Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
191/07.0TAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: PROVA
PERÍCIA
CONSELHO-MÉDICO LEGAL
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º, 4º, 6º Nº 1, 2 A) E 3 DO D.L. Nº 131/2007, DE 27/4, 151º, 152º Nº 1, 159º, 163º E 410º Nº 2 C) CPP
Sumário: 1.- Numa hierarquia de valoração da prova pericial, os pareceres técnico-científicos emitidos pelo Conselho Médico-Legal, superam o valor do parecer pericial já que aqueles constituem o entendimento definitivo do conselho sobre a questão concretamente colocada, . a apresentação de novos elementos que fundamentem a sua alteração;
2.- Ao considerar que o parecer daquele Conselho Médico-Legal não era prova pericial, ao considerar que o relator do parecer não era perito, postergando-o, incorreu a sentença no vício do erro notório na apreciação da prova.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

1.
Nos presentes autos foi a arguida A... . condenada na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 20,00 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, do art. 148º n 1 do Código Penal.
A arguida B..., igualmente acusada pela prática do mesmo crime, veio a ser absolvida.

2.
Inconformados, o Ministério Público e a arguida A... recorreram, retirando da motivação as seguintes conclusões:

Ministério Público
«1ª - Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público da douta Sentença de fls. 1446 a 1494, em que condenou a arguida A... . pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de 20,00 € (vinte euros), o que perfez a multa de 800,00 € (oitocentos euros).
2ª - Foram incorrectamente julgados como provados:
2.1.34 - Apenas e tão-só o segmento do facto: -- A imobilização de uma fractura do rádio realizada como descrito em 2.1.33. é, em abstracto susceptível de uma maior garantia na imobilização da fractura e solidez na consolidação da fractura e que podia, ou não, no caso dos autos, melhorar a consolidação da fractura e diminuir o grau de imobilização resultante de tal consolidação.
2.1.41. - Apenas e tão-só o segmento do facto: -- As dores e sofrimento ....
3ª - Foram incorrectamente julgados como não provados:
2.2.2 - As sequelas observadas no punho direito de D..., nomeadamente as descritas em 2.1.25, ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... . a qual prestou a D... uma assistência médica e um diagnóstico deficientes, ao omitir a imobilização mecânica do punho do utente com aparelho gessado ou seu substituto e o envio do mesmo à urgência ortopédica.
2.2.3 - Com excepção das dores e sofrimento, no período temporal compreendido entre 7 e 14 de Outubro de 2006, as sequelas observadas no punho direito do D…, nomeadamente as descritas em 2.1.25, ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... ..
2.2.5 - Que o comportamento omissivo dos deveres funcionais por parta da arguida A... . foi causa adequada a ter-se verificado a consolidação viciosa da fractura da metáfise distal do rádio direito, com encurtamento do rádio, com limitação da mobilidade do punho, quer na flexão/extensão, quer na prosupinação (dorsiflexão a 60 graus e flexão palmar a 60 graus).
4ª - Nos termos do artigo 151º do Código de Processo Penal, "a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos".
5ª - O artigo 163º, nº 1, do Código Processo Penal consagra uma restrição ao princípio da livre convicção probatória, consagrado no artigo 127º, do mesmo Código, na medida em que “o juízo técnico e científico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador."
6ª - O julgador está "amarrado" ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação, face ao estatuído no nº 2, do artigo 163º nº 2, do Código de Processo Penal.
7ª - O I.N.M.L. - Instituto Nacional de Medicina Legal é um instituto público, dotado de autonomia administrativa e financeira, que prossegue atribuições do Ministério da Justiça, tem a natureza de laboratório do Estado, sendo suas atribuições, entre outras, cooperar com os tribunais e demais serviços e entidades que intervêm na administração da justiça, realizando os exames e perícias de medicina legal e forenses que lhe forem solicitados e prestando-lhes apoio técnico e laboratorial especializado, sendo considerado instituição nacional de referência.
8ª - A Lei concebeu o I.N.M.L. como uma instituição de natureza judiciária a quem atribuiu uma posição de nível superior ao de todas as outras instituições e entidades, públicas ou privadas, a quem possa ser solicitada a realização de perícias médico-legais e forenses, ciente de que a sua alta especialização permite alcançar um muito maior rigor científico nas perícias e exames a realizar.
9ª - Os peritos do I.N.M.L. gozam de autonomia técnico-científica, de isenção e imparcialidade designadamente, no que respeita à sua designação.
10ª - Compete ao Conselho Médico-Legal, entre outros, "emitir pareceres sobre questões técnicas e científicas de natureza pericial" e, bem assim, "pronunciar-se sobre questões de índole ética no âmbito da actividade pericial nacional e da actividade de investigação desenvolvida pelos serviços médico-legais."
11ª - “Os pareceres técnico-científicos emitidos pelo conselho médico-legal são insusceptíveis de revisão e constituem entendimento definitivo do conselho sobre a questão concretamente colocada, . a apresentação de novos elementos que fundamentem a sua alteração."
12ª - O relator da consulta Técnico-Científica do Conselho Médico-Legal do I.N.M.L. não é um consultor técnico e a Consulta Técnico-Científica pelo mesmo relatada não constitui prova documental, como erradamente os qualificou a douta sentença a quo.
13ª - Nos termos do disposto na alínea c), do nº 3, do artigo 412º e do nº 4, do Código de Processo Penal:
a) Deve ser renovada a prova constante da Consulta Técnico Científica de fls. 234 e 235, elaborada pelo Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, devendo tal meio de prova ser qualificado, juridicamente, como prova pericial;
b) Devem ser renovados os esclarecimentos do Exmº. Sr. Prof. Doutor C..., Perito do Conselho Médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, a serem qualificados juridicamente como esclarecimentos efectuados por perito e não como "mera" prova testemunhal.
14ª - Pelo que se impõe e requer, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, als. a), b) e c) e 4, do Código de Processo Penal a renovação de tais meio de prova, nos termos acima transcritos.
15ª - A douta sentença a quo valorou prova pericial em detrimento de outra prova, também de natureza pericial, tendo errado ao qualificar esta segunda de provas documental e testemunhal e, por via do confronto dessas duas provas periciais, não fundamentou, de forma acrescida e especial, a opção por uma em detrimento da outra.
16ª - Os meios de provas referidos em 138 e 148 - periciais - devem ser tidos em conta e devem sobrepor-se aos esclarecimentos prestados pelo dr. E..., também Perito do Gabinete Médico-Legal de Leiria, em virtude de a Consulta Técnico Científica e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Prof. Doutor C..., Perito do Conselho Médico-Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal, assumirem a qualidade de "perito dos peritos”.
17ª - Da renovação dos meios de prova acima mencionados impunha que na douta sentença a quo:
a) Se tivesse dado como provado que:
2.1.34 - A imobilização de uma fractura do rádio realizada como descrito em 2.1.33. é susceptível de uma maior garantia na imobilização da fractura e solidez na consolidação da fractura e que podia, no caso dos autos, melhorar a consolidação da fractura e diminuir o grau de imobilização resultante de tal consolidação.
2.1.41. - As dores e sofrimento suportados pelo ofendido no período temporal compreendido entre 7 de Outubro de 2006 e 14 de Outubro de 2006 ocorreram por inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... . a qual prestou a D... uma assistência médica e um diagnóstico deficientes, ao omitir a imobilização mecânica do punho do utente com aparelho gessado ou seu substituto e o envio do mesmo à urgência ortopédica.
2.1.41.1 - As sequelas observadas no punho direito de D..., nomeadamente as descritas em 2.1.25, ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... . a qual prestou a D... uma assistência médica e um diagnóstico deficientes, ao omitir a imobilização mecânica do punho do utente com aparelho gessado ou seu substituto e o envio do mesmo à urgência ortopédica.
2.1.41.2 - Para além das dores e sofrimento, no período temporal compreendido entre 7 e 14 de Outubro de 2006, as sequelas observadas no punho direito do D..., nomeadamente as descritas em 2.1.25, ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... ..
2.2.41.3 - O comportamento omissivo dos deveres funcionais por parta da arguida A... . foi causa adequada a ter-se verificado a consolidação viciosa da fractura da metáfise distal do rádio direito, com encurtamento do rádio, com limitação da mobilidade do punho, quer na flexão/extensão, quer na prosupinação (dorsiflexão a 60 graus e flexão palmar a 60 graus).
b) Não podiam ter-se dado como não provados os factos enunciados na douta Sentença sob os números 2.2.2, 2.2.3 e 2.25, quais sejam os de excluir da responsabilidade da arguida A... . as sequelas que advieram para o ofendido e o correspondente nexo causal.
18ª - Por tais factos, com os fundamentos de direito supra aduzidos, se entende que a douta sentença a quo deverá ser substituída por outra que condene a arguida A... . pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, tendo em conta a gravidade dos factos, as suas consequências, as exigências cautelares de prevenção geral e especial que no caso se impõem.
19ª - Ao ter decidido de forma diversa, resulta da douta sentença a existência dos assinalados erros de apreciação da prova, notórios e perceptíveis a um cidadão de média formação, nela se tendo violado o disposto nos artigos 127º, 151º, 152º, 159º, 163º, nº 1 e 2 e 410, nº 2, al. c), todos do Código de Processo Penal, o disposto nos artigos 2º, nº 1 e 5°, nº 1, ambos da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto e constante dos artigos 1º, nº 1, 2 e 3, 3º, nº 1, al. b) e 3, 4º, al. b) e 6º, nº 1, als. a) a e), 2, als. a) e b) e 4, todos do D.L. nº 131/2007, de 27 de Abril e, por via deles, por deficiente apreciação da gravidade e consequências dos factos, o disposto nos artigos 40º, nº 1, 70º e 71º, todos do Código Penal.
20ª - O vício da insuficiência da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito:
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto para a decisão. Se há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento.
21ª - A douta sentença a quo fixou, para cada um dos dias de multa na qual a arguida foi condenada, o quantitativo, diário, de 20.00 € (vinte Euros), sem que nela se tivesse apurado (nem, sequer tentado) a situação económica daquela e seus encargos pessoais.
22ª - O não apuramento dessa factualidade, assim como a omissão de diligências para esse apuramento, constituem o vício da insuficiência da matéria de facto provada.
23ª - Pelo que haverá que averiguar, ou tentar averiguar elementos de facto com vista à determinação do quantitativo diário da pena de multa, nomeadamente a situação económica e financeira da arguida e seus encargos pessoais e, após essa averiguação, decidir em conformidade face ao que vier a ser apurado.
24ª - Ao ter decidido como decidiu, violou a douta sentença a quo o disposto no artigo 47º, nº 2, do Código Penal e o disposto no artigo 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal e, em consequência, deverá anular-se, apenas nesta parte, o julgamento, ordenando-se o reenvio dos autos para, em novo julgamento, apenas este vício ser suprido, em face do disposto no artigo 426º, nº 1 "in fine", do Código de Processo Penal».

Arguida
«1ª - Ao dar como provado o segmento factual constante do ponto 2.1.19 do factos provados, na parte em que se refere "... face ao agravamento das dores no pulso direito ..."; e ao dar como provados os factos constantes dos pontos 2.1.41 a 2.1.43, integralmente considerados, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, na apreciação conjugada das provas documental, pericial e pessoal (produzida em audiência de julgamento, quer na vertente testemunhal, quer na vertente dos esclarecimentos prestados pelos senhores perito e consultor técnico).
2ª - Tais factos devem, nesta sede de recurso, convolar-se para não provados, por força da correcta utilização das regras de valoração das provas, impostas pelo artigo 127º do CPP, e em obediência ao princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32º, nº 2 da CRP, devidamente integrados na problemática jurídico-dogmática que envolve o crime de ofensa à integridade física por negligência praticado no exercício da medicina.
3ª - Concomitantemente, a coberto dos mesmos normativos, o tribunal a quo deveria ter dado como provados, o seguintes factos, relevantes para a boa decisão causa, especialmente para efeitos de descaracterização dos factos referenciados na anterior conclusão 1ª, e inerente sedimentação de um juízo de implausibilidade de demonstração desses mesmos factos:
A) - No acesso do ofendido ao hospital de ..., em 16-10-2006, não foi registada qualquer sintomatologia dolorosa;
B) - No âmbito da assistência prestada ao ofendido, em 16-10-2006, no Hospital de Santo André - Leiria, pelo médico ortopedista, Dr. ..., foi diagnosticada fractura do rádio, configurada, nessa altura, com três semanas de evolução, já com calo ósseo, dores ligeiras e mobilidades mantidas;
C) - Este médico entendeu que não havia justificação para a imobilização do membro, não tendo esta sido por ele prescrita, nem qualquer tipo de medicação.
4ª - Constando do processo todos os elementos nos quais se funda, por via do presente recurso, a modificabilidade da decisão proferida sobre a matéria de facto, tendo havido documentação da prova e estando o tribunal ad quem investido de amplos poderes de cognição, de facto e de direito, reúne este tribunal todas condições para, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 428º e 431º do CPP, decidir sobre a procedência dessa preconizada modificabilidade, redefinindo a configuração dos factos provados e não provados, nos termos expostos nas conclusões precedentes.
5ª - Em virtude do erro de julgamento cometido relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, o tribunal a quo acaba por igualmente desrespeitar o disposto nos artigos 148º, nº 1, 15º e 10º, nº 1, todos do CP, na medida em, baseado na factualidade dada como provada e ignorando aquela que se entende dever considerar-se provada, interpretou-os no sentido de que:
a) A arguida não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz,
b) Essa conduta foi causal de ofensa à integridade física do ofendido.
6ª - Deveria tê-los interpretado em sentido contrário. Justamente no sentido de que, no concreto contexto em que se encontrava, e segundo as circunstâncias com que se deparou, a arguida não actuou com descuido, nem o seu comportamento foi causal de qualquer ofensa à integridade física do ofendido, tendo agido com animus curandi.
7ª - Na procedência do presente recurso, deve a sentença recorrida ser revogada e proferido acórdão absolutório.
8ª - Na hipótese do preconizado nas conclusões precedentes não obter provimento, apela-se à aplicação do instituto da dispensa da pena, previsto no artigo 148º, nº 2-a) do Cód, Penal.
9ª - Por fim, num segundo plano de subsidiariedade em relação à propugnada dispensa da pena, a arguida requer a não transcrição da sentença nos certificados a que se referem os artigos 11º e 12º da Lei nº 57/98, de 18-08, ao abrigo do disposto no seu artigo 17º, nº 1, uma vez que dos autos se conclui não se poder induzir o perigo da prática de novos crimes por parte da arguida».

3.
Os recursos foram admitidos.

4.
A arguida e o Ministério Público responderam, tendo o Ministério Público suscitado a questão da extemporaneidade do recurso da arguida.

Nesta Relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer defendendo a procedência do recurso do Ministério Público, pelas razões que nele constam. Suscita, para além disso, a ocorrência do vício do erro notório na apreciação da prova, por o julgador ter divergido de juízo pericial sem ter fundamentado, devidamente, essa sua opção, o que, a par da existência do vício da insuficiência da matéria de facto provada, derivada da falta de indagação das condições económicas da arguida, determinam o reenvio do processo ao tribunal recorrido para novo julgamento.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
*
*

FACTOS PROVADOS

6.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
«2.1.1. No dia 16 de Setembro de 2006, D… sofreu uma queda na sua casa de habitação, sita em … , ....
2.1.2. Como consequência de tal queda, o D... começou a sentir dores no seu punho direito.
2.1.3. Assim, para receber tratamento, na data referida em 2.1.1., pelas 15h30m, o ofendido D... recorreu a assistência médica no Serviço de Urgência do Hospital de ...
2.1.4. Naquele hospital, foi D... atendido pela arguida B..., a qual exercia a profissão de médica de medicina geral e familiar no mesmo hospital.
2.1.5. A arguida submeteu D... a um exame de "raio x".
2.1.6. Após a realização de tal exame, a arguida disse a D... que não havia resultado qualquer fractura da mencionada queda, ou seja, que o pulso direito daquele não tinha sido fracturado.
2.1.7. Na sequência da deslocação do ofendido ao hospital, nas circunstâncias de tempo e modo descritas, foi elaborado o episódio de urgência nº 6038697, nele tendo a arguida B... escrito, no campo destinado à " Observação Clínica e Diagnóstico":
"Queda com traumatismo da mão e punho direito.
RX do punho não é visível qualquer traço de fractura. Repouso mais anti-inflamatórios."
No campo destinado aos "meios auxiliares de diagnóstico", a arguida B... escreveu e anotou: "RX da mão e RX do punho direito."
2.1.8. Tal como fez constar do episódio de urgência descrito em 2.1.8., a arguida receitou ao ofendido um spray para ser colocado na zona dorida, uns comprimidos para tomar de 12 em 12 horas e mandou-o colocar um punho com ligadura elástica.
2.1.9. Aquando da realização do raio x ao punho do ofendido, atento o estado obsoleto do equipamento disponível para o efeito no Hospital de ..., a fractura no punho direito de D... muito dificilmente era percepcionável.
2.1.10. No dia 3 de Outubro de 2006, pelas 1h55m, o ofendido D... recorreu a assistência médica no Serviço de Urgência do Hospital de ..., na sequência da qual foi elaborado o episódio de urgência nº … , nele tendo … escrito, no campo destinado à "Observação Clínica e Diagnóstico":
"Traumatismo da mão há duas semanas.
Fez RX neste SU que foi negativo porque tem limitação à mobilização (está entrelinhado "que foi negativo").
Nimensulide/jabasulide."
2.1.11. Volvidas três semanas da primeira deslocação ao Hospital de ... e não se contendo com as dores no seu pulso direito, D... voltou ao mesmo hospital no dia 7 de Outubro de 2006, sendo ali atendido pela arguida A... ., médica de medicina geral e familiar no mesmo hospital.
2.1.12. A referida médica, após consulta do processo clínico do D... mostrou-se duvidosa quanto às queixas deste.
2.1.13. Sendo que, só após muita insistência do D..., o mandou submeter a novo exame de "raio x".
2.1.14. Após analisar o resultado do referido exame, a arguida A… ausentou-se da sala momentaneamente.
2.1.15. Volvido algum tempo, a mesma arguida dirigiu-se ao D... dizendo-lhe que tinha uma traumatismo mas que "estava tudo bem".
2.1.16. Na sequência da deslocação do ofendido referida em 2.1.11., a arguida A... elaborou o episódio de urgência nº 6041636 e escreveu, no campo destinado à "Observação Clínica e Diagnóstico":
Traumatismo por queda há três semanas do punho.
Foi ao serviço de Urgência e fez RX-N. Medicado com spray, anti-inflamatórios não esteróides e ligadura.
Mobiliza o punho, mas mantém dor pelo que aqui vem com ligeiro edema.
R. Repouso braço ao peito. Airtal creme
Algimat 8 em 8 horas Melpor 15-1/ dia Sirdalude 12/12h
Volta a 14-10-06 para reavaliar."
No campo destinado aos "Meios Auxiliares de Diagnóstico", a arguida escreveu e anotou:
"RX do punho dois planos."
2.1.17. No circunstancialismo descrito em 2.1.16. a arguida A... escreveu e entregou ao ofendido D..., em folha timbrada do Hospital de ...:
"Dra. …
Dra. B...
14 de Outubro Sábado
Reavaliar traumatismo punho dtº
Foi observado 3 semana dp por mim (7-10-06) e medicado com braço ao peito 3-4 dias.
Airtal creme
Algimat 8 em 8 horas
Melpor 15-1/dia Sirdalude 12/12h."
2.1.18. Na data indicada em 2.1.11., o pulso de D... já apresentava calo ósseo em formação e com os topos alinhados.
2.1.19. Sucede, porém, que no dia 16 de Outubro de 2006, pelas 15h34m, face ao agravamento das dores no pulso direito, D... voltou ao Hospital de ..., onde veio a ser observado pelo Dr. … , o qual aconselhou a sua transferência para o hospital de Santo André, em Leiria.
2.1.20. Na sequência da deslocação do ofendido ao Hospital, referida em 2.1.19., foi elaborado o episódio de urgência nº 6042909, nele tendo … escrito, no campo destinado à "Observação Clínica e Diagnóstico":
"Traumatismo do punho direito dia 16-9-06.
16 de Setembro e 7 de Outubro
RX fractura do Rádio com evolução de um mês sem imobilização
Enviei para o hospital de S. André RX de 16-9-2006 e 16-10-2006"
No campo destinado aos "Meios Auxiliares de Diagnóstico", escreveu e anotou:
" RX do punho."
No boletim de transferência de doentes, no campo destinado ao "Diagnóstico" escreveu e anotou:
"Fractura do rádio direito com evolução de um mês, sem imobilização.
Vai RX de 16-9-06 e 16-10-06."
2.1.21. Naquele hospital veio D... a ser submetido a nova radiografia.
2.1.22. Após, veio D... a dirigir uma reclamação ao hospital de ..., tendo o respectivo presidente do Conselho de Administração declarado por escrito que havia existido "um erro de diagnóstico na 1ª assistência".
2.1.23. Após a recepção da declaração indicada em 2.1.22., D... veio a ser submetido a várias sessões de fisioterapia, cujo custo foi suportado pelo hospital de ....
2.1.24. Em Fevereiro de 2007, D... consultou um ortopedista, o qual elaborou relatório, contendo os seguintes dizeres: "D… , 45 anos.
(...) O doente acima indicado é seguido na minha consulta por queixas álgicas no punho drtº. Apresenta como sequela do seu acidente, consolidação viciosa de fractura da extremidade distai do rádio drtº.
Tal condiciona limitação de mobilidade do punho, quer na flexão/extensão quer na prosupinação, que justificam IPP a determinar em sede própria, de acordo com o disposto na TNI para estas situações."
2.1.25. Da queda referida em 2.1.1., resultaram para D… dores, sofrimento e as lesões descritas a fls. 25, 142 a 145, 184 a 186, 234 e 235, designadamente consolidação viciosa de fractura da metáfise distal do rádio direito, com encurtamento do rádio, com limitação da mobilidade do punho, quer na flexão/extensão, quer na prosupinação (dorsiflexão a 60 graus e flexão palmar a 60 graus).
2.1.26. O Gabinete Médico Legal de Leiria atribuiu às lesões apresentadas pelo ofendido D... um coeficiente de incapacidade parcial de 2, numa escala de 1 a 3, correspondente às lesões ou doenças descritas na Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, sob o capítulo III A) Ma0223.
2.1.27. O Gabinete Médico-Legal de Leiria atribuiu às lesões apresentadas pelo ofendido D... um coeficiente de incapacidade parcial de 3, numa escala de 1 a 5, correspondente às lesões ou doenças descritas na Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, sob o Capitulo III A) Ma0224.
2.1.28. O Gabinete Médico-Legal de Leiria atribuiu à capacidade restante do ofendido D... o coeficiente de 1.
2.1.29. O Gabinete Médico-Legal de Leiria atribuiu às lesões apresentadas pelo ofendido D... um coeficiente de Incapacidade Parcial Permanente global fixável 5.
2.1.30. Na sequência da assistência médica prestada pelas arguidas a D..., a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde instaurou processo disciplinar àquelas, nos quais propôs uma punição para as arguidas.
2.1.31. Assim, na sequência de tal processo veio a I.G.A.S. a considerar que a arguida produziu um diagnóstico que não estava correcto e, em consonância, veio a prestar uma deficiente assistência ao utente.
2.1.32. Relativamente a arguida B… veio a I.G.A.S. a considerar que a mesma prestou ao utente uma assistência médica deficiente, uma vez que impunha a prudência que, para além da suspensão e ligadura, fosse imobilizado o punho e enviado o doente a urgência ortopédica.
***
Mais se provou:
2.1.33. O tempo médio de consolidação de uma fractura da metáfise distal do rádio, para um paciente com a idade do ofendido situa-se em seis semanas, altura em que se procede à remoção da imobilização do respectivo membro então efectuada com tala gessada, ou com qualquer outro substituto mecânico do gesso.
2.1.34. A imobilização de uma factura do rádio realizada como descrito em 2.1.33., é em abstracto susceptível de uma melhor e maior garantia na imobilização da fractura e solidez na consolidação da fractura, e que podia, ou não, no caso dos autos, melhorar a consolidação da fractura e diminuir o grau de imobilização resultante de tal consolidação.
2.1.35. A imobilização de uma factura do rádio como descrito em 2.1.34., tem por objectivo proporcionar uma melhor e maior formação de calo ósseo, combater a inflamação e combater a dor.
2.1.36. O Mimesulide Jabasulide é um medicamento que pertence ao grupo fármaco-terapêutico dos anti-inflamatórios não esteróides (AINE), com propriedades analgésicas.
2.1.37. O Airtal é um medicamento que pertence ao grupo fármaco-terapêutico dos anti-inflamatório não esteróides (AINE).
2.1.38. O Algimat é um medicamento que pertence ao grupo fármaco terapêutico dos anti-inflamatório não esteróides (AINE), com potente acção analgésica, não opiáceo.
2.1.39. O Melport é um fármaco anti-inflamatório não esteróide (AINE), da família dos oxicans, com propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e antipiréticas.
2.1.40. O Sirdalud é um medicamento que pertence ao grupo fármaco-terapêutico dos relaxantes musculares.
2.1.41. As dores e sofrimento suportados pelo ofendido no período temporal compreendido entre 7 de Outubro de 2006 e 14 de Outubro de 2006 ocorreram por inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... . a qual prestou a D... uma assistência médica e um diagnóstico deficientes, ao omitir a imobilização mecânica do punho do utente com aparelho gessado ou seu substituto e o envio do mesmo à urgência ortopédica.
2.1.42. A arguida A... não agiu com a diligência devida e exigível, atenta a desconformidade concreta demonstrada na sua actuação no confronto com o padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes, perante um caso idêntico.
2.1.43. O comportamento omissivo dos deveres funcionais por parte da arguida A... foi causa adequada à manutenção das dores e do sofrimento de D... nas circunstâncias supra referidas, pois sendo aqueles cumpridos ter-se-iam evitado tais dores e sofrimento.
2.1.44. A arguida B... não tem antecedentes criminais.
2.1.45. A arguida A... . não tem antecedentes criminais.
2.1.46. As arguidas são consideradas pelos colegas que trabalham consigo como médicas cuidadosas, prudentes, diligentes e preocupadas com o bem-estar e saúde dos pacientes a quem prestam serviços médicos».
7.
E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente:
«A) Da Acusação:
2.2.1. Que nas circunstâncias descritas em 2.1.14. a arguida A... . revelou enorme perturbação.
2.2.2. As sequelas observadas no punho direito do D..., nomeadamente as descritas em 2.1.25., ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida B..., a qual prestou ao ofendido D... uma assistência médica e um diagnóstico deficientes, ao omitir a imobilização do punho do utente com aparelho gessado e o envio do mesmo à urgência ortopédica.
2.2.3. Com excepção das dores e sofrimento, no período temporal compreendido entre 7 e 14 de Outubro de 2006, as sequelas observadas no punho direito do D..., nomeadamente as descritas em 2.1.25., ocorreram por manifesta distracção, inconsideração, imprudência e falta de cuidado da arguida A... ..
2.2.4. A arguida B... não agiu com a diligência devida e exigível, atenta a desconformidade concreta demonstrada na sua actuação no confronto com o padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes, perante um caso idêntico.
2.2.5. Que o comportamento omissivo dos deveres funcionais por parte da arguida A... . foi causa adequada a ter-se verificado a consolidação viciosa da fractura da metáfise distal do rádio direito, com encurtamento do rádio, com limitação da mobilidade do punho, quer na flexão/extensão, quer na prosupinação (dorsiflexão a 60 graus e flexão palmar a 60 graus).
B) Da Contestação da arguida A... :
2.2.6. Que na data indicada em 2.1.11., o ofendido D… tenha mobilizado o punho em todas as direcções, sem apresentar limitações a quaisquer movimentos.
2.2.7. Que na data indicada em 2.1.11. e após análise do raio-x que mandou realizar, a arguida A... tenha associado a fractura que viu no raio-x a uma fractura antiga.
2.2.8. Que a arguida tenha procurado o raio-x realizado em 16/09/2006, para se certificar se a fractura detectada em 07/10/2006 ocorrera antes ou depois do raio-X realizado em 16/09/2006.
2.2.9. Que a arguida A... tenha informado D… de que este sofrera fractura do punho direito, em data que supunha ser anterior a 16/09/2006, dado o seu estado de consolidação e bom alinhamento».

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«A convicção do tribunal formou-se com base no conjunto da prova produzida, nomeadamente na prova documental de fls. 15 a 18, 25, 54 a 57, 116, 151 a 158, 171, 172, 243, 244, 257 a 540, 541 a 764, 766 a 984 e 1038 a 1082.
O tribunal valorou ainda os relatórios periciais de fls. 142 a 145, e 184 a 188.
Neste contexto, cumpre começar por fazer a destrinça entre a prova de fls. 1038 a 1082, que é indicada simultaneamente como prova documental e pericial, da prova pericial supra indicada.
A prova apresentada a fls. 1038 e ss. corresponde às acusações deduzidas em processo disciplinar contra as arguidas nestes autos, pelo que apenas tem valor como prova documental, a apreciar de acordo com os critérios dos art. 169º e 127º do CPP, mas não como prova pericial.
Já quanto à prova indicada a fls. 234 e 235, a mesma também não consubstancia prova pericial.
Dispõe o art. 151º do CPP que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
Por seu turno, o art. 157º, nº 1 do mesmo diploma dispõe: Finda a perícia, os peritos procedem à elaboração de um relatório, no qual mencionam e descrevem as suas respostas e conclusões devidamente fundamentadas. Aos peritos podem ser pedidos esclarecimentos pela autoridade judiciária, pelo arguido, pelo assistente, pelas partes civis e pelos consultores técnicos.
Quanto ao valor da prova pericial, o mesmo encontra-se fixado no art. 163º do CPP.
Quanto aos relatórios elaborados por consultores técnicos, a função do consultor técnico é de fiscalização, que exerce assistindo à realização da perícia, com a possibilidade de intervir nos termos do art. 155, nº 2 e de ser ouvido em audiência (art. 350). O consultor técnico não participa na elaboração do relatório pericial (art.157), isto é, a independência técnico-científica do perito não é beliscada, só podendo o consultor técnico intervir na fase de realização do exame, sugerindo diligências, formulando observações e objecções (nº 2 do art.155), dessa forma fazendo com que sejam trazidos ao processo mais dados para realização do relatório e permitindo a fiscalização por parte dos intervenientes processuais em relação à recolha dos dados que fundamentarão o mesmo relatório (por isso, tais sugestões, observações e objecções, ficarão a constar do auto - art. 155, nº 2).
Do exposto decorre que quaisquer elementos documentais trazidos aos autos pelo consultor técnico deverão ser valorados como simples prova documental, sujeita ao princípio da livre apreciação, sem o valor probatório acrescido dos relatórios periciais.
O tribunal valorou igualmente as declarações das arguidas, prestadas em audiência de julgamento, em conjugação com os depoimentos das testemunhas inquiridas, a saber:
O ofendido D… , de 50 anos de idade, casado, comerciante de restauração, afirmou conhecer as arguidas por ter recebido consulta médica das mesmas, estando com elas zangado porque não lhe pediram desculpa pelo sucedido.
Explicitou em que circunstâncias fracturou o pulso e a data em que tal aconteceu, onde se deslocou para receber tratamento médico e quem o atendeu nas urgências do hospital de ....
Descreveu os procedimentos adoptados pela arguida B..., não se recordando no entanto se a arguida lhe solicitou que movimentasse o pulso.
Explicitou qual o diagnóstico e tratamento que lhe foram indicados pela arguida.
Relatou que a arguida em momento algum lhe disse que tinha fracturado o pulso e que, volvidas três semanas, como continuasse com dores, voltou ao hospital e foi atendido pela arguida B… , a qual, após determinar a realização de nova radiografia e de examinar a mesma e de mandar o ofendido fazer movimentos, informou o ofendido de que este tinha um traumatismo no braço e mandou-o colocar o braço ao peito, tendo ainda determinado que o ofendido regressasse para nova consulta passados 8 dias, o que o ofendido não fez.
Explicitou que voltou ao hospital no dia 16 de Outubro, tendo sido atendido pelo Dr. … , que lhe pediu desculpas, lhe disse que tinha o braço partido e disse que o iria mandar para ortopedia para Leiria.
Quando conseguiu escrever, fez reclamação junto do hospital e falou com um responsável, que lhe pediu desculpas.
O hospital assumiu a responsabilidade e pagou-lhe a fisioterapia e mandou-lhe as conclusões do inquérito. O braço ficou com menos mobilidade, menos força e não faz a rotação do outro braço. Não consegue suportar o peso de um livro, não consegue trabalhar com o rato do computador, não consegue manusear o crivo da máquina do café com a mão direita.
Confirmou ter permanecido a trabalhar e descreveu as dores que sofreu durante todo o período temporal que relatou.
Apesar de afirmar estar zangado com as arguidas, depôs de forma espontânea, coerente e verosímil razão pela qual o tribunal valorou o seu depoimento. A confirmar tal credibilidade estão as declarações vertidas nos documentos que consubstanciam os episódios de urgência, preenchidos pelo punho das arguidas e dos quais apenas constam as informações que estas verbalmente transmitiram ao paciente.
Neste contexto, temos que as declarações da arguida B... se revelaram credíveis, tendo sido prestadas com emoção, demonstrando a arguida razoabilidade e sensatez na avaliação da própria conduta.
Assim, e por confronto com as declarações do ofendido, temos que existiu concordância, nos aspectos essenciais, entre o relato dos factos realizado pela arguida e o mesmo relato da autoria do ofendido, pelo que foram ambos valorados.
O mesmo não se pode dizer das declarações da arguida A..., já que, para além das discrepâncias flagrantes entre as suas declarações e o depoimento do ofendido, quanto ao episódio de urgência em que esta arguida atendeu o ofendido, o certo é que as declarações da arguida também não obtêm suporte factual no relato do episódio que a mesma faz no documento de fls. 152 já que não é conforme às regras da experiência comum que tendo a arguida percepcionado a fractura do punho do ofendido, já em fase de consolidação, com três semanas de evolução, como a própria confirmou, caso tivesse informado o paciente desse facto nenhum motivo teria para colocar, no campo da observação clínica e diagnóstico: "traumatismo por queda ...", sem fazer qualquer referência à fractura e ao respectivo estado de consolidação e formação de calo ósseo.
Mas mais, como foi referido por outras testemunhas, cujos depoimentos adiante melhor analisaremos, o período normal de consolidação da fractura do ofendido, atenta a sua faixa etária, situa-se nas 6 semanas.
Assim, e porque a arguida referiu ter também experiência de campo na área da ortopedia, muito se estranha que desconhecesse este período de consolidação e considerasse a fractura do ofendido como "antiga", após o decurso de metade do prazo normal para a respectiva consolidação, tanto mais que o ofendido apresentava ligeiro edema na zona do punho, como a arguida expressamente escreveu no episódio de urgência.
Pelos motivos apontados, o tribunal valorou, nesta parte, o depoimento do ofendido em detrimento das declarações da arguida.
Analisada a prova atinente à factualidade da dinâmica dos dois episódios de urgência em que ambas as arguidas prestaram consulta médica ao ofendido, resta analisar a prova atinente às consequências, para o ofendido, das informações prestadas e da terapêutica recomendada pelas arguidas.
Neste contexto, os depoimentos das restantes testemunhas, na sua maioria médicos, só puderam ser valorado em relação às condições de funcionamento do Serviço de Urgência do hospital de ... e no esclarecimento de aspectos técnicos, com a ressalva que a sua posição processual é de testemunhas e não de peritos.
Assumiram especial relevância os esclarecimentos complementares prestados pelo perito médico ortopedista do INML, Dr. E..., que juntamente com a prova pericial, foi determinante para a decisão da causa.
Assim, prestaram depoimento … , de 58 anos de idade, afirmou conhecer as arguidas por serem colegas há mais de 15 anos, sendo suas amigas.
Afirmou conhecer o ofendido apesar de não se recordar de ter realizado consulta ao mesmo.
Confirmou a autoria do documento de fls. 56 e de fls. 57.
Não soube precisar se no raio-x realizado por determinação da arguida B... a fractura do punho do ofendido era ou não visível, mas foi peremptório em afirmar que os sinais eram evidentes no raio-x que mandou realizar.
Esclareceu que o aparelho de raio x é o mesmo que estava no hospital na altura dos factos, sendo que não era a melhor e as condições de visualização nos gabinetes médicos não são as melhores.
A testemunha apresentou-se com postura defensiva, hesitante e pouco assertiva nas respostas, prestando depoimento protector das arguidas.
Explicitou quais os procedimentos que adopta em casos semelhantes aos dos autos, quando diagnostica fractura e em caso de duvida.
Pela forma como depôs e postura que apresentou, o tribunal não valorou o respectivo depoimento.
A testemunha … , de 36 anos, empregada de balcão, residente em Porto de Mós, afirmou não conhecer as arguidas, e ser empregada do ofendido.
Explicitou o dia a dia do ofendido desde a data da queda até ao presente e bem assim o que percepcionou no desenvolvimento das tarefas profissionais por parte do ofendido.
Depôs de forma isenta, espontânea, coerente e verosímil, razão pela qual o tribunal valorou as respectivas declarações.
A testemunha … , de 57 anos de idade, médico, afirmou conhecer as arguidas por serem colegas, e tem uma vaga ideia de conhecer o ofendido. É médico ortopedista desde 1988. Viu o ofendido uma ou duas vezes nas Caldas da Rainha, em altura que o ofendido lhe pediu relatório sobre a sua situação.
Foi-lhe pedida a confirmação do quadro final traumático do ofendido.
Explicitou o exame que realizou ao ofendido e qual o diagnóstico que elaborou com base nesse exame.
Confirmou a autoria do documento de fls. 25.
Depôs ainda a aspectos técnicos que se prendem com a consolidação de fracturas, com os movimentos do punho na sequência dessa consolidação, e que terapêutica deve ser recomendada em casos como o do ofendido.
As respostas da testemunha foram dadas com base no pressuposto de que aos 21 dias havia calo ósseo e alinhamento dos topos, que o doente foi alertado e que cumpre as prescrições médicas.
Nesta medida e com base nos pressupostos dos quais partiram as respostas da testemunha, que se mostraram coerentes e verosímeis, o tribunal valorou o respectivo depoimento.
A testemunha … de 32 anos de idade, fisioterapeuta, afirmou não conhecer as arguidas e conhecer o ofendido por o ter tratado em clínica sita em ..., não se recordando da data.
A testemunha não apresentava memória do acompanhamento do ofendido, nem da sua concreta actuação no tratamento do mesmo, razão pela qual o seu depoimento em nada contribuiu para a formação da convicção do tribunal.
A testemunha … , de 63 anos de idade, médico especialista em saúde pública, a exercer pediatria, ortopedia e medicina interna, como clínico geral, afirmou conhecer as arguidas porque durante muitos anos foi director do serviço de urgência do hospital de ..., exercendo também as funções de director do Conselho de Administração em 2005.
Teve conhecimento pessoal da reclamação porque foi contactado pelo ofendido para apresentar reclamação. Descreveu os procedimentos que realizou após a recepção da reclamação do ofendido.
Não se recordava de ter visto as fichas dos episódios de urgência de qualquer dos médicos que assistiu o ofendido.
Esclareceu que a fractura era visível em todas as radiografias realizadas.
Confirmou a assinatura de fls. 274 e o teor de fls. 276, afirmando que a conclusão de que houve erro médico é de sua autoria, com base na análise das radiografias, sendo que foi a testemunha quem decidiu pagar a fisioterapia ao ofendido.
Confirmou o texto elaborado no final de fls. 392.
Confirma o texto elaborado no final da página. Na segunda radiografia já era visível o calo ósseo.
A testemunha foi peremptória em afirmar a existência de erro do diagnóstico realizado por ambas as arguidas.
O depoimento desta testemunha não mereceu credibilidade, por contradição com os elementos documentais já indicados, já que, e a título exemplificativo, afirmou não se recordar de ter sido ouvido pela Inspecção Geral de Saúde, sendo que foi ouvido por tal entidade sob juramento.
Por outro lado, e quanto ao erro de diagnóstico da arguida B..., o seu depoimento foi claramente infirmado pelo depoimento do professor doutor C..., como adiante melhor se explicitará.
Pelos motivos apontados, não foi valorado o seu depoimento.
A testemunha … , de 60 anos de idade, médica especialista em medicina interna, afirmou conhecer a arguida B... porque frequentaram o mesmo liceu e conheceu a arguida A…, por intermédio da arguida B.... É amiga das arguidas há 14 anos.
A testemunha não revelou conhecimento dos factos, tendo deposto a aspectos do carácter profissional e pessoal das arguidas B... e A… e a aspectos técnicos de diagnóstico. Quanto a este últimos, o depoimento demonstrou uma atitude defensiva das arguidas, sendo que as respostas da testemunha se caracterizaram por serem vagas e genéricas.
Assim, o tribunal apenas valorou a parte do depoimento que incidiu sobre a probidade pessoal e profissional das arguidas.
A testemunha … , de 56 anos de idade, médico de medicina geral, familiar, do trabalho e desportiva, afirmou conhecer as arguidas por serem colegas.
Tal como a testemunha anterior, não tinha conhecimento directo dos factos e depôs a aspectos do carácter profissional e pessoal da arguida A… e a aspectos técnicos de diagnóstico e terapêutica, com base na sua experiência profissional como especialista em medicina desportiva há 10 anos e perito médico avaliador do dano corporal.
Depôs de forma espontânea, coerente e verosímil, contribuindo para a formação da convicção do tribunal.
A testemunha … , de 56 anos, médica assistente de clínica geral, reformada desde 2009, foi colega das arguidas durante cerca de 20 anos na urgência do hospital de .... É amiga da dra. B..., há mais de 20 anos.
Observou o ofendido no período temporal que decorreu entre as consultas realizadas pelas arguidas, tendo confirmado a elaboração de fls. 1189.
Descreveu a postura profissional das arguidas.
Quanto aos factos que relatou no episódio em que prestou consulta ao ofendido o tribunal não valorou as respectivas declarações, já que a testemunha disse que mandou fazer raio-x, que o ofendido recusou, mas não deu cumprimento ao procedimento médico de reportar tal recusa na ficha de atendimento.
Assim e apesar de descrever tal procedimento como correcto, demonstrando ser conhecedora do mesmo, omitiu-o, sendo que tal contradição entre o que a testemunha sabe ser o procedimento correcto e aquele que efectivamente adoptou retirou credibilidade às suas declarações, sendo mais consentâneo com as regras da experiência comum que não tenha feito alusão à recusa do ofendido porque pura e simplesmente não sugeriu ao mesmo a realização de raio-x.
A testemunha … , de 55 anos de idade, médico de clínica geral, afirmou conhecer as arguidas por terem trabalhado no mesmo Hospital, entre 1985 e 2009.
A testemunha é médico de família do ofendido.
Entre 16 de Setembro de 2006 e 16 de Outubro de 2006 não foi consultado pelo ofendido.
No ano de 2006 não prescreveu ao doente fisioterapia. Em Janeiro de 2007 o doente relatou ao médico de família que tinha andado a fazer fisioterapia do punho e que pretendia fazer exame ao ombro. Na altura não se queixou do punho. Referiu que apenas podia recomendar fisioterapia, que não prescrever.
Depôs de forma espontânea, coerente e verosímil, razão pela qual o seu depoimento foi valorado.
A testemunha … , de 50 anos de idade, médico ortopedista, há 17 anos, não conhece pessoalmente as arguidas, só tendo falado elas ao telefone uma ou duas vezes.
Teve intervenção nos factos pelo atendimento realizado no hospital de Leiria. Viu o ofendido, em 2006, no serviço de urgência do hospital de Leiria. O mesmo queixava-se de dores no punho. Fez raio-x e verificou que o doente tinha fractura mas já com bom calo ósseo e bom alinhamento ósseo.
Confirmou a autoria do documento de fls. 155, 156 e 157. Recomendou ao doente que tivesse precauções porque a consolidação da fractura era recente.
No dia 16 de Outubro não havia consolidação viciosa nem topos desalinhados na fractura do ofendido. Sabe que foi nesta data porque quando fez pesquisa do histórico do doente, tal informação constava do sistema informático do hospital de Leiria.
Depôs a aspectos técnicos de terapêutica e diagnóstico, sendo neste ponto de salientar a conclusão da testemunha de que mesmo que o doente tivesse sido engessado a fractura não evoluiria melhor do que o que consta dos raio-x de 2006 e 2008.
Depôs de forma espontânea, coerente e verosímil, logrando contribuir para a formação da convicção do tribunal.
A testemunha … , de 65 anos de idade, médico ortopedista, desde 1973, afirmou conhecer a dra. B... por terem trabalhado ambos no Hospital de Leiria.
A arguida B... pediu à testemunha o seu parecer médico sobre o caso dos autos.
Explicitou quais os elementos clínicos analisou e que conclusões tirou dessa análise.
Depôs a aspectos técnicos de fls. 235.
Depôs de forma verdadeiramente impressiva, pela forma natural e fácil como explicou a sua opinião médica sobre o caso, demonstrando um nível de conhecimentos e de facilidade na sua transmissão notáveis.
Para melhor elucidarmos a força probatória do depoimento desta testemunha, destacamos uma súmula das suas afirmações.
A testemunha referiu que mesmo que a fractura tivesse sido imobilizada desde a primeira consulta, o resultado poderia ser igual.
Estas fracturas, se forem imobilizadas de forma anatómica, o desvio é de ocorrência frequente.
O encurtamento do rádio não é significativo.
A imobilização não contribui para a reparação da cartilagem e dos tecidos moles. Em termos radiológicos o resultado das radiografias é um bom resultado.
A radiografia só por si não é motivo de sequelas. Não é fácil detectar a fractura na primeira radiografia. É muito frequente ser visível após o decurso do tempo, por força da absorção dos topos ósseos efectuada pelo organismo. O calo ganha consistência a partir da segunda semana.
Diz que a fractura que viu não devia ter o desvio das radiografias, mas não é um desvio importante e é frequente neste tipo de fracturas. Houve qualquer força que obrigou ao desvio. O resultado final é bom.
O procedimento da dra. B... é correcto, já que a mesma não viu a fractura, a qual era de difícil visualização.
Quanto à dra. A…não deveria ter sido recomendado braço ao peito. A angulação do punho não é suficiente para a limitação de movimentos constante do relatório pericial.
A fractura dos autos leva a consolidar cerca de 6 semanas. No entanto pode acontecer que nem nunca mais consolide de vez, tal como estava antes de partir.
Entende que não houve violação dos procedimentos médicos na actuação da arguida B....
As limitações do punho do ofendido não têm relação de causa efeito com a prescrição da dra. A....
No caso dos autos, a fisioterapia, não sendo essencial, não era contra-indicada.
Pelos apontados motivos, a que acresce a consonância do depoimento desta testemunha com os esclarecimentos prestados pelo perito médico do INML, e porque só com esta testemunha o tribunal percepcionou aspectos técnicos que até ao momento haviam escapado à sua percepção, este revelou-se o depoimento mais importante do acervo testemunhal ouvido em audiência de julgamento.
A testemunha … , de 58 anos de idade, medica, especialista em medicina geral e familiar, com especialidade desde 1983 afirmou conhecer as arguidas por trabalhar com as mesmas no Centro de Saúde e nas Urgências do Hospital de Caldas da Rainha.
Depôs a aspectos da conduta profissional da arguida A....
O conhecimento que tinha dos factos adveio-lhe do que lhe foi transmitido pela arguida A... ..
Depôs de forma coerente e verosímil, razão pela qual foram valoradas as suas declarações, quanto à conduta profissional da arguida A... ..
Foram tomados esclarecimentos ao dr. E..., de 56 anos de idade, médico ortopedista, exercer funções no INML como perito.
Explicitou quais as fontes de conhecimento que utilizou para elaborar o relatório pericial junto aos autos e esclareceu as informações constantes do mesmo.
De salientar, quanto a estes esclarecimentos que a limitação de mobilidade do pulso do ofendido se situa numa angulação máxima de 30º; que a tabela de incapacidade indicada no relatório é a usada na avaliação do dano em direito civil; que a consolidação da fractura do ofendido, conquanto viciosa é das que apresenta menor gravidade, sendo que apenas existe um ligeiro desvio do osso; o encurtamento do rádio é uma situação usual e comum; o período normal de consolidação da fractura do ofendido corresponde a 6 semanas; a fractura em si pode deixar como sequela a rigidez quer seja bem imobilizada ou não.
A imobilização com tala gessada às 3 semanas de consolidação, por mais duas semanas seria o procedimento adequado a adoptar, já que o gesso serviria para diminuir o risco de nova fractura, e para diminuir o quadro doloroso, por imobilização da articulação.
Uma fractura antiga é uma fractura perfeitamente consolidada, viciosa ou não.
Mesmo com tal gessada pode haver encurtamento do rádio e consolidação em posição viciosa.
O desvio da fractura resultou apenas da consolidação óssea. Caso tivesse sido engessado o resultado poderia ser exactamente o mesmo neste tipo de fractura. A tala de gesso não serve para tratar. Em adultos a fractura deixa sempre um calo, a consolidação nunca é perfeita. Uma simples entorse pode deixar maior imobilização do que esta fractura. Não houve desvios secundários desta fractura.
Se o ofendido tivesse sido imobilizado, a rigidez do punho seria maior. O tratamento foi funcional e não conservador. Apesar de não ser adequado para esta fractura acabou por funcionar atento o alinhamento da fractura.
O traumatismo que leva à fractura é que gera as sequelas descritas pelo perito no seu relatório. A perda de mobilidade pode dever-se ao traumatismo das partes moles do punho.
O resultado sem gesso poderia ter sido pior, com gesso o resultado seria este.
Por último, foi inquirido o prof. doutor C..., de 61 anos de idade, médico ortopedista há 33 anos, director de ortopedia no hospital de Santa Maria, professor catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa, e perito do INML.
Afirmou não conhecer as arguidas.
Explicitou que é perfeitamente plausível que a arguida B... não tenha visto a fractura. Diz que em seu entendimento, nas três semanas seguintes o doente deveria ter sido engessado, sendo indiferente com gesso ou tala gessada.
Não concordou com o teor do relatório pericial e com os esclarecimentos prestados pelo perito médico, considerando que a fractura se desreduziu porque não houve imobilização e que o encurtamento do rádio foi significativo, cerca de 1 cm.
A desredução da fractura acontece em 70% dos casos sem imobilização.
A primeira radiografia tem má qualidade técnica e é difícil identificar a fractura. Viu o raio-x de 7-10-2006. A fractura já tinha um pequeno desvio, sendo esta mais uma razão para a imobilização da fractura. Se o gesso tivesse sido posto na primeira consulta não haveria o desvio palmar de 10º a 15º graus.
O doente teve aumento de dores e aumento do edema do punho. Ocorre sempre edema numa fractura. Não é verdadeiro que exista sempre consolidação viciosa. Após o decurso do tempo o doente tinha que ser operado e tinha que lhe ser colocado material de osteosíntese. O gesso é um tratamento para a dor e para o edema e evita que a fractura sofra desredução. Na mecânica da consolidação das fracturas, a imobilização ajuda à consolidação das fracturas. Reduzir o edema é reduzir a inflamação.
Uma fractura com 3 ou 4 semanas é uma fractura recente. Com um mês continua a ser recente. Com 8 semanas a fractura está consolidada. Não é relevante dizer que a fractura é recente ou não.
Foi o desvio posterior que a fractura sofreu que conduziu à lesão dos tecidos moles. As radiografias são clara evolução uma da outra. O gesso contribuiria para que a fractura não consolidasse de forma viciosa.
Não subscreve a opinião dos colegas ortopedistas. Mas pode surgir autodistrofia com imobilização gessada.
Admitiu, no entanto, que os procedimentos adoptados, em abstracto poderiam ser adequados a evitar o resultado sofrido pelo doente, sendo que mesmo com redução e imobilização da fractura pode ocorrer desredução da fractura, mesmo dentro do gesso, porque diminui o edema, e o gesso fica largo. A fractura inicialmente era estável. Ao fim de três semanas era mais instável do que parecia. Houve minimização do problema.
Quanto ao relatório ortopédico de fls. 187, considerou que o desvio palmar é importante, existindo correlação entre o desvio palmar e a limitação de movimentos.
O tribunal valorou as declarações deste consultor técnico, na parte em que as mesmas não foram contrariadas pelos relatórios periciais juntos aos autos e pelos esclarecimentos prestados pelo perito médico, nessa qualidade no âmbito dos presentes autos.
*
Quanto à matéria de facto não provada
A resposta à factual idade não provada decorre, por um lado, da ausência de prova sobre tal matéria (factos 2.2.1, 2.2.6, 2.2.7 e 2.2.8) e da prova realizada em sentido contrário e já analisada quanto à factualidade provada (restante factualidade não provada).
*
Em conclusão:
Quanto à arguida B...:
Após análise do raio-x que determinou que o ofendido realizasse e não se apercebendo da fractura do punho do ofendido, prescreveu terapêutica adequada a um traumatismo.
O ofendido tinha o pulso fracturado quando se deslocou, pela primeira vez ao hospital de ..., o que não foi detectado pela arguida. A questão a colocar nesta sede é se a falta de diagnóstico da fractura resultou de conduta negligente da arguida.
Ora, com base na prova produzida em audiência, concluímos que a resposta tem que ser negativa, isto é, atenta a qualidade da radiografia, a fractura não era percepcionável, se o médico não estivesse previamente alertado para a sua existência, mesmo que se tratasse de médico com especialidade em ortopedia.
Assim, não houve erro de diagnóstico que possa ser imputado a título negligente à arguida.
Quanto à arguida A... .:
A arguida observou o doente, determinou a realização de novo raio-x, onde constatou a consolidação de uma fractura com 3 semanas, calo ósseo em formação e topos alinhados.
Pela experiência profissional que invocou, a arguida tinha que saber que a consolidação de tal fractura só ocorre ao fim de 6 semanas.
Não resultou provado que a arguida tenha informado o ofendido de tal fractura e não prescreveu ao mesmo o tratamento adequado, considerando que foi informada pelo ofendido de que o mesmo continuava a trabalhar, ainda que com dores, na actividade de restauração e que conduzia o seu veículo automóvel.
Da conjugação dos relatórios periciais, dos esclarecimentos prestados pelo perito médico, do depoimento da testemunha … e dos esclarecimentos do prof. doutor C..., na parte não contrariada pela prova pericial, decorre que a terapêutica prescrita pela arguida ficou aquém da aconselhada.
Que consequências teve tal terapêutica no resultado final?
Da prova referida no parágrafo anterior decorre não ser possível estabelecer um nexo causal entre as sequelas sofridas pelo ofendido e a terapêutica prescrita pela arguida, com excepção de um ponto em particular: as dores que o ofendido sofreu desde o momento em que foi à consulta de urgência e foi atendido pela arguida A... . até à data em que consultou outro médico.
Considerando que é a imobilização dos tendões que retira a dor, logo se conclui que a imobilização forçada, de forma mecânica é mais eficaz no afastamento da dor que simples analgésicos e anti-inflamatórios.
Assim, as dores sofridas pelo ofendido no período temporal indicado são imputáveis à actuação da arguida A... ., a qual, atenta a sua experiência profissional tinha capacidade e devia ter agido em conformidade com tal experiência, com a prescrição da imobilização mecânica do punho do ofendido».
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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:
I – Vícios do art. 410º, nº 2, al. a) e c) do C.P.P.
II – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada
III – Impugnação da pena aplicada

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I – Vícios do art. 410º, nº 2, al. a) e c) do C.P.P.

Nos termos do nº 2 do art. 410º do C.P.P. «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova».

O conhecimento, pelo tribunal ad quem, destes vícios é característico do modelo de revista alargada adoptado pelo C.P.P. de 1987, que pretendeu quebrar com a tradição do conhecimento restrito às questões-de-direito.
Conforme resulta da norma, todos estes vícios têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Isto significa que se trata de vícios da sentença, não de vícios do julgamento.
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O Ministério Público alega, no seu recurso, que a sentença recorrida incorreu no vício da insuficiência da matéria de facto provada porque «fixou, para cada um dos dias de multa na qual a arguida foi condenada, o quantitativo, diário, de 20.00 € (vinte Euros), sem que nela se tivesse apurado (nem, sequer tentado) a situação económica daquela e seus encargos pessoais».
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre se no elenco dos factos provados não constarem todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime cuja prática se imputa ao arguido, bem como os elementos indispensáveis à escolha e determinação da pena.
Este vício não tem que ver com as provas que suportam a matéria de facto provada, antes com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas, deficientes ou insuficientes, mas por não encerrar o núcleo imprescindível de factos que o concreto objecto de processo reclama.

As finalidades das sanções penais são, como diz a lei, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa - art. 40º, nº 1 e 2 do Código Penal.
Tendo presente que a pena a fixar se situará entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente devendo, dentro destes limites, satisfazer-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização, parte-se para a escolha da pena e, depois, para a sua quantificação, de acordo com as determinações do art. 71º do Código Penal, que dispõe:
«1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena».
Como resulta da norma, dentre os factos a considerar para efeitos de fixação da pena, mormente da pena de multa, estão as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
A arguida foi condenada com pena de multa, tendo a respetiva taxa diária sido fixada em 20 €.
De acordo com o nº 2 do art. 47º do Código Penal a taxa diária da multa é fixada entre um limite mínimo e máximo – antes entre € 1 e € 498,80 €, agora entre € 5 e € 500 -, «em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».
Em consequência da aplicação da pena de multa o condenado não pode ficar em situação de indigência. Porém, na medida em que se trata de uma pena, ela terá que representar um sacrifício real, isto pare que seja possível, através da sua aplicação, realizar as finalidades da punição.
No caso a sentença recorrida é completamente omissa no que respeita à situação económica da arguida, nada se tendo provado, nem deixado de provar, a esse respeito. O tribunal não diligenciou no sentido de recolher estes elementos, essenciais à fixação da sanção, ou seja, não esclareceu um ponto crucial da matéria de facto, abrangido no thema probandum, e ficou aquém do que devia, precisamente porque não esgotou este tema que lhe estava acometido Acórdãos do S.T.J. de 6-11-2003, processo 03P3370, e de 2-7-2008, processo 07P3861..
Essa investigação oficiosa era indispensável para habilitar o tribunal a decidir.
Neste particular importa realçar, aliás, que se vem assistindo a uma exigência acrescida de uma cada vez maior e mais cuidada fundamentação de facto e de direito no que respeita à escolha e fixação das penas aplicadas aos agentes.
Perante a apontada insuficiência da matéria de facto o tribunal a quo não dispunha dos necessários elementos habilitantes à fixação da pena carecendo, nessa parte, a decisão da respectiva fundamentação específica.
Trata-se, pois, de uma insuficiência quantitativa, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Não o fazendo a decisão formou-se incorrectamente por deficiência da premissa menor.
Tal omissão gera o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, invocado, pois da sentença não constam todos os elementos que, podendo e devendo ser indagados, são essenciais à sua prolação Vide, entre muitos outros, os acórdãos do S.T.J. de 11-1-2006, 30-11-2006 e 5-9-2007, processos 3461/05, 3675/06 e 06P4798..
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A srª P.G.A. invoca, no seu parecer, a verificação do vício do erro notório na apreciação da prova por a sentença recorrida ter desconsiderado o relatório pericial elaborado pelo Conselho Médico-Legal e os esclarecimentos prestados pelo seu perito, C..., tendo considerado o primeiro como prova documental e o segundo como consultor técnico.

O recurso do Ministério Público versa sobre esta mesma questão, mas numa perspectiva diferente, fundamentando a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

O vício do erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma consequência ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido no texto da decisão recorrida Leal Henriques-Simas Santos, Código de Processo Penal anotado, 2ª ed., II, pág. 740.. Verifica-se, ainda, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
Em síntese, há erro notório na apreciação da prova quando se verifique incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorrecção susceptível de se verificar, também, quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum Acórdão do S.T.J. de 19-7-2006, processo 06P1932..
O vício desdobra-se, portanto, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida, caso em que a decisão da questão reclama a indagação das provas existentes no processo Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 1ª ed., pág. 451/452, defende que a errada valoração da prova, mormente a indevida desconsideração de prova pericial, integra a nulidade a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia relativa ao valor da perícia..

A sentença recorrida inicia a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto dizendo que «a convicção do tribunal formou-se com base no conjunto da prova produzida, nomeadamente na prova documental de fls. 15 a 18, 25, 54 a 57, 116, 151 a 158, 171, 172, 243, 244, 257 a 540, 541 a 764, 766 a 984 e 1038 a 1082.
O tribunal valorou ainda os relatórios periciais de fls. 142 a 145, e 184 a 188.
Neste contexto, cumpre começar por fazer a destrinça entre a prova de fls. 1038 a 1082, que é indicada simultaneamente como prova documental e pericial, da prova pericial supra indicada.
A prova apresentada a fls. 1038 e ss. corresponde às acusações deduzidas em processo disciplinar contra as arguidas nestes autos, pelo que apenas tem valor como prova documental, a apreciar de acordo com os critérios dos art. 169º e 127º do CPP, mas não como prova pericial.
Já quanto à prova indicada a fls. 234 e 235, a mesma também não consubstancia prova pericial.
Dispõe o art. 151º do CPP que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
Por seu turno, o art. 157º, nº 1 do mesmo diploma dispõe: Finda a perícia, os peritos procedem à elaboração de um relatório, no qual mencionam e descrevem as suas respostas e conclusões devidamente fundamentadas. Aos peritos podem ser pedidos esclarecimentos pela autoridade judiciária, pelo arguido, pelo assistente, pelas partes civis e pelos consultores técnicos.
Quanto ao valor da prova pericial, o mesmo encontra-se fixado no art. 163º do CPP.
Quanto aos relatórios elaborados por consultores técnicos, a função do consultor técnico é de fiscalização, que exerce assistindo à realização da perícia, com a possibilidade de intervir nos termos do art. 155, nº 2 e de ser ouvido em audiência (art. 350). O consultor técnico não participa na elaboração do relatório pericial (art.157), isto é, a independência técnico-científica do perito não é beliscada, só podendo o consultor técnico intervir na fase de realização do exame, sugerindo diligências, formulando observações e objecções (nº 2 do art.155), dessa forma fazendo com que sejam trazidos ao processo mais dados para realização do relatório e permitindo a fiscalização por parte dos intervenientes processuais em relação à recolha dos dados que fundamentarão o mesmo relatório (por isso, tais sugestões, observações e objecções, ficarão a constar do auto - art. 155, nº 2).
Do exposto decorre que quaisquer elementos documentais trazidos aos autos pelo consultor técnico deverão ser valorados como simples prova documental, sujeita ao princípio da livre apreciação, sem o valor probatório acrescido dos relatórios periciais …
Assumiram especial relevância os esclarecimentos complementares prestados pelo perito médico ortopedista do INML, Dr. E..., que juntamente com a prova pericial, foi determinante para a decisão da causa».
A sentença começa por referir a participação de consultores técnicos mas, depois, não os identifica, pelo que de imediato ficamos sem saber quem é que foi considerado, no processo, nesta qualidade.
Depois, a sequência do texto reproduzido inculca a ideia que os depoimentos a seguir relatados teriam sido prestados por peritos, mas conclui-se que assim não é.

Agora, e relativamente a E..., assumidamente considerado como perito, diz a sentença recorrida o seguinte: «Foram tomados esclarecimentos ao dr. E..., de 56 anos de idade, médico ortopedista, exercer funções no INML como perito. Explicitou quais as fontes de conhecimento que utilizou para elaborar o relatório pericial junto aos autos e esclareceu as informações constantes do mesmo. De salientar, quanto a estes esclarecimentos que a limitação de mobilidade do pulso do ofendido se situa numa angulação máxima de 30º; que a tabela de incapacidade indicada no relatório é a usada na avaliação do dano em direito civil; que a consolidação da fractura do ofendido, conquanto viciosa é das que apresenta menor gravidade, sendo que apenas existe um ligeiro desvio do osso; o encurtamento do rádio é uma situação usual e comum; o período normal de consolidação da fractura do ofendido corresponde a 6 semanas; a fractura em si pode deixar como sequela a rigidez quer seja bem imobilizada ou não.
A imobilização com tala gessada às 3 semanas de consolidação, por mais duas semanas seria o procedimento adequado a adoptar, já que o gesso serviria para diminuir o risco de nova fractura, e para diminuir o quadro doloroso, por imobilização da articulação.
Uma fractura antiga é uma fractura perfeitamente consolidada, viciosa ou não.
Mesmo com tal gessada pode haver encurtamento do rádio e consolidação em posição viciosa.
O desvio da fractura resultou apenas da consolidação óssea. Caso tivesse sido engessado o resultado poderia ser exactamente o mesmo neste tipo de fractura. A tala de gesso não serve para tratar. Em adultos a fractura deixa sempre um calo, a consolidação nunca é perfeita. Uma simples entorse pode deixar maior imobilização do que esta fractura. Não houve desvios secundários desta fractura.
Se o ofendido tivesse sido imobilizado, a rigidez do punho seria maior. O tratamento foi funcional e não conservador. Apesar de não ser adequado para esta fractura acabou por funcionar atento o alinhamento da fractura.
O traumatismo que leva à fractura é que gera as sequelas descritas pelo perito no seu relatório. A perda de mobilidade pode dever-se ao traumatismo das partes moles do punho.
O resultado sem gesso poderia ter sido pior, com gesso o resultado seria este».

Já quanto à intervenção de C..., diz a mesma sentença: «Por último, foi inquirido o prof. doutor C..., de 61 anos de idade, médico ortopedista há 33 anos, director de ortopedia no hospital de Santa Maria, professor catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa, e perito do INML.
Afirmou não conhecer as arguidas.
Explicitou que é perfeitamente plausível que a arguida B... não tenha visto a fractura. Diz que em seu entendimento, nas três semanas seguintes o doente deveria ter sido engessado, sendo indiferente com gesso ou tala gessada.
Não concordou com o teor do relatório pericial e com os esclarecimentos prestados pelo perito médico, considerando que a fractura se desreduziu porque não houve imobilização e que o encurtamento do rádio foi significativo, cerca de 1 cm.
A desredução da fractura acontece em 70% dos casos sem imobilização.
A primeira radiografia tem má qualidade técnica e é difícil identificar a fractura. Viu o raio-x de 7-10-2006. A fractura já tinha um pequeno desvio, sendo esta mais uma razão para a imobilização da fractura. Se o gesso tivesse sido posto na primeira consulta não haveria o desvio palmar de 10º a 15º graus.
O doente teve aumento de dores e aumento do edema do punho. Ocorre sempre edema numa fractura. Não é verdadeiro que exista sempre consolidação viciosa. Após o decurso do tempo o doente tinha que ser operado e tinha que lhe ser colocado material de osteosíntese. O gesso é um tratamento para a dor e para o edema e evita que a fractura sofra desredução. Na mecânica da consolidação das fracturas, a imobilização ajuda à consolidação das fracturas. Reduzir o edema é reduzir a inflamação.
Uma fractura com 3 ou 4 semanas é uma fractura recente. Com um mês continua a ser recente. Com 8 semanas a fractura está consolidada. Não é relevante dizer que a fractura é recente ou não.
Foi o desvio posterior que a fractura sofreu que conduziu à lesão dos tecidos moles. As radiografias são clara evolução uma da outra. O gesso contribuiria para que a fractura não consolidasse de forma viciosa.
Não subscreve a opinião dos colegas ortopedistas. Mas pode surgir autodistrofia com imobilização gessada.
Admitiu, no entanto, que os procedimentos adoptados, em abstracto poderiam ser adequados a evitar o resultado sofrido pelo doente, sendo que mesmo com redução e imobilização da fractura pode ocorrer desredução da fractura, mesmo dentro do gesso, porque diminui o edema, e o gesso fica largo. A fractura inicialmente era estável. Ao fim de três semanas era mais instável do que parecia. Houve minimização do problema.
Quanto ao relatório ortopédico de fls. 187, considerou que o desvio palmar é importante, existindo correlação entre o desvio palmar e a limitação de movimentos.
O tribunal valorou as declarações deste consultor técnico, na parte em que as mesmas não foram contrariadas pelos relatórios periciais juntos aos autos e pelos esclarecimentos prestados pelo perito médico, nessa qualidade no âmbito dos presentes autos».

Portanto, é claro que para a sentença recorrida apenas um perito e um consultor técnico intervieram no processo e foram eles, respetivamente, E... e C....
Coerentemente a sentença considerou o relatório elaborado por E... como prova pericial e o parecer relatado por C... como prova documental.

Vejamos, então.

Em 9-3-2007 o ofendido apresentou queixa contra os arguidos B... ., A... . e hospital de …, imputando-lhes a prática dos crimes previstos nos art. 148º, nº 3, e 283º, nº 3, com a agravante do art. 285º, todos do Código Penal.
A final requereu a sua submissão a exame junto do INML.
Na base desta queixa foi instaurado inquérito, no âmbito do qual o Ministério Público requereu ao hospital de … em 14-3-2007, todo o processo de reclamação apresentado pelo queixoso, bem como todos os elementos clínicos referentes ao atendimento que lhe foi dispensado, nos dias 16-9-2006, 7-10-2006 e 16-10-2006, tendo os elementos solicitados sido enviados.
Em 29-5-2007 o Ministério Público requereu a realização de inquérito à Inspeção Geral de Saúde, para que fosse averiguada a existência de negligência médica no tratamento dispensado ao queixoso.
Posteriormente, em 25-2-2008, o Ministério Público requereu ao INML a realização de exame médico ao queixoso e determinação da IPP.
Em resposta a este último pedido o INML examinou o queixoso com vista à avaliação do dano corporal em direito penal, tendo a perita médica que o efetuou, … “perita em medicina legal”, elaborado o respetivo relatório, que consta de fls. 142 a 145 do processo, e no qual foram pedidos novos elementos clínicos relativos ao atendimento do queixoso, bem como a realização de um exame de especialidade.
Na posse destes novos elementos o INML procedeu a nova perícia de avaliação do dano corporal, na sequência da qual foram juntos dois relatórios: um de avaliação do dano corporal em direito penal, subscrito por … e que consta de fls. 184 a 186, e um chamado relatório ortopédico, subscrito por E..., “perito médico ortopedista”, conforme lá consta, junto a fls. 187/188.
Assim, tem razão a sentença quando considerou como prova pericial todos estes documentos, de fls. 142 a 154 e 184 a 188.

Entretanto, a fls. 189 do processo, e ainda no âmbito do inquérito, o Ministério Público decidiu solicitar ao sr. diretor do Instituto Nacional de Medicina Legal o seguinte, e citamos: «que … nos termos do disposto no art. 6º, nº 2, al. a), do D.L. nº 131/2007, de 27 de Abril, o Conselho Médico-Legal se pronuncie relativamente à intervenção médica referente ao queixoso, sobre os seguintes quesitos:
1º - Aquando da assistência médica prestada pelos hospitais de ... e de Leiria, e tendo em conta o estado de saúde do referido doente, se foram observadas as boas práticas médicas pelas srªs médicas que o assistiram, diagnosticaram e trataram …
2º - Se a intervenção das referidas médicas é susceptível de censura pela não observância dos cuidados que, para o caso, eram exigidos e possíveis e que pudessem evitar o estado em que ficou o punho direito …» (fls. 189 dos autos).
A acompanhar este pedido foram enviados ao INML a queixa do ofendido, todos os documentos juntos com esta e todos os elementos clínicos disponíveis no processo.
Recebido o pedido foi comunicado ao processo que o Conselho Médico Legal se pronunciaria sobre o mesmo, «nos termos do nº 2 do art. 6º do Decreto Lei nº 131/2007, de 27 de Abril» (fls. 192).
O Conselho Médico Legal solicitou, entretanto, novos elementos clínicos.
Enviados os elementos pretendidos, este conselho pronunciou-se.
O relatório de “consulta técnico-científica”, junto a fls. 234/235, foi relatado por C.... No ofício que acompanhou este expediente, de fls. 233 e proveniente do Conselho Médico-Legal, diz-se: «recebemos da delegação do sul deste Instituto o ofício …, proveniente dos serviços do Ministério Público de ..., no qual se solicitava a emissão de parecer por este Conselho, no âmbito de consulta técnico-científica … Este processo foi distribuído, com cópia de toda a documentação, a professor de ortopedia, para efeitos de elaboração de parecer, como relator. Tal parecer (que se envia em anexo) foi apreciado em reunião deste Conselho, 27 de Abril de 2009, tendo sido aprovado por unanimidade …».

Conforme se viu, para a sentença recorrida este parecer «não consubstancia prova pericial» (fls. 17 da sentença).
Não sendo considerado prova pericial o seu subscritor também não foi considerado como perito. Repetindo o que acima relevamos, diz a sentença quanto a C... que «o tribunal valorou as declarações deste consultor técnico, na parte em que as mesmas não foram contrariadas pelos relatórios periciais juntos aos autos e pelos esclarecimentos prestados pelo perito médico, nessa qualidade no âmbito dos presentes autos».

Nos termos do art. 151º do C.P.P. «a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos».
A perícia é, pois, um meio de prova que visa a avaliação dos vestígios da prática do crime com base nestes especiais conhecimentos.
Dado o enorme relevo atribuído pelo novo código à prova pericial, o legislador português optou pelo modelo de perícia pública, oficial. Assim, conforme determina o nº 1 do art. 152º do C.P.P., a perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial e só assim não será em caso de impossibilidade ou inconveniência.
Especificamente sobre as perícias médico-legais e forenses a lei determina, no art. 159º do C.P.P., que elas são realizadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal. Excecionalmente, e nos casos previstos, poderão não o ser.
Quanto ao valor da prova pericial, ela constitui uma exceção à regra da livre apreciação, consignada no art. 127º do C.P.P.
Como determina o nº 1 do art. 163º do C.P.P. «o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador». Porém, acrescenta o nº 2, «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência».
O valor da prova pericial está fixado na lei. Por isso se diz que esta é uma prova tarifada ou taxada, porque o seu valor probatório, o seu peso para a formação da decisão sobre a matéria de facto, está pré-estabelecida na lei, peso este que radica na segurança e certeza dos juízos emitidos, pois que o «papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a dus experiência qualificada lhe ditarem» Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. IV, 1981, pág. 171..
Esta prova – também denominado de prova legal, já que é a lei que determina o seu peso na decisão -, comprime a liberdade de apreciação e julgamento do juiz, por ela não ser livremente valorável. Na medida em que tem um especial peso probatório o juiz deve acatar o juízo emitido no âmbito dessa prova. Para dele discordar tem, diz a lei, que fundamentar a divergência.
Sendo certo que qualquer decisão tem que ser fundamentada, esta referência à fundamentação da divergência com a prova pericial é entendida pela jurisprudência com o sentido de podendo o julgador divergir da prova pericial, para o fazer tem que fundamentar cientificamente a divergência estribando-se numa crítica da mesma natureza, ou seja, científica, técnica ou artística Vide acórdão do S.T.J. de 5-5-1993, processo 044111, e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2002, pág. 198. (daí o vício de violação do valor da prova legal poder ser tido ou como erro notório na apreciação da prova, ou como falta de fundamentação).

No âmbito da prova pericial a lei admite que o Ministério Público, arguido, assistente e parte civil nomeiem consultor técnico para assistir à realização da perícia – art. 155º do C.P.P.
Sendo função do consultor técnico o acompanhamento da perícia, daqui resulta que ele terá que ter o necessário saber técnico, científico ou artístico para exercer as competências que lhe estão atribuídas, quais sejam as de intervir, de propor a formulação de quesitos e a realização de diligências concretas e pedir de esclarecimentos sobre o relatório pericial – art. 155º e 157º do C.P.P.
Pode ainda, tal como os peritos, ser ouvido em audiência – art. 350º do C.P.P.
O consultor técnico é, conforme foi designado no acórdão da Relação de Lisboa de 27-2-2007, processo 9794/2006, um assessor técnico da parte. Ao possibilitar a intervenção do consultor técnico pretendeu o legislador, ao fim e ao cabo, permitir uma espécie de fiscalização privada da perícia Simas Santos- Leal Henriques, Código de Processo Penal anotado, 1999, vol. I, pág. 804..
No entanto, no caso das perícias médico-legais a realizar pelo INML, o art. 3º, nº 1, da Lei 45/2004, de 19/8, que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses, determina que a estas perícias, solicitadas por autoridade judiciária ou judicial, nos termos da lei de processo, não lhes é aplicável o disposto no art. 155º do C.P.P., ou seja, quanto a estas não é permitida a assistência de consultor técnico.
Embora Paulo Pinto de Albuquerque Comentário ao Código de Processo Penal, 1ª ed., pág. 439. reclame a inconstitucionalidade desta norma, a verdade é que o T.C., no acórdão 137/2007, já se pronunciou sobre a mesma e julgou-a conforme à Constituição.
Mas independentemente da posição que perfilhemos nesta questão, trata-se de uma discussão irrelevante para o nosso caso, pois nem o documento de fls. 234/235 integra prova documental, nem C... interveio no processo como consultor técnico.
Estamos perante prova pericial, sem sombra de dúvida.

Sendo o consultor técnico um “perito da parte”, naturalmente que quando é indicado tem que ser identificado. E à identificação é essencial o nome.
Ora, o Ministério Público quando solicitou a pronúncia «relativamente à intervenção médica referente a José Alberto Pereira Sousa Franco» não identificou uma pessoa para o fazer. Isto bastava para concluirmos que não se tratava de indicação de consultor técnico.
Mas mais e mais relevante.
Aquele pedido foi dirigido ao diretor do Instituto Nacional de Medicina Legal, solicitando a pronúncia do conselho médico-legal.
Conforme diz o art. 1º do D.L. nº 131/2007, de 27/4, o Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P. é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado e prossegue atribuições do Ministério da Justiça e um dos seus órgãos é, precisamente, o conselho médico-legal – art. 4º.
Portanto, nem o INML, nem os seus órgãos, nem os seus peritos intervêm nos processos a título particular, no sentido de indicados por uma parte.
Integram o Conselho Médico-Legal o presidente do conselho directivo do INML, os directores das Delegações do Norte, Centro e Sul do INML, um representante dos conselhos regionais disciplinares de cada uma das secções regionais da Ordem dos Médicos, dois docentes do ensino superior de cada uma das áreas científicas de Clínica Cirúrgica, Clínica Médica, Obstetrícia e Ginecologia e Direito e um docente do ensino superior de cada uma das seguintes áreas científicas: Anatomia Patológica, Ética e ou Direito Médico, Ortopedia e Traumatologia, Neurologia ou Neurocirurgia e Psiquiatria – art. 6º, nº 1.
Quanto às suas competências, compete a este conselho «exercer funções de consultadoria técnico-científica, designadamente emitir pareceres sobre questões técnicas e científicas de natureza pericial» – art. 6º, nº 2, al. a).
E a forma de intervenção do Conselho Médico-Legal é, precisamente, através da “consulta técnico-científica”. Assim se chama a intervenção técnica deste órgão – art. 6º, nº 2, al. a), e 3.
A consulta técnico-científica do Conselho Médico-Legal pode ser solicitada, além do mais, pela Procuradoria Geral da República (art. 6º, nº 3) e os pareceres emitidos, no âmbito da consulta técnico-científica, «são insusceptíveis de revisão e constituem o entendimento definitivo do conselho sobre a questão concretamente colocada, . a apresentação de novos elementos que fundamentem a sua alteração» - art. 6º, nº 4.
Então, numa hierarquia de valoração da prova pericial, o valor a atribuir aos pareceres do conselho médico-legal superam, em toda a linha, o valor do parecer pericial já que aqueles, e repetindo, «constituem o entendimento definitivo do conselho sobre a questão concretamente colocada».
E bem se percebe o especial valor do parecer do conselho: provem de um órgão colegial e especialmente dotado de conhecimentos técnico-científicos para se pronunciar sobre a questão. Por isso mesmo a lei determina a impossibilidade de revisão dos pareceres emitidos por este órgão.
Assim, em caso de conflito entre o parecer do Conselho Médico-Legal e o relatório pericial, a primazia tem que ser atribuída, é claro, ao parecer deste conselho. Agir de modo diferente seria, de uma forma ínvia, aceitar a revisão daquele parecer, proibida por lei, ainda por cima com base num “simples” parecer de um perito.

Ao considerar que o parecer do conselho médico-legal não era prova pericial, ao considerar que o relator do parecer não era perito e ao postergar aquele parecer e estes esclarecimentos em favor do parecer e dos esclarecimentos do perito médico E... o tribunal violou regras legais de valoração da prova, pois que estamos num domínio da prova vinculada, em que ou a lei exige determinado tipo de prova para certas circunstâncias factuais ou atribui específica força probatória a determinado meio probatório.
No sistema de prova legal a convicção probatória forma-se através de provas legalmente pré-fixadas, atribuindo a lei a cada uma o significado abstractamente prescrito, ao qual o juiz está vinculado e de que não pode divergir. Por isso se apelida de sistema de prova vinculado.
Ao violar aquela determinação incorreu a sentença no vício do erro notório na apreciação da prova.

Este erro inquina a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, tendo os factos que integram uma e outra que ser apurados com respeito pelo especial valor probatório do parecer emitido pelo Conselho Médico-Legal, cujo relator foi C..., em detrimento do relatório pericial subscrito por E....
Visando os esclarecimentos prestados em audiência por parte dos peritos esclarecer, como indicia o termo, o conteúdo da perícia, também os esclarecimentos prestados pelo perito que interveio na consulta técnico-científica e que foi relator do respetivo parecer, C..., se sobrepõem, pelas mesmas razões, aos esclarecimentos prestados pelo perito médico E....
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Nos termos do art. 426º, nº 1, do C.P.P. quando ocorra um vício do nº 2 do art. 410º e se não for possível decidir a causa, por o processo não dispor dos elementos em falta, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento.
No caso, há uma absoluta falta de elementos relativos às condições pessoais da arguida.
Quanto à verificação do erro, reenvia-se, nos mesmos termos, o processo, a fim de a decisão sobre os factos provados e não provados ser decidida em respeito pela perícia/consulta técnico-científica realizada pelo Conselho Médico-Legal, esclarecimentos prestados pelo relator do parecer, C..., nos termos referidos, e demais prova relevante, nomeadamente a que versar sobre as condições económicas e sociais da arguida.
Em função de tal matéria deverá, depois, o tribunal recorrido fazer o respetivo enquadramento legal e aplicar a pena que ao caso couber.
Tudo isto apenas no que respeita à arguida A... ., pois que a decisão de absolvição de B... . é inatacável.
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Devido ao decidido fica prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela arguida.

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DISPOSITIVO

Face ao exposto, e na procedência do recurso do Ministério Público, determina-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos expostos.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.


Coimbra, 2012-04-24