Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
860/18.9T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI MOURA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
INTERESSE DO MENOR
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DAS CALDAS DA RAÍNHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1.º; 3.º. 1 E 2; 4.º, 1, A); 34.º, A) E B); 35.º, 1, G); 38.º-A, B); 42.º; 43.º; 62.º-A, 1; 107.º, 3 E 114.º, 1, TODOS DA LPCJP
Sumário: I- Vai de encontro ao superior interesse da criança – actualmente com seis anos e dois meses de idade, objecto da medida a título cautelar de acolhimento residencial, que durante o debate judicial e depois de prolatado o acórdão pelo Tribunal Colectivo Misto, que lhe aplicou a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, mantendo-se a criança na instituição em que se encontra acolhida, que sofreu impugnação, e até haver decisão transitada sobre o mesmo, veja negada autorização para convívios de maior amplitude, como os que estão em causa nas 1ª e 4ª apelações, - passar um mês em casa dos avós paternos com o objectivo de se preparar para o baptismo; passar as férias do Verão com os futuros padrinhos - uma vez que ultrapassam as meras visitas.

II- Para tal concorrem designadamente o facto de a menor se encontrar em perigo, não ter qualquer ligação afectiva privilegiada com qualquer adulto e não ter assegurados ganhos de qualidade nos relacionamentos pretendidos, protecção e afastamento do perigo fora da casa de acolhimento.
Decisão Texto Integral: Apelação                                                        

Processo nº 860/18.9T8CLD.C1 vindo da
Comarca de Leiria – Juízo de Família
e Menores das Caldas da Rainha – J1 
(1550)

(…)

                                                           -//-

Questão prévia

Nos presentes autos vêm interpostos os seguintes recursos:

1 - A 26 de Janeiro de 2022 foi proferido o douto despacho de fls. 473, em acta, que indeferiu requerimento deduzido pelo Il. Patrono da Menor no sentido de ser permitido que a Menor passasse um mês em casa dos avós paternos com o objectivo de se preparar para o baptismo, bem como esclareceu que o Tribunal indeferirá qualquer requerimento que ultrapasse as meras visitas até ao final do debate judicial e prolação do subsequente acórdão.
Recorreu a Menor, alegações a fls. 484 e ss e resposta do MºPº a fls. 542 e ss..

2 – A 1 de Fevereiro de 2022 foi proferido o douto despacho de fls. 492, em acta que indeferiu requerimento para novo debate judicial com intervenção dos avós da paternos da AA e futuros padrinhos. Recorreu a Menor. Alegações a fls. 494 e ss. Resposta do MºPº a fls. 571 e ss.

3 - Proferido que foi o douto acórdão de fls. 502 e ss, datado de 10 de Fevereiro de 2022, dele recorre a Menor representada pelo Il. Patrono nomeado.
Requerimento ref. 8453900, a fls. 556 e ss, com alegações. 
Resposta do Mº Pº a fls. 689 a 699.

Estes recursos – 1, 2 e 3 – foram admitidos como de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito suspensivo – cfr. artigos 123º e 124º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e normas do CPC. 
Cfr. douto despacho de fls. 586.

4 - A 18 de Agosto de 2022 foi proferido douto despacho a indeferir o requerimento foi proferido douto despacho a indeferir o requerimento de BB e CC (futuros padrinhos da Menor) no sentido de ser autorizada a estadia da Menor durante uma temporada com a “família biológica alargada” – férias de Verão de 2022.
Requerimento a fls. 626. Despacho a fls. 669.
Recurso e alegações da Menor a fls. 671 e ss.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado, com efeito meramente devolutivo – despacho de fls. 675.
Resposta do MºPº a fls. 679 a 681.

Esta súmula confere com os termos da cota de fls. 686.

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Porém o recurso de 4- não chegou a ser instruído em separado, vindo a subir à Relação incorporado nos próprios autos.

Parece-nos neste momento desnecessário ordenar a instrução, autuação e registo em separado do recurso de 4- uma vez que do processo constam todos os elementos para a sua apreciação, o direitos das partes não se mostram beliscados, sendo até inútil, salvo o devido respeito, fazê-lo agora – cfr. artigo 130º do CPC.

*

Foram estes os recursos interpostos – 1, 2, 3, 4 -.
São estes os recursos pendentes.

Foram estes os recursos recebidos na Relação e deles se tomará conhecimento.

*

Nota: Houve nos autos outro recurso que, interposto de decisão proferida a 24 de Maio de 2022, já foi decido com trânsito conforme Apenso A e fls. 629 a 654 dos autos.    
 
                                                             *

Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

i)- O presente processo  é judicial de promoção e protecção – cfr. artigos 100º e ss da LPCJP, alterada e republicada pela Lei nº 142/15 de 8 de Setembro, e pela Lei nº 23/2017, de 23 de Maio - em que é Requerente o MºPº, com vista à tomada de medidas relativas à menor
- AA, nascida a .../.../2017, natural de ..., ... e ..., ..., filha de DD e de EE.
À data da instauração do processo – 22 de Maio de 2018 - a menor vivia com os progenitores na Rua ..., em ....

O Excelentíssimo Magistrado do Mº Pº arrolou para o efeito os seguintes factos:







ii)- O Excelentíssimo Magistrado do Mº Pº pediu inicialmente que fosse aplicada à AA a título cautelar a medida de acolhimento residencial, a qual veio a ser aplicada em 23Mai2018, sendo a criança acolhida na CAR ..., em ... em 29Mai2018.
A mesma medida, que não a título cautelar, foi aplicada por homologação de acordo de promoção em 4Set2018 pelo período de 6 meses, com término previsto em 4Mar2019, sendo a criança transferida para a CAR .../SCM, em ... em 12Set2018.
A medida de acolhimento residencial foi prorrogada em 11Abr2019 por adicionais 6 meses com término previsto para 4Set2019 e novamente em 27Set2019 por adicionais 12 meses, com término previsto em 4Set2020, a qual foi revista e mantida em 21 Mai2020. Novamente em 15Out2020 a medida foi prorrogada por adicionais 12 meses com término previsto para 4Set2021, a qual foi revista e mantida em 27 Abr2021.
Finalmente e após promoção do Ministério Público em 8Set2021 no sentido de ser a medida então vigente substituída pela de confiança com vista à adopção, foi em 10Set2021 decidida a aplicação a título cautelar da medida de acolhimento residencial pelo prazo de 3 meses, para vigorar até 4Dez2021, revista em 23Dez2021, com término previsto para 4Mar2022 ou para a data da decisão a proferir nestes autos, dependendo da que primeiro venha a ocorrer.

Foram notificados o Ministério Público, os progenitores e o Il. Patrono da criança para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova, cfr. despacho exarado a fls. 421.

O Ministério Público e o Il. Patrono oficioso da criança alegaram e indicaram prova - conforme consta de fls. 388v e ss. e 423 e ss - tendo o primeiro pugnado pela aplicação à criança de medida de confiança a instituição com vista a adopção, opondo-se o Il. Patrono oficioso da criança, sugerindo por sua vez, um “acolhimento junto da família natural”.

Teve lugar o debate judicial – Cfr. artigos 116º e ss da LPCJP - em várias sessões, com a produção da prova admitida, nomeadamente a audição dos progenitores, da avó e do seu marido e a inquirição de todas as testemunhas arroladas, tendo também sido determinada oficiosamente no decurso do debate a produção de prova testemunhal e documental e ainda a audição da criança com intermediação de perita técnica (pedo-psicóloga nomeada oficiosamente para o efeito).

iii)- A 26 de Janeiro de 2022 foi proferido o douto despacho de fls. 473, em acta, que indeferiu requerimento deduzido pelo Il. Patrono da Menor no sentido de ser permitido que a Menor passasse um mês em casa dos avós paternos com o objectivo de se preparar para o baptismo, bem como esclareceu que o Tribunal indeferirá qualquer requerimento que ultrapasse as meras visitas até ao final do debate judicial e prolação do subsequente acórdão.
Recorreu a Menor.
Brota daqui a 1ª apelação.

iv)- A 1 de Fevereiro de 2022 foi proferido o douto despacho de fls. 492, em acta que indeferiu requerimento para novo debate judicial com intervenção dos avós da paternos da AA e futuros padrinhos. Recorreu a Menor.
Brota daqui a 2ª apelação.

v)- Prolatou-se douto acórdão (Tribunal Colectivo Misto).

Nele dá-se como provada a seguinte factualidade:

1. A criança AA (de ora em diante referida como AA), nasceu no dia .../.../2017, sendo filha de EE e de DD (assento de nascimento de fls. 98)
2. A criança residiu com os pais até 13Mai2018, então na Rua ..., em ... (fls. 74 e 88), embora tenha residido anteriormente em ... onde a CPCJ ... aplicou e assim foi aceite pelos progenitores a medida de apoio junto dos pais em 6Mar2017 (fls. 345)
3. Os progenitores mudaram-se para a zona limítrofe de Lisboa e deixaram de contactar com a CPCJ e quando o progenitor voltou a contactar a CPCJ, informou que o agregado se encontrava já a residir em ..., continuando a alternar posteriormente actividades laborais sucessivas e precárias, com ausência de trabalho e de meios de subsistência.
4. Em data não concretamente apurada mas anterior a 16Jan2018, a avó paterna e o seu marido, residentes no Algarve, ..., contactaram a CPCJ a disponibilizarem-se para se constituírem como alternativa no projecto de vida da AA, recebendo-a no seu agregado e cuidando dela. (fls. 63);
5. A CPCJ deliberou em 30Jan2018 pela substituição da medida de promoção de apoio junto dos pais pela medida de apoio junto de outro familiar, substanciado na pessoa da avó e do marido, o que não mereceu, porém, a concordância dos progenitores (fls. 72). Foi então celebrado novo acordo de promoção e protecção de apoio junto dos pais em 15Fev2018 (fls. 75) tendo durante o período da sua vigência o agregado recebido refeições no âmbito da cantina social (fls. 87).
6. Na data referida em 2., e após saída da progenitora com a criança para parte incerta (fls. 88), a criança veio a ser acolhida em CAR, ..., em ..., no dia 29Mai2018 (fls. 106v) por decisão judicial, aplicada a título cautelar, datada de 25Mai2018 (fls. 94)
7. Entre a data do acolhimento e 14Ago2018 ambos os progenitores visitaram a AA com frequência, mais a progenitora devido aos horários laborais do progenitor, revelando a criança satisfação pela presença dos pais e apresentando um registo de choro aquando da saída das visitas retornado à situação de tranquilidade após a saída da progenitora. Nesse período a progenitora verbalizou que discordava do acolhimento e que a menor estaria melhor consigo, e que não via qualquer utilidade em assumir um acompanhamento psiquiátrico e processo terapêutico, assim como o progenitor reclama inverdades em referências processuais no que respeita a que haja retomado consumos de estupefacientes e que já demonstrou ter capacidades parentais (relatório de fls. 143),
8. Em 4Set2018 é celebrado acordo de promoção e protecção para aplicação de medida de acolhimento residencial pelo período de 6 meses, com revisão ao final, o qual previu visitas, fins de semana e férias nos moldes a serem definidos pelo gestor do processo e pelo/a director/a da instituição de acolhimento (fls. 159).
9. Em 12Set2018 a AA foi transferida para a CAR ..., em .... (fls. 162),
1 O. Em 4Out2018 é reportado que a AA entra com satisfação nas visitas da progenitora, mas que fica agitada no decurso da visita, chora com frequência e despede-se com grande angústia, choro e sofrimento. A progenitora é descrita como ansiosa, agitada e com discurso confuso com perfil ansiogénico, reportando-se o progenitor como adoptando uma postura cuidadora pelo que lhe foi proposto acompanhar a AA num internamento decorrente de exame oftalmológico, ao que este respondeu que teria que falar com a progenitora primeiro, o que acabou por provocar sentimentos de exclusão por parte da progenitora (fls. 167 e 168).
11. Em 27Nov2018 foi requerido por ambos os progenitores da AA que esta passasse o Natal junto da família alargada (fls. 174) tendo sido, em consequência, autorizada pela casa de acolhimento uma visita da AA pelos pais no exterior da instituição no dia 24Dez2018 pelo período de 2 horas (fls.178), o que acabou por ser aceite pelos progenitores (fls. 180).
12. Em 4Jan2019 foi a progenitora sujeita a exame de avaliação psicológica donde se concluiu a mesma ter dificuldades de empatia, uma atitude imatura na forma como gere e programa a parentalidade, com fracos conhecimentos sobre características distintivas dos filhos, bem como as suas necessidades desenvolvimentais específicas (v.g. médicas) chegando a ser negligente e também que a progenitora organiza as suas condições de vida em torno das suas relações afectivas e românticas em detrimento da parentalidade. (fls. 208)
13. Em 14Jan2019 a avó paterna formulou pedido para ser autorizada a visitar a AA (fls. 184), tendo-o feito por duas vezes nesse período. Nessas visitas, a avó e o marido equacionaram a possibilidade de se constituírem alternativa aos progenitores, tendo sido então reportada como com condição física potencialmente limitadora para acompanhar uma criança na presente fase de desenvolvimento da AA. Foi então ponderada a avaliação da avó e do marido como potenciais cuidadores da AA (fls. 199).
14. Até 11 Mar2019 a AA continuou a ser visitada regularmente pelos progenitores, separadamente, numa média de 2 vezes por semana, que depois passou a uma vez por semana (fls. 197 e ss.). O progenitor mudou de local de trabalho, continuando a progenitora a ser referenciada por discurso confuso e sem registos de rendimentos.
15. Até 28Ago2019 os progenitores mudaram uma vez mais de residência e afirmaram terem mudado de local de trabalho, sempre sem avisarem previamente o ISS, agindo sempre em conjunto e visitando juntos a AA na instituição. Pelo ISS é proposto um projecto de parentalidade ao progenitor sem o envolvimento da progenitora, o que motivou reacção desta quando o veio a saber através do progenitor. Concluiu-se igualmente que os avós não são alternativa, por avaliação
personalizada da equipa do SIATT de ... e propôs-se desde então a aplicação de medida de confiança com vista a adopção (fls. 229 e 229v)
16. Em 29Nov2019 o progenitor pediu autorização para a AA passar consigo a quadra natalícia (fls. 248) o que foi indeferido pelo Tribunal mediante prévio parecer técnico desfavorável por parte da casa de acolhimento (fls. 256)
17. Em 4Dez2019 na sequência de uma visita domiciliária à residência apontada pelo progenitor, verificaram-se factos dos quais se retira que ambos os progenitores mantêm ainda então uma ligação afectiva entre eles, ao contrário do que era por ambos induzido ao ISS (fls. 254).
18. Até 10Fev2020, e por relatório do ISS dessa data nada de novo e de relevante se verifica (fls. 268) mantendo-se as ligações à AA por visita e por telefone, por ambos os progenitores e pela avó e marido (fls. 266v), sendo que foi visitada pela avó por 4 vezes, que também telefonou para saber do bem-estar da AA por 15 vezes (fls. 290).
19. Em 1 Mar2020 a avó paterna dirigiu um requerimento aos autos (fls. 267) prontificando-se a cuidar da AA e juntando documentação e fotografias que consideraram relevantes para a sua pretensão (fls. 268 a 274).
20. Em Mar2020 as visitas presenciais à AA foram suspensas em virtude da pandemia mantendo-se os contactos então por videochamada quer com os progenitores quer com a avó. O progenitor deixou de contactar com a AA com frequência, embora a progenitora ainda o faça. A avó paterna fez uma videochamada com periodicidade mensal (fls. 327).
21. Em 29Mar2021 o progenitor não contactava com a AA há 4 meses e desconhecia-se o seu paradeiro, e a progenitora continuava a visitar a filha embora de forma irregular. A avó paterna continua a contactar a AA de forma regular, com as limitações inerentes à distância geográfica da sua residência (fls. 341).
22. Em 23Jul2021 o progenitor deixara totalmente de contactar a AA desde há 8 meses, continuando desconhecido o seu paradeiro e actividade laboral.
23. Em 5Ago2021 a AA foi autorizada a passar um mês de férias de verão com a avó paterna, com término previsto para 30Ago2021.
24. Durante o período referido em 23. supra e em dias diversos, a AA fez 3 birras, chorando e gritando compulsivamente, e recusando-se a comer por pretender ver televisão durante a noite com volume elevado e a avó a ter confrontado com a impossibilidade de o fazer.
25. Por não saberem como reagir e assustados com as proporções da reacção da AA, mormente sobre o que os vizinhos pensariam do que se passaria em sua casa com a AA, a avó paterna e o seu marido decidiram ligar à CAR ..., por pelo menos duas vezes, queixando-se do facto e referindo que não sabiam o que deviam fazer. Foi-lhes referido que viessem trazer a AA de volta à CAR, o que aconteceu no dia 28Ago2021, tendo-a recebido a funcionária FF a quem a avó perguntou: "E agora? Tenho que falar com a Dra. GG para saber como é que vai ser agora"
26. O progenitor apresenta em 9Fev2018 um histórico de adição a produtos estupefacientes encontrando-se em programa de metadona o qual cumpre de forma regular o tratamento, mantendo posteriormente um padrão de abstinência continuada de substâncias psicotrópicas (fls. 72, fls. 80 e fls. 129), não sendo possível prever-se a data da sua conclusão. Tem 3 filhas de relacionamentos anteriores (em 2017, com 8, 10 e 18 anos) com quem mantém contacto periódico, mas não contínuo (fls. 328). Em 25Mai2020 apresenta uma personalidade estruturada, livre de sintomatologia psicopatológica, revela possuir estratégias adequadas para enfrentar situações de stress, com funcionamento adequado a nível familiar, afectivo e social com modelo de vinculação seguro e ajustado que condicionará positivamente o exercício individual da parentalidade. (fls. 313). Apresenta e sempre apresentou uma situação errante e descontinuada em termos laborais, e também em termos geográficos e residenciais.
27. É intenção do progenitor expressa desde pelo menos 8Out2021 que a AA seja entregue aos cuidados da avó paterna para que ele possa visitá-la ou ir morar para perto da sua mãe e ajudar a criá-la (fls. 387), não tendo condições actualmente para poder cuidar da filha.
28. A progenitora tem um filho de anterior relacionamento (em 2017, com 3 anos de idade) que se encontra entregue à avó paterna. Provém de família disfuncional com histórico de alcoolismo e consumo de drogas (avó materna) e que ela quer as suas irmãs tiveram processo de promoção e protecção que correu termos na CPCJ. Em Dez2019 os progenitores deixaram de manter relação afectiva e a progenitora iniciou novo relacionamento tendo tido novo filho em Ago2020 (fls. 331 v).
Sofreu de hidrocefalia pós meningite tuberculosa sem alterações neurológicas (fls. 123). Afirma-se actualmente como não sendo opção para cuidar da filha, preferindo que a mesma seja entregue à avó paterna.
29. A avó paterna tinha (em Março de 2020) 64 anos de idade e o seu marido 55 anos. São casados desde 2008 após 7 anos de união de facto e integram apenas ambos o seu agregado. A avó tem 5 filhos e o marido não tem filhos. Residem num apartamento de tipologia T2 em ..., .... A avó paterna encontra-se reformada por invalidez desde 13Set2006, com limitação funcional do braço direito (fls. 298 e 299).
30. Entre 2Out2020 e 19Jan2022 a AA recebeu visitas 6 visitas do progenitor, 12 visitas da progenitora (3 por videochamada) e 7 visitas dos avós;
31. Entre 25Dez2020 e 22Jan2022 foram feitas chamadas para a CAR para saberem do bem-estar da AA: 35 chamadas da avó materna e 31 chamadas da progenitora;
32. A AA tem actualmente 5 anos de idade, sofre de estrabismo, carece de especiais cuidados no que respeita à sua saúde oftalmológica e não tem actualmente vínculos afectivos estruturantes de relevo com ninguém.

*

Deram-se como não provados os seguintes factos:

a) Que a avó paterna tenha - ou que não tenha - condições de saúde compatíveis com a educação da AA, quer no presente, quer no futuro próximo, quer a médio prazo;
b) Que o marido da avó paterna da AA tenha - ou que não tenha - dito ao telefone em momento prévio à entrega da AA que iam devolver a AA e que tal significava que desistiam de pretender ser cuidadores da AA.
c) Que a avó paterna da AA e o seu marido tenham desistido de pretender constituir alternativa como projecto de vida para a AA.

vi)- Em sede de aplicação do Direito acordou-se em:

1.º De acordo com o disposto nos artigos 1º, 3º, n.ºs 1 e 2, alínea f), 34º, alíneas a) e b), 35.º, n.º 1, alínea g), 38-Aº ai. b), 62º-A, n.º 1, todos da LPCJP, aplicar em benefício da criança AA, nascida no dia .../.../2017, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, mantendo-se a criança na instituição em que se encontra acolhida, "...".
2.º Por força do disposto no art. 1978-A CC e 62-A n.º 6 LPCJP ficam os progenitores inibidos do exercício das responsabilidades parentais assim como cessam todas as visitas à AA por parte de qualquer membro da família biológica;
3º Designar como curador provisório da HH/Sra Director/a da instituição em que a criança se encontra acolhida (art. 62º-A nº 3 LPCJP).
4.° Comunicar ao ISS com a advertência de que será responsável pelo acompanhamento ulterior da medida ora aplicada (art. 59° nº 3 ex vi art. 125° da LPCJP)
5.º Oportunamente comunicar à Conservatória do Registo Civil competente para os devidos efeitos legais (arts. 1920-B al. d) CC e 69º, 1. h) e 78º CRC, respeitando-se o segredo de identidade nos termos do art. 88º, 8 LPCJP e 1985 CC.
6.° Condenar os pais da criança nas custas do processo, por a elas terem dado causa com as condutas que levaram à instauração do presente processo e à aplicação da medida agora decretada, nos termos do artigo 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 126º da LPCJP, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário;

vii)- Inconformada, recorre a Menor representada pelo Il. Patrono nomeado, recurso de apelação admitido a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito suspensivo – cfr. artigos 123º e 124º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e normas do CPC. 
Requerimento ref. 8453900, a fls. 556.
Brota daqui a 3ª apelação.

viii)- A 18 de Agosto de 2022 foi proferido douto despacho a indeferir o requerimento de BB e CC (futuros padrinhos da Menor) no sentido de ser autorizada a estadia da menor durante uma temporada com a “família biológica alargada” – férias de Verão de 2022.
Requerimento a fls. 626.
Despacho a fls. 669.
Recorre a menor.
Brota daqui a 4ª apelação.

ix)-

Colheram-se os vistos

Cumpre apreciar e decidir.
                                                              
                                                          oo*oo

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações dos recursos se afere e delimita o objecto e o âmbito de cada um.
Questões não são os argumentos nem as motivações; são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III – Das 1ª e 4ª apelações:

1ª apelação –

-douto despacho recorrido:

Consta da acta da sessão de 26 de Janeiro de 2022 do debate judicial, a fls. 473 o seguinte:

Veio também o Ilustre Patrono da menor a fls. 458, requerer, em súmula a estadia não inferior a um mês na casa dos avós, com o fim da preparação do seu baptizado para o qual indica o nome de dois padrinhos dispostos para o exercício de tal função”
*
Logo, para se pronunciar quanto ao ora requerido, o Mm.º Juiz de Direito deu a palavra ao Ministério Público, que no uso da mesma disse:
“A menor AA completou 5 anos na data em que iniciámos o presente debate judicial.
Até agora, nunca ninguém se havia preocupado com o eventual baptizado da menor ou sequer em recebe-la em casa por ocasião dos aniversários, verificando-se ainda haver a referencia a que no verão de 2021 os avós devolveram a criança à instituição com fundamento nas suas respostas, birras, no barulho que fazia ou no trabalho que dava.
Assim, não sendo a menor AA uma “bola de pingue-pongue” ou qualquer outro objecto para ambos, entendo que o ora requerido não se afigura conforme o seu interesse.
Acresce por ocasião da sua audição a menor não fez qualquer referência aos avós nem à casa dos mesmos e segundo foi transmitido pela psicóloga que esteve presente, desviou sempre a conversa quando era abordado o tema avós e manifestou correntemente a vontade de ir à casa de banho e proferiu falar do Dr. II e da Dr.ª JJ, responsáveis da instituição onde se encontra desde 1 ano de idade.
Pelo exposto, promovo que seja indeferido o ora requerido pelo Ilustre Patrono da menor, por tal como já referido não se afigura conforme o interesse desta.”
*
Após, pelo Mm.º Juiz de Direito foi proferido o seguinte:
DESPACHO  (vem a ser o despacho recorrido)
“Pelas razões já detalhadamente elencadas quando do despacho que indeferiu a passagem da menor com os avós durante as épocas festivas do Natal e Fim de Ano e por posteriormente nenhum facto aconselhar da sua alteração, mantendo-se assim absolutamente actualizadas, o tribunal indefere o ora requerido, assim como indeferirá qualquer requerimento que ultrapasse as meras visitas nos termos actuais até ao final do presente debate judicial e prolação do respectivo acórdão dependendo do sentido da decisão o que mãos se vier a definir ou indeferir.
Notifique.”

Alega a Recorrente, concluindo:

1. AA, Menor no processo em epígrafe, vem, por este meio, ao abrigo do artigo 123º da LPCJP, interpor recurso do douto despacho que indeferiu o seu requerimento de passar um mês em casa dos avós paternos com o objetivo de se preparar para o seu baptizado, bem como outros requerimentos análogos que tivessem como objectivo o reforço dos laços afetivos com a família biológica:
2. “Pelas razões já detalhadamente elencadas quando do despacho que indeferiu a passagem da menor com os avós durante as épocas festivas de natal e fim de ano e por posteriormente nenhum facto aconselhar da sua alteração, mantendo-se assim absolutamente actualizadas, o tribunal indefere o ora requerido, assim como indeferirá qualquer requerimento que ultrapasse as meras visitas nos termos actuais até ao final do presente debate judicial e prolação do respectivo acórdão dependendo do sentido da decisão o que mais se vier a definir ou indeferir.”
3. O douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 4º da LPCJP, mormente as alíneas a), e), g) e h), pelas razões que a seguir se enunciam e desenvolvem:
4. Não pode a Menor concordar que, por um lado, se quebrem os laços afectivos com a sua família biológica e, por outro, não seja tida em conta e respeitada a matriz religiosa da família.
5. O entendimento veiculado no douto despacho recorrido viola os princípios constitucionais do direito à família (artigo 36º da C.R.P.) e da liberdade religiosa (artigo 41º da C.R.P.).
6. O bem-estar e o superior interesse da Menor, que devem estar subjacentes a qualquer decisão judicial, deverão ser compaginados com os princípios constitucionais acima referidos.
7. Noutras palavras, não pode o Tribunal arrancar os menores às famílias biológicas sem fortes razões que tal o justifiquem porquanto a intervenção judicial e comunitária deverá sempre respeitar os princípios da continuidade das relações de qualidade e significativas, intervenção mínima, proporcionalidade, actualidade, prevalência da família e subsidiariedade consagrados no artigo 4º - alíneas a), d), e), g), h) e k) da LPCJP.
8. Inexistem nos autos indícios ou dados que considerem como contraproducentes ou prejudiciais ao bem-estar da Menor a manutenção e reforço de contactos com a sua família biológica.
9. O que se constatou foi que os progenitores não tinham condições logísticas e económicas para cuidar da Menor.
10. Foi equacionada a possibilidade de a avó paterna e o seu marido tomarem conta da AA (cf. fls. 362) e, de facto, e Menor permaneceu na residência destes em ... durante cerca de um mês (Agosto de 2021).
11. Posteriormente, terá havido um mal-entendido nas conversas telefónicas entre
a avó paterna e a técnica gestora do processo, tendo esta última ficado com a ideia que a avó paterna não estaria mais disposta a cuidar da Menor (cf. fls. 472 a 478).
12. Tal mal-entendido foi esclarecido pela avó paterna e pelo seu marido na audiência de 10 de Janeiro de 2022.
13. A Dra. KK, da equipa técnica da Casa de Acolhimento, deixou bem claro no seu depoimento na audiência de 26 de Janeiro de 2022 que nas conversas que manteve com a avó paterna a ideia com que ficou, quando esta lhe reportou as “birras” e “choros” da AA, foi a de que se teria tratado de um simples “desabafo”.
14. Não ficou com a ideia que a avó paterna se quisesse livrar da responsabilidade de cuidar da neta.
15. Aliás, este tipo de reacções é perfeitamente normal tendo em conta a idade da criança, o facto ter estado institucionalizada durante mais de quatro anos e, de um dia para o outro, mudar de ambiente.
16. Foi esta a opinião veiculada pela Dra. LL, educadora de infância do ELI do SNIPI (Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância) que se encontra a intervir com a criança, durante a audiência de 26 de Janeiro de 2022.
17. E dos print screens das mensagens trocadas entre o “avô” paterno e a CAR, juntos aos autos (fls. 472 a 478), não decorre que tivesse havido uma atitude de “saturação” por parte dos avós paternos quanto a tomar conta da AA; o que se passou foi uma situação inesperada com a qual eles não contavam e com a qual não sabiam lidar…daí terem pedido ajuda ao CAR…donde lhes foi dada a indicação que deveriam trazer a menina de volta…
18. Os emails dos avós são igualmente eloquentes quanto aos sentimentos que nutrem pela neta (fls. 353 e 377):
19. “Como avós da menina, está a ser desolador pensarmos na hipótese da mesma vir a ser adoptada por outra família que não a nossa, bem como o facto inimaginável de futuramente não voltarmos a ter qualquer contacto com a menina. Residimos em ... há aproximadamente 18 anos, mas sempre que possível, desde que está institucionalizada, deslocamo-nos à instituição e com aprovação do tribunal, visitamos a nossa neta.”
20. “Achamos que seria melhor para a nossa neta ficar de vez na nossa casa.” (fls.
396 verso)
21. Aliás, o depoimento da avó paterna na audiência de 10 de Janeiro de 2022 foi bem esclarecedor a esse respeito quando disse que se soubesse as consequências dos “desabafos” que tinha tido pelo telefone com a técnica social gestora do processo jamais teria telefonado para a Casa de Acolhimento.
22. A interpretação que a técnica gestora do processo fez dos “desabafos” da avó
paterna é manifestamente desajustada e, mesmo, inverosímil.
23. Existe uma ideia preconcebida quanto ao futuro da AA: receia-se que a idade
da avó paterna ou eventuais problemas de saúde possam impedi-la de cuidar da menor.
24. Todavia, importa esclarecer que a avó paterna, apesar dos seus problemas de saúde e da idade, está casada há dezanove anos com o actual marido, pessoa com menos idade, sem aparentes problemas de saúde e que ainda nem sequer está reformado (trabalha como vigilante numa empresa de segurança privada).
25. O marido da avó paterna da AA já manifestou, com veemência, o seu interesse em cuidar da Menor; aliás, considera-se já seu avô…
26. A AA tem cinco anos e dentro de treze anos atingirá a maioridade.
27. É preciso ser-se muito pessimista para entender que durante estes treze anos a avó paterna e o seu marido, o qual se considera já igualmente avô da Menor, não terão condições de cuidar da Menor e educá-la.
28. E se dúvidas subsistissem, uma estadia em casa deles, devidamente supervisionada pelas técnicas sociais de ..., poderia esclarecer melhor se os avós paternos detêm as competências parentais e as condições logísticas e económicas necessárias para cuidar da AA.
29. O argumento veiculado nos despachos anteriores, segundo o qual não seria benéfico a AA estar a cultivar sentimentos afectivos com a família biológica quando se estava a apostar numa nova família (adoptiva) para a Menor, viola os princípios acima referidos.
30. “Se a decisão não for de adopção, os avós terão todo o futuro para passar todas as épocas festivas com a AA, cimentando os laços afectivos que a AA tanto precisou e precisa. Ao invés, se a decisão for de adopção, a rejeição do actual pedido da avó salvaguardará a AA das referidas situações confusas e
periclitantes que resultam de vãs expectativas logo seguidas de desilusões.”
(Refª Citius 98821211 de 20-12-2021)
31. Ora, o pedido da AA dizia respeito apenas a cerca de um mês em casa dos avós; não se entende qual o risco emocional ao nível das expetativas seguidas de desilusões caso não houvesse continuidade.
32. Mesmo que o futuro da AA seja a adopção, ela deverá sempre manter laços com a família biológica …
33. E esta estadia serviria até para testar a capacidade dos “avós” de assumirem o papel de cuidadores e educadores da AA e se poder decidir acerca do seu futuro.
34. Tal como foi dito no início, o douto despacho não teve em consideração que o
interesse superior da criança passa pela continuidade das relações de afecto de qualidade e significativas com a família biológica, tal como se intui da alínea a) do artigo 4º da LPCJP.
35. Do mesmo modo, da interpretação das alíneas g) e h) do referido preceito normativo se conclui que deverá ser dada primazia à família biológica.
36. Concretamente, a alínea g) aponta para o seguinte princípio orientador da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança:
37. “Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;”
38. Ora, este objectivo é exactamente o que se revela mais benéfico e em consonância com o superior interesse da AA; note-se que se fala em continuidade...
39. A perspectiva do relatório social vai em sentido contrário, sem fundamentar, de forma convincente, o não acatamento deste princípio ao dar prevalência ao projecto de vida em acolhimento familiar adoptivo na crença mirífica que os pais ideais irão surgir e que tudo correrá da melhor forma…
40. Mais à frente, a alínea h) do mesmo preceito normativo aponta outro princípio orientador:
41. “Prevalência da família - na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção ou outra forma de integração familiar estável;”
42. Mais uma vez a família biológica aparece em primeiro lugar (e daí o primado da família biológica), só se devendo concluir pela solução adoptiva no caso de fracasso e inviabilidade da primeira.
43. Por outro lado, surpreende que, tendo a Casa de Acolhimento uma comunidade religiosa residente no mesmo edifício, não se tenha em conta a matriz religiosa da família e não se autorize uma cerimónia simples como a do baptizado (nem era necessário sair de lá…)
44. Fica-se com a ideia de que até uma cerimónia religiosa integrada na matriz católica da família poderá ser contraproducente para o futuro da AA…
Concluindo:
45. O douto despacho recorrido violou os princípios da continuidade das relações de qualidade e significativas, intervenção mínima, proporcionalidade, actualidade, prevalência da família e subsidiariedade consagrados no artigo 4º - alíneas a), d), e), g), h) e k) da LPCJP.
46. Em primeiro lugar, o douto despacho não teve em consideração o princípio segundo o qual o interesse superior da AA deve atender, “prioritariamente”, “à continuidade de relações de qualidade e significativas”, neste caso concreto, a continuidade da relação afectiva com os “avós” paternos.
47. Em segundo lugar, foram violados os princípios da proporcionalidade e actualidade plasmados na alínea e) do mesmo normativo legal, segundo os quais a intervenção institucional deverá ser a necessária e adequada à situação de perigo e a interferência na vida da Menor só poderá existir na medida do estritamente necessário.
48. Ora, neste caso particular, a não autorização que a AA passe um mês com os
“avós”, com o objectivo de preparar e realizar o seu baptizado, vai para além do estritamente necessário e adequado.
49. O argumento do risco de se criarem laços afectivos e expectativas, que depois poderiam ser goradas, não colhe e colide com os objectivos do princípio orientador ínsito na alínea a) deste preceito normativo; aliás, ao invés, esses laços afectivos deverão ser preservados e reforçados.
50. O douto despacho violou igualmente o princípio do primado da família biológica consagrado nas alíneas g) e h), endossando a descrença do relatório social numa solução que privilegie a integração da AA na sua família biológica, apostando numa solução familiar artificial e mirífica que até poderá vir a fracassar.
51. A decisão que indeferiu o pedido da AA de passar um mês com os “avós” não se coaduna com o superior interesse da AA e representa uma oportunidade perdida para se testar a capacidade dos “avós” para tomarem conta da Menor e, por parte desta, de se adaptar a este projecto de vida na família natural.
52. A decisão recorrida interpreta erradamente o artigo 4º - a) da LPCJP ao desconsiderar a importância da manutenção de laços afectivos com a família biológica, desse modo o violando o artigo 36º da C.R.P.
53. A decisão recorrida interpreta erradamente o mesmo normativo ao desconsiderar o direito à liberdade de culto plasmado no artigo 41º da C.R.P.; neste caso concreto o superior interesse da Menor passa pela preservação da matriz religiosa da família, incluindo a cerimónia do baptismo e a sua preparação prévia.
54. Deste modo e em conclusão, entende a Menor que a douta decisão recorrida não está a salvaguardar o seu superior interesse e que a interpretação normativa dada pelo despacho recorrido ao artigo 4º - a) da LPCJP respeitante a este objectivo entra em colisão com os princípios constitucionais do direito à família e da liberdade religiosa.
55. Deverá, portanto, o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que defira a estadia da AA com os avós pelo período de um mês, com vista à preparação e realização do seu baptismo, desse modo se acautelando os princípios constitucionais acima referidos, bem como os princípios orientadores da intervenção comunitária previstos no artigo 4º da LPCJP
Com o que se fará Justiça!



