

ii - Verificar se foi dado cumprimento ao despacho que ordenou às remidoras o depósito do preço no prazo de 24 horas, porquanto, segundo a recorrente, a Agente de execução não terá cumprido o disposto no artigo 232.º do CPC, ou seja, a citação com hora certa no caso de não encontrar ninguém no local para proceder à citação, infringindo o disposto no artigo 842.º e o n.º 2 do artigo 845º do CPC e o n.º 4 do artigo 20º da CRP e no artigo 232º do CPC.

iii – Prazo de 24 horas.

iv – Se se deve abrir licitação entre as descendentes da executada nos termos previstos no n.º 2 do artigo 845.º do CPC.

III. Fundamentação

a) 1 – Nulidades de sentença – artigo 615.º do CPC

a) A Recorrente argui a nulidade do despacho proferido em 19.11.2019, argumentando que o tribunal não se pronunciou sobre nenhuma das seguintes questões:

(1) Requerimento da executada a pedir a anulação das notificações efetuadas pela agente de execução, pelo facto da mesma não ter aberto licitações entre os descendentes da executada, bem como por (2) não ter cumprido os prazos legais para o exercício do direito de remição e ainda (3) pelo facto da agente de execução não ter notificado os executados da falta de deposito do preço, o que constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do artigo 615º do CPC.

Não assiste razão à recorrente.

O despacho recorrido abordou a questão (1) da licitação entre as remidoras que indeferiu por estas não terem depositado ainda o preço e abordou a questão do  prazo para o exercício do direito de remição, e tanto assim ocorreu que concedeu um prazo suplementar de 24 horas para ser feito o depósito do preço.

E relativamente à questão (3) da Sra. agente de execução não ter notificado os executados da falta de deposito do preço resultante da remição, essa questão não se tinha ainda colocado no momento do despacho, pois, relevando essa notificação para efeitos do artigo 825.º do CPC, atinente às consequências da «falta de depósito do preço», teria de se aguardar o decurso do prazo de 24 horas a que se aludiu.

Improcede, por isso, esta nulidade por omissão de pronúncia.

b) A executada recorrente argui ainda a nulidade do mesmo despacho, proferido em 19.11.2019, argumentando que neste despacho se ordenou que as remidoras procedessem ao depósito do preço no prazo de 24 horas, quando no mínimo, nos termos do disposto no artigo 149.º do CPC, o prazo não podia ser inferior a 10 dias.

Por tal razão, o despacho supra referido é nulo nos termos do disposto no artigo 195º do CPC.

Improcede a pretensão da recorrente.

Esta questão não integra o conceito de nulidade, porquanto a nulidade se refere a «atos processuais» e um prazo não é um «ato processual», regula sim o intervalo entre os atos.

Como referiu Alberto dos Reis, «… a função do prazo consiste em regular a distância entre os actos do processo, compreende-se que um dos extremos deva coincidir com o dia em que se realize ou deva realizar-se o acto, relativamente ao qual tem de ser regulada a distância; o outro extremo determina-se, medindo desse ponto a distância fixada» -  Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2. Coimbra Editora, 1945, pág. 53/54.

Por outro lado, um despacho que eventualmente erre na atribuição de um prazo não padece de nulidade, mas sim de ilegalidade.

Improcede, pelo exposto, a arguição desta nulidade.

c) A executada recorrente argui ainda a nulidade do despacho proferido em 09.12.2019 porquanto é aí referido que não há menção nos autos que as remidoras tenham dado cumprimento ao despacho exarado nos autos em 19.11.2019 e por isso não poderá ser deferido o pedido de remição.

Porém, argumenta, tal despacho que ordenava a citação das remidoras para no prazo de 24 horas procederem ao depósito, não lhes foi notificado, a elas remidoras, pelo que o fundamento invocado pelo Tribunal, ou seja, incumprimento ao despacho, está em oposição com a falta de notificação das mesmas para esse efeito e com a decisão que considera que por isso não poderá ser deferido o pedido de remição, o que constitui nulidade nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão.

Não se verifica esta nulidade.

Como referiu Alberto dos Reis, «Quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?» e acrescenta, «Há contradição entre os fundamentos e a decisão quando «…os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» - Código de processo Civil Anotado. Coimbra Editora, 1984.Vol. V (reimpressão), pág. 141.

