Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
379/11.9GAVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: CONVERSAS INFORMAIS
PROIBIÇÃO DE PROVA
PENA PRINCIPAL
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 05/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 125.º, 356.º, N.º 7, E 357.º, N.º 1, AL. A), DO CPP
Sumário: I - As designadas “conversas informais” dos arguidos com agentes policiais, ainda que os primeiros, na data daquelas, ainda não detenham a referida qualidade, não possuem validade probatória.

II - As penas acessórias, apesar de terem de ser impostas cumulativamente com uma pena principal, são autónomas relativamente a esta, pois dependem do preenchimento de pressupostos diferentes relacionados com o cometimento do ilícito penal e são graduadas, embora com subordinação aos critérios gerais de determinação das penas, nos quais se inclui a culpa, dentro de uma moldura própria fixada na lei.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 5 ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra.

I – Relatório

Pelo Tribunal Judicial de Ourém, 2º Juízo, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum singular, o arguido, A..., filho de (...) e de (...) , natural de (...) , nascido em 9/5/1943, casado, reformado, residente na Rua (...) Olival, imputando-se-lhe, em autoria material, a prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º e artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

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Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 10 de Julho de 2012, decidiu julgar a acusação procedente por provada e, em consequência, condenou “o arguido A (...) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p., artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 115 dias de multa à taxa diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 5 (cinco) meses.

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Inconformado com a sentença dela interpôs recurso o arguido, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1) Conforme resulta de fls., o arguido vem acusado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. no artigo 292° do Código Penal;

2) O arguido apresentou contestação, onde referiu o que acima se transcreveu para melhor análise deste Venerando Tribunal;

3) Realizado o julgamento, a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" proferiu sentença, onde condenou o arguido numa pena principal e numa pena acessória;

4) Salvo devido respeito, que é muito, não podemos concordar com a douta decisão;

5) lendo atentamente a sentença de fls., verifica-se que a condenação do arguido supra transcrita advém de uma supra "extensão" daquilo a que chamamos "as regras de experiência comum"',

6) Qualquer pessoa com conhecimento médio de um bom "paterfamiliae", lendo a motivação interpreta-a no sentido de que não houve nenhuma prova que apontasse ou indicasse (sem qualquer margem de dúvida) que era o arguido o condutor do veículo;

7) Além do arguido se ter remetido ao silêncio (direito que lhe assiste) não houve ninguém que tivesse visto o arguido a conduzir;

8) Não se demonstrou através da prova testemunhal, quem ia a conduzir o veículo;

9) Os elementos da GNR quando se deslocaram ao local do "suposto despiste", já não encontraram o veículo na via pública, estando estacionado junto de uma árvore, nem qualquer interveniente do acidente, limitando-se inquirir os moradores acerca do "acidente" (acidente esse que ninguém viu).

10)  O arguido impugnou desde cedo os valores de álcool apresentados nas suas análises sanguíneas - veja-se a contestação,

11) O arguido tem dúvidas quanto ao método utilizado pelas Sras. Enfermeiras para a tiragem de sangue;

12) A tiragem de sangue foi feita após o arguido ter sido assistido pelos Bombeiros (aquando do seu transporte para o Hospital), desconhecendo, e consequentemente, não conseguindo relatar de que forma foi assistido, nem que materiais de socorro lhe foram aplicados;

13) Dos autos também não resulta qualquer matéria acerca desse facto, sendo certo que muitos dos materiais de socorro normalmente utilizados (nomeadamente da desinfecção das feridas) são susceptíveis de alterar o resultado toxicológico das análises;

14) Não se pode dar como provado o facto d), do Factos Provados da Sentença de fls.;

15) Deve a sentença de fls. ser revogada, o que aqui se requer desde já, com todas as consequências legais daí resultantes;

16) Não obstante, sem nunca prescindir do que vem sendo dito, lendo a Sentença de fls., parece que a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" deu toda a matéria da acusação como provada, devido ao facto de o arguido ser o único "acidentado" a receber assistência médica;

17) Salvo devido respeito, que é muito, tal fundamentação não tem qualquer cabimento prático na análise ao caso em concreto;

18) Tal facto não importa necessariamente que houvesse apenas um interveniente no acidente, nem que era tal sujeito o condutor da viatura em causa;

19) A Participação do Acidente foi elaborada dias depois do "acidente", pelo Agente da GNR, estando o arguido ainda em recobro em sua casa;

20) A Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" deu relevância às "declarações" do arguido em sede de inquérito, nomeadamente ao que consta da Participação do Acidente, pese embora este se tenha remetido ao silêncio em sede de audiência;

21) O arguido remeteu-se ao seu direito constitucional de silêncio na fase de julgamento, pelo que não pode ser relevada qualquer declaração prestada pelo arguido em fase de inquérito;

22) Todas as declarações que o arguido terá prestado (se é que prestou alguma), não foram na presença de juiz, advogado, ou procurador do ministério público;

23) Pelo que se dá a entender no processo, terá sido o agente da GNR que terá elaborado a participação do acidente dias depois do arguido ter regressado a casa, enquanto este se encontrava de recobro;

24) A jurisprudência apresentada na sentença de fls, pela Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" não tem qualquer aplicação ao caso em concreto;

25) Pelo que deve a sentença de fls. ser revogada, o que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

26) Não obstante, e sem prescindir do que vem sendo alegado, caso assim se não entenda, o que por hipótese meramente académica se coloca, deverá a sentença de fls. ser alterada quanto à medida da pena - quer da pena principal, quer da medida acessória;

27) 115 dias de multa à taxa diária de 6,00 € (690,00 €) é uma pena demasiado pesada tendo em conta o tipo "ilícito" e a forma como "terá sido" praticado;

28) O arguido é uma pessoa de bem, reformado, com uma idade de 69 anos, encartado há mais de 40 anos, não tendo no seu historial de vida ou cadastral qualquer facto que imponha uma pena tão pesada, apesar de ter carta de condução e conduzir há várias décadas;

29) O mesmo se diz acerca da pena acessória aplicada, sendo certo que não é lícito ao arguido ser aplicada uma sanção principal, e uma sanção acessória com os mesmos fundamentos;

30) A Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo", ao entender que "significa que, para o apuramento do período de inibição há que recorrer também aos mesmos critérios utilizados para a determinação da pena principal", salvo devido respeito, não parece ser um juízo correcto;

31) Aplicou-se ao arguido 2 penas pela prática de apenas um facto;

32) Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez, ou condenado, pelos mesmo factos;

33) A interpretação feita pela Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" da lei para a aplicação da pena acessória, leva a crer que foram aplicadas ao arguido 2 condenações pela prática de apenas um facto;

34) Deve assim ser revogada a sentença de fls., na parte da condenação que aplicou a excessiva pena principal e acessória, o que aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;

35) Lendo, atentamente, a Sentença recorrida, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação do arguido;

36) A Sentença recorrida viola o disposto nos artigos 13°. 205°, 207° e 208° todos da C. R. P.;

37) A Meritíssima Juiz com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos do arguido, e não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e sobretudo ao não apreciar criticamente todas as provas produzidas em audiência de julgamento (nenhumas), ou fundamentar expressamente o razão da sua não apreciação;

38) Tem forçosamente de ser alterada a matéria de facto dada como provada nos pontos a), b), c), d), e), f), g) dos factos que na Sentença recorrida vêm dados como provados;

39) Dúvidas não existem de que assim, o arguido não foi tratado de forma igual a outros cidadãos perante a lei;

40) A Sentença recorrida viola o disposto nos artigos 374°, 375° e 377p do C.P.P.:

41) A Sentença é nula, por interpretação e aplicação deficiente das norma legais citadas, conforme já acima se disse e provou;

42) V. Exas. certamente REVOGARÃO o Sentença recorrida, absolvendo o arguido do crime de que foi condenado, por ser de LEI, DIRETO E JUSTIÇA;

43) A decisão recorrida tem de ser REVOGADA.

Termos em que, se requer, V. Exas.. a REVOGAÇÃO da Sentença recorrida, absolvendo o Arguido dos crimes de que foi condenado, por ser de LEI, DIREITO E JUSTIÇA.”

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Respondeu o M.P junto da 1ª instância formulando as seguintes:

“(…)

CONCLUSÕES:

1. A douta sentença recorrida não violou o disposto nos artigos 13°, 205°, 207°, 208° da Constituição da República Portuguesa nem os artigos 374°, 375° e 377° do Código Penal.

2. No que concerne a erro na apreciação da prova e da alegada insuficiência da mesma para a condenação do arguido, no nosso modesto entendimento decorreu da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, por si só ou conjugada com as regras da experiência, exactamente aquilo que na douta sentença recorrida foi dado como provado, não tendo, por isso, sido violado o disposto no artigo 127° do Código de Processo Penal, nem qualquer outro normativo, daí que não se imponha qualquer modificação na decisão tomada, quanto à matéria de facto considerada provada.

3. Da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento decorreu que o arguido sofreu um acidente às 18h55m, do dia 22 de Abril de 2011, em Soutaria, Olival, concelho de Ourém.

4. Mais decorreu que o mesmo foi o único interveniente e também ferido no mencionado acidente, sendo ainda proprietário do ciclomotor envolvido.

5. Assim, entendemos não ser fazer um extensivo abusivo das regras de experiência comum concluir, em face daquele acervo factual que era o arguido quem conduzia o ciclomotor, já que não se mostra verosímil que ninguém conduzisse o ciclomotor naquele dia, hora e local.

6. Por outro lado, e quanto à prova pericial produzida nos presentes autos entendemos a mesma não padecer de qualquer irregularidade á que obedeceu ao prescrito no artigo 156° do Código da Estrada e às formalidades prescritas nos artigos 151° e seguintes.

7. Por outro lado, a recolha de vestígios e a sua análise, e a consequente elaboração do respectivo relatório foram efectuadas ainda não tinha sido instaurado qualquer inquérito crime, estando em investigação as causas de um acidente de viação.

8. Acresce ainda que, no momento em que houve constituição como arguido e dedução de acusação contra o mesmo já constava dos autos o referido relatório, tendo sido o arguido, aquando do seu interrogatório confrontado com o resultado desse mesmo exame, não tendo colocado em causa a sua realização ou o método utilizado na recolha do sangue (de notar que a recolha foi efectuada pelas 20h35m no Hospital Distrital de Tomar, para onde o arguido havia sido conduzido pelos Bombeiros na sequência de ter necessidade de receber tratamento médico em virtude do acidente de viação que sofreu, pelas 18h55)

9. Por fim, não podemos deixar de referir que o arguido não pediu qualquer esclarecimento ao referido relatório nem requereu a realização de qualquer nova perícia.-

10. Assim, e nos termos do disposto no artigo 163° do Código de Processo Penal, “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume subtraído à livre convicção do julgador”, não existindo qualquer elemento que permitisse ao julgador afastar as conclusões do relatório toxicológico junto aos autos, não poderia o Tribunal a quo decidir de forma diversa

11. Não integra o conceito de leitura proibida expresso no artigo 129° do Código de Processo Penal as declarações prestadas pelo agente da autoridade que relata as diligências que realizou na sequência de ter sido chamado ao local onde um acidente de viação havia ocorrido, mesmo quando se refere a declarações prestadas pelos condutores dos veículos, que muito posteriormente são constituídos arguidos.

12. Não têm tais declarações prestadas pelos intervenientes em acidente de viação a mesma protecção concedida às prestadas em sede de inquérito pelo arguido.

13. Assim, as declarações prestadas pelo arguido numa fase pré-inquérito, em que nem sequer se vislumbrava a ocorrência de qualquer crime, e que permitiram a elaboração da participação de acidente de viação são prova válida e atendível em sede de processo-crime podendo o julgador a elas se socorrer para determinar quem era o condutor do veículo acidentado.

14. No que diz respeito à medida concreta da pena e sanção acessória aplicadas ao arguido, entendemos que o Tribunal a quo procedeu à correcta e adequada determinação da medida concreta da penas e da sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor, ponderando adequadamente as exigências de prevenção geral e especial que no caso se impunham, sem nunca ultrapassar a medida da culpa do agente.

15. A sentença recorrida não padece de falta de fundamentação, já que descreve não apenas os factos provados e não provados, como descreve o raciocínio lógico que levou o julgador àquela conclusão, operando, ainda, um exame crítico das provas.

Assim, permite ao arguido e também ao Tribunal ad quem aferir do porquê daquela concreta condenação e de todo o processo lógico que lhe serviu de suporte.

Termos em que, improcedendo na íntegra o recurso em apreço, V. Exas. farão a já costumada JUSTIÇA.”

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O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos da resposta do MP da 1ª instância, realçando que “…a sentença recorrida apresenta-se na sua motivação e apreciação crítica da prova, devidamente fundamentada, donde se depreende o raciocínio lógico percorrido pelo julgador na selecção da matéria de facto provado, com base nos documentos dos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas em julgamento, sendo que arguido estando presente em audiência usou do seu direito ao silêncio.

O tribunal apreciou as provas no uso dos seus poderes e no cumprimento das regras da experiência comum e da livre apreciação da prova previstas no art.° 127° do CPP, as quais não se mostram violadas. Não se mostra que o tribunal tenha recorrido a provas ilegais ou proibidas na apreciação que fez da prova.

Donde, por tudo o doutamente já alegado pelo Ministério Público, nos parece não haver fundamentos para qualquer alteração da matéria de facto provada.

Quanto à matéria de direito, quer quanto à alegada nulidade da sentença, quer quanto às medidas das penas principal e acessória que considera excessivas, também nos parece não assistir razão ao recorrente, atenta a fundamentação da douta sentença recorrida e os argumentos apresentados pelo Ministério Público os quais aqui damos por integralmente reproduzidos, nada mais se afigurando acrescentar.”

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Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:

a)             No dia 22/04/11, pela 18:551-1, na Rua do Cabeço, na localidade de Soutaria, freguesia do Olival, neste concelho e comarca de Ourém, o arguido conduzia o ciclomotor, matrícula x (...) no sentido Olival Gondemaria.

b) Fazia-o, porém depois de ter ingerido bebidas de natureza alcoólica.

c) Ao conduzir nestas circunstâncias, o arguido teve um acidente de viação e careceu de ser transportado ao Hospital de Tomar para tratamento aos ferimentos sofridos.

d) Nesse contexto, foi sujeito a análises toxicológicas para detecção de alcoolemia e veio a ser apurado que o mesmo conduzia sob o efeito da TAS de 1,76 g/l.

e) Sabia o arguido que havia ingerido bebidas de natureza alcoólica em quantidade tal que acusaria a TAS que lhe foi detectada e que sob o efeito da mesma se encontrava a conduzir o referido veículo na via pública.

f) Quis agir deste modo.

g) Sabia que a sua conduta lhe estava vedada e era punida pela Lei Penal e, não obstante, actuou livre, deliberada e conscientemente.

Mais se provou que:

d) O arguido é casado, reformado e o seu agregado familiar aufere o rendimento anual líquido de € 5 400,00.

g) Do CRC do arguido consta que o mesmo foi condenado:

- em 2 de Outubro de 2010, na pena de 60 dias de multa e na pena acessória de proibição de condução pelo período de 3 meses, pela prática em 15 de Março de 2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pp pelo art.º 292.º, n1, do Código Penal.

2.2- Factos não provados

Com interesse para a decisão da causa não se provou que:

1- Na       data dos factos o arguido andava a tomar a seguinte medicação: Copália 5mg, Eucreas 50mg, Zyloric 100 mg, Velmetia 50mg e Losartam teva 100 mg.

2- A medicação referida em 1) altera a taxa de álcool.

II - Motivação

Pese embora o arguido tenha optado por não prestar declarações, e nenhuma das testemunhas ouvidas tenha visto o arguido a conduzir, certo é que a prova produzida em audiência, bem como a junta aos autos, conjugada com as regras da experiência comum, é suficiente para se concluir que, de facto, o arguido conduzia nos termos descritos na acusação e que se deram como provados.

Com efeito, da Participação do Acidente de Viação junta aos autos retira-se que, na data e hora constantes da acusação, o arguido foi interveniente num acidente de viação que consistiu num despiste de um ciclomotor, ciclomotor este de sua propriedade, inferindo-se, ainda, que de tal acidente resultaram ferimentos para o condutor do mesmo.

Ora, este facto conjugado com a prova pericial junta e de onde se extrai a observação médica ao arguido, na data a que se referem os factos da acusação, pelos serviços do Hospital Distrital de Tomar, local onde lhe foi efetuada uma recolha de sangue para quantificação de etanol no sangue (situação até afirmada em sede de contestação), conjugada pelas declarações da testemunha C... que mencionou ter conhecimento que o arguido havia tido um acidente, levam-nos a concluir pela verificação da condução por parte do arguido, nos termos descritos na acusação.

Em reforço de tal conclusão temos, ainda, as declarações do militar da GNR que tomou conta do acidente e elaborou a PAV junta aos autos, e que confirmou que teve notícia da ocorrência do sinistro por contacto telefónico, deslocou-se ao local do acidente onde encontrou o ciclomotor do arguido já encostado à berma e encetou diligências junto deste para elaborar tal PAV, fazendo constar nesta as declarações do próprio arguido onde o mesmo refere "circulava na Rua do Cabeço no sentido Olival Gondemaria e como a estrada estava molhada depois de fazer uma curva perdi o controlo da mota e caí".

De tal participação resulta, ainda, que não houve outros intervenientes no acidente e que o condutor do veículo interveniente no acidente ficou ferido.

Por fim, diremos que tais elementos de prova poderiam ter sido contraditados pelo arguido, o que não fez.

Acresce que, foi ainda mencionado pelo militar da GNR que, aquando da elaboração da PAV, o arguido confessou ser o condutor, pelo que importa analisar se as declaraçõesobtidas neste âmbito são valoráveis, ainda que, realcemos, a convicção do Tribunal ter-se-iaformado de, igual modo, sem tais declarações em face da prova produzida e supra mencionada.

Ora, desde já diremos que entendemos que as declarações prestadas pelo arguido, e mencionadas pelo agente da GNR, em que aquele confessa ser o condutor do ciclomotor na data, local e hora, constantes da acusação poderão ser valoradas, nos termos que infra se mencionam.

Com efeito, e como se refere no Ac. da Relação de Coimbra n.º 736-08.8GAEPS.G1, datado de 25-02-2009, " - No nosso ordenamento processual penal, a regra é a da invalidade do depoimento por ciência indirecta, o qual só depois de confirmado se torna válido como meio de prova.

II - Não corresponde a depoimento indirecto o relato feito em audiência de julgamento pelas testemunhas que se limitam a constatar factos e reacções que presenciaram de outrem.

III - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de "ouvir dizer", pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de "conversas informais" mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.

III - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas "conversas", que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria "colmatado" ilegitimamente através da "confissão por ouvir dizer" relatado pelas testemunhas.

IV - Pressuposto desse direito ao silêncio do arguido é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

V- De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar "os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova", entre os quais, "colherinformações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime" (art.º 249- doC.P. Penal).(sublinhado nosso)

VI - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

VII - Completamente diferente é o que se passa com as ditas "conversas informais" ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende suprimir o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a "confissão" informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.

VIII - O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática de providências cautelares a que se refere o art. 249ºdo C. P. Penal

IX - Por outro lado, o testemunho de ouvir dizer não se confunde com o depoimento indirecto. Quando uma testemunha refere 0 que ouviu dizer ao arguido, que está presente, não se pode qualificar tal como testemunho de ouvir dizer, só porque 0 arguido optou pelo direito ao silêncio.

X - Não constitui depoimento indirecto, antes sendo algo que aquele ouviu directamente da sua boca, da sua voz, quase de seguida à ocorrência dos mesmos, a afirmação de uma testemunha, seja ela agente da autoridade (e no exercício das suas funções ou não) ou um outro cidadão comum, de que ouviu o arguido dizer que era 0 condutor de um automóvel que acabara de intervir num acidente de viação, pelo que um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127º do C. P. Penal

XI -Aliás, o Tribunal Constitucional tem entendido 0 seguinte:

a) No Ac. n.º 213/94, DR., II Série, de 23.08.1994, e no BMJ 435, pág. 155 e ss, julgou inconstitucional a norma do n.º 1, parte final, do artigo 129º do Código de Processo Penal, enquanto interpretada pelo acórdão recorrido no sentido de admitir que possa servir como meio de prova o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a pessoa determinada quando a inquirição desta pessoa não for possível por impossibilidade de ser encontrada, mesmo que esta pessoa seja um co-arguido e o depoente seja um agente da polícia judiciária que com ela contactou quando, na situação de detida, aguardava o primeiro interrogatório judicial.

b) No Ac. n.º 440/99, DR., II Série, de 09.11.1999, e no BMJ 489, pág. 5, decidiu:

"Há, assim, que concluir que o artigo 129º, n.º 1 (conjugado com o artigo 128°, n.º 1, do Código de Processo Penal), interpretado no sentido que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Não o atinge, ao menos na dimensão em que essa norma foi aplicada ao caso.

Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal norma não é inconstitucional."

XII - Quer dizer: de facto, o que o agente autuante relata é por ele presenciado directamente, quando refere que o condutor do referido veículo assumiu perante ele essa qualidade (de condutor) e perante ele também realizou, voluntariamente, o exame efectuado ao álcool, o mesmo se passando com o depoimento da testemunha ...que referiu, além do mais, que o arguido lhe confidenciou que estava cansado e por isso é que foi embater contra o muro da residência.

XIII - De qualquer modo, ainda que se entendesse que se tratava de depoimentos "indirectos" e "por ouvir dizer" - ideia que não subscrevemos - sempre as mais elementares regras da lógica e da experiência comum nos conduziriam à mesma conclusão (ou seja, do facto de as referidas testemunhas verem que um veículo que é propriedade da mãe do arguido, com ele residente na cidade de Braga, se encontra em Esposende, às 5 horas e 15 minutos, esbarrado contra um muro e, por coincidência, naquele mesmo local, ali apenas foi por eles encontrado o arguido e, pela entidade autuante, apenas foram encontrados o arguido e os proprietários da residência atingida.".

Neste sentido vai também o Acórdão nº 06P4593 de Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Fevereiro de 2007, bem como o Ac. da Relação de Coimbra datado de 9 de Julho de 2008, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, e o Ac. do STJ de 11 de Dezembro de 96, disponível in BMJ 462-299.

De facto, a conversa tida com o ora arguido desenrolou-se no plano da recolha de indícios de uma situação que a autoridade policial acaba de ter notícia - um acidente deviação com feridos, competindo-lhe praticar "os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova", entre os quais, "colher informações das pessoas que facilitem adescoberta dos agentes do crime"

Em face do exposto, entendemos que tais declarações poderão ser valorizadas realçando-se, contudo, novamente, que a convicção do tribunal se formaria nos mesmos termos, mesmo sem tais declarações, tendo por referência os meios de prova supra aludidos.

Na verdade, pelos fundamentos aduzidos e tendo em conta a livre apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador - art. 127 do CPP, cremos não subsistirem dúvidas de que o arguido praticou os factos constantes da acusação.

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No que se refere aos antecedentes criminais considerou-se o CRC junto aos autos a fls. 45 e 46.

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A situação económica do arguido teve por base as declarações prestadas por este para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário.”

É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artº 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal).

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente as questões a decidir são as seguintes:

1 - impugnação da matéria de facto, por erro na apreciação crítica da prova, com violação das regras da experiência comum e indevida valoração de declarações atribuídas ao arguido pelo agente policial;

2 - Nulidade por falta de fundamentação da sentença;

3 - Aplicação de duas penas ao arguido pelo mesmo facto;

4 - Penas excessivas.

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1ª Questão - impugnação da matéria de facto

Da audição do depoimento de B..., da GNR e que elaborou a participação do acidente, cujo teor confirma, resulta que quando chegou ao local já o arguido havia sido transportado para o hospital pelos bombeiros e o ciclomotor havia sido retirado da via e encostado a uma parede ou garagem. Esclareceu esta testemunha que a identidade do condutor do veículo acidentado foi obtida através de informações junto de vizinhos e que dias depois o arguido em sua casa confirmou o despiste do ciclomotor.

A testemunha C (...) , amigo do arguido que conhece há 50 anos, apenas declarou que soube que o arguido tinha tido um acidente mas que não o presenciou, pelo que nada adiantou quanto à condução do veículo interveniente em tal acidente.

A participação de acidente de viação é um documento autêntico, porque emana de um órgão de polícia criminal a quem é reconhecida competência para a sua elaboração.

Decorre do art. 169º do CPP que os documentos autênticos ( art 363º, nº 2,  do CC) fazem prova dos factos MATERIAIS que referem, ou seja, dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

Aqueles que não estiverem nessas condições não são plenamente provados pelo documento, pelo que podem ser impugnadas, nos termos gerais, as declarações documentadas.

O documento em causa (Participação do Acidente de Viação), é, nas palavras do Prof. Vaz Serra, “Provas”, BMJ 111, págs. 123 e 133, um documento testemunhal, na medida em que o documentador (soldado da GNR) se limita a atestar um facto, a informar acerca de um acontecimento que ocorreu. A força probatória plena desse documento limita-se aos factos praticados pelo documentador e por ele atestados. E prova ainda plenamente os factos atestados que se passaram na sua presença. Todavia, a sinceridade desses factos ou a sua validade ou eficácia jurídica são excluídos do alcance da prova plena do documento, pois disso não podia o documentador aperceber-se – cfr. ob., págs. 135/136.

Assim, se no campo dessa participação destinado à descrição do acidente, o que o documentador exarou - atestou - foi o que as testemunhas lhe terão dito quanto à identificação do condutor do veículo, a materialidade das declarações de tais testemunhas ( vizinhos), meramente informativas, não resulta provada só por esse facto.

Todavia a referida participação não deixa de constituir, também nessa parte, um elemento de prova a considerar pelo tribunal, sujeito ao princípio da livre apreciação.

Assinale-se que o depoimento do B (...) , soldado da GNR, refere duas fontes de informação quanto à identificação do condutor do motociclo: as obtidas das pessoas residentes no local do acidente e as declarações do arguido, dias depois do acidente, confirmando que era quem conduzia o veículo.

No que respeita às declarações do arguido, entendemos que tal meio de prova é inatendível por se nos afigurar que as chamadas “conversas informais” dos arguidos com os agentes policiais não podem ser valorizadas em sede probatória, concordando pois com o voto de vencido de Des. Esteves Marques no Ac desta Relação de Coimbra de 9-07-2008, que transcrevemos:

“Da audição do depoimento da referida testemunha resulta que esta apenas refere que era o arguido o condutor do veículo interveniente no acidente, para o qual foi pedida a intervenção da GNR, porque “ foi o arguido que informou que era o condutor do veículo”.

Resulta assim claramente do seu depoimento que a autoria dos factos, apenas foi possível ser imputada ao arguido, por via da conversa então mantida com este.

Quer dizer só adquiriu a certeza de que havia sido o arguido que conduzia a viatura por este se ter identificado como tal.

Acresce que não só a viatura interveniente no acidente não se encontra registada em seu nome, como nem a vítima, como refere, seria capaz de reconhecer o condutor ainda que o visse.

Ficamos portanto apenas com a conversa havida entre o agente da GNR e o arguido, no momento em que aquele se deslocou ao local.

Será então que tendo o julgamento decorrido na ausência do arguido, pode tal conversa ser valorada, como pretende o Ministério Público ?

E avançando desde já a solução, diremos que o tribunal recorrido fez uma correcta valoração da prova, ao não ter acolhido o relato feito por aquela testemunha no que concerne à autoria do crime assumido, em conversa informal, pelo arguido.

Vejamos porquê.

 O artº 356º nº 7 CPP apenas proíbe ou impede a inquirição de órgãos de polícia criminal sobre declarações cuja leitura não for permitida (Cfr. entre outros, o Ac STJ 98.09.30, BMJ 479, 414 e extensa anotação a partir da pág. 428)

Assim é evidente que não poderá ser inquirido em audiência um órgão de polícia criminal sobre, por exemplo, o teor de um auto de interrogatório que tenha feito a um arguido no decurso da investigação, se o mesmo arguido se remete ao silêncio no julgamento ou se não se verifica o condicionalismo do nº 1, al. a), do artº 357º CPP, sob pena de se deixar entrar pela janela o que se quis evitar que entrasse pela porta.

Por outro lado já “ são de considerar os depoimentos de agentes policiais baseados em diligências que fizeram para apurar a autoria do crime” ( Ac STJ 00.11.15, CJSTJ 3/00, 216 ).

É questão que igualmente não oferece dúvida que os elementos das autoridades policiais não estão impedidos de depor sobre factos de que possuam conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo (cfr. AcSTJ92.05.13,CJ 3/92, 19; AcSTJ 93.02.24, CJSTJ 1/93, 202; AcSTJ; AcSTJ 04.04.22, CJSTJ, 2/04, pág. 165).

Acontece porém que os órgãos de polícia criminal, para além dos conhecimentos que adquirem directamente por meios diferentes das declarações do arguido, por vezes adquirem outros, muitas vezes no próprio local da infracção e antes de ser constituído arguido, através das chamadas conversas informais com o arguido.

Ora se são conversas informais é evidente que se tratam de conversas que não foram reduzidas a auto.

E se não foram reduzidas a auto é evidente que são, segundo o nosso ponto de vista, inexistentes - quod non est in actis non est in mundo.

Reconhecemos porém que a posição que os tribunais superiores têm adoptado perante esta situação não tem sido pacífica.

Assim numa fase inicial a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça começou por rejeitar a admissibilidade de tal tipo de testemunho ( Cfr. entre muitos outros o Ac STJ 92.01.29, CJ 1/92, 20), e também por admitir tal meio de prova ( Cfr. entre outros, o Ac STJ 96.10.30, BMJ 460, 425).
Posteriormente, a jurisprudência passou a orientar-se no sentido de considerar inadmissíveis os depoimentos dos órgãos de polícia criminal que tivessem na sua base conversas informais ( Cfr. entre muitos outros o Ac STJ 01.07.11, CJSTJ 3/01, 166).

Com efeito como escreveu José Damião da Cunha [1] “ Em primeiro lugar, não parece ser possível conceber a existência processual de «conversas informais» entre o arguido e qualquer entidade processual.... a função dos órgãos de polícia criminal é o de carrear para o processo todos os elementos que lhes advenham de declarações do arguido - além de que vale aqui o princípio quod non est in auto, non est in mundo; pela espe­cial posição processual do arguido não pode, no que toca às suas decla­rações, subsistir qualquer diferenciação de importância e, por isso, as «conversas» serão sempre formais.

O que deve, naturalmente, é realçar-se que não é possível, à luz do processo penal português (de qualquer processo penal, de resto), criar-se uma nova categoria processual de «conversas» ou de actos «informais» (inexistente numa teoria dos actos processuais-penais); sendo que tais categorias seriam, de todo, incongruentes com o estatuto processual con­ferido ao arguido. De facto, o arguido dispõe de um direito a tomar posição, em qualquer altura do processo, sobre os factos que lhe são imputados, pelo que qualquer «declaração» corresponde à prática de um acto processual (isto é, um acto que logra, necessariamente, uma valoração processual): nos cânones de uma teoria dos actos processuais, as declarações do arguido são sempre «actos determinantes» e, por isso, sujeitos a uma particular valoração processual. ....o CPP estabelece mecanismos tais de garantia do esclarecimento e da liberdade de declaração do arguido, que nunca tais declarações se poderiam valorar como de informais.

.../....
Em segundo lugar, a especial posição dos órgãos de polícia criminal - nomeadamente o facto de actuarem na dependência funcional e sob directa direcção do Ministério Público - implica uma impossibilidade conatural de se aceitarem conversas informais (e, para mais, um poder de definição quanto à (in)formalidade de tais «conversas). De facto, se, como legalmente é admitido, ou até mesmo imposto, fosse o Ministé­rio Público a recolher, na fase de inquérito, as declarações do arguido, parece óbvio que, nesta hipótese, não subsistiriam dúvidas quanto ao carácter formal das declarações (de resto, mesmo que por hipótese académica existissem conversas informais com o Ministério Público, nunca este iria prestar testemunho sobre o conteúdo daquelas). Ora, devendo os órgãos de polícia criminal pautar-se, na sua actuação, tanto quanto possível pelos mesmos critérios por que se pauta o Ministério Público, parece claro que não podem aqueles deter poderes que a este (como de resto ao Juiz de instrução, na fase de instrução) não cabem.”.

Como se refere no Ac STJ 01.07.11, já anteriormente citado, “ Não há conversas informais com validade probatória, à margem do processo, desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados ( as diligências são reduzidas a autos - artº 275º nº 1 CPP).... Haveria fraude à lei se se permitisse o uso de conversas informais não documentadas e fora de qualquer controlo”.

E isto porque o arguido tem o direito ao silêncio consagrado quer no artº 61º nº 1 c) CPP, quer concretamente em audiência de julgamento no artº 343º nº 1 CPP, “ sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo”.
Ora a admissão das conversas informais levaria à violação deste estatuto do arguido.

Nas conversas informais onde estão as garantias específicas daquele estatuto?

Se a conversa do requerido, com os órgãos de polícia criminal, ocorre antes de ter sido constituído arguido por maioria de razão não poderão tais conversas ser usadas como meio de prova.

Usá-las com tal fim violaria, flagrantemente, tal estatuto.

Admitir as conversas informais seria (ainda que provenientes de uma fase em que não tivesse sido constituído arguido) o mesmo que estar a obrigar o arguido a falar contra a sua própria vontade.

É que o conteúdo essencial do direito de defesa, no qual se inclui o direito de ser ouvido, assenta em que o arguido deve ser considerado como "sujeito" do processo e não como objecto, do que resulta o direito ao silêncio que lhe assiste, directamente relacionado com o princípio da presunção de inocência, sendo que só as afirmações por ele produzidas no integral respeito de decisões de sua vontade podem ser utilizadas como meio de prova.

Para além disso o contraditório só pode ser realizado sobre prova legalmente admissível.

Dito isto concluímos que bem andou o Mmº juiz ao não ter valorado a factualidade relatada pelo Sr. agente da autoridade, no segmento em que o arguido lhe confessou ser ele o condutor do veículo.

É certo que não deixamos de reconhecer que uma tal norma concede uma excessiva protecção e garantia do arguido em matéria de defesa, mas isso é tarefa que não nos cabe avaliar, por estar no âmbito da política criminal definida por outros órgãos constitucionais.

Aos tribunais compete apenas a interpretação e aplicação da lei.

Ora como não existe qualquer outra prova de que era o arguido que conduzia a viatura nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, outra alternativa não restaria que não fosse, a nosso ver e sempre com o devido respeito pela tese que fez vencimento, a de julgar improcedente o recurso e por isso confirmaria integralmente a decisão recorrida.”

No mesmo sentido, o STJ, 11-7-2001, CSTJ, III, 165, afirmando a sujeição ao princípio da legalidade das conversas informais a propósito de factos em averiguação. Neste sentido “o processo organizado na dependência do Ministério Público tem de obedecer aos ditames dos artigos 262.º a 267.º. Por isso, as ditas “conversas informais” só podem ter valor probatório se transpostas para o processo em forma de auto e com respeito pelas regras legais de recolha de prova (…) Não há conversas informais, com validade probatória, à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam, desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados”. No sentido desta corrente jurisprudencial se inserem os acórdãos da RC, 18-2-2004, relator Barreto do Carmo; RP, 7-3-2007, relator Isabel Pais Martins: “as chamadas conversas informais dos arguidos com os agentes policiais, antes de serem constituídos arguidos não podem ser valorizadas em sede probatória”; RP, 7-3-2007, Isabel Pais Martins: “o depoimento de agente policial que nada presenciou e apenas ouviu da boca do arguido, antes de ser constituído arguido, a “confissão” do facto não constitui meio de prova atendível; RE, 2-12-2003, relator Ribeiro Cardoso; RE, 13-1-2004, relator Manuel Nabais; RE, 2-3-2004, relator Sénio Alves; RG, 4-6-2007, relator Fernando Monterroso, todos em www.dgsi.pt).

A que acresce o facto de que a “confissão” do arguido nunca poderia ser utilizada como meio de prova, por força do disposto no art.º 58.º, n.º 5 do CPP.

Reportando-nos aos autos, e como acima se assinalou, o elemento da GNR, no cumprimento das suas obrigações procedeu a diligências de investigação, e verteu-as no auto de participação do acidente, sendo que as informações obtidas junto de pessoas residentes no local do acidente, exorbitam a tese do voto de vencido, que aliás as prevê como meio de prova válido.

Assim tendo o agente merecido credibilidade, que pela audição do seu depoimento se confirma, nenhuma censura merece o tribunal recorrido na valoração do depoimento do agente da GNR.

Quanto aos factos não provados bem andou o tribunal considerando a prova produzida, incluindo a informação do serviço de Toxicologia Forense - a fls 103 - onde se afirma peremptoriamente que os medicamentos invocados pelo arguido “não alteram a taxa de álcool.”

No que respeita à prova de colheita de sangue realizada nos termos e sob a alçada da lei estradal, ainda que sem consentimento do arguido, não viola nenhum preceito constitucional - cfrAc Rel Coimbra 21-11-2007 - relator des Gabriel Catarino, cfr Ac Rel. Coimbra,  de 23-05-2012, Relator Des. Brizida Martins 23-05-2012 e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 319/95, de 20.7.1995, disponível em www.tribunalconstitucional.pt

 Improcede neste segmento o recurso do arguido, pelo que se mantém a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo.

*

2ª questão - Nulidade por falta de fundamentação da sentença.

De acordo com o artº 97º nº 4 do C.P.P., os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

O artº 374º nº 2, do mesmo diploma legal, pronuncia-se sobre a fundamentação que deve constar da sentença, exigindo, sob pena de nulidade (artº 379º nº 1 al. a) do C.P.P.), a enumeração de factos provados e não provados, a exposição o mais completa possível, se bem que concisa, dos motivos de facto e de direito que levaram à decisão, com indicação e exame crítico das provas que estiveram por detrás da convicção do tribunal.

O arguido começou por invocar a nulidade em apreço, queixando-se de falta de fundamentação e, nomeadamente, da falta de exame crítico das provas.

Sem razão porém, pois a sentença analisou criticamente a prova produzida e explicou de forma clara e suficiente, a conclusão a que chegou em sede de valoração da prova.

O recorrente pode não concordar com a convicção que o tribunal formou, mas não pode é alegar que ficou por revelar o percurso lógico percorrido que levou a tal convicção. O desagrado do recorrente quanto ao resultado da avaliação que se fez da prova, não se confunde com a detecção de erros claros de julgamento no processo de formação da convicção do julgador, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.

Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artº 127º do C.P.P., ou seja, fora das excepções relativas a prova legal, com valor vinculativo, a apreciação da prova assenta numa convicção que se pretendeu livre, bem como nas regras da experiência.

Concluindo, a simples leitura atenta da sentença permite perceber que foi realizado um rigoroso trabalho, sem qualquer vício que a fulmine de nulidade.

Improcede também neste segmento o recurso interposto pelo arguido.

*

3ª questão - Aplicação de duas penas ao arguido pelo mesmo facto

Existe um aparente equívoco na colocação desta questão pelo recorrente atenta a diferente natureza das penas na pena compósita mista e a dimensão do princípio non bis in idem, segundo o qual ninguém pode responder pela segunda vez pelo mesmo facto já julgado ou ser duplamente punido pelo mesmo crime.

As penas acessórias, apesar de terem de ser aplicadas cumulativamente com uma pena principal, são autónomas relativamente a esta, pois a sua aplicação depende do preenchimento de pressupostos diferentes relacionados com o cometimento do ilícito, está subordinada à consideração dos critérios gerais de determinação das penas, nos quais se incluiu a culpa, e são graduadas dentro de uma moldura própria fixada na lei. Assim, as penas acessórias distinguem-se dos efeitos das penas, que são consequências, necessárias ou dependentes de valoração judicial, determinadas pela aplicação de uma pena, mas que não são verdadeiras penas, pois falta-lhes «o sentido, a justificação, as finalidades e os limites próprios daquelas.» - in “A violência doméstica e as penas acessórias, de Cristina Teixeira Cardoso, dissertação, UC Pólo do Porto”

Conforme Ac Rel Coimbra 27-04-2011, relator Orlando Gonçalves, o Código Penal de 1982, na sua redacção original, não previa a pena de proibição de conduzir veículos motorizados, pois essa matéria era apenas prevista no Código da Estrada.