Responde o MºPº rematando:





4ª apelação –

-douto despacho recorrido:

Como se disse no ponto viii) do relatório supra, depois de ser prolatado do douto acórdão do Tribunal Colectivo Misto a que se referem os pontos ix) e x) do relatório supra, e de que a Menor interpôs recurso, a 3ª apelação -, vieram BB e CC (futuros padrinhos da Menor) requerer no sentido de ser autorizada a estadia da menor durante uma temporada com a “família biológica alargada”, expressão empregue nas alegações de recurso – férias de Verão de 2022.
Requerimento a fls. 626.

Foi então proferido o douto despacho de fls. 669, com o seguinte teor:

Não obstante a decisão proferida de entrega da AA à Instituição com vista à sua futura adopção não tenha ainda transitado em julgado por virtude do recurso que se encontra pendente, analisados os elementos constantes dos autos e a decisão proferida (ainda que transitória e passível de alteração por Tribunal Superior), considero que nesta fase, o estabelecimento de vínculos afectivos à criança que podem não vir a ser passíveis de desenvolvimento futuro, é prejudicial ao seu desenvolvimento e estabilidade emocional.
Considerando, ainda, os pareceres técnicos negativos juntos aos autos e a posição vertida nos mesmos pela DMMP, indefiro o requerido, assim não autorizando a permanência da AA junto dos seus “padrinhos” no período de férias.

Recorre a Menor, representada pelo seu Il. Patrono nomeado, concluindo:

33. O douto despacho recorrido viola os princípios orientadores da intervenção judicial nesta matéria, concretamente a continuidade das relações de qualidade e significativas, intervenção mínima, proporcionalidade, actualidade, prevalência da família e subsidiariedade consagrados no artigo 4º - alíneas a), d), e), g), h) e k) da LPCJP.
34. O pedido formulado pelos requerentes relativamente à autorização da Menor passar umas férias na sua residência deveria ter sido deferido porquanto seria uma oportunidade de a Menor sair da instituição durante algum tempo, passar férias numa vivenda com piscina no Algarve, rever os amigos que lá criou e mesmo encontrar novas amizades.
35. Contrariamente ao que foi entendido pelo douto despacho recorrido, umas férias no Algarve em nada seriam prejudiciais para a Menor.
36. O entendimento segundo o qual o facto de a Menor poder vir a ser adoptada e, desse modo, não ficar a viver com a família com quem iria passar férias e tal circunstância ser prejudicial ou poder comprometer o futuro projecto adoptivo, viola os princípios orientadores da intervenção judicial nesta matéria acima referidos (artigo 4º - alíneas a), d), e), g), h) e k) da LPCJP) e, reflexamente, o artigo 36º da C.R.P.
37. Na realidade, as orientações doutrinárias e jurisprudenciais, para além da cultura que se instalou no Instituto da Segurança Social, segundo as quais é contraproducente a manutenção de laços afectivos com a família biológica e, por extensão, com o círculo social envolvente, quando existe uma decisão judicial no sentido da adopção, são uma afronta aos princípios e normativos acima referidos.
38. Por um lado, o disposto no artigo 62º-A nº 6 do LPCJP não é aplicável porquanto a decisão de confiança para adopção ainda não transitou em julgado e até poderá ser revertida, e, por tal razão, a proibição de contactos com a família biológica decretada está em colisão com o acima referido normativo legal.
39. Por outro lado, o facto de a criança vir a ser adoptada por outra família não desvirtua os benefícios que o período de férias no Algarve possa trazer à criança, ficando alojada numa vivenda com piscina junto de uma família que ela já conhece e que é amiga dos avós paternos.
40. A Menor não pode estar encarcerada social e afectivamente numa instituição sob o pretexto de o facto de poder vir a criar laços afectivos com pessoas fora da instituição poder comprometer o projecto adoptivo que o Tribunal determinou para ela.
41. Em termos práticos, a Menor está neste momento a viver numa “redoma” afectiva porquanto lhe são negadas as visitas de familiares e amigos, para além da possibilidade de usufruir de umas férias fora do ambiente em que tem vivido há vários anos.
42. O entendimento seguido neste processo quanto à proibição de contactos com a família biológica e, mais recentemente, de passar férias com a família que enviou o pedido objeto da decisão recorrida, colide em primeiro lugar com o artigo 62º-A nº 6 da LPCJP, pelo facto de se estar a aplicar uma medida que ainda não é definitiva, e, em segundo lugar, com o princípio da prevalência da família plasmado no artigo 4º-h) da LPCJP, para além de afrontar o princípio constitucional do direito à família natural decorrente do artigo 36º da C.R.P.
43. Nesta conformidade, deverá o douto despacho recorrido se revogado e substituído por outro que defira o requerido
Com o que se fará Justiça!

Responde o MºPº apresentando as seguintes conclusões:

1) O requerimento sobre cujo indeferimento recai o recurso a que se responde reporta-se à passagem do mês de Agosto em casa dos requerentes, por parte da menor AA, pelo que, correndo já o mês de Setembro, estando já o novo ano lectivo em curso e tendo presente o disposto no artigo 130º do CPC, se entende inexistir utilidade na apreciação do mesmo.
A assim não ser entendido, sempre se dirá que:
2) O recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo Misto não abrange a factualidade julgada provada a qual se encontra assente.
3) Dentre tal factualidade:
- 30. Entre 2Out2020 e 19Jan2022 a AA recebeu 6 visitas do progenitor, 12 visitas da progenitora (3 por videochamada) e 7 visitas dos avós;
- 31. Entre 25Dez2020 e 22Jan2022 foram feitas chamadas para a CAR para saberem do bem-estar da AA: 35 chamadas da avó materna e 31 chamadas da progenitora;
- 32. A AA tem actualmente 5 anos de idade, sofre de estrabismo, carece de especiais cuidados no que respeita à sua saúde oftalmológica e não tem actualmente vínculos afectivos estruturantes de relevo com ninguém.
4) No que respeita aos requerentes, os mesmos apenas deram a conhecer a sua existência e proclamada disponibilidade e vontade em acolher a AA através de email de 31-01-2022, quando o debate judicial já se encontrava em curso.
5) Entre a data em que terão conhecido a menor AA – Agosto de 2021 – e a data em que apresentaram tal email não contactaram a CAR nem efectuaram qualquer visita à menor, tal como nada requereram nos autos a esse ou outro propósito relacionado com a criança (cfr. factos provados 30. e 31.), nada tendo igualmente sido requerido pelos pais da criança quanto a contactos desta com tais pessoas.
6) Referindo-se-lhes, em email de 22-07-2022, a CAR diz mesmo que “não temos qualquer conhecimento relativamente a este agregado familiar, nem houve, até à data, contactos com esta Instituição”.
7) Igualmente a AA não mencionou a existência do casal quando ouvida em sede de debate judicial e, quando questionada sobre a avó e marido e o tempo que com eles passou em Agosto de 2021 serviu-se de vários estratagemas para não responder, entre os quais pedir para ir à casa de banho e pedir para estar com os responsáveis da CAR, que a acompanharam ao tribunal.
8) A AA, quiçá mercê dos 4 anos que já leva de institucionalização e das condutas julgadas provadas relativamente aos seus familiares, bem como o insucesso que foi a sua estadia em casa da avó paterna em Agosto de 2021, encontra-se em situação de abandono físico e emocional e “não tem actualmente vínculos afectivos estruturantes de relevo com ninguém” (facto provado 32).
9) Sujeitá-la a uma nova experiência, nas férias de verão ou noutro período, com pessoas praticamente suas desconhecidas, mas próximas da sua avó paterna e marido, e declaradamente contrárias à medida aplicada pelo Tribunal, afigura-se temerário sob o prisma do seu interesse, senão mesmo contraditório com este.
10) E tal sucede não apenas porque “o estabelecimento de vínculos afectivos pela
criança que podem não vir a ser passíveis de desenvolvimento futuro, é prejudicial ao seu desenvolvimento e estabilidade emocional”, como reconhece o douto despacho recorrido, mas também porque certamente a menor seria alvo de uma atenção e tentativas de aproximação excessivas e desadequadas no sentido de pelos requerentes e familiares seus vizinhos ser conquistado ou até “comprado” o seu afecto, com o risco de, ao arrepio do seu interesse, lhe ser provocada instabilidade emocional ao ponto de poder ser inviabilizada, por condutas desajustadas da própria, não só a execução da medida aplicada pelo Tribunal, em caso de confirmação, como até qualquer outra.
11) Assim, ponderando a possibilidade de a menor passar com os seus pares o período de férias de verão, nas várias actividades organizadas pela CAR (idas à praia, à piscina, passeios, etc.), num ambiente que lhe é conhecido e sente como securizante (conforme decorreu da sua audição), por um lado, e a possibilidade de ir passar férias a casa de pessoas quase suas desconhecidas, com quem não tem qualquer relação afectiva a que cumpra dar continuidade, que nunca a procuraram na CAR e com quem não mais conviverá caso seja confirmada a medida aplicada pelo Tribunal, bem andou a Mma. Juiz em, dando primazia ao interesse da AA sobre os demais, indeferir o requerido pelo casal BB e CC.
12) Em conformidade, deve o douto despacho recorrido ser mantido, assim sendo feita Justiça.

*

- factos a ter em conta:

A ter em conta para a apreciação das 1ª e 4ª apelações o complexo jus-processual constante do relatório supra.

- importa saber se as decisões recorridas padecem de fundamento, factual e jurídico, ou não, e neste caso se são acertadas ou não.

Apreciando

A menor AA nasceu a .../.../2017. Tem actualmente 6 anos e dois meses de idade.
Foi-lhe aplicada em 23 de Maio de 2018 a título cautelar a medida de acolhimento residencial.
A mesma medida que não a título cautelar, foi depois aplicada por homologação de acordo de promoção em 4Set2018 pelo período de 6 meses. Foi prorrogada.
Finalmente e após promoção do Ministério Público em 8Set2021 no sentido de ser a medida então vigente substituída pela de confiança com vista à adopção, foi em 10Set2021 decidida a aplicação a título cautelar da medida de acolhimento residencial pelo prazo de 3 meses, para vigorar até 4Dez2021, revista em 23Dez2021, com término previsto para 4Mar2022 ou para a data da decisão a proferir nestes autos, dependendo da que primeiro venha a ocorrer.

Teve lugar debate judicial e, tendo sido prolatada decisão, nos termos do artigo 121º da LPCJP, da qual foi interposto recurso, recebido, com efeito suspensivo injuntivo, e a ser decidido infra neste mesmo acórdão, na Relação, a que respeita a 3ª apelação. 

A decisão em causa na 1ª apelação diz respeito a requerimento atravessado já no decurso do debate judicial no sentido de ser permitido que a Menor passasse um mês em casa dos avós paternos com o objectivo de se preparar para o baptismo, e a decisão em causa na 4ª apelação tem a ver com requerimento, aduzido pelos alegados futuros padrinhos da Menor no sentido de ser permitido que a Menor passasse as férias de Verão com os requerentes – Agosto de 2022.

O Mº Pº sustenta que a decisão da 4ª apelação já não tem interesse.

Mas pode são ser de todo assim. Pense-se: segue-se a requerimento atravessado em Julho de 2022, antes das férias em questão, e pode acontecer que os requerentes, obtendo ganho de causa, e interessados na pretensão, podem requerer que a sua execução ocorra em data posterior.
Assim há sempre que conhecer dela.

Ambas as decisões assentam por parte do tribunal recorrido na mesma argumentação.

Olhando bem, nos autos há uma situação em que, já designada data para o debate judicial, os avós paternos da Menor pretendem que esta volte para casa deles. O MºPº opõe-se. O Senhor Juiz profere douto despacho a indeferir, de que se interpõe recurso, que depois não vem a ser admitido. O douto despacho de indeferimento está a fls. 430 e ss.
Dele consta a argumentação do Tribunal recorrido, a sua linha de orientação.

Transcrevendo o que aí se escreve, temos:

É entendimento do Tribunal que enquanto não se mostrar definido o projecto de vida da AA, não se deverão permitir situações emocionais cuja continuidade não se possa assegurar de antemão que terão a devida continuidade enquanto futuro projecto de vida para a AA, o qual assentará nesta fase processual na decisão do Tribunal colectivo que reunirá e procederá ao debate judicial em 10Jan2022, e não no presente momento, nem pelo juiz titular destes autos.
A criação de situações provisórias e que não correspondem sequer a uma situação permanente anterior (a AA encontra-se acolhida e já se encontrava acolhida antes de passar menos de um mês de férias com os avós), colocam em perigo a estabilidade emocional da AA.
Se a decisão não for de adopção, os avós terão todo o futuro para passar todas as épocas festivas com a AA, cimentando os laços afectivos que a AA tanto precisou e precisa. Ao invés, se a decisão for de adopção, a rejeição do actual pedido da avó salvaguardará a AA das referidas situações confusas e periclitantes que resultam de vãs expectativas logo seguidas de desilusões.
Assim, ao contrário do alegado pelo Il. Patrono da AA, entende-se que, ponderadas as possibilidades e os seus efeitos benéficos e nefastos, existirá maior certeza de que a AA mais sairá beneficiada se adiar a criação de laços afectivos de que necessariamente carece, por 20 dias e apenas após a decisão deste tribunal, a ser proferida na sequência do debate judicial agendado, do que se arriscar a criação de situações afectivas ainda não devidamente estabilizadas.
O Tribunal proporcionará em sede de debate judicial uma total discussão sobre a situação da AA, assim como de TODAS as alternativas do seu projecto de futuro, mas não permitirá que enviesadamente se inviabilize prematuramente qualquer delas dando permissão a situações cuja naturalidade ou artificialidade se mostra dúbia, e com pretensões a facto consumado. Nem num sentido, nem noutro.
Como se disse, em debate judicial se discutirão exaustivamente as circunstâncias da devolução daLARA por todos os intervenientes e só após se retirarão as devidas conclusões desse facto.
Porém, conforme supra exposto, não se considera benéfico que a AA passe as épocas festivas com a avó, sem prejuízo de poderem haver visitas na casa de acolhimento, a serem organizadas, coordenadas e articuladas pela referida casa de acolhimento e ISS, e devendo as mesmas serem reportadas ao Tribunal antes da data agendada para o debate instrutório.
Por tudo o supra exposto, indefere-se o requerido a ref. 8253936.
 
Esta mesma linha de argumentação já foi, inclusivamente usada pelo Tribunal recorrido quando na douta decisão de 24 de Maio de 2022 se negou a pretensão de ver a Menor entregue à guarda e cuidados dos avós paternos, cfr. fls. 609-, de que veio a ser interposto recurso. Esse recurso foi instruído como apenso A.
Foi decidido favoravelmente à posição do Tribunal recorrido – cfr. fls. 635 e ss.

Nesse recurso – Apenso A – situação paralela às decisões agora em causa – já se entrou até em linha de conta com a decisão final que nos cabe apreciar em sede de 3ª apelação.
Com interesse, até por isso -, respigamos parte do que se escreveu na decisão singular que se confirmou – cfr. douto Ac. TRC de 13-9-2022, prolatado no Ap. A deste nosso processo (Relator Henrique Antunes):

… Mas daqui não decorre … se deva autorizar as visitas e contactos da criança com a família biológica. Há, sempre, que verificar, em concreto, se as visitas à criança dão satisfação aos direitos e interesses que titula.
E no caso – considerados os factos julgados provados no recurso que foi interposto do acórdão que aplicou à menor a medida de promoção e protecção, cujo julgamento não foi impugnado no recurso que dele foi interposto – deve considerar-se que, no momento actual, não é, objectivamente do interesse da criança, a manutenção de contactos, presenciais ou não, com os seus familiares.
Realmente, face à ausência actual de uma vinculação afectiva consistente com os seus familiares, a visita destes resolver-se-ia num ritual vazio e sem uma interacção de qualidade, pelo que se julga mais prudente esperar pela decisão do recurso interposto do acórdão que aplicou a menor a medida de promoção e protecção de confiança com vista à futura adopção.
Decidido esse recurso – por decisão passada em julgado – uma de duas: o tribunal ad quem confirma o acórdão; aquele tribunal revoga este mesmo acórdão. No primeiro caso, o problema da visita da criança pelos seus familiares fica definitivamente resolvido, dado que a execução da medida de promoção e protecção nele decidida importa, ex-vi legis, a proibição daquelas visitas; no segundo haverá que reorientar a intervenção e a definição do projecto de vida da criança, através da aplicação de uma outra qualquer medida de promoção, ainda que de índole cautelar, portanto, provisória, no contexto da qual haverá que reponderar cuidadosamente, sempre à luz dos direitos e interesses da criança, aquelas visitas, a sua periodicidade, a pessoa ou pessoas a quem se deve reconhecer esse direito, etc. E só neste último caso haverá que ponderar a possibilidade de aplicar à menor a medida de apoio junto de outro familiar – designadamente dos avós – e, consequentemente, só nesse momento devem ser realizadas as diligências de prova, ou de aquisição da prova – v.g. relatórios sociais - tendentes a aferir das competências, pessoais e sociais, daqueles parentes da criança, para assumirem, relativamente a esta, o cuidado parental.
Realmente, seria de todo desrazoável autorizar as visitas à criança para, no caso de improcedência do recurso – logo voltar a proibi-las.
Maneira que se considera mais conveniente aguardar a decisão do recurso interposto do acórdão que aplicou a medida de confiança com vista à adopção, decisão que, considerado o prazo máximo que a lei assinala à decisão desse recurso, será proferida a breve trecho. Dada a mais que provável curta duração da proibição das visitas, não se julga que a proibição seja particularmente danosa para a criança. Por duas razões, de resto. Por um lado, porque essa proibição não constituirá motivo de sofrimento para a criança, dada a sua desvinculação afectiva actual com os membros da sua família de origem; por outro, porque, apesar de tudo, a criança dispõe de uma capacidade de reconstrução das suas relações afectivas, bastando que lhe seja dada a oportunidade consistente de as restabelecer.

Que dizer?

Concorda-se com a argumentação avançada pela 1ª instância para sustentação dos despachos recorridos.

Vai de encontro ao superior interesse da criança – actualmente com seis anos e dois meses de idade, objecto da medida a título cautelar de acolhimento residencial, que durante o debate judicial e depois de prolatado o acórdão pelo Tribunal Colectivo Misto, que lhe aplicou a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, mantendo-se a criança na instituição em que se encontra acolhida, que sofreu impugnação, e até haver decisão transitada sobre o mesmo, veja negada autorização para convívios de maior amplitude, como os que estão em causa nas 1ª e 4ª apelações, - passar um mês em casa dos avós paternos com o objectivo de se preparar para o baptismo; passar as férias do Verão com os futuros padrinhos - uma vez que ultrapassam as meras visitas. Cfr. artigo 4º, 1, a) da  LPCJP.

Para tal concorrem o facto de a AA se encontrar em perigo, não ter qualquer ligação afectiva privilegiada com qualquer adulto e não ter assegurados ganhos de qualidade nos relacionamentos pretendidos, protecção e afastamento do perigo fora da casa de acolhimento.

As decisões recorridas são de manter, por legais e acertadas.

IV – Da 2ª apelação:

-douto despacho recorrido:

Consta da acta da sessão de 1 de Fevereiro de 2022 do debate judicial, a fls. 491 o seguinte:

Mais vieram CC e BB, na qualidade de futuros padrinhos juntar requerimento, a fls. 488, 489 e igualmente a fls. 490, veio o Ilustre Defensor da menor requerer que sejam os avós paternos e os técnicos sociais de ... chamados para deporem sobre as condições de ambas as famílias (avós e futuros padrinhos).
Dá-se de seguida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público para se pronunciar sobre o requerimento.
***
Pela Digna Magistrada do Ministério Público, no uso da palavra, disse:
“Os presentes autos encontram-se pendentes desde Maio de 2018, tendo a menor AA sido institucionalizada em 29-05-2018, sem que até ao dia de ontem alguém para além dos seus avós paternos tenha declarado pretender tê-la consigo.
Ao longo destes anos foram concedidos apoios aos pais da AA e feitas tentativas no sentido de procurarem reunir condições para receber a filha, verificando-se que nenhum deles manifestou disponibilidade para a ter de novo consigo, que o progenitor não a visita há mais de um ano, deixando-a em situação legalmente qualificada como abandono, e que a progenitora nem sequer compareceu no debate judicial ou só agora compareceu ao debate judicial, havendo perícia no sentido de não reunir características de personalidade compatíveis com o ajustado exercício da parentalidade.
Já os avós, receberam a menor em sua casa no passado mês de agosto, entregando-a no CAR após dificuldades em gerir as suas birras e caprichos, apesar de naturais atendendo à sua idade e a que nunca havia estado tanto tempo fora da instituição.
Nem os pais nem os avós da AA alguma vez aludiram ao casal que agora se vem oferecer como alternativa à adopção, verificando-se mesmo que, quando questionada sobre o seu suporte na região do Algarve, a avó paterna apenas referiu a irmã do marido, com a qual disse não manter bom relacionamento.
Mais, a certa altura das suas declarações a avó paterna disse “Eu sou a avó, tenho mais direito a ela do que as pessoas que a querem tirar”, o que se afigura contraditório com a pretensão ora manifestada pelos requerentes, apresentada a título individual e não em conjunto com os familiares da criança.
Quando ouvida no início do debate a AA não se referiu ao casal ora requerente, tal como nada disse acerca dos avós ou do tempo que passou em casa destes, refugiando-se em pedidos para ir à casa de banho e outros expedientes e desenhando como “lar” uma casa em cujo interior apenas colocou os responsáveis pela instituição onde se encontra.
Também não foi feita qualquer referência a que por ocasião das visitas dos avós na instituição a menor pergunte pelo referido casal ou sequer que manifeste interesse pelos avós, antes tendo sido dito por quem vem presenciando tais visitas que a menor não interage com os avós e olha repetidas vezes para o adulto que a acompanha, como que pedindo para a levar novamente para dentro.
Mais, foi referido pela última testemunha inquirida no debate (FF) que quando a menor foi entregue pelos avós, na instituição, no dia 31 de agosto, teve de lhe dizer para lhes ir dar um beijinho, pois ela já se dirigia para dentro de casa sem fazer qualquer intenção de se despedir deles.
Ora, o interesse da AA não passa por sujeitá-la a experiências, certamente traumáticas do ponto de vista do seu equilíbrio emocional e da confiança depositada no próximo, tanto mais que já conta 5 anos de idade e tem perfeita noção do que se passa à sua volta.
Acresce que os ora requerentes não alegam estar inscritos como candidatos a adoptantes e que, mesmo que estivessem, este não seria o processo próprio para, ao arrepio das normas vigentes, obterem a confiança de uma criança já sua (ainda que minimamente) conhecida.
Também o momento escolhido para apresentarem a sua pretensão se afigura indiciador de poder estar em causa apenas uma manobra dilatória, quiçá com o propósito de procurar que o passar do tempo faça com que a criança ganhe laços afectivos com os avós e venha manifestar alguma vontade em estar com eles, como se isso bastasse para lhes ser entregue.
Pelo exposto, porque o que interessa é acautelar o interesse da AA, que, na minha perspectiva não passa por soluções transitórias nem por acolhimentos familiares por favor e com o mero propósito de obstar à sua adopção por alguém devidamente seleccionado para o efeito e com comprovadas condições para com ela construir um projecto de vida estruturado, promovo seja indeferida a pretensão dos requerentes, e consequentemente, também o requerimento de fls 490."
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De seguida pelo Mm.º Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO ( que vem a ser o despacho recorrido )

A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), no seu art.º 107.º, n.º 3 e art.º 114, n.º 1, estabelece expressamente os momentos próprios para se apresentar a prova relevante para a decisão, por parte de todos os intervenientes processuais. Nunca até ao presente momento, desde que estes autos se iniciaram foi indicada a existência sequer dos dois elementos que se pretende que neste momento o Tribunal reconheça como futuros padrinhos e que aliado a todas as considerações que constam na douta promoção antecedente, mostram a irrelevante deste facto superveniente, até porque, em Portugal não vigora, ao contrário do que se sugere no requerimento, um processo de adopção por via de indicação por parte da família biológica alargada.
Por todos estes motivos referidos indefere-se o requerido pelo Ilustre Defensor da menor tornando-se despicienda qualquer consideração sobre o requerimento junto pelas próprias identificadas pessoas que não são parte neste processo e nem detêm qualquer legitimidade para nele intervirem motu proprio.” (…).




Dele recorre a Menor, representada pelo Il. Patrono nomeado.

Apresenta o seguinte conjunto de alegações:

1. AA, Menor no processo em epígrafe, vem, por este meio, ao abrigo do artigo 123º da LPCJP, interpor recurso do douto despacho proferido na audiência de 1 de fevereiro de 2022, que indeferiu o seu requerimento da realização de um novo debate judicial no qual participariam os avós da AA e os futuros padrinhos, sendo equacionada a possibilidade de confiança da Menor a estes últimos, ao abrigo do artigo 43º da LPCJP.
2. Neste processo tem sido insistentemente apresentada a proposta da confiança da AA a pessoa seleccionada para adoção, tal como previsto no artigo 35º nº 1 – g) da LPCJP.
3. Os argumentos a favor desta solução estribam-se na suposta falta de alternativas ao nível da família biológica.
4. Os progenitores não teriam condições logísticas ou financeiras para tomar conta da Menor e a avó paterna não preencheria os requisitos que as técnicas sociais consideram como adequados para tomar conta da AA.
5. Sucede, porém, que a possibilidade de a AA ser entregue à avó paterna e ao seu marido, o qual se considera também avô da Menor, foi já encarada no verão passado por iniciativa da Dra. MM, Directora da Casa de Acolhimento Temporário onde a AA tem estado a residir (fls. 362):
6. “Não obstante continuar a avaliar ser o projecto de adopção como o mais consistente para o projecto de vida da criança, apresentam-se condições para que a criança possa permanecer um período de férias com a avó paterna e companheiro, permitindo a avaliação de estes se constituírem uma alternativa à actual situação de acolhimento residencial.”
7. E, por tal facto, os avós paternos que residem em ... foram contactados no sentido de acolherem a Menor, o que, com muito gosto, fizeram.
8. Sucede que a AA, possivelmente pelo facto de já estar institucionalizada há quase cinco anos, teve umas “birras” e umas crises de choro com as quais os “avós” não estavam a conseguir lidar.
9. É natural que a mudança de ambiente tenha tido influência no seu comportamento.
10. E, ao que parece, as “birras” teriam que ver com o desligar da televisão.
11. Ou seja, a AA estava a ver televisão e, a determinado momento, os avós desligavam a televisão e a menina começava a chorar.
12. Para além do problema da televisão, a AA tinha também outras impertinências próprias da idade, que igualmente davam origem a choros e gritos e os avós, talvez por não a conhecerem ainda bem, não conseguiam encontrar solução.
13. Entretanto, na vizinhança já se comentava a situação e os “avós” chegaram a
recear que fossem chamadas as autoridades (um dos vizinhos é agente da PSP) e que pensassem que todo aquele choro tivesse que ver com maus tratos…
14. Por tal motivo, telefonaram para a Casa de Acolhimento a pedir aconselhamento.
15. Aliás, a Dra. KK, que terá falado com os avós ao telefone, no seu depoimento na audiência de 26 de Janeiro de 2022 caracterizou este contacto como sendo um “desabafo” e um pedido de aconselhamento, mas não propriamente uma intenção de se verem livres da neta por ela estar a dar muito
trabalho…
16. No entanto, o relatório da técnica social gestora do processo caracterizou esta atitude dos avós como uma manifestação de indisponibilidade por parte deles para tomarem conta da AA.
17. E, a partir desse momento, as opiniões por parte das técnicas sociais convergiram no sentido da confiança da AA para adoção (fls. 446).
18. Os avós tentaram esclarecer o equívoco através de mensagens de correio electrónico e de depoimento na audiência de 10 de janeiro de 2022, mas sem êxito (fls. 353 verso, 377 e 396 verso).
19. Sucede que existem outras medidas previstas na LPCJP, as quais não implicam a adopção, que poderão ser implementadas e, da mesma forma, lograr alcançar o mesmo objetivo que é o bem-estar e felicidade da Menor.
20. E entre essas medidas está a do artigo 43º da LPCJP: “A medida de confiança
a pessoa idónea consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de uma pessoa que, não pertencendo à sua família, com eles tenha estabelecido relação de afectividade recíproca.”
21. Ora, durante as semanas de agosto de 2021 em que a AA esteve em ... com os avós paternos conheceu uma família muito amiga destes com as quais estabeleceu laços de afecto.
22. Trata-se de um casal jovem, amigo dos avós paternos, que se disponibilizou para ser padrinhos da AA quando esta fosse baptizada.
23. Todos sabemos que na nossa cultura quando alguém se disponibiliza para ser padrinho de batismo tem intenção de apoiar a pessoa que vai ser baptizada na sua vida futura e, em certos casos, os padrinhos assumem mesmo as responsabilidades parentais quando os progenitores por qualquer motivo não podem.
24. Neste caso particular, a empatia entre os “padrinhos” e a AA foi grande ao ponto de estes estarem dispostos a acolher a AA na sua casa como se fosse filha deles.
25. Na mensagem enviada ao Tribunal, esta disponibilidade para apoiar e cuidar da AA é inequívoca e a proposta que é apresentada enquadra-se perfeitamente na previsão normativa do artigo 43º da LPCJP.
26. Ora, não se percebe por que motivo esta possibilidade apresentada, quer no requerimento da Menor quer na mensagem enviada pelos “padrinhos” da AA, deva ser descartada logo à partida.
27. Continua a apostar-se numa família adotiva para a AA quando, ao nível da família natural, agora alargada aos “padrinhos”, existe uma solução.
28. Note-se que ao nível desta família natural alargada já existem laços afectivos e ao nível da família adoptiva, que ainda não se sabe qual é, esses laços ainda estarão por ser criados.
29. E o espírito e letra da Lei é o da continuidade das relações de qualidade e significativas, intervenção mínima, proporcionalidade, atualidade, prevalência da família e subsidiariedade consagrados no artigo 4º - alíneas a), d), e), g), h) e k) da LPCJP no que respeita aos princípios orientadores da intervenção judicial nesta matéria.
30. A Lei consagra o primado da família biológica, natural, e não o da família adoptiva, artificial, a qual deve ser a ultima ratio; aliás, não é por acaso que no elenco das medidas previstas no artigo 35º nº 1 da LPCJP, a adopção aparece na alínea g) como a última, enquanto a medida de confiança a pessoa idónea aparece em terceiro lugar (alínea c).
31. A posição que a técnica gestora do processo tem tomado está dominada por uma concepção excessivamente estereotipada de parentalidade, a par duma preconcebida descrença na família natural, a qual, com apoio pedagógico e até económico, pode, com vantagem, ser o suporte parental de crianças em risco.
32. Portanto, as indicações que têm sido dadas, por parte das técnicas sociais, de confiança da AA para adoção representam uma posição um pouco precipitada quanto ao futuro da AA, ao mesmo tempo que entram em colisão com os princípios orientadores da intervenção judicial nesta matéria.
Concretamente:
33. O superior interesse da Menor passa igualmente pela continuidade das relações de afecto de qualidade e significativas, tal como previsto na alínea a) do artigo 4º, ou seja, a família natural não é para esquecer como parece decorrer dos critérios verbalizados pelas técnicas sociais.
34. Do mesmo modo, a intervenção deve assegurar o “Primado da continuidade das relações psicológicas profundas – a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;” (alínea g) do artigo 4º); a família natural e os amigos não ficam parra trás…
35. Note-se que a alínea h) do mesmo normativo legal, ao consagrar a prevalência da família, refere em primeiro lugar a família biológica…neste processo, está-se a passar o inverso…já se anda à procura duma solução adoptiva sem antes se esgotarem as soluções ao nível da família natural alargada, desta vez integrando os futuros padrinhos.
36. Neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 29-04-2014 (Processo 2454/13.6TBVFX.L1-1:
37. “Há que privilegiar a integração familiar perante a institucionalização, ou seja, dar primazia às relações biológicas, quando há um mínimo de garantia que as mesmas não sejam perniciosas para a criança, satisfazendo os seus interesses quer em termos afectivos, quer em termos de um harmónico desenvolvimento educacional, sem perigo para a sua vida ou integridade física.”
38. Neste processo está-se a partir da presunção que a parentalidade perfeita existe sempre do lado das famílias adoptivas…e será que corre assim tudo tão bem como os relatórios sociais parecem antever…?
39. Os indícios de manifestações afetivas que foram observados, quer nas visitas dos avós quer na inquirição à Menor, através da interpretação de desenhos feitos pela criança, são pouco conclusivas quanto a uma eventual preferência da Menor por estar com a família biológica ou com a família “institucional” com a qual tem residido nos últimos cinco anos.
40. E, claro, não pode ser argumento de desinteresse, por parte da Menor, quanto a residir com os avós paternos o facto de, por coincidência, quando se referiam os avós a Menor pedir para ir à casa de banho…não é ilação que se possa tirar…
41. Da mesma forma, não se pode concluir que pelo facto de a Menor, durante as visitas, virar o rosto ou dar atenção mais imediata aos técnicos sociais (com quem ela interage diariamente ou quase…) do que aos avós (vê-os de longe a longe em visitas cronometradas e supervisionadas) será uma manifestação de desinteresse por ir viver com eles.
42. Finalmente, o fundamento do douto despacho recorrido ao desconsiderar a proposta de disponibilidade dos futuros padrinhos para acolherem a AA pelo facto de eles não serem partes no processo ou só agora se saber da existência deles não colhe…e os potenciais adotantes já apareceram?
43. Na realidade, existindo uma previsão normativa como o artigo 43º da LPCJP e surgindo no processo pessoas idóneas (o futuro padrinho até é enfermeiro pediatra…) que podem preencher os requisitos necessários para tomar conta da AA…por que motivo se insiste na ideia da adoção quando temos aqui, mesmo ao lado, uma solução que poderá ser a ideal?
Concluindo:
44. O superior interesse da AA deverá ser aferido em conformidade com os critérios previstos nos artigos 4º e 35º da LPCJP.
45. A desconsideração da proposta apresentada pelos futuros padrinhos da AA viola o disposto no artigo 35º nº 1 – c) da LPCJP.
46. O facto de os futuros padrinhos da AA não serem partes nem intervenientes no processo não é fundamento para não ponderar a possibilidade de a AA lhes ser confiada.
47. Do mesmo modo, não é fundamento o facto de os futuros padrinhos não estarem inscritos na lista dos candidatos a adoptantes porque a finalidade da medida de intervenção proposta é a prevista no artigo 35º nº 1 – c) e não a da alínea g) da LPCJP.
48. A solução de acolhimento, por parte dos futuros padrinhos, concilia a ligação familiar da AA com um suporte familiar adicional constituído por pessoas que passarão a integrar a família biológica alargada de acordo com o significado que a função de padrinhos de batismo assume na nossa cultura.
49. A ligação afetiva dos futuros padrinhos à família da AA, e mesmo à própria Menor, é razão suficiente para se encetar um diálogo entre os técnicos sociais de ... e de ..., os futuros padrinhos e os demais intervenientes no processo de modo a poder ser equacionada a medida de confiança nos termos do artigo 35º nº 1 – c) da LPCJP.
50. E esse diálogo poderia começar pela realização de novo debate, tal como foi requerido.
51. O despacho de indeferimento da realização desse debate retira à AA a oportunidade que ela merece de ter o seu lugar no âmbito da família biológica, desta vez alargada, ficando a viver com os padrinhos.
52. O conceito indeterminado de “interesse superior da criança” plasmado no artigo 4º - a) da LPCJP deverá ser interpretado de acordo com os princípios orientadores previstos no artigo 4º da LPCJP, mormente o da prevalência da família (alínea h), a continuidade das relações de afecto de qualidade e significativas (alínea a) e ainda a preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (alínea g).
53. A interpretação normativa do douto despacho recorrido quanto ao superior interesse da Menor viola o princípio constitucional do direito à família consagrado no artigo 36º da C.R.P., ao rejeitar a possibilidade de a AA construir a sua vida futura no seio da sua família natural.
54. Deste modo, deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que defira a realização de um novo debate judicial no qual participem todos os intervenientes processuais e ainda os futuros padrinhos da AA
Com o que se fará Justiça!

Responde o MºPº, rematando:



*

- factos a ter em conta:

A ter em conta para a apreciação desta apelação o complexo jus-processual constante do relatório supra.

- importa saber se a decisão recorrida padece de fundamento, factual e jurídico, ou não, e neste caso se é acertada ou não.

Apreciando

O debate judicial decorreu em várias sessões de prova.
Já no decurso dos trabalhos vieram CC e BB, na qualidade de futuros padrinhos juntar requerimento, a fls. 488, 489 e igualmente a fls. 490, veio o Ilustre Defensor da menor requerer que fossem os avós paternos e os técnicos sociais de ... chamados para depor sobre as condições de ambas as famílias (avós e futuros padrinhos), para a hipótese da AA ser entregue a uma ou outra das famílias, no âmbito da possibilidade prevista nos artigos 42º - apoio à família – e 43º - confiança a pessoa idónea – da LPCJP.

A pretensão foi negada e bem, com base no disposto nos artigos 107º, 3 e 114º, 1, ambos da LPCJP.

CC e BB, nunca tiveram a guarda da AA, nem foram nem são seus legais representantes. Como dizem a fls. 488, a AA esteve algumas vezes na sua residência no período em que a menina estava com a avó paterna, e onde decorreu a festa de aniversário desta última. Aparecem nos autos neste circunstancialismo.
Daí que não tenham a iniciativa processual para tal e venham fora de prazo.

A pretensão destes Requerentes é secundada pelo Il. Patrono da menor.
E está manifestamente fora de prazo. As provas – pois é disso que se trata – a fazer no debate judicial são apresentadas no prazo das alegações e, evidentemente, destinam-se a provar os factos alegados.

E não foram apresentadas e ou requeridas nesse prazo.

É certo estarmos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária onde vigora o princípio do inquisitório no que respeita à investigação dos factos, devendo o juiz coligir provas, ordenar inquéritos, e recolher informações, que repute necessárias com vista a alcançar uma decisão que vá de encontro ao superior interesse da criança, em tempo razoável.
O juiz nestes processos goza de alguma capacidade de manobra, quer seja para colher provas que repute essenciais às necessidades concretas do processo, quer para negar ou prescindir de diligências ou provas que repute inúteis ou de difícil obtenção, e neste sentido incompatíveis com o superior interesse da criança a uma decisão em tempo razoável.

No caso dos autos, formalmente o requerimento é extemporâneo.

No caso dos autos o Senhor Juiz operou um equilíbrio razoável relativamente à margem que a lei lhe confere face ao requerimento formulado.

Não viu necessidade de mandar proceder à diligência solicitada.

De facto, caso se venha decidir que o futuro da AA passa pelo apoio a estas famílias ou pela entrega da menina a estas famílias, não deixará de se fazer uma análise às condições sociais, económicas e físicas destas pessoas. Relativamente aos avós paternos da AA alguma avaliação já se mostra patente nos autos.

Também agora não se vê necessidade de reabrir o debate judicial para ouvir os avós paternos e os técnicos sociais de ... sobre as condições de ambas as famílias (avós e futuros padrinhos), até porque essa diligência não se justifica objectivamente que se leve a efeito agora, e depois porque essa diligência passa por trabalho de campo a levar a cabo por equipas especializadas e multidisciplinares, que exigem tempo, fundamentação, análise e conclusões, sendo a audição dos técnicos em julgamento sobretudo destinada a esclarecer algum pormenor.

A decisão recorrida está fundamentada de direito e de facto e é a acertada para o caso dos autos.

É de manter.

Manifestamente descabido pretender, como se faz na alegação de recurso – ver no despacho proferido qualquer menor consideração pela família biológica da criança.

V – Da 3 apelação:

Recorre a Menor, representada pelo Il. Patrono, do acórdão proferido nos autos – pontos v), vi) e vii) do relatório supra.
*

Alega a Apelante, concluindo:

1. O douto acórdão interpreta erradamente a ideia do superior interesse da criança plasmado no artigo 4º - a) da LPCJP.
2. A dimensão interpretativa desse preceito normativo, tal como é feita pelo douto acórdão, colide com o direito à família natural, o qual é um corolário do direito constitucional à família consagrado no artigo 36º da C.R.P.
3. O douto acórdão secundariza a família natural ao endossar o entendimento das técnicas sociais de que uma família ideal para a AA estaria na opção adopção, sem previamente esgotar as possibilidades de acolhimento da Menor do lado da família natural, mais concretamente os avós paternos e os padrinhos.
4. A primeira solução foi descartada por casa do equívoco, mal-esclarecido, do telefonema dos avós paternos para a Casa de Acolhimento (cf. fls. 370 verso e 445 verso).
5. A segunda solução (futuros padrinhos) nem sequer foi equacionada, atento o objectivo predefinido, por parte da técnica gestora do processo, de arrancar a AA à sua família natural e entregá-la não se sabe ainda a quem…dizem que será uma pessoa “seleccionada” …veremos com que critérios… (cf. fls.379)
6. O efeito prático do douto acórdão ao cessar todas as visitas à AA, por parte da família biológica, será o de uma lavagem existencial da Menor, obrigando-a a deixar para trás todo um passado de vínculos afectivos já criados e que não puderam ser reforçados devido à incompreensível e injustificada opção por reduzir ao máximo os contatos com a família natural.
7. O douto acórdão surpreende porque, por um lado não dá como provado que a avó paterna não tenha condições de saúde compatíveis com a educação da Menor (cf. página 8):
8. Mas, por outro lado, perfilha a descrença das técnicas sociais nas competências parentais dos avós paternos e nem sequer equaciona o papel dos futuros padrinhos enquanto medida de confiança a pessoa idónea nos termos do artigo 43º da LPCJ.
9. O douto acórdão viola ainda outros princípios orientadores da intervenção para
a promoção e proteção dos direitos e protecção da criança previstos no artigo 4º da LPCJP, mormente os princípios da proporcionalidade e actualidade (alínea e), primado da continuação das relações psicológicas profundas (alínea g) e prevalência da família (alínea h).
10. No que tange aos princípios da proporcionalidade e actualidade, a intervenção deverá ser a necessária e adequada à situação de perigo que a criança atravessa…e, neste caso concreto, existem medidas “intermédias” que são a de apoio junto dum familiar (alínea b) e a da confiança a pessoa idónea prevista na alínea c) do artigo 35º e no artigo 43º da LPCJP.
11. E para a execução dessa medida existem duas soluções possíveis: os avós paternos e os futuros padrinhos.
12. O douto acórdão nem sequer equacionou a hipótese de os futuros padrinhos, que se apresentaram ao processo como dispostos a acolher a AA (cf. fls. 488- 489), serem a alternativa, no âmbito da família natural alargada, para o futuro da Menor.
13. Não existe nenhum facto concludente que permita descrer na capacidade dos avós paternos para assumirem as responsabilidades parentais da AA.
14. A interpretação dos desenhos efetuados pela Menor na presença da pedopsicóloga é uma prova manifestamente insuficiente para concluir que a Menor não preferirá ficar dentro da família natural (cf. gravação de 10-01-2022 – Dra. NN).
15. Aliás, é compreensível que as figuras de referência da Menor sejam os responsáveis da instituição onde reside porque todas as visitas dos familiares biológicos foram rigidamente restringidas, controladas e cronometradas exactamente com essa ideia preconcebida da adoção, desse modo impedindo que a menor viesse a criar laços afetivos com a família biológica e, mais tarde, saudades da mesma…
16. O douto acórdão reconhece como deficitário o trabalho dos técnicos sociais (página 22), apercebe-se do plano já delineado quanto à adopção, mas acaba por sucumbir a essa mesma ideia, ao invés de reabrir o debate e extrair melhores conclusões quanto ao futuro da AA.
17. Os princípios orientadores das alíneas g) e h) do artigo 4º da LPCJP foram igualmente violados porque não foram feitos esforços suficientes no sentido de se encontrarem soluções, ao nível da família natural, mesmo que alargada aos futuros padrinhos, antes de se optar pela ultima ratio que é mesmo a adopção…
18. Para além de violar o princípio orientador do primado da família biológica e os da continuidade das relações de qualidade e significativas, intervenção mínima, proporcionalidade, atualidade, prevalência da família e subsidiariedade consagrados no artigo 4º - alíneas a), d), e), g), h) e k) da LPCJP, o douto acórdão “saltou” por cima das medidas “intermédias” do artigo 35º, concretamente as alíneas b) e c), quando tinha, mesmo na sua frente, os avós paternos e um casal que preencheria os requisitos previstos no artigo 43º da LPCJP.
19. A interpretação normativa do douto acórdão acerca do superior interesse da Menor, previsto no artigo 4º - alínea a) da LPCJP, viola o princípio constitucional
do direito à família natural consagrado no artigo 36º da C.R.P., seja pelo facto de usar argumentos incongruentes acerca das capacidades parentais dos avós paternos seja pelo facto de desconsiderar a proposta que veio a ser apresentada pelos futuros padrinhos…
20. O douto acórdão está em sintonia com a descrença das técnicas sociais na família natural, privilegiando, ao invés, uma família artificial baseada unicamente em vínculos afetivos, que ainda terão que ser criados e postergando os laços de sangue e culturais já criados com a família biológica e os futuros padrinhos.
21. A separação da criança da família natural só poderá existir quando haja razões graves para tal…e a família natural não se resume aos progenitores…e há medidas “intermédias” quanto à promoção e proteção dos direitos das crianças nomeadamente as previstas nas alíneas b) e c) do artigo 35º nº 1 da LPCJ que o Tribunal não teve em consideração.
22. E a família biológica da AA, em sentido alargado, neste conceito incluídos os avós paternos e os futuros padrinhos, não apresenta disfuncionalidades que justifiquem a separação da criança da sua família natural.
23. Deste modo, deverá o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que reabra o debate judicial e equacione a aplicação da medida de apoio junto de outro familiar (alínea b) ou a da confiança a pessoa idónea previstas no artigo 35º nº 1 – c) e 43º da LPCJP, seja aos avós paternos seja aos futuros padrinhos, cumprindo assim com o princípio do primado da família biológica e natural em detrimento da solução artificial e inadequada da adopção
Com o que se fará Justiça!