Verifica-se então que esta nulidade ocorre quando o juiz conduz a argumentação que consta da fundamentação jurídica da sentença num certo sentido e, depois, no dispositivo da sentença, tira uma conclusão inesperada, isto é, contraditória com a argumentação anterior.

É nisto que consiste a contradição apontada nesta norma.

Ora, tal contradição não ocorre no caso dos autos.

Com efeito, se um leitor hipotético fizer o exercício de ocultar o dispositivo do despacho e ler de seguida apenas a respetiva fundamentação, se esse leitor tivesse de escrever a decisão após ter lido a fundamentação, concluiria no mesmo sentido que consta do despacho sob recurso, isto é, a conclusão (decisão) da sentença é a esperada face às premissas que o juiz fez constar da fundamentação.

Quando a parte discorda da fundamentação indicada no despacho, como é o caso, não ocorre nulidade, mas sim ilegalidade da decisão.

Só existiria nulidade se o tribunal tivesse argumentado que o despacho não havia sido notificado às remidoras, o que aí não é referido, e depois decidisse como se o mesmo tivesse sido notificado.

Aqui sim existiria a pontada nulidade.

Improcede, pelo exposto, a nulidade invocada.

b) 1. Matéria processual a considerar

A matéria a apreciar é a que resulta do relatório que antecede.

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 –  Questão relativa à aplicação ao caso dos autos do regime que foi instituído pela Lei n.º 58/2012, de 9 de novembro, o qual, nos termos do seu artigo 1.º teve por objeto a criação de um regime extraordinário de proteção dos devedores de crédito à habitação que se encontrassem em situação económica muito difícil.

Nos termos do artigo 2.º desta lei, o regime abrangia as situações de incumprimento de contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito à habitação destinado à aquisição, construção ou realização de obras de conservação e de beneficiação de habitação própria permanente de agregados familiares que se encontrem em situação económica muito difícil e apenas quando o imóvel em causa seja a única habitação do agregado familiar e tenha sido objeto de contrato de mútuo com hipoteca.

Antes de apreciar a problemática relativa ao exercício dos direitos conferidos por este regime por parte da executada recorrente, cumpre verificar se tal regime ainda se encontrava em vigor à data em que a Executada recorrente requereu ao Banco a sua aplicação e veio a esta execução pedir a sua suspensão, suspendendo-se assim as diligências relativas à venda da casa de habitação, que se encontravam em curso e na sua face final.

Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 38.º (período de vigência) da referida lei, «O regime constante da presente lei vigora até ao dia 31 de dezembro de 2015», acrescentando o seu n.º 2 que «No final do período inicial de vigência deve proceder-se à avaliação do impacto global dos resultados da aplicação do regime constante da presente lei, com vista à sua eventual prorrogação».

Ou seja, se não existiu prorrogação, o regime cessou no final do dia 31 de dezembro de 2015, o que significa que a questão colocada pela executada carece de base legal.

O Banco executado veio dizer que o pedido não podia proceder porquanto o regime legal em questão não tinha sido prorrogado a partir de 2015.

O tribunal nada disse sobre o assunto expressamente, tendo analisado o pedido formulado pela executada como se o regime estivesse em vigor, sem indicar o diploma que o prorrogou, tendo concluído pela improcedência do pedido de suspensão da venda pela razão de tal pedido não ter tutela no regime extraordinário em causa.

Ora, a primeira questão que se coloca consiste em saber se o regime prolongou a sua vigência apara além de 31 de dezembro de 2015 até à data do pedido formulado ao Banco em 27 de maio de 2019.

A resposta a esta questão é negativa.

A mencionada lei só produzia e produziu efeitos até 31 de dezembro de 2015.

A Exequente teria de mostrar que o regime tinha sido prorrogado para além deste prazo, para assim justificar o pedido, mas não o fez.

É certo que não estava obrigada a fazê-lo face ao princípio de que o tribunal conhece a lei aplicável – artigo 5.º, n.º 3, do CPC –, mas também é certo que as partes são responsáveis pelas decisões dos tribunais, porquanto, como referiu Castro Mendes,  a respeito do princípio da auto-responsabiliade das partes, «…o juiz está vinculado às alegações concordes ou incontestadas, ou à ausência de alegações das partes, são estas que são responsáveis pelo resultado probatório e pelo conteúdo da decisão» - Do Conceito de Prova em Processo Civil. Edições Ática, 1961, pág. 162.

