Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TELES PEREIRA | ||
Descritores: | REGISTO PREDIAL PRINCÍPIO DA PRIORIDADE DO REGISTO | ||
Data do Acordão: | 09/21/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VOUZELA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 6º, Nº 1, DO CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL | ||
Sumário: | I – Existindo inscrições no registo predial de direitos incompatíveis incidentes sobre o mesmo prédio, prevalece o direito que foi inscrito em primeiro lugar, nos termos do artigo 6º, nº 1, do C. Reg. Pred. (princípio da prioridade do registo). II – Afastada a nulidade de qualquer desses registos – dos títulos que os originaram, designadamente do que determinou o registo realizado em primeiro lugar –, prevalece este último registo, por aplicação do mencionado princípio da prioridade, descartando-se qualquer indagação respeitante a uma maior ou menor “fiabilidade” de qualquer dos títulos que originaram os dois registos. III – Esta última asserção resulta da actuação do indicado princípio da prioridade do registo se referir aos efeitos substantivos do registo predial. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – A Causa
1. Em 14 de Fevereiro de 2008[1], J… e mulher, M… (AA. e aqui Apelantes), demandaram B… e o filho desta, C… (RR. e aqui Apelados), alegando serem eles proprietários, e disporem de registo em seu favor, de dois prédios rústicos [ambos os AA. do primeiro prédio (artigo 4525) e o A. marido, em exclusivo e com base em direito próprio, do segundo prédio (artigo 4526)][2].
Relativamente a este segundo prédio (artigo …), referem os AA. que a R. – proprietária de um outro prédio correspondente ao artigo matricial …[3] – “[…] deu em discutir os direitos do A. J… […]” (fls. 6), questionando a propriedade deste sobre esse prédio (artigo …), tendo-o vedado com arames e vigotas, sendo que, em 21 de Fevereiro de 2006, obteve uma inscrição predial que os AA. indicam incidir sobre o prédio correspondente ao referido artigo …[4], invocando os AA. a nulidade de tal inscrição e do respectivo registo.
Em função deste encadeamento argumentativo, formulam os AA. os seguintes pedidos: 1.1. Contestaram os RR., por impugnação, pugnando pela improcedência da acção. Indicam não corresponder ao prédio da R. o artigo matricial (o referido pelos AA., v. a nota 4, supra), sendo antes o correspondente ao artigo matricial …[5]: este prédio – Lomba do Seixo ou Tapada da Lomba do Seixo (artigo …) – é, dizem-no os RR., propriedade da R.
1.2. Realizado o julgamento, foi a acção decidida através da Sentença de fls. 232/245 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, declarando os AA. proprietários do prédio correspondente ao artigo …, absolvendo os RR. do demais peticionado (declaração de serem os AA. proprietários do prédio que identificam como artigo …; nulidade do registo em favor da R. do prédio correspondente ao artigo …; levantamento da vedação).
1.2.1. Fundou-se a asserção decisória respeitante ao confronto dominial dos falados artigos … e …, enquanto ratio decidendi, na consideração de existirem registos incompatíveis sobre o mesmo prédio (os dois artigos correspondem ao mesmo prédio), dando-se prioridade ao primeiro (o correspondente ao artigo …), nos termos do disposto no nº 1 do artigo 6º do Código do Registo Predial (C. Reg. Pred.).
1.3. Inconformados, interpuseram os AA. o recurso de apelação que ora nos cumpre apreciar, motivando-o a fls. 251/260, formulando em tal peça as seguintes conclusões: Os Apelados responderam ao recurso, pugnando pela confirmação da decisão.
II – Fundamentação
2. Relatado que está o iter processual que conduziu à presente instância de recurso, e identificados que estão os traços fundamentais do litígio que a acção expressa, cumpre apreciar os fundamentos da presente apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes, a cuja transcrição se procedeu no item anterior, operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC).
Numa primeira aproximação à definição desse objecto, dir-se-á que o recurso incide sobre matéria de direito – esgota-se, portanto, no controlo do acto de aplicação do direito aos factos –, pressupondo os Apelantes, assumidamente (v. fls. 251), o elenco fáctico emergente do julgamento em primeira instância. Mostram-se, pois, definitivamente fixados esses factos, correspondendo eles ao rol feito constar da Sentença, que aqui se transcreve: 2.1. Procedemos antes, no item 1.2.1. deste Acórdão, à enunciação da forma pela qual a Sentença apelada solucionou a questão central do litígio, convocando, face à constatação da concorrência de registos sobre o mesmo prédio (sobre o espaço que ambas as partes afirmam corresponder ao seu prédio), o chamado princípio da prioridade.
Os pressupostos de facto da asserção base (referirem-se os dois registos à mesma realidade predial; ao mesmo espaço de terreno, digamo-lo assim) foram devidamente explicitados na decisão ora recorrida, sendo que se compreende, atendendo às confrontações em causa em ambas as descrições registais, tratar-se do mesmo espaço predial[6]. Isso, aliás, constituiu um pressuposto factual implícito na argumentação dos AA., na estruturação da respectiva causa de pedir, ao invocarem que o registo promovido pela R. – temporalmente o primeiro registo, sublinha-se desde já – incide sobre o mesmo prédio que os AA. identificam como correspondente ao artigo matricial …[7]. Fica, assim, desmentida a afirmação dos Apelantes, correspondente à primeira conclusão do recurso acima transcrita, segundo a qual “[a] sentença carece[ria] de base factual para afirmar a incompatibilidade dos dois registos, da R. e do A., por coincidência parcial do respectivo objecto […]”. Não só não carece a Sentença de base factual para essa afirmação, como ainda, essa mesma afirmação, estava (está) pressuposta na argumentação expendida na petição inicial pelos Apelantes. Aliás, é a pressuposição dessa incidência sobre o mesmo espaço predial que leva os AA. a pedirem a declaração de nulidade de um dos registos, invocando a falsidade intelectual do documento que determinou esse (primeiro) registo.
Assente este pressuposto, ocorre apreciar directamente o que se configura como o primeiro fundamento do recurso e traduz o argumento central dos AA. Corresponde ele à afirmação de uma maior fiabilidade do elemento (uma doação) que determinou o registo em nome do A. – o segundo registo, sublinha-se também –, comparativamente ao elemento substancial (um testamento) que originou o registo – o primeiro registo, repete-se – em favor da R./Apelada.
Este argumento carece de base legal.
Com efeito, afastada a nulidade de qualquer dos registos, in casu, tendo presente o pedido dos AA., por indemonstração da falsidade do título que desencadeou a apresentação e o registo em favor da R., e constatado que o registo em favor desta (08/06/2006) é anterior ao em favor do A. (14/12/2007), abriu-se o caminho à consideração da realidade em causa no primeiro dos dois registos, ou seja, ao funcionamento da regra da prioridade decorrente do artigo 6º do C. Reg. Pred.[8] – esta funciona aqui como regra de decisão face a uma situação de incerteza –, sendo que este princípio (o da prioridade) se refere aos “efeitos substantivos do registo”[9], rectius, aos efeitos sobre o próprio direito “ilustrado” pelo registo e que, relativamente a ele, induz as presunções indicadas no artigo 7º do C. Reg. Pred. – basicamente, o que o artigo 6º do C. Reg. Pred. determina é que a presunção derivada do registo que se estabelece, no caso de concorrência de registos incompatíveis sobre o mesmo bem, é a correspondente ao primeiro registo, e não a que resultaria do último registo incompatível. 2.3. Aqui chegados, apreciados que estão os dois fundamentos da apelação, resta-nos dar conteúdo decisório à improcedência referida, deixando aqui nota, em sumário imposto pelo artigo 713º, nº 7 do CPC, dos aspectos fundamentais do antecedente percurso argumentativo: III – Decisão
3. Assim, na improcedência do recurso, decide-se confirmar integralmente a Sentença apelada.
Custas do recurso a cargo dos Apelantes.
4º Este Lomba do Seixo ou Tapada da Lomba do Seixo é um prédio rústico de pinhal e mato, com área de 3.600 m2, nos limites de Paredes Velhas, que confronta de Norte com … e outros, de Sul com …, de Nascente com caminho fazendeiro e herdeiros de … e de Poente com herdeiros de … e estrada, inscrito na matriz rústica da freguesia de Cambra sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vouzela com o nº … da mesma freguesia […].[…]” [transcrição de fls. 62] [6] Remete-se, a este respeito, para a seguinte passagem da Sentença: “[…] Peticionam ainda os AA. que se declare que A. J… é proprietário do prédio identificado no artigo 2º da petição inicial (prédio rústico designado “Gândara”, sito em Paredes Velhas, terreno a pinhal e mato, com a área de 360m2, confrontando a Norte e Poente com caminho; Nascente com …; Sul com … descrito sob o n.º … da Conservatória do Registo Predial de Vouzela). Provou-se que se encontra inscrita, pela ap. 01 de 14.12.2007, a aquisição de tal prédio, a favor do A. J…, por doação de A…, casada com A... Provou-se, contudo, também, que se encontra registada a favor da ré M… a aquisição, por legado de P…, da parcela de terreno em que se consubstancia tal prédio (terreno a pinhal e mato, com a área de 360m2, confrontando a Norte e Poente com caminho; Nascente com …; Sul com …). De facto, resultou provado que se encontra descrito sob o n.º … da Conservatória do Registo Predial de Vouzela o prédio rústico denominado “Lomba do Seixo ou Tapada da Lomba”, sito em Paredes Velhas, terreno a pinhal e mato, com a área de 3.600 m2, confrontando a Norte com Aníbal Bastos e outros, Nascente com Caminho e Herdeiros de …; Sul com … e Poente com herdeiros de …e estrada, encontrando-se inscrita pela ap. 3 de 08.06.2006, a aquisição de tal prédio a favor da ré M…, por legado de P... Do teor das aludidas confrontações resulta que a parcela de terreno em apreço, com a área de 360 m2, se encontra incluída no descrito terreno a pinhal e mato com a área de 3.600 m2, pelo que não pode deixar de se concluir que se encontra inscrita a favor da R. M… a aquisição do terreno a pinhal e mato, com a área de 360m2, confrontando a Norte e Poente com caminho; Nascente com …; Sul com ... Significa portanto que sobre a mesma coisa (terreno a pinhal e mato, com a área de 360m2, confrontando a Norte e Poente com caminho; Nascente com …; Sul com …) incidem dois registos. […]” [transcrição de fls. 240] |