Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
194/09.0TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
APRECIAÇÃO DA PROVA
PRESUNÇÃO
REGISTO PREDIAL
POSSE
USUCAPIÃO
Data do Acordão: 12/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 712º, Nº 1 DO CPC; 7º DO C. R. PREDIAL; 350º, Nº 1, E 1268º, Nº 1, DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I – O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova deve ser ponderado por si, mas também em relação/articulação com os demais.

II - Assim, deverá ponderar-se o depoimento de cada testemunha, conjugado com os das outras testemunhas, todos conjugados com os demais elementos de prova.

III - Mais, quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

IV - As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial).

V - A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa.

VI - O possuidor goza da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada no registo anterior ao início da posse - artigo 1268º, nº 1, do Código Civil.

VII - A regra é, pois, a de que a posse implica a presunção legal da titularidade do direito, e a excepção no caso de colisão entre ela e a presunção derivada do registo de um direito anterior ao início da posse, caso em que prevalece esta última presunção.

VIII - Por isso, nos termos da norma do artigo 350.º n.º 1 do Código Civil, compete àqueles que se arrogam proprietários, provar que o detentor não é possuidor.

Podendo, assim, adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa - é atribuída a propriedade ao possuidor, não propriamente porque o possuidor conseguiu provar que era proprietário, mas antes porque não foi provado que ele não o era.

IX - A usucapião, como forma de aquisição originária, não só se abstrai, como inclusivamente se sobrepõe a certas vicissitudes ou irregularidades formais ou substanciais relativamente a actos de alienação ou oneração de bens ou até mesmo à prática de actos que originariamente pudessem considerar-se ilegais ou até mesmo violadores dos direitos de outrem

X - O criador de tal instituto entendeu que, ponderados determinados aspectos, certas situações de facto, pudessem converter-se num verdadeiro direito, como ocorre no caso da posse, desde que se prolongue durante um período de tempo significativo, o qual se sobrepõe inclusivamente aos próprios vícios que hajam inquinado a posição do possuidor face ao bem possuído, pois surge um direito ex - novo, por mera vontade do respectivo titular, na sua esfera jurídica, desde que judicialmente verificada e declarada a situação de facto que lhe subjaz e que, inclusivamente retrotrai à data do início de tal situação de facto.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

A… e I… intentaram acção declarativa com processo ordinário contra D… e M…, pedindo se condenem os RR.:

a) A reconhecer que eles AA. são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio …, com a configuração e delimitação representada na planta topográfica que junta como documento 1 e que para os devidos efeitos dão como reproduzida, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito definitivamente a seu favor na Conservatória do Registo Predial sob o número … da freguesia de Pombal;

b) A retirarem, imediatamente, do poço – designadamente – o motor, mangueiras, tubos e demais acessórios e a cessarem toda e qualquer captação e extracção da água do mesmo, como a retirarem paus, restos de latas, todos os objectos e outros da faixa de terreno dos AA., bem como a retirarem ainda a caleira e mangueira/tubo pelas quais fazem conduzir águas para o dito prédio;

c) A, imediatamente, retirarem as ripas de madeira, por si pregadas no telheiro dos AA.;

d) A fecharem o portão e a não passarem pelo prédio dos AA.;

e) A absterem-se, doravante e terminantemente de, por si ou por outrem praticar qualquer acto lesivo ou impeditivo do livre exercício do direito dos AA.;

f) A indemnizar os AA. pelos danos causados e a liquidar em execução de sentença.

Para fundamentar tal pretensão alegam, em síntese, que são donos do prédio que identificam, por lhes ter sido doado por doação formalizada de …, que, por sua vez, o havia adquirido, por via sucessória, por volta do ano de 1951, sendo que, sobre o mesmo, por si e ante proprietário andam na posse do dito prédio há tempo e com características tais que levaram à respectiva aquisição pela via originária da usucapião, se outro título não tivessem, aquisição originária que expressamente invocam para todos os efeitos legais.

Porém, não obstante a existência de tal direito de propriedade, os RR., impedem os AA. de fruir totalmente o seu identificado prédio, pois do mesmo têm vindo a fazer uso abusivo, contra a vontade destes, impedindo o cultivo de uma parte do mesmo, depositando objectos, paus, latas e detritos noutra parte, captando água do poço, através de um motor que ali colocaram e conduzindo-a a través de tubagem, tendo aberto um portão que deita directamente para ele, para ali fazendo escorrer águas e resíduos de currais e pátios, através de um tubo, tendo colocado ripas pregadas a um telheiro no referido prédio existente e para ele condutando através de uma caleira, mangueira/tubo as águas pluviais de um telheiro seu, que se situa próximo, apesar de saberem que o não podem fazer, pois os AA. os fizeram notificar judicialmente para a retirada de tais objectos e se absterem de tais actos.