Apenas o Banco exequente veio afirmar que o regime não tinha sido prorrogado.

Não se encontrou qualquer diploma a prorrogar este regime, designadamente nas leis de orçamento para 2015 e 2016 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro - Orçamento do Estado para 2015 e Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março - Orçamento do Estado para 2016).

A versão desta lei constante do Diário da República Eletrónico na «Versão à data de 22-11-05» (data da consulta - https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/107640694/indice?p_p_state=maximized) não mostra que tenha existido alguma prorrogação.

Conclui-se, por conseguinte, que o regime em questão não se prolongou após 31 de dezembro de 2015, salvo, claro está, para os processos iniciados antes desta última data.

Improcede, por isso, a pretensão da executada recorrente no sentido de ver a execução suspensa com tal fundamento, bem como a arguição da nulidade da venda.

2– Quanto às questões relativas ao exercício do direito de remição, ou seja:

-  Momento em que o remidor tem de pagar o preço;

- Se foi dado cumprimento ao despacho que ordenou às remidoras o depósito do preço no prazo de 24 horas, porquanto, segundo a recorrente, a Agente de execução não terá cumprido o disposto no artigo 232.º do CPC, ou seja, a citação com hora certa, no caso de não encontrar ninguém no local para proceder à citação, infringindo o disposto no artigo 842.º e o n.º 2 do artigo 845º do CPC e o n.º 4 do artigo 20º da CRP e no artigo 232º do CPC.

- Se se deve abrir licitação entre as descendentes da executada nos termos previstos no n.º 2 do artigo 845º do CPC.

(a) Quanto ao momento em que o remidor deve pagar o preço

É um facto certo que não é possível exercer com efetividade o direito de remição se não se depositar o preço, ou seja, não basta o interessado declarar algo como «exerço o direito de remição relativamente a ...».

Esta declaração exprime uma intenção, mas não é constitutiva como o são outras declarações, como, por exemplo, quando o juiz diz «declaro aberta a audiência». Esta última declaração é um exemplo de uma ação ou ato declarativo (emissão de palavras) que causa uma efetiva alteração na realidade, porquanto dá origem a um ato processual, em regra público, que até ao momento não existia e passa a existir após a declaração «declaro aberta a audiência», sem que seja necessário algo mais (ou o clássico «Eu vos declaro marido e mulher»).

[No domínio da filosofia da linguagem designa-se este tipo de declaração como performativa ou como um ato de fala perlocutório, o qual consiste em alcançar certos efeitos pelo facto de dizer algo. Certas declarações têm efetividade, produzem atos pelo simples facto de serem pronunciados – ver John Searle. Os Actos de Fala. Coimbra, Almedina, 1984, pág. 37]

No exercício do direito de remição, a declaração «exerço o direito de remição relativamente a ...» é uma afirmação que não causa o que quer que seja se estiver desacompanhada do depósito do respetivo preço.

Só por si, uma declaração deste tipo não produz qualquer alteração na realidade (jurídica), salvo se a lei atribuir alguma eficácia a tal declaração, o que não é o caso na presente hipótese.

Por conseguinte, perante a questão de saber em que momento o remidor deve pagar o preço, a resposta é, como regra, a seguinte: deve pagar o preço no mesmo ato em que declara que exerce o direito de remição, ou seja, declaração e pagamento constituem uma unidade não só funcional, com vista à aquisição da propriedade do bem, como também temporal.

Por conseguinte, como se disse, salvo se a lei dispuser de outro modo, o preço tem de ser pago no ato processual em que se exerce o direito, sob pena de não existir exercício do direito de remição.

Aliás, não há qualquer razão válida que justifique a existência de uma cisão processual entre o momento em que o remitente declara exercer o direito de remição e o momento em que deposita/paga o preço.

A lei não estabelece esta cisão, salvo no caso da venda por proposta em carta fechada.

Com efeito, quando a venda é feita por propostas em carta fechada, o n.º 2 do artigo 843.º do CPC, determina que se aplique «…ao remidor que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º».