Responde o MºPº, rematando a final:

1. A AA é uma criança de 5 anos e está em situação de institucionalização há 4 anos.
2. Tal sucede por razões imputáveis à sua família biológica, pois:
3. Os pais não corrigiram as situações que levaram à retirada da AA nem manifestaram vontade ou empenho em manter com ela uma relação próxima e gratificante do ponto de vista afectivo.
4. O pai deixou de visitar e contactar a AA há mais de um ano.
5. A mãe tem uma nova família, constituída por companheiro e filha bebé, na qual não existe lugar para a AA.
6. Nenhum deles manifestou vontade em assumir os cuidados da AA, antes pretendendo vê-los delegados na avó paterna.
7. A avó paterna e o marido só manifestam interesse pela AA quando confrontados com a possibilidade de a menina ser encaminhada para adopção, não a visitando com regularidade nem qualidade, entregando-a mais cedo na CAR por ocasião das férias de verão de 2021, por incapacidade em lidar com as suas birras, e não delineando qualquer projeto de vida para a mesma.
8. Os autointitulados padrinhos nunca visitaram nem contactaram a menor, são desconhecidos na CAR e apenas em 31-01-2022 vieram dar a conhecer a sua existência nos autos.
9. Mercê da sua longa institucionalização e falta de investimento a que tem sido votada pelos pais e demais família, a AA “não tem atualmente vínculos afectivos estruturantes de relevo com ninguém”.
10. A inexistência de relações afectivas pré-existentes que cumpra proteger, aliada ao comportamento que vem caracterizando os seus pais e demais familiares, reclama a definição de um projecto de vida para a AA que não passe pela sua família biológica nem pela manutenção da sua, nesse caso inevitável, institucionalização.
11. Tal projecto de vida apenas pode ser traçado através da aplicação da medida de acolhimento em instituição com vista a futura adopção, prevista no artigo 35º, n.º 1, al. g), da LPCJP.
12. Esta medida, ao possibilitar a adopção, constitui a derradeira esperança de retirar a AA da CAR e de a integrar, a curto/médio prazo, em família devidamente seleccionada, com a qual crie empatia, se sinta segura e desejada e com a qual possa estabelecer as relações afectivas duradouras de qualidade e de pertença mútuas de que necessita para ser feliz, inexistentes com aqueles com quem possui laços sanguíneos.
13. Andou, pois, bem o Tribunal Colectivo Misto, nenhum reparo merecendo, quer em termos formais quer substantivos, o douto acórdão proferido, o qual deve ser mantido, em prol do interesse da AA, assim sendo feita Justiça.

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A questão que se coloca ao julgador é saber se a decisão de v) e vi) padece de fundamento, factual e jurídico, ou não, e neste caso se é acertada ou não.

mérito

Que factos considerar?

Não vêm impugnados os factos dados como provados, por isso se consideram assentes.
Com relevo o conjunto factico-processual do relatório supra onde se sequenciaram os elementos marcantes a ter em conta e os factos que constam do ponto v) do relatório supra, aqui eproduzidos.

Não os cabe oficiosamente alterar.

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Vejamos.

Seguindo Roger Mucchielli, in A Personalidade da Criança, Clássica Editora, 5ª ed., pág. 61 a 132.

A criança, dos dois aos seis anos, atravessa uma fase importante de desenvolvimento. Domina a linguagem, descobre o sexo, carece de uma relação afectiva com o pai, entra no estádio edipiano, tem consciência da relação e conflito entre o eu e o mundo. Identifica-se e forma o eu ideal. Tem consciência da triangulação estruturante criança-mãe-pai, evoluindo no nível de sentimentos.

Deve dar-se atenção máxima à qualidade da ligação efectiva da criança, com o progenitor ou progenitores, ou cuidadores.
A relação afectiva estabelecida com as figuras dos progenitores constitui a unidade, a estabilidade do eu, e o contacto vital com o universo exterior.

A mãe, que veio de um longo período de hiperprotecção do filho, deve agora variar nitidamente a sua atitude e preparar pela tolerância da frustração o estado paterno. O pai deve assumir uma atitude que não deverá ser autoritária nem hiperindulgente, mas sim uma atitude simultaneamenteprotectora e exigente, segura e dinâmica.
O autoritarismo excessivo do pai provoca angústia, perda de iniciativa da criança, enfraquecimento do eu, o refúgio em tarefas ou brincadeiras monótonas e automáticas que a criança repete indefinidamente mas sem alegria.

Aos seis anos a criança inicia o estádio social, com a entrada na escola.

Entre os seis e os doze anos a criança atinge um novo estádio, pois se apoia na infra-estrutura familiar, organizando uma nova qualidade do eu e uma nova modalidade de ser do universo exterior. A idade da família refúgio.

E a criança luta pela vida.

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I - O processo judicial de promoção e protecção é de jurisdição voluntária (art.100º, da Lei nº147/99, de 1/9, que aprovou a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), pelo que não há, propriamente, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, muito embora possa haver um conflito de representações ou opiniões acerca do mesmo interesse.
II - Os princípios a que obedece a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo, encontram-se previstos no art.4º, destacando-se, em primeiro lugar, o interesse superior da criança e do jovem (cfr. a al. a)).
III - Depois, entre outros, haverá que ter em consideração, por um lado, o princípio da proporcionalidade e actualidade, nos termos do qual a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação concreta de perigo no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na vida da criança ou do jovem e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (cfr. a al. e)).
IV - E, por outro lado, os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, segundo os quais a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres, devendo ser dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família (cfr. as als. f) e g)).
V - As medidas de promoção e protecção ou são executadas no meio natural de vida, como acontece, por exemplo, com a de apoio junto dos pais, ou em regime de colocação, como acontece, designadamente, com a de acolhimento em instituição (cfr. o art.35º, nºs 1, als. a) e f), 2 e 3). Cfr. Ac. TRL de 3-12-2013, proferido no processo nº 260/09.1TBCSC-A.L1-7, Relator Roque Nogueira, acessível no web site da dgsi.net.

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A AA nasceu em .../.../2017. Tem actualmente 6 anos e dois meses de idade.

Os pais biológicos não têm qualquer competência para a exercerem a prentalidade - a nível dos afectos e de regras/rotinas/limites. A mãe acusa problemas de foro mental. O pai é violento e tóxico-dependente. São pessoas ausentes da vida quotidiana, afectiva e psicológica da AA, que abandonaram desde cedo.
 
A presença destes em redor da AA só pode ser perniciosa, uma vez que certamente pretenderão interferia na educação e desenvolvimento da menina, com consequências necessariamente nefastas na evolução psicológica desta que se pretende seja segura, equilibrada e harmoniosa.

A AA é uma menina que apresenta normal desenvolvimento para a idade.
Precisa acompanhamento de oftalmologia.

Os avós paternos ( melhor – o casal constituído pela avó paterna e marido ) são pessoas inseridas social e familiarmente. Nada se lhes pode apontar.

A não ser o facto de não se mostrarem suficientemente afastados dos pais da AA de modo a poderem arcar com a sua guarda, alimentação e educação, em segurança, longe da influência perniciosa dos pais, atentas as deficiências, vulnerabilidades, vícios e perigos para a vida de uma criança.  

A não ser ainda, por conseguinte, que ao companheiro da avó paterna da AA pareça faltar o perfil e o pulso necessários à gestão deste conflito inevitável, - ao Tribunal interessando o lado da segurança e do desenvolvimento da menina.

Os alegados futuros padrinhos da AA são praticamente desconhecidos do processo e da vida quotidiana e afectiva da AA.

A AA não apresenta em relação a qualquer adulto ligação efectiva e psicológica digna de nota. 

A família biológica ou até mesmo a alargada, está ausente da vida da AA.

Evidentemente que esta ausência causa problemas à menina.
Por outro lado é uma mais valia: está pronta a aceitar melhor uma família que lhe queria prestar verdadeiro amor.

Claro que, atento o estádio de desenvolvimento psicológico da AA, ela precisa do aconchego seguro de um lar. A instituição onde está acolhida pode dar-lho, e dá, certamente, na medida do possível.

A AA avançará agora para mais uma etapa da socialização: a escola e a aprendizagem correspondente aos seus conteúdos muito diversos e ricos – amigos, livros, cadernos e cores, convívio, professores, multividências.

Que linha de rumo para a AA?

Face à factualidade provada, atento o quadro legal, e postas estas considerações, ainda e também objectivamente, com o intuito sempre se esperar para a AA um desenvolvimento integral, com segurança, gratificante e livre de maiores perigos, o encaminhamento para a adopção é de aceitar incontornavelmente.
Nesse sentido igualmente o acórdão prolatado de que se recorre, que de acordo com a factualidade apurada, acompanhando os ensinamentos da psicologia da criança, e por isso acertado -, culminou decidindo aplicar em benefício da criança AA, nascida no dia .../.../2017, nos termos do disposto nos artigos 1º, 3º, n.ºs 1 e 2, alínea f), 34º, alíneas a) e b), 35.º, n.º 1, alínea g), 38-Aº ai. b), 62º-A, n.º 1, todos da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, mantendo-se a criança na instituição em que se encontra acolhida, "...".

Também agora não se vê necessidade de reabrir o debate judicial para ouvir os avós paternos e os técnicos sociais de ... sobre as condições de ambas as famílias (avós e futuros padrinhos), porque desnecessário.

Improcede a apelação – a 3ª -.

VI–DECISÃO

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar improcedente as apelações apreciadas – 1ª, 2ª, 3ª e 4ª -, e por isso se mantêm as decisões recorridas.

Na Relação sem custas.

Valor da causa - € 30.000,01.


Coimbra, 14 de Março de 2023.

(Rui António Correia Moura)                                

(Fonte Ramos)                      

(Alberto Ruço)