No plano de lege ferenda, o Prof. Figueiredo Dias, veio sustentar a necessidade e urgência político-criminal de consagração, em termos de direito penal geral, de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir, que deveria ter por pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante e, por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.”. (...) Perante esta especial censurabilidade no exercício da condução, “… à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.” - “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial , § 205. Com a criação de uma Comissão de Revisão do Código Penal de 1982, foi apresentado por esta Comissão, presidida pelo Prof. Figueiredo Dias, um Projecto de Revisão do Código Penal, que incluiu um preceito relativo à proibição de conduzir veículos motorizados - art.68-A, que mais tarde passou a art.69.º.

A proibição de conduzir veículos motorizados foi caracterizada, pela Comissão, como pena acessória, ou seja, como censura adicional, pelo crime cometido no exercício da condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário, ou com utilização de veículo cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante. - in “Código Penal - Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, edição do Ministério da Justiça, 1993, actas n.ºs 5, 8, 10 e 41.

O n.º2, desse Projecto, tinha a seguinte redacção:

« A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada.».

Na sequência dos trabalhos daquela Comissão de Revisão, veio a ser aprovado o DL n.º 48/95, de 15 de Março, que reproduziu, no art. 69.º do Código Penal revisto, designadamente, o n.º2, que constava do Projecto da Comissão de Revisão. Perante o art.69.º, n.º2 do Código Penal, era indiscutível que o Tribunal, ao decretar a proibição de conduzir veículos motorizados, podia abranger todos os veículos motorizados ou apenas“de uma categoria determinada”.

O termo “pode abranger” surge inserido na alternativa, concedida ao tribunal, de poder optar entre uma ou outra das possibilidades ali permitidas.

Entretanto, o DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, ao proceder a alterações no Código da Estrada, tomou uma posição mais restritiva do que estabelecida no Código Penal revisto de 1995, a nível de inibição de conduzir, estabelecendo no art.139.º, n.º 3, que nas contra-ordenações rodoviárias « A sanção de inibição de conduzir é cumprida em dias seguidos e refere-se a todos os veículos como motor.» - situação que se manteve nas subsequentes alterações do Código da Estrada ( art. 139.º, n.º3, do Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, e art.147.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro).

O princípio constitucional de que "nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos" (nº 4 do artigo 30º da Constituição), apenas proíbe que o legislador ordinário ligue automaticamente a perda desses direitos a condenação em pena de certa natureza ou gravidade, mas já não a condenação por certos crimes enunciados nominalmente ou através de um critério geral.

“… o Acórdão n.º 53/97 (in ATC, 36.º vol., pág. 227) julgou não inconstitucional a norma do artigo 12.º, n.º 2, do mesmo Decreto-Lei n.º 124/90, igualmente relativa à inibição de faculdade de conduzir, com os seguintes fundamentos:

“Admitindo que a faculdade de conduzir veículos automóveis é um direito civil, é certo que a perda desse direito é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do artigo 71º do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da aplicação da pena, com mero fundamento na lei (...).

A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa medida, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este tipo de ilícitos revela que a medida de inibi­ção de conduzir se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mes­mos critérios de graduação previstos para esta última.

Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais.

Atenta a natureza da infracção, com a inerente perigosidade decorrente dessa conduta, surge como adequada e proporcional a sanção de inibição de conduzir.”

Mais recentemente, os Acórdãos nºs 149/01, 586/04 e 79/09 (todos acessíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt), vieram julgar não inconstitucional a própria norma do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CP, reme­tendo para a fundamentação do citado Acórdão n.º 53/97.

A argumentação expendida nos arestos citados, com a qual concordamos, é aplicável mutatis mutandis ao caso em apreço, em que se interpretou o disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CP, no sentido segundo o qual, com a condenação pela prática do crime previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea a), do CP, tem lugar, sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito, a aplicação da sanção acessória consistente na inibição de conduzir. - Ac Rel Guimarães de 1-01-2013, relator Des António Condesso.

A este propósito, diremos que quer a pena principal, quer a acessória ( são penas acessórias, no que se refere às pessoas singulares, as previstas nos arts. 66º, 67º, 69º, 152º, nºs 4 e 6, 179º, 246º e 346º do CP), assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que, para a determinação da medida concreta de uma e outra, se impõe o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.

Assim, não é inconstitucional a norma do art 69º do CP ( cfr Ac TC 667/94, ac TC 202/00 e Proc. nº 197/94 -1ª Secção Rel. Cons. Ribeiro Mendes - Tribunal Constitucional)

Improcede, por conseguinte, este segmento do recurso.

4ª Questão - Penas excessivas.

A propósito da escolha e medida da pena, consta da sentença recorrida o seguinte ( transcrição):

“(…)

4.2.1- Da pena principal

Tendo em conta que o tipo legal é sancionado, em alternativa, com duas espécies de penas (a de prisão ou a de multa), há, que escolher qual das duas se revela adequada e suficiente, no caso sub judice, às finalidades da punição, não esquecendo que a lei manifesta uma expressa preferência pela pena de multa (cf. artigo 70º, do Código Penal), e que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cf. Art. 40.2 do Código Penal).

Conforme ensina o Sr. Conselheiro Robalo Cordeiro,- in Jornadas de Direito Criminal, "escolha e medida da pena", CEJ, - determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e prevenção do crime não é operação abstracta ou puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta.

Considerando o exposto, há que aferir se as finalidades de punição do arguido pela conduta ora em apreciação se bastam com a aplicação de uma pena de multa ou se demandam a aplicação de uma pena de prisão.

Face à situação pessoal do arguido, e não obstante o mesmo ter já antecedentes criminais por crime similar, entende este Tribunal que, as finalidades de prevenção, quer geral, quer especial, constantes no artigo 40º do Código Penal ainda serão alcançadas mediante a aplicação àquele de uma pena de multa.

Escolhida a espécie da pena a aplicar ao arguido, importa determinar a sua medida. Para esta determinação, há que atender ao preceituado no art.º 71.3/1 do Código Penal, que refere que a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, bem como ao preceituado no n.º2 da citada disposição que estipula que, o tribunal atende a todas as circunstâncias que deponham a favor do agente ou contra ele.

Por outro lado, há que considerar que a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa (artigo 40º, cit., nº 2), ou seja, não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.

O nosso Supremo Tribunal resume assim a sua interpretação dos fins das penas (cf. o acórdão do STJ de 12 de Março de 1997, no processo nº 1057/96 com o sumário disponível in www.dgsi.pt;cf. ainda Figueiredo Dias, Os novos rumos da política criminal, separata da Revista da Ordem dos Advogados, 1983, p. 27):

a) A prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primordial a prosseguir.

b) Deste modo, a prevenção especial positiva nunca pode pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

c) Por sua vez, porém, a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, também nunca pode pôr em causa a própria dignidade humana do agente, que o princípio da culpa justamente salvaguarda.

d) Por isso, a pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa ou o máximo que a culpa do agente consente, independentemente de, assim, se conseguir ou não atingir o grau óptimo da protecção dos bens jurídicos.

e) Desta forma, o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente é o que se define entre aquele mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e o máximo consentido pela sua culpa.

Ora, contra o arguido depõe o facto de ter já antecedentes criminais por crime similar, o desvalor da conduta, o dolo com que o ilícito foi praticado, porque directo, a taxa de álcool no sangue apresentada.

A seu favor depõe o facto de a sua actuação apenas ter tido consequências para si próprio.

Por fim, há que ter em conta as intensas razões de prevenção geral que rodeiam o ilícito perpetrado pelo arguido, dada a altíssima taxa de sinistralidade automóvel associada à ingestão de bebidas alcoólicas.

Tais factores determinam que à situação do arguido seja adequada e proporcional uma pena concreta de 115 dias de multa.

No que se refere ao quantitativo diário, devemos atentar aos critérios estabelecidos no artigo 47º, n.º 2 do Código Penal, e onde se refere que a cada dia de multa corresponde uma quantia entre 5,00€ e 500,00€.

Considerando a situação pessoal do arguido temos por justo e adequado a taxa diária de 6,00.

4.2.2- da pena acessória de proibição de conduzir

O tipo de crime de que o arguido vem acusado é punido nos termos do artigo 69.º, n.s 1, al. a) do Código Penal, com a sanção acessória de proibição de conduzir por um período de três meses a três anos.

É jurisprudência fixada através do Acórdão do STJ n.º 5/99, processo 1420/99 (in DR I série -A, de 20/07/ 1999) que, o agente do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal, deve ser sancionado a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69.º do Código Penal.

Ainda no sentido firmado, temos por exemplo o Acórdão da Relação do Porto de 4 de Maio de 2005, processo 0511325, disponível in www.dgsi.pt, e o Acórdão do STJ de 17 de Junho de 1999, processo 98P1420, disponível in www.dgsi.pt.

De facto, a obrigatoriedade da aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir existe desde a revisão do Código Penal operada pelo DL 48/95 de 15 de Março, e a mesma reflecte os ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias, que in "As consequências jurídicas do crime", 1993, págs. 164 e 165, escreve "...deve, no plano de lege ferenda, enfatizar-se a necessidade e a urgência politico-criminais de que o sistema sancionatório português passe a dispor em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária, de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados. Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante...uma tal pena - possuidora de uma moldura penal específica - só não teria lugar quando o agente devesse sofrer, pelo mesmo facto, uma medida de segurança de interdição da faculdade de conduzir sob a forma da cassação da licença de condução ou de interdição da sua concessão (sublinhado nosso).

As razões criminais que justificam a aludida necessidade e urgência de uma regulamentação são (infelizmente) por demais óbvias entre nós para que precisem de ser especialmente esclarecidas".

Por fim, e a propósito da constitucionalidade desta sanção acessória pronunciou-se já o Tribunal Constitucional em 20 de Junho de 1995, no processo 93-813, disponível in www.dgsi.pt, decidindo não julgar inconstitucional.

Há assim necessariamente que ser aplicada esta sanção acessória.

Aqui chegados importa apurar qual o período de inibição a decretar.

Ora, como se dispõe no Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Novembro de 1996, in BMJ, 461, 538, "Sendo uma pena acessória, a proibição de conduzir veículos motorizados tem o seu destino ligado ao da pena principal", tal significa que, para o apuramento do período de inibição há que recorrer também aos critérios utilizados para a determinação da pena principal.

Por outro lado, as circunstâncias concretas em que ocorreu a infracção, e especialmente considerando o facto de o arguido ter antecedentes criminais por crime similar, parece-nos que o exercício da condução se revela muito censurável.

No que se refere ao quantum da mesma, é pacífico aferir-se por via dos critérios previstos no artigo 71º do Cód. Penal.

Assim, por uma questão de economia processual, remete-se para o que exposto ficou quanto à determinação da medida da pena principal, dado que são essas as razões que impõem, sem qualquer margem para dúvidas, a aplicação ao arguido da sanção penal acessória em apreço.

Pelo exposto, afigura-se a este Tribunal ajustado às razões de prevenção, quer geral, quer especial, um período de proibição de condução de veículos com motor que se fixa em 5 meses, medida que não ultrapassa a medida da culpa (juízo de censurabilidade) do arguido.”

É manifesto que a sentença recorrida observou os critérios legais da escolha e da medida das penas, principal e acessória, pelo que não merece censura.

No que respeita à pena acessória de inibição de conduzir, como ensina o Prof Figueiredo Dias, procura-se atingir função adjuvante da pena principal, capaz de reforçar e diversificar o conteúdo penal sancionatório da condenação[1], sem esquecer o respeito pelo princípio acessorium principal e sequitur[2].

De acordo com o Prof. Figueiredo Dias, o facto de a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados ter como pressuposto material que o exercício da condução se tenha relevado especialmente censurável, essa circunstância eleva o limite da culpa do (ou pelo) facto.

Segundo o referido Professor, à proibição de conduzir deve também pedir-se ou assinalar-se um efeito de prevenção geral de intimidação. Além disso, deve esperar-se desta pena acessória, que contribua em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano (pág 165). O facto de o arguido conduzir com uma taxa de alcoolemia de 1,76 g/l., traduz-se numa condução temerária, geradora de um risco potencial iminente não só para o próprio - que se concretizou - , como para todos os demais utentes da via pública e bens de terceiros. Para que a pena acessória deva cumprir a finalidade que o ordenamento lhe confere e que temos por adequado a sua medida deverá situar-se num plano que procure interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior do arguido à vigência da norma e servirá, certamente, como efeito redentor da conduta assumida, capacitando o arguido da necessidade de refrear qualquer impulso de ingestão de bebidas alcoólicas sempre que tenha que conduzir.

Na verdade, são elevadas as exigências de prevenção, quer especial quer, sobretudo geral, atenta a frequência com que as infracções relativas à condução sob o efeito do álcool vêm sendo cometidas e a sua directa influência na elevada taxa de sinistralidade rodoviária, que constitui um verdadeiro flagelo nacional, causando anualmente um número elevado de vítimas na estrada, a exigir e justificar que se punam adequadamente os seus autores.

A moldura abstracta encontra como mínimo três meses mas pode ir até três anos, em consonância com o grau de compromisso alcoolémico e de risco para si e para terceiros verificado na conduta.

A ampla margem de discricionaridade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição da faculdade de conduzir permite-lhe fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham de ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais ( Ac TC nº 667/94 de 4/12; BMJ, suplemento ao nº 446/102).

Sendo certo que o arguido omitiu reflexão crítica sobre a anterior advertência ( facto provado g)), entende este Tribunal que a pena acessória aplicada pelo tribunal recorrido apenas peca por alguma benevolência.

III. DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, que se fixam em 4 Ucs.

Notifique.


Isabel Valongo (Relatora)

Joaquim Correia Pinto



[1] Direito Penal Português, Parte Geral, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pág. 181.
[2]Cfr. Ac. da Relação de Évora de 20/09/2005, Pº280/05, www.dgsi.pt.