Nesta modalidade de venda temos então:

(i) Quando o direito de remição é exercido no ato de abertura e aceitação das propostas, o remidor deve apresentar nesse momento, como caução, um cheque visado no montante correspondente a 5 % do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor (cfr. artigo 824.º/1) e se for aceite alguma proposta, o remidor é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta (cfr. artigo 824.º/2).

Mas esta cisão entre o momento da declaração do exercício do direito e o depósito do preço justifica-se pelo facto do remidor não saber antecipadamente qual é o valor a pagar e, por isso, é equiparado ao comprador.

Não se poderia exigir ao remidor algo que não poderia cumprir.

(ii) Quando o direito de remição é exercido em momento posterior ao ato de abertura e aceitação das propostas, o remidor deve, no momento do exercício do direito de remição, depositar integralmente o preço com acréscimo de 5 % para indemnização do proponente nos casos em que este já tenha feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º.

Como neste caso o preço já é conhecido do remidor, não há qualquer cisão temporal/processual entre a declaração de remição e o depósito do preço.

Como se disse, não existiria neste caso qualquer razão que justificasse uma separação temporal entre a atividade declarativa e o pagamento do preço.

(iii) Nas restantes modalidades de venda, a al. b), do n.º 1, do artigo 843.º, determina que o direito de remição é exercido «…até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta».

Nestes casos, como o remidor já sabe qual é o montante a pagar, a declaração de remição tem de ser acompanhada do depósito do preço, sob pena de não se exercer efetivamente o direito de remição.

 Como acima já se referiu, não existe motivo válido para que exista cisão entre o momento da declaração do exercício do direito e o depósito do preço [Como se concluiu no acórdão do TRG, de 4 de outubro de 2018 (Fernanda Fernandes), «O depósito do preço é elemento constitutivo do direito de remição, na medida em que o mesmo nunca pode ser exercido de forma válida sem a efetivação do pagamento do preço» (ver em www.dgsi.pt)].

Aliás, no âmbito da vigência do CPC de 1961 (versão original) o artigo 912.º, n.º 2, dizia expressamente que «O preço há-de ser depositado no momento da remição».

Por conseguinte, no caso dos autos, a declaração relativa ao exercício do direito de remição devia ter sido acompanhada do depósito do preço, sob pena de se considerar que não foi exercido o direito.

Passando à questão seguinte.

(b) Notificação das remidoras. Vejamos se foi dado cumprimento ao despacho que ordenou às remidoras o depósito do preço no prazo de 24 horas, porquanto, segundo a recorrente, a Agente de execução não terá cumprido o disposto no artigo 232.º do CPC, ou seja, a citação com hora certa, no caso de não encontrar ninguém no local para proceder à citação, infringindo o disposto no artigo 842.º e o n.º 2 do artigo 845º do CPC e o n.º 4 do artigo 20º da CRP e no artigo 232º do CPC.

Sobre estas questões, cumpre começar por referir que à primeira vista parece que a recorrente não terá legitimidade para arguir a nulidade que aponta em relação à omissão de formalidades na notificação das remidoras, mas não é o caso, porquanto o conceito de «interessado» constante dos artigos 196.º e 197.º do CPC, refere-se aos sujeitos que são partes no processo, como é o caso da executada [«Vê-se, pois, que o interesse há-de dizer respeito, não à infracção cometida, mas à causa em que se cometeu, o que equivale a afirmar que o termo «interessado» tem o mesmo valor e a mesma significação que o termo «partes». Quem pode arguir a nulidade são as partes» - Alberto dos Reis. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2, Coimbra Editora, 1945, pác. 491/492].

Por outro lado, face ao que consta do processo, as remidoras não tomaram conhecimento do ato da sua notificação e, sendo assim, não poderiam reagir contra ele, não convindo à execução em si mesma que esta questão permaneça pendente nos autos sem resolução.

Prosseguindo, verifica-se que de facto as remidoras não foram corretamente notificadas do despacho que lhes concedeu mais 24 horas para depositar o preço, isto é, a Agente de execução omitiu as formalidades da notificação «com hora certa» previstas nos artigos 250.º e 232.º

Com efeito, o tribunal determinou que as remidoras fossem notificadas pessoalmente para depositarem o preço em 24 horas.