Ora, isso causa danos aos AA., que andam psicologicamente abalados com esta situação, até porque os RR. têm arrancado e destruído as culturas que os mesmos têm efectuado no seu prédio, impedindo-o de usar aquilo que lhes pertence, o que justifica o pedido de condenação em indemnização, embora em montante a liquidar ulteriormente, pois por não terem ainda cessado os danos, não podem eles ainda ser quantificados.

Citados, os RR. apresentaram contestação e a R. M…, na qual pugnam pela total improcedência da acção e pela procedência dos pedidos que a título reconvencional foram deduzidos.

Em sede de reconvenção é pedida a condenação dos AA. a reconhecer:

1. Que a R. reconvinte é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do conjunto predial identificado nos artigos 18º, 20º, 22º, 27º, 32º a 34º e 36º da contestação/reconvenção, numa área total de 1.073m2;

2. A ver desanexado do prédio identificado no artigo 5º da petição inicial o prédio 18º, 20º, 22º, 27º, 32º a 34º e 36º da contestação/reconvenção, que é hoje um prédio distinto e autónomo daquele, numa área total de 1.073m2;

3. Que o prédio identificado nos artigos 18º, 20º, 22º, 27º, 32º a 34º e 36º da contestação/reconvenção é uma realidade predial distinta e autónoma resultante do desmembramento do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo … – Almagreira, tudo por efeito da usucapião, que expressamente invoca;

4. Que a R. tem o direito de proceder à respectiva alteração matricial com a criação e atribuição de novo artigo matricial, tudo conforme vier a ser sentenciado, de modo a harmonizar a matriz predial com a realidade e factualidade que se deixou referida na reconvenção.

Ou, caso assim se não entenda, se condenem os AA. a:

a) Reconhecer que a R. reconvinte é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do conjunto predial identificado nos artigos 18º, 20º, 22º, 27º, 32º a 34º, 36º a 38º, 40º, 45º e 46º da contestação/reconvenção, que lhe adveio por acessão;

Ou ainda, caso assim se não entenda a condenação do AA. a reconhecer:

A) Que existe um direito de servidão para aproveitamento de águas e de aqueduto incidente sobre o prédio identificado em 5º da petição inicial para abastecimento de água à habitação da R.;

B) A executarem trabalhos de beneficiação da canalização e instalação eléctrica de modo a substituir a existente por uma outra completamente nova e, caso o não façam, seja determinado que o possa fazer a R.;

C) Que a R. tem o direito de passagem até ao poço, de modo a proceder a eventuais reparações da canalização, instalação eléctrica no interior do prédio do artigo 5º da Petição inicial ou limpeza do respectivo poço.

Para fundamentar tal pretensão, alegam os RR. que A. marido e a R. L… são irmãos, pois são ambos filhos de …, o qual há alguns anos tem vindo a entregar ao A. os seus bens, por insistência deste.

Porém, por ocasião do casamento da R., com o seu marido, entretanto já falecido, decidiram ambos, ainda em 1980, levar a cabo a construção de uma casa de habitação, para ali instalar o lar conjugal, tendo tal construção ocorrido numa parte do prédio identificado no artº 5º da petição, tendo o … doado verbalmente o terreno, onde tal edificação veio a ocorrer, o que fez sozinho, na medida em que, vivendo em união de facto com a mãe de A. e R. esta se desfez de todos os bens que eram seus no início de tal união, tendo com o dinheiro correspondente sido adquiridos outros, entre eles o mencionado, exclusivamente em nome do seu referido companheiro.

Tendo ocorrido tal construção, ficou ela com as características e composição que enunciam, muito embora, ainda em vida do …, ao longo dos anos, sempre com a autorização e consentimento do progenitor, a R. e seu então marido, foram efectuando outras construções, que iam sendo ligadas ao prédio, originariamente feito, mormente um pátio, alpendre/telheiro, adega, casa da eira, tudo isso ocorrendo há mais de 27 anos, sendo precisamente de uma dessas construções que vem a caleira mencionada pelos AA. e as ripas que os mesmos também referem e do pátio que escorrem as águas, através do tubo que também ali existe há idêntico tempo.

Por outro lado, logo aquando da construção da casa, foi dado à R. o direito de a munir de água fornecida pelo poço também mencionado pelos AA., gastando-a e canalizando-a, sem qualquer restrição, para usos domésticos e regas, sendo inicialmente bombeada por um motor eléctrico propriedade do progenitor e mais tarde, a partir de 1990, através de um outro, propriedade da própria R., que foi colocado no poço, com o consentimento do progenitor, que também consentiu na colocação da tubagem necessária à condução das águas até à casa e seus anexos, logo desde o início.

Ora, depois do falecimento de seu marido, em 1990 a R. L… passou a viver em união de facto com o R. … e foi no domínio já dessa união que foram construídos o telheiro, a casa da eira, a eira, o cimentado envolvente, o telheiro, a adega e colocado o motor eléctrico.

Por outro lado, logo aquando do casamento o … doou verbalmente à R. o terreno que fica situado no extremo nascente e norte do prédio rústico mencionado no artº 5º da petição, com uma área de 558 m2, nela tendo a R. e seu falecido marido plantado árvores de fruto.

Ora, sobre esse conjunto predial foi fruído sempre pela R., a quem foi doado, com características tais e há tempo suficiente para levar à respectiva autonomização do imóvel que lhe deu origem e ser adquirido pela mesma R., tudo pela via originária da usucapião, que expressamente invoca, para todos os efeitos legais, nunca os AA. tendo ali desenvolvido qualquer actuação, assim se justificando a pretensão deduzida a título principal.

Porém, ainda que assim se não considerasse, sendo o valor das obras, sementeiras ou plantações muito superior ao do terreno à data da incorporação, sempre seria de deferir a pretensão subsidiariamente apresentada, nesse sentido, com a consequente falência da pretensão dos AA..

Notificados da contestação/reconvenção, os AA. apresentaram réplica, na qual alegam que nunca o ascendente comum de A. e R. se quis desfazer do que lhe pertencia, antes tendo a R. actuado sempre por mera tolerância, em ordem à construção, dado todos serem família, o que tanto a R. como o marido sempre souberam. Mais alegam que sendo a R. mera detentora e tendo estado a residir durante anos fora do local, sempre teriam que se considerar como não verificados os pressupostos legalmente exigidos em ordem à prescrição originária aquisitiva invocada a título principal, invocando que também não estão reunidos os pressupostos da acessão, invocada a título subsidiário.

Como quer que seja, impugnam todos os demais factos invocados na contestação/reconvenção e pugnam pela sua total improcedência com a procedência da acção, requerendo ainda a condenação dos RR., como litigantes de má-fé em multa e indemnização a seu favor.

A Sr.ª Juíza do Círculo de Pombal proferiu a seguinte decisão:

1. Julgar a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:

a) Declarar que os AA. são donos do prédio rústico composto de … com a área matricial de 3.275m2, sito no lugar de …, freguesia de Almagreira, concelho de Pombal, … inscrito na respectiva matriz sob o art. …, descrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o nº … da freguesia de Pombal.

b) Julgar improcedentes todos os demais pedidos deduzidos e dos mesmos absolver os RR..

c) Condenar os AA. na totalidade das custas da acção.

2. Julgar totalmente procedente a reconvenção e, em consequência condenar os AA.:

a) A reconhecer que a R. reconvinte é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do conjunto predial identificado pontos 23., 24., 26º, 32., 36º, 38º, 39º, 41º e 42º dos factos provados, com área exacta não apurada, mas em todo o caso correspondente ao somatório das áreas concretas de cada um delas, tal como declaradas nos pontos correspondentes nos factos provados ou correspondentes àquelas, cuja ocupação se deu como provada, mas cuja área exacta se não apurou.

b) A reconhecer que tal prédio se autonomizou, por via originária da usucapião, do identificado no art.º 1º dos factos provados, constituindo hoje, um prédio autónomo e distinto do que lhe deu origem;

c) A reconhecer que a R. reconvinte tem o direito de proceder à respectiva alteração matricial com a criação e atribuição de novo artigo matricial de modo a harmonizar a situação do seu prédio tal como declarado existir.”.

2.O Objecto da instância de recurso

Os apelantes A… e I… apresentam as seguintes conclusões:

...

Os apelados respondem e concluem assim:

...

Da leitura das alegações apresentadas pelos autores resulta, desde logo, que foi sua intenção impugnar a decisão da matéria facto, pretendendo, com a reapreciação dos depoimentos de testemunhas e análise de documentos juntos aos autos, a modificação das respostas dadas a certos Pontos da Base Instrutória, colocando “à cabeça” a seguinte questão:

“A sentença enferma do vício de nulidade previsto na alínea e) do art.668º do CPC ao pretender condenar em quantidade superior ao próprio pedido dos RR”.

A este propósito escreve a 1.ª instância:

“Com a mesma argumentação já supra vertida, procede integralmente o pedido reconvencional deduzido pela RR., que logrou provar factualmente a versão em que se sustentava, a qual tem o enquadramento jurídico também já enunciado, que é aduzido pela mesma a título principal, pois concluindo-se pelo fraccionamento de domínio nos termos invocados e pela aquisição do respectivo de propriedade, tudo por via da usucapião bem como opondo-se os AA. a tal direito, justificado está o pedido de condenação dos mesmos no reconhecimento em conformidade, com a aceitação consequente de que à reconvinte assiste o direito de legalizar matricial e registralmente o seu direito, tal como declarado existir, carece de utilidade a apreciação dos pedidos por ela apresentados a título meramente subsidiário.

A única excepção tem a ver com a área exacta do referido prédio, que não logrou apurar-se com exactidão, no seu todo, muito embora haja de corresponder exactamente ao somatório das várias zonas ocupadas, tal como descritas nos pontos correspondentes do factos provados…”.

Por isso, decide ”… a) reconhecer que a R. reconvinte é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do conjunto predial identificado pontos 23., 24. (portão de acesso ao pátio), 26º (caleira no telheiros), 32. (anexo), 36º, 38º (poço e motor de rega), 39º (fossa séptica), 41º e 42º (parcela de terreno) dos factos provados, com área exacta não apurada, mas em todo o caso correspondente ao somatório das áreas concretas de cada um delas, tal como declaradas nos pontos correspondentes nos factos provados ou correspondentes àquelas, cuja ocupação se deu como provada, mas cuja área exacta se não apurou”.

Como esclarece a ilustre julgadora da 1.ª instância:

“Salvo melhor opinião, a sentença proferida não padece de qualquer nulidade, por condenação em quantidade superior ao pedido deduzido pelos RR..

De facto, tal pedido, na parte correspondente, é feito tendo por referência o art.º 36º da contestação/reconvenção onde mencionando como meio de prova um croquis, se descreve factualmente a área de terreno, como tendo 558 m2, não tendo tal croquis sido usado como elemento descrito do imóvel propriamente dito.

Bem se entende que assim tenha sido feito, pois o dito croquis é um desenho/esboço, grosseiro, sem qualquer pretensão de rigor, por não ter sido feito por profissionais ou à escala.

Ora, não tendo a sentença dado como provada a área da dita parcela, entendemos que não se poderá configurar o cometimento da nulidade invocada pelos recorrentes. De facto, tal nulidade apenas ocorreria se a área que viesse a ser encontrada em resultado da concretização no local dos elementos identificativos correspondentes (neste caso os constantes do ponto 41. a 43. dos factos provados) tivesse área superior à invocada e peticionada pelos reconvintes, o que não se vislumbra como possível considerar, no imediato, sendo certo que tacitamente, o segmento decisório, na parte em que mencionou área exacta não apurada, terá sempre que se considerar como contendo o limite máximo de área abrangido pelo pedido que se apreciou, o que, de qualquer forma, agora se esclarece.

São termos em que e com os fundamentos expostos, se considera não ter sido praticada qualquer nulidade, indeferindo a sua invocação”.

Porque concordamos com tal esclarecimento, improcede a invocada nulidade.

Seguindo.

Invocam os recorrentes que “ …sem condescender, as construções e plantações seriam da Ré do falecido marido e, não exclusivamente, desta, pelo que, só a herança aberta por óbito do mesmo … poderia ter legitimidade para os pedidos”.

Embora estejamos perante um facto novo, apenas estruturado em sede de recurso – os autores apenas aludem a este tema, muito de levezinho, no artigo 67 da sua réplica -, esta questão é do conhecimento oficioso, sendo que o julgamento genérico proferido no despacho saneador sobre a personalidade judiciária ou qualquer outra das excepções dilatórias, não faz caso julgado no processo, como resulta do disposto no nº 3 do artigo 510º.

Como sabemos, a falta de personalidade judiciária - seja activa ou passiva, isto é, relativa a quem figura como demandante ou a quem figura como réu - é uma excepção dilatória que determina a absolvição do réu da instância - arts. 288º, nº 1, c), 493º, 2, 494º, c) e 495º-, sendo insuprível, salvo o caso previsto no art.º 8º.

A personalidade judiciária ocupa um lugar muito especial entre os pressupostos processuais, pois é o pressuposto dos restantes processuais subjectivos relativos às partes - tanto a capacidade judiciária como a legitimidade, atributos das partes, pressupõem uma parte, pois que faltando essa susceptibilidade de ser parte  faltará, em rigor, a instância, embora haja uma aparência de instância, que chega para fundamentar os actos de processo que se pratiquem.

Partes são as pessoas pela qual e contra a qual é requerida, através da acção, a providência judiciária, e assim, a personalidade judiciária traduz-se na susceptibilidade de requerer ou de contra si ser requerida uma qualquer providência de tutela jurisdicional.

As partes são, em todas as acções, identificadas na petição inicial sem prejuízo, claro está, de outras poderem intervir no decurso do processo, sendo certo que em tais casos devem tais partes ser identificadas ou identificar-se no requerimento em que se suscite a sua intervenção.

Interessa ao caso dos autos a extensão da personalidade judiciária à herança jacente - art.º 6º, al. a).

Aberta a herança no momento da morte do seu autor - art.º 2031º do Código Civil –, ela permanecerá jacente enquanto não for aceite nem declarada vaga para o Estado - art.º 2046º do Código Civil.

 Reporta-se a jacência a uma situação jurídica transitória, pois que após a aceitação da herança, por força da retroactividade dos efeitos deste acto - art.º 2050º, nº 1 do Código Civil -, tudo se passa como se as relações jurídicas do falecido tivessem sido assumidas desde a morte deste pelos sucessíveis chamados e aceitantes.

A situação de jacência da herança subsiste (mas subsiste apenas) desde o momento da sua abertura até ao momento em que os herdeiros a aceitem (ou em que esta seja declarada vaga para o Estado).

Por isso, não se pode confundir a herança jacente com a herança ainda não partilhada.

Só à primeira reconhece a lei personalidade judiciária, sendo certo que a herança aceite mas não partilhada não se subsume, para os efeitos previstos na alínea a) do art.º 6º, à figura de património autónomo semelhante de titular não determinado – sobre este tem, aconselhamos a leitura, entre outros, dos Acórdãos do S.T.J de 15.01.2004, da Relação do Porto de 19.05.2010, da  Relação de Lisboa de 3.03.2011, todos retirados do site www.dgsi.pt.

Não há, pois, extensão - solução legal de excepção - da personalidade judiciária à herança indivisa já aceite pelos interessados herdeiros, pelo que, nos casos em que já ocorreu aceitação da herança, o contraditório deve estabelecer-se necessariamente com os herdeiros que já aceitaram, apesar de ainda se não ter procedido à liquidação e partilha.

Este momento teórico serve, apenas, para relembrar aos apelantes que, era a estes que competia alegar e provar – trazendo os competentes factos à instância – a existência de uma destas situações, porquanto configuram excepções aos pedidos formulados pela ré.

Mais, ficamos sem saber – porque não alegado – se os bens em causa são próprios ou comuns, se existem outros herdeiros, se houve renúncia à herança, etc…

Por isso, fica vedado a este Tribunal alterar o despacho saneador proferido pela 1.ª instância quando refere, além do mais, que “…as partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas”.

Improcede, neste particular, a instância recursiva.

Prosseguindo.

A 1.ª instância fixou a seguinte matéria de facto:

...

Começam por dizer os apelantes:

“São os próprios RR quem alegam reconhecerem ao aceitarem terem sempre actuado com autorização e consentimento do falecido … a quem pediam para construir, para agricultar, para pôr motor no poço, para extrair água, para apanhar fruta.

Que a casa fora construída pela Ré e, falecido marido - cujo artigo matricial … ainda tem como titular do rendimento o próprio …, o qual, faleceu deixando dois filhos e, terem colocado motor no poço com autorização do …”.

Isto, para sublinharem que os réus reconvintes são havidos como detentores ou possuidores precários.

Com todo o respeito que nos merecem os apelantes, lido o articulado apresentado pelos reconvintes – artigos 50 e sgs. da contestação/reconvenção -, estão lá os requisitos necessários para a aquisição originária, pelo que não existiu violação do princípio processual definido na norma do artigo 264.º do Código do Processo Civil.

Como é sabido, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, nomeadamente se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas - artigo 712º n.º 1 al. b), do Código do Processo Civil -.

Estando o Tribunal da Relação vinculada a realizar uma reapreciação substancial da matéria, sindicando, através de audição do registo ou gravação da audiência, a convicção formada pelo tribunal de 1.ª instância e formando sobre tais pontos de facto impugnados a sua própria convicção, que pode ou não ser coincidente com a do juiz “a quo”, na respectiva realização, com o necessário exame crítico dos elementos probatórios postos à consideração do Tribunal, não é despicienda a exigência que os meios de prova indicados pelos recorrentes sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, conduzindo-se, na formação da sua convicção, com uma acrescida prudência.

O que resulta dos autos:

No entender dos recorrentes, deveriam ser estes os factos fixados pela 1.ª instância – ...

Compreendemos a preocupação dos recorrentes.

Esta matéria não está impugnada, sendo aceite por ambas as partes.

No entanto, a 1.ª instância respondeu de uma forma explicativa, tendo em atenção o que é pedido pelos reconvintes, evitando-se, assim, possíveis contradições nas respostas a outros Pontos da Base Instrutória.

Outra questão, tem a ver já, com o acerto da fixação da matéria de facto pela julgadora do Tribunal de Pombal.

E quanto a essa, vejamos.

Desde logo, chamamos a atenção dos recorrentes para seguinte:

O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida.

Cada elemento de prova deve ser ponderado por si, mas também em relação/articulação com os demais.

Assim, deverá ponderar-se o depoimento de cada testemunha, conjugado com os das outras testemunhas, todos conjugados com os demais elementos de prova.

Mais, quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

Por outro lado, as presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio.

Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80ºn.º 1 e 2 do Código do Registo Predial).

A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa - com interesse para esta questão, aconselhamos a leitura dos artigos 60.º, 90.º e 46.º do Código do Registo Predial, os Acórdãos do STJ de 11 de Maio de 1995, 17 de Junho de 1997, 25 de Junho de 1998, 11 de Março de 1999, 10 de Janeiro de 2002 e 28 de Janeiro de 2003, retirados, respectivamente, da CJ/STJ – III-II-75, V-II-126, VI-II,134, VII-I-150; Sumários/2002, 28 e 249; Sumários/Janeiro, 2003, Acórdão do STJ 30.09.2004, este pesquisado no site www.dgsi.pt-.

Como é sabido, o possuidor goza da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada no registo anterior ao início da posse - artigo 1268º, nº 1, do Código Civil.

A regra é, pois, a de que a posse implica a presunção legal da titularidade do direito, e a excepção no caso de colisão entre ela e a presunção derivada do registo de um direito anterior ao início da posse, caso em que prevalece esta última presunção.

Avançando.

...

Esta matéria contende, na tese dos autores, com a violação do seu direito de propriedade por parte dos réus – artigos 23 e segs. da petição.

Vejamos então a prova constante dos autos:

Desde logo, pela sua característica isenta e objectiva, temos as respostas dadas pelo perito e que estão no relatório de fls.355 a 361 (incluindo os esclarecimentos prestados) e que aqui reproduzimos.

Verificamos que a julgadora da 1.ª instância aí foi “beber” a sua convicção.

Concordamos, por isso, nada a dizer.

Mantemos, por isso, a matéria fixada pela 1.ª instância.

Resta, agora, dizer o seguinte:

A apelada, veio na presente acção, deduzir reconvenção pela qual pretende ser ela dona de uma parcela de terreno onde tem construída, entre outros, a sua casa de habitação, que lhe foi doada de forma meramente verbal, há mais de 20 anos, pelo que, tendo sobre ela exercido actos de posse com características juridicamente relevantes, se autonomizou pela via originária da usucapião do prédio-mãe a que outrora pertenceu e foi, pela mesma forma, por si adquirida.

Todos sabemos, que o nosso legislador consagrou a concepção subjectiva da posse, devendo esta ser integrada por dois elementos estruturais: o corpus - a actuação de facto correspondente ao exercício do direito - e o animus, o seu elemento subjectivo  - correspondente á intenção de exercer como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela –.

Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.5.96 (uniformizador de jurisprudência) - DR II Série, de 24.6.96 – “ …por ser difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente, é que o art. 1252º, nº 2, tal como já sucedia no § 1º do art. 481º do C. de Seabra, estabelece uma presunção de posse em nome daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa…”.

Com efeito, exigindo a lei o corpus e o animus para efeito de haver posse, e como a prova do animus poderá ser muito difícil é estabelecida uma presunção legal que diz que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto.

Daqui decorre, naturalmente, que o exercício do corpus faz presumir a existência do animus, sendo, pois, o animus inferível pelo poder de facto -  a intenção de domínio não tem de explicar-se, presumindo-se, como já dito, a posse naquele que exerce o poder de facto.

Por isso, nos termos da norma do artigo 350.º n.º 1 do Código Civil, compete àqueles que se arrogam proprietários, provar que o detentor não é possuidor.

Podendo, assim, adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa - é atribuída a propriedade ao possuidor, não propriamente porque o possuidor conseguiu provar que era proprietário, mas antes porque não foi provado que ele não o era.

Só não acontecerá se existir a favor de outrem presunção fundada em registo anterior ao início da posse – art. 1268º, nº 1 do Código Civil.

Presumindo-se, assim, que quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos actos que se praticam sobre ela - significa, portanto, que numa acção de reivindicação, acção posta pelo proprietário contra o possuidor, este não tem o ónus da prova, cabendo, assim, ao reivindicante esse encargo.

Como escreve a 1.ª instância, “…ao direito de propriedade invocado, contrapuseram, todavia, os RR. o direito de propriedade da R. L… sobre a parcela de terreno supra mencionada e sobre o solo onde se encontra edificada a respectiva casa de habitação, os quais, tendo originariamente pertencido ao imóvel mencionado, teriam sido verbalmente doados à R. em referência, que sobre eles vêm praticando actos que teria levado à respectiva autonomização do prédio que lhes deu origem e à sua aquisição pela referida R., por via do instituto jurídico a que se tem vindo a fazer referência (...)De facto, como se viu acima, para que proceda a acção de reivindicação é necessário que a coisa em discussão se encontre na posse ou na detenção de outrem e das alegações dos réus invocando a aquisição por usucapião, e bem assim da matéria provada na parte correspondente resulta claro, como também já se viu, que os RR. estiveram ou ainda estão na detenção pelo menos de parte do prédio.

 Ora, prescreve o nº. 2 do art.1311º do Código Civil que “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”, pelo que, para não proceder o pedido dos AA., no demais, que deva entender-se como abrangido pelo pedido de restituição (pontos 2., 3., 4. do petitório) e do pedido de condenação em futuros actos turbadores, terá que se considerar como legítima tal actuação o que passará sempre pela verificação da procedência dos respectivos argumentos, ou seja que, por se ter autonomizado a unidade predial por si mencionada, o direito de propriedade dos AA. não abrange a mesma, estando a sua actuação legitimada pelo direito de propriedade que, pela via da usucapião, se teria radicado na esfera jurídica da R. L… que teria, pois, toda a legitimidade para usar e fruir o que lhe pertence, por si ou por outrem, antes se devendo condenar os AA. A reconhecê-la em conformidade, desde logo porque questionam esse direito, como se retira da posição que assumiram na presente acção, mas também da própria conduta apropriadora sobre a parcela em questão que invocam logo na petição inicial.

E foi isso, precisamente que os RR. provaram: A divisão em substância, a sua posse, sobre uma unidade predial autonomizada do prédio mãe em termos correspondentes ao direito de propriedade assim considerado, o decurso do tempo, e os demais elementos supra mencionados em ordem à verificação positiva do direito potestativo que a R. L… invoca em seu benefício, o que se retira dos factos dados como provados em 23. a 54. Dos factos provados, dos quais se pode concluir que o solo onde foi implantada a casa, seus anexos, pátio e a parcela de terreno anexa mencionada em 41., foram “doados verbalmente” à R. L… por seu pai, na sua esmagadora maioria há mais de 30 anos e que, não obstante a nulidade de tal acto de transmissão, sobre esse conjunto predial, foram exercidos actos materiais de posse, como se de um prédio autónomo se tratasse, em termos tais que levaram, em conformidade com todos os pressupostos legalmente exigidos e já supra enunciados a que a dita R. tenha adquirido, sobre o mesmo, assim já autonomizado do prédio que lhe deu origem, o direito de propriedade, pela via da usucapião...”.

Mais, a usucapião como forma de aquisição originária, não só se abstrai, como inclusivamente se sobrepõe a certas vicissitudes ou irregularidades formais ou substanciais relativamente a actos de alienação ou oneração de bens ou até mesmo à prática de actos que originariamente pudessem considerar-se ilegais ou até mesmo violadores dos direitos de outrem.

O criador de tal instituto entendeu que, ponderados determinados aspectos, certas situações de facto, pudessem converter-se num verdadeiro direito, como ocorre no caso da posse, desde que se prolongue durante um período de tempo significativo, o qual se sobrepõe inclusivamente aos próprios vícios que hajam inquinado a posição do possuidor face ao bem possuído, pois surge um direito ex - novo, por mera vontade do respectivo titular, na sua esfera jurídica, desde que judicialmente verificada e declarada a situação de facto que lhe subjaz e que, inclusivamente retrotrai à data do início de tal situação de facto.

De facto, – como refere a 1.ª instância - este entendimento, tem-se mantido inalterado, mesmo nos casos em que tenha ocorrido fraccionamento dominial em violação do artº 1376º, nº1 do Código Civil, e é pacífico nos casos de fraccionamento da propriedade rústica, conforme se retira do aresto citado, mas também de inúmeros outros que se pronunciam sobre idêntica questão, ressaltando-se que o momento a atender para a qualificação de um determinado prédio como rústico é aquele em que ocorreu o fraccionamento, mesmo se o destino que lhe é dado posteriormente seja outro – neste sentido, o Acórdão do STJ de 7.4.2011, pesquisado no site www.dgsi.pt, embora tratando situação no restante diversa da dos autos.

Como escreve a recorrida, a dado momento das suas alegações, “...O certo é que a transferência da propriedade do prédio descrito no nº 1., dos factos provados, operada pela escritura de doação feita aos Recorrentes não abrangeu a porção de terreno onde se encontram implantadas as construções realizadas pela Recorrida e marido ou o terreno que fica localizado nas traseiras do pátio.

 Esta porção de terreno já não estava na disponibilidade do doador (…), já não se encontravam alojadas no seu acervo patrimonial. Razão pela qual o mesmo não foi transmitido aos Recorrentes.

Assim, provados que estão os factos constitutivos do direito de propriedade da Recorrida, constituído por usucapião, não poderia nunca deixar de proceder o pedido reconvencional por ela deduzido.

A sentença veio conciliar o direito de propriedade dos Recorrentes e da Recorrida, delimitando-os no seu conteúdo...”.

Assim, mantemos o decidido pela 1.ª instância.

Só mais uma pequena nota acerca das custas.

Dizem os apelantes, no tocante à fixação das custas, que “…os RR contestaram e impugnaram os factos alegados pelos AA e pediram a improcedência da acção e a procedência da reconvenção. A acção sem prescindir foi julgada parcialmente procedente, devia ser condenados os RR, também, em custas e, como se pugna, aos mesmos caberão as custas da acção e reconvenção”.

Esquecem-se os apelantes, que a razão para a condenação destes nas custas totais da acção, tem somente a ver com o facto da apelada nunca ter contestado o direito dos recorrentes, com excepção daquilo que contendia com o seu direito de propriedade sobre o terreno das construções e o terreno localizado nas traseiras do pátio, que mereceu vencimento nas instâncias.

Assim, por não ter dado causa à acção nem ter deduzido oposição ao direito dos recorrentes, os recorridos não são responsáveis pelas custas na acção, nos precisos termos da norma do artigo 449º.

Como escreve a ilustre julgadora da 1.ª instância, “...Os AA. suportarão a totalidade das custas do processo, tanto da acção como da reconvenção, pois na parte em que aquela procede, não mereceu oposição por banda dos RR. e esta procedeu totalmente, contra aquilo que eles AA. visavam”.

Passemos ao sumário:

i. O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova deve ser ponderado por si, mas também em relação/articulação com os demais.

ii. Assim, deverá ponderar-se o depoimento de cada testemunha, conjugado com os das outras testemunhas, todos conjugados com os demais elementos de prova.

iii. Mais, quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

iv. As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial).

v. A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa.

vi. O possuidor goza da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada no registo anterior ao início da posse - artigo 1268º, nº 1, do Código Civil.

vii. A regra é, pois, a de que a posse implica a presunção legal da titularidade do direito, e a excepção no caso de colisão entre ela e a presunção derivada do registo de um direito anterior ao início da posse, caso em que prevalece esta última presunção.

viii. Por isso, nos termos da norma do artigo 350.º n.º 1 do Código Civil, compete àqueles que se arrogam proprietários, provar que o detentor não é possuidor.

Podendo, assim, adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa - é atribuída a propriedade ao possuidor, não propriamente porque o possuidor conseguiu provar que era proprietário, mas antes porque não foi provado que ele não o era.

ix. A usucapião como forma de aquisição originária, não só se abstrai, como inclusivamente se sobrepõe a certas vicissitudes ou irregularidades formais ou substanciais relativamente a actos de alienação ou oneração de bens ou até mesmo à prática de actos que originariamente pudessem considerar-se ilegais ou até mesmo violadores dos direitos de outrem

x. O criador de tal instituto entendeu que, ponderados determinados aspectos, certas situações de facto, pudessem converter-se num verdadeiro direito, como ocorre no caso da posse, desde que se prolongue durante um período de tempo significativo, o qual se sobrepõe inclusivamente aos próprios vícios que hajam inquinado a posição do possuidor face ao bem possuído, pois surge um direito ex - novo, por mera vontade do respectivo titular, na sua esfera jurídica, desde que judicialmente verificada e declarada a situação de facto que lhe subjaz e que, inclusivamente retrotrai à data do início de tal situação de facto.

3.Decisão

Pelas razões expostas, na improcedência do recurso, mantemos a sentença proferida na 1.ª instância.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 3 de Dezembro de 2013

(José Avelino Gonçalves - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)