Às notificações pessoais aplicam-se as regras da citação, como determina o artigo 250.º ao dispor que «Para além dos casos especialmente previstos, aplicam-se as disposições relativas à realização da citação pessoal às notificações a que aludem os n.º 4 do artigo 18.º, 3 do artigo 27.º e 2 do artigo 28».

Por conseguinte, tendo a Agente de execução procurado as remidoras na sua residência para as notificar e não as tendo encontrado, então devia ter procedido como determina o n.º 1 do artigo 232.º, ou seja, «… se o agente de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respetivo aviso no local mais indicado», prosseguindo depois com os restantes atos complementares indicados neste artigo.

Verifica-se que não foi deixada qualquer nota com indicação de hora certa para a diligência, nem foi afixado qualquer aviso no local.

Ocorre, por conseguinte, a omissão de uma formalidade necessária para que a notificação exista, o que constitui nulidade do ato, como vem determinado no artigo 191.º, n.º 1, aplicável por força da remissão efetuada no artigo 250.º, ao determinar para a citação que «… é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei».

Nos termos do n.º 2 do artigo 195.º «Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente».

Procede, por conseguinte o recurso nesta parte, cumprindo declarar a nulidade do ato de notificação para que a mesma possa ser feita.

Não tem qualquer interesse a questão da contagem do prazo anteriormente conferido para o depósito do preço, porquanto, por um lado, as interessadas não estiveram impedidas de pagar no prazo que entenderam ser o adequado e, por outro, a questão ficou prejudicada com a atribuição do novo prazo de 24 hoas.

c) Prazo de 24 horas.

A recorrente insurge-se contra o prazo de 24 horas fixado pelo juiz para as remidoras depositarem à ordem dos autos o preço devido e comprovarem os demais pressupostos de que depende o exercício do direito de remição, com a advertência de que, não o fazendo, não será apreciado o pedido de remição.

Argumenta que o prazo não pode ser inferir a 10 dias, que é o prazo mínimo fixado no artigo 149.º (Regra geral sobre o prazo) do CPC, onde se prescreve, no seu n.º 1, que «Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária».

Não asiste razão à recorrente.

A lei permite que o juiz possa sem certos casos fixar prazos, como resulta do n.º 1, do artigo 138.º do CPC, ao dizer que «O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz…».

O caso em apreço é um caso de prazo fixado pelo juiz.

Como referiu Alberto dos Reis, perante norma semelhante à do atual artigo 149.º do CPC, «O artigo refere-se claramente, não ao prazo cuja fixação compete ao juiz, mas ao prazo cuja fixação depende da lei. Mas se a designação do prazo estiver nas atribuições do juiz e este a não fizer, entendemos que deve, por analogia, lançar-se mão da regra consignada no artigo» - Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2, Coimbra Editora 1945, pág. 119.

Ou seja, se o juiz não fixar prazo para a pratica de um ato, mais curto ou mais longo que o prazo geral de 10 dias aplica-se por analogia o prazo de 10 dias do artigo 149.º do CPC.

No caso, o tribunal fixou o prazo em 24 horas e fê-lo de modo tão exíguo porque já anteriormente tinha sido fixado o prazo de 15 dias para praticar o mesmo ato relativamente ao qual se acrescentaram mais essas 24 horas.

Não se mostra, por tal razão, que o prazo seja desproporcionado.

Improcede o recurso nesta parte.

d) Licitação entre as remidoras. Quanto à questão da abertura da licitação entre as descendentes da executada, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 845º do CPC, a questão fica prejudicada, porquanto é necessário que primeiro se mostre notificado o despacho   de 19 de novembro de 2019.

IV. Decisão

Considerando o exposto:

1 – Julga-se o recurso improcedente quanto às nulidades de sentença e quanto à pretensão da suspensão da execução por aplicação do regime que foi instituído pela Lei n.º 58/2012, de 9 de novembro, e anulação dos atos posteriores.

2 – Julga-se o recurso procedente quanto à nulidade da notificação das remidoras ordenada pelo despacho de 19 de novembro de 2019, notificação essa que deve ser realizada nos termos que ficaram indicados supra.

Custas na proporção de metade pela executada e na restante metade por quem as pagar no final.


*

Coimbra, 14 de dezembro de 2020


Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo