Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/11.8TBAVZ-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: AVALISTA
LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
RELAÇÕES IMEDIATAS
Data do Acordão: 01/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALVAIÁZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1, 17, 32, 75, 77 LULL
Sumário: 1. O avalista de livrança em branco apenas pode invocar a excepção material do seu preenchimento abusivo se alegar e provar que existiu pacto de preenchimento e que interveio na definição do teor das suas clausulas naquela específica qualidade, pois que, só assim, ele se encontra no domínio das relações imediatas.

2. Transitada em julgado a decisão que não leva à BI factualidade alegada pelos AA no entendimento de que para prova da mesma é exigido documento escrito, não podem eles, em sede recursiva, pugnar pela prova do facto, mesmo com base noutro documento que já estava junto aos autos.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

 G (…) e S (…) deduziram oposição à execução para pagamento de quantia certa contra eles e G (…) Unipessoal, Lda, instaurada por BANCO (…), SA,.

 

Alegaram, em síntese:

Entre a exequente e a 1ª executada  sociedade G (…) foi  celebrado o contrato de locação financeira mobiliário identificado no requerimento  executivo.

Os opoentes assumiram a posição de avalistas no referido contrato de locação financeira.

A primeira executada apenas deixou de cumprir com as obrigações decorrentes de  tal contrato em Maio/Junho de 2010 e, em Setembro de 2010, os executados fizeram  com a exequente um acordo de rescisão antecipada do contrato de locação financeira,  com a entrega voluntária do veículo, entrega dos respectivos documentos,  preenchimento e assinatura do requerimento do registo automóvel de extinção da  locação e posterior registo da extinção da locação na Conservatória do Registo  Automóvel, acordo esse que foi cumprido nesse mesmo mês.

Nessa mesma data, os oponentes acordaram com o exequente que com a entrega  do veículo, dos respectivos documentos e com o registo de extinção do contrato de  locação, e tendo em conta o estado de conservação em que o mesmo se encontrava, os  executados nada deviam ao Exequente.

Caso assim não se entendesse, com a rescisão do contrato, extinguiu-se a obrigação  principal e os executados apenas terão em débito as rendas vencidas até Setembro de  2010 e não as vincendas.

O exequente não tem direito à indemnização prevista na parte final do n.º 5 do  artigo 11º do contrato de locação financeira celebrado entre as partes – que é nula –  pois tal não ficou previsto no documento de “Autorização de Cancelamento”, como ficou  previsto a obrigação de pagar as rendas vencidas e não pagas.

Caso contrário, tal situação consubstanciava um enriquecimento injustificado do  locador financeiro (exequente), uma vez que acabaria por  receber mais do que aquilo que obteria se o contrato fosse pontualmente cumprido, pois  receberia a prestação do locatário financeiro (todas as rendas: as vencidas e as  vincendas) acrescido de um valor indemnizatório quando já não podia cumprir com a  sua obrigação (o gozo da coisa pelo locatário financeiro), porquanto, já tinha sido feita a  restituição do bem locado por parte dos executados.

Os executados apenas devem as rendas vencidas até Setembro de 2010.

Impugnam os documentos juntos pelo exequente como documento n.º 3.

Terminam pedindo que seja julgada procedente a oposição à execução.

A exequente contestou:

Alegando, em resumo:

O contrato de locação financeira mobiliária celebrado entre opoentes e exequente  atingiu o termo final do seu prazo sem que a locatária tivesse pago a totalidade das  rendas a que se obrigou, designadamente não pagou as rendas 36 a 43 do contrato,  tendo-se constituído em incumprimento definitivo.

Face a tal incumprimento, o locador tem direito a exigir os direitos de crédito  emergentes do contrato, o que fez, preenchendo a livrança subscrita pela sociedade e  avalizada pelos executados/oponentes, no montante de € 12.599,54.

Não foi feito entre a locatária e os oponentes qualquer acordo com o Banco  exequente.

Terminou peticionando a improcedência da oposição à execução.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu:

Julgar improcedente a oposição.

3.

Inconformados recorreram os oponentes.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Os factos dados como provados no ponto 1 e 2 da fundamentação de facto não correspondem à verdade, nem os mesmos resultam dos documentos juntos aos autos, nomeadamente dos documentos de fls. 5 a 14 e 13 a 14;

2. Naquele ponto 1 deveria ser dado como provado que a sociedade executada “G(…) Unipessoal Lda.” e o Banco (…) SA (aposta) celebraram o contrato de locação financeira junto a fls. 5 a 14 dos autos principais.

3. Naquele ponto 2 deveria ser dado como provado que na sequência de tal contrato, foi subscrita, em branco, a livrança junta aos autos a fls. 13 e 14, pela sociedade executada “G (…) Unipessoal Lda.” e avalizada pelos Opoentes – G (…) e S (…).

4. Da prova documental (única prova) trazida aos presentes autos pelas partes resulta também a não verificação dos factos indicados no ponto II da Douta Sentença, com o título “Questões A Resolver”.

5. Foi junto aos presentes autos pelos Opoentes, ora Recorrentes, um documento escrito que demonstra, inequivocamente, a rescisão do contrato de locação financeira por resolução daquele contrato – documento junto com a oposição como Doc. 5 “Autorização para Cancelamento de Registo”.

6. Deste documento resulta expressamente que as partes resolveram o contrato de locação financeira em causa nos presentes autos e que essa resolução foi operada por aquele documento.

7. O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o contrato de locação financeira em causa foi rescindido a 7 de Setembro de 2010, por resolução operada pelo documento titulado “autorização para cancelamento de registo” outorgado (por ambas as partes) a 7 de Setembro de 2010, conforme documento junto com a Oposição como Doc. 5.

8. Tendo havido rescisão do contrato por resolução como resulta do documento junto como Doc. 5 à oposição, documento esse assinado por ambas as partes, verifica-se, no caso em apreço, a extinção do contrato de locação financeira em causa - a resolução é uma das formas de extinção dos contratos!

9. Resolvido o contrato, e reavendo o bem locado (como foi o caso), o locador financeiro pode pois, exigir apenas e só o pagamento das rendas vencidas e não pagas (art. 434º, nº1 do CC) bem como uma indemnização (art. 801º, nº 2 do CC.).

10. Isto mesmo resulta quer do referido documento de “Autorização para Cancelamento do Registo” (Doc. 5 da Oposição) que refere expressamente: “este cancelamento não constitui quitação das rendas vencidas e não pagas”, bem como do próprio contrato de locação financeira que, nas suas condições gerais, na cláusula 11, número 5, estabelece: “que a resolução do contrato não exonera o locatário do dever de cumprimento de todas as suas obrigações que à data se encontrarem vencidas e confere ao locador, para além do direito de conservar as rendas vencidas e pagas, o direito de receber do locatário, a título de indemnização por perdas e danos uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual…” (sublinhado nosso).

11. No caso em concreto, as rendas não pagas são as rendas referentes aos meses de Março (ponto 3 da fundamentação de facto) a Agosto de 2010 (pois as rendas apenas se venciam ao dia 15 de cada mês e o contrato extinguiu-se por resolução a 7 de Setembro de 2010).

12. A título de indemnização, e como vimos já, o Locador financeiro tinha direito a receber, e portanto a peticionar na presente execução, 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual.

13. Deste modo, o locador financeiro tinha a receber do locatário financeiro (G (…) Unipessoal Lda.) o valor total de 5.071,92 € - correspondente a 2.912,04 € a título de rendas vencidas e não pagas + 2.149,88 € a título de indemnização e NUNCA os 12.599,54 € que o Exequente peticiona no seu requerimento executivo e que a Sentença Recorrida diz ter direito.

14. Tendo todos estes factos os alegados em sede de oposição, e quanto a eles nem uma palavra do Tribunal a quo – nem os referiu nos factos provados, nem os referiu nos factos não provados… (Omissão de pronúncia – nulidade da sentença o que desde já se requer para todos os efeitos legais.)

15. Os Opoentes, ora Recorrentes, sendo meros avalistas, podiam, em sede de oposição alegar – como alegaram – os factos supra descritos.

16. Entre a exequente e a sociedade G (…) Unipessoal Lda. foi celebrado um contrato de locação financeira,

17. Para efeitos de garantia das obrigações emergentes desse contrato, a executada G (…) Unipessoal, Lda., subscreveu a livrança nº x ...

18. Simultaneamente foi celebrada uma “Convenção de Preenchimento” daquela Livrança, tendo a mesma como outorgantes a Exequente, a sociedade executada e, ainda, os Opoentes, ora Recorrentes, na qualidade de avalistas

19. Através daquela Convenção a sociedade executada e os Opoentes, ora Recorrentes, autorizaram a Exequente a preencher a mesma, nomeadamente, no que diz respeito à data de emissão, data de vencimento, local de pagamento, bem como o seu montante, nos termos que correspondam às suas responsabilidades não satisfeitas

20. Assim sendo, os Opoentes/Avalistas, ora recorrentes, prestaram o seu aval e autorizaram o preenchimento da referida livrança na condição em que na mesma apenas fosse colocado montante nunca superior às responsabilidades da Sociedade executada (G (…) Unipessoal Lda.) à data do seu preenchimento.

21. À data de preenchimento da livrança a sociedade executada Gonçalo Mendes Unipessoal Lda. apenas era responsável perante a Exequente pelo pagamento do valor de 5.071,92 €.

22. A Exequente ao ter preenchido a livrança com o montante que preencheu (12.599,54 €) não respeitou a referida convenção de preenchimento.

23. A Exequente, contrariamente ao acordo de preenchimento, preencheu a livrança em valor superior ao que lhe era devido pelo Primeiro Outorgante (G (…) Unipessoal, Lda.).

24. Ora, todos os factos supra expostos, foram alegados em sede de oposição (com maior ou menor precisão, mas foram).

25. Estes factos, por sua vez, traduzem num preenchimento abusivo da livrança em causa.

26. E apesar, de os opoentes em sede de oposição não falarem expressamente num preenchimento abusivo da livrança de forma explícita, essa alegação pode inferir-se dos factos alegados, nomeadamente dos factos alegados nos arts. 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 40º, 41º, 42º e 43º.

27. O preenchimento abusivo da livrança é um vício de forma, e os factos que demonstram esse preenchimento abusivo foram totalmente alegados em sede de oposição à Execução.

28. Dos factos alegados pelos ora Opoentes na sua oposição, resulta inequivocamente a actuação de má-fé da Exequente portadora da livrança.

29. Tendo o avalista intervindo no pacto de preenchimento, como é o caso, pode ele opor ao portador as excepções que competiam ao avalizado se o título cambiário estiver no domínio das relações imediatas – ao contrário do que é afirmado pela Senhora Dra. Juíza do tribunal recorrido.

30. Não tinham, os oponentes que pedir (e não pediram) a declaração da nulidade formal do título por vício de forma, mas apenas alegaram que aquele valor não era devido, por ter havido uma extinção do contrato por resolução operada pelo Doc 5 junto com a oposição,

31.requerendo, em conformidade, que fosse julgada procedente a sua Oposição.

32. Os Opoentes tinham que expor e expuseram, na sua oposição os fundamentos (factos) que lhe era lícito deduzir. A nulidade é mero fundamento da decisão, não estando o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

33. Não podendo a sentença decidir para além do que lhe foi solicitado pelas partes, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

34. Por isso, princípio do conhecimento oficioso do direito, permite ao juiz inteira liberdade na qualificação jurídica dos factos, desde que não altere a causa de pedir, podendo ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram, atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram e fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram

35. No caso que se aprecia, os Executados/Avalistas deduziram oposição com fundamento em que o valor peticionado no requerimento executivo, com base no contrato de locação financeira e respectiva livrança dada como título executivo não é devido, alegando os factos e juntando os documentos demonstrativos de tal realidade, visando, naturalmente, a procedência da oposição.

36. Tais factos consubstanciam um preenchimento abusivo da referida livrança.

37. Tal matéria - preenchimento abusivo - tem a natureza de excepção peremptória, por constituir na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico pretendido pelo exequente, competindo ao executado/opoente a respectiva prova, nos termos do nº 2 do art. 342° do Código Civil (cf. ac. STJ, un. jur., de 14.5.1996, in BMJ 457).

38. O que o executado logrou fazer, uma vez que alegou e provou, documentalmente, que se operou a resolução do contrato de locação financeira a 7 de Setembro de 2010 através da celebração do Autorização de cancelamento do registo (Doc. 5 da Oposição) e alegou e demonstrou que o valor devido não era o que constava da livrança e do requerimento executivo.

NORMAS VIOLADAS: Art. 10º LULL (ex vi art. 77º LULL); Art. 664º do CPC;  Art. 660º do CPC; Art. 496º do CPC; Art. 334º do CC; Art. 286º do CC.

Inexistiram contra-alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª- Preenchimento abusivo da livrança com valor superior ao devido.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Pugnam os recorrentes no sentido de alterar os pontos 1 e 2 dos factos dados como assentes , pois que entendem que o contrato de locação não foi com eles celebrado mas sim com a sociedade.

E, na verdade, assim é.

Os oponentes sempre alegaram tal facto no requerimento inicial,  assumindo-se apenas como avalistas, o que não foi contraditado pela oponida, antes pelo contrário- cfr. artºs 3º, 8º e 10º da contestação.

De resto, está nos autos um documento – fls.35 e 36 – que, apesar de não estar completo, com toda a probabilidade se reporta ao contrato em causa.

Ora o mesmo tem como outorgantes o exequente e a sociedade G (…) Unipessoal, Lda, a qual está vinculada pelas assinaturas nele apostas pelos ora opoentes G (…) e S (…)

O Sr. Juiz terá dado como provado que o contrato foi celebrado pelos opoentes, quiçá porque eles o assinaram e porque a sociedade é unipessoal, tendo como sócio apenas G (…) /ou, porque entendeu que a firma 1ª executada também foi oponente, pois que na al.c) dos factos assentes se refere à 1ª executada como incumpridora do contrato.

Mas, naquele caso e como é consabido e evidente, a sociedade, enquanto ente social/coletivo, é uma pessoa jurídica distinta/diferenciada  dos opoentes, enquanto pessoas jurídicas individuais, assumindo, pois, direitos e deveres, autonomamente, e não podendo, summo rigore, ser com estes confundida.

E nesta hipótese a firma 1ª executada não é autora na presente oposição.

Logo, importa impor os conceitos e corrigir o eventual lapso, com a efetivação da pretendida alteração.

Por outro lado dimana do processo, vg., atentas as posições das partes, que a livrança foi aceite pela firma, 1ª executada, como outorgante, e foi avalizada pelos opoentes.

E não bastando, como o Sr. Juiz expressou, a simples remessa para os documentos juntos, revelando-se tal técnica processual  irregular e deficiente, máxime em casos como o presente em que os documentos juntos no processo principal não podem ser analisados já que ele não subiu em recurso.

 Importando, no mínimo, verter nas alíneas ou artigos o acervo factual essencial/nuclear constante nos documentos.

Esta pretensão dos recorrentes tem, pois de proceder, salvo quanto ao facto de a livrança ter sido subscrita em branco, pois que este facto nem sequer foi por eles alegado no requerimento inicial e sendo certo que os factos a considerar são apenas os alegados nos respetivos articulados, que não os aludidos em requerimentos avulsos ou os constantes em documentos juntos.

Isto sem prejuízo de, tal como se entendeu na sentença, se poder concluir, pela interpretação dos elementos constantes nos autos –oposição e execução – e das posições das partes, que se trata efetivamente de uma livrança em branco.

Nesta conformidade as alíneas A) e B) dos factos assentes passam a ter a seguinte redação:

A) G (…)Unipessoal Lda.” e o Banco (…) SA celebraram o contrato de locação financeira junto a fls. 5 a 14 dos autos principais.

B) Na sequência de tal contrato, foi subscrita, pela sociedade executada “G (…) Unipessoal Lda.”, a livrança junta aos autos a fls. 13 e 14, a qual foi avalizada pelos Opoentes – G (…) e S (…).

5.1.2.

Dizem ainda os insurgentes que O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o contrato de locação financeira em causa foi rescindido a 7 de Setembro de 2010, por resolução operada pelo documento titulado “autorização para cancelamento de registo” outorgado (por ambas as partes) a 7 de Setembro de 2010, conforme documento junto com a Oposição como Doc. 5.

Vejamos.

Na sequencia da alegação de que o contrato foi resolvido por acordo das partes, o tribunal, no entendimento de que a prova de tal facto apenas poderia ser feita via documento escrito, ordenou a notificação dos opoentes para juntarem aos autos documento  onde constasse tal acordo.

Vieram então estes dizer que inexistia tal documento já que o acordo tinha sido verbal, pelo que não o podiam juntar.

Seguidamente foi elaborado despacho saneador no qual apenas foi elaborado um artigo único no qual se perguntava: a 1ª executada pagou à exequente as prestações respeitantes aos meses de Março a Junho de 2010?.

Tendo o Sr. Juiz justificado esta posição nos seguintes termos:

 «Conforme decorre do despacho de 24 de Novembro de 2011, a extinção de um contrato de locação financeira só pode ser provada por documento escrito…sendo aplicável à extinção da obrigação, designadamente à extinção da obrigação do locatário de pagar a retribuição, o regime previsto no artigo 394.º, ex vi do artigo 395.º, do Código Civil...

Notificados para juntar tal documento, vieram os opoentes informar que o acordo de extinção foi feito verbalmente. Assim, inexistindo documento escrito, não pôde tal matéria ser levada aos factos assentes e, uma vez que só pode ser provada por documento escrito, também não é susceptível de ser levada à base instrutória.

Em síntese são estas as razões pelas quais o Tribunal não contemplou a matéria da invocada extinção do contrato de locação financeira no despacho saneador.»

E tendo os opoentes emitido pronuncia sobre tal entendimento nos seguintes termos:

«Tendo em conta o único facto que foi levado à base instrutória, e atendendo a que os ora Executados (uma vez que a 1ª Executada foi declarada insolvente) não têm como provar que foram pagas à Exequente as prestações respeitantes aos meses de Março a Junho de 2010, vêm confessar, para todos os efeitos legais, que a 1ª Executada apenas procedeu ao pagamento das prestações vencidas até 15 de Março de 2010 (facto alegado pelo exequente no seu requerimento executivo).

Mais esclarece, à cautela, que com o presente requerimento os ora executados não prescindem de tudo quanto alegaram em sede de Oposição à execução em matéria de Direito, nomeadamente, o alegado nos arts. 22º e seguintes da sua Oposição.

Assim, e tendo em conta, o presente requerimento deverá ser dado sem efeito a notificação feita às partes nos termos do art. 512º do CPC, estando já este Douto Tribunal em condições para proferir Sentença, uma vez que não há matéria de facto a provar

(sublinhado nosso)

Nesta conformidade é evidente que a questão de saber se o facto “extinção do contrato por mútuo acordo” deveria, ou não, ser considerado na ação, ficou definitivamente decidida, neste último sentido, pois que assim foi o entendimento do tribunal com o qual os opoentes se conformaram, pelo que a decisão sobre tal questão transitou em julgado e não podendo agora ser repristinada/”ressuscitada”.

Tanto assim e para que não restassem dúvidas o julgador tal reiterou na sentença definindo/restringindo o objeto da mesma à definição do valor da dívida exequenda e à apreciação da nulidade da clausula 11ª nº5 do contrato.

Ainda que o fito último do processo seja a descoberta da verdade esta não pode ser obtida a todo o custo, designadamente com postergação de princípios basilares do processo civil tais como o da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão dos atos e sendo certo que não podem ser preteridos/violados outros magnos  desideratos e valores tais como a obtenção da decisão no mais curto lapso de tempo e com a maior economia de meios e a salvaguarda  da segurança/confiança jurídica.

Decorrentemente, os factos a considerar são os seguintes:

1. G (…) Unipessoal Lda.” e o Banco (…) SA celebraram o contrato de locação financeira junto a fls. 5 a 14 dos autos principais.

2. Na sequência de tal contrato, foi subscrita, pela sociedade executada “G (…) Unipessoal Lda.”, a livrança junta aos autos a fls. 13 e 14, a qual foi avalizada pelos Opoentes – G (…) e S (…).

3. A primeira executada deixou de cumprir com as obrigações decorrentes do  contrato referido em A), desde 15 de Março de 2010.

4. Opoentes e opostas preencheram e assinaram os documentos de fls. 16 a 19.

5.2

Segunda questão.

O Julgador julgou a ação improcedente e, bem vistas as coisa, nem sequer entrou na análise e dilucidação das questões que se colocou em função do, seguinte, sintético, discurso argumentativo:

«A exequente é dona e legítima portadora de uma livrança subscrita pela  executada G (…) Unipessoal Lda e avalizada pelos opoentes.

O avalista é responsável da mesma maneira que a pessoa avalizada e a sua  obrigação mantém-se mesmo que obrigação garantida seja nula por qualquer razão que  não seja um vício de forma, competindo o ónus da alegação e da prova de tal nulidade  aos opoentes -que não o fizeram (e bem, pois não existe qualquer nulidade formal do  título).

A relação subjacente ao aval só pode ser invocada nas relações entre avalista e  avalizado.

A relação entre portador e avalista não é uma relação imediata mas sim uma  relação mediata, pelo que não pode o avalista suscitar em sede de oposição à execução  quaisquer excepções fundadas sobre as relações pessoais com o avalizado, a menos que  o portador – exequente –, ao adquirir a livrança tenha procedido conscientemente em  detrimento do devedor, estando esta circunstância sujeita a alegação e prova por parte  dos opoentes – que não a fizeram.

Face ao exposto, sendo os opoentes meros avalistas e, nessa qualidade, tendo  uma mera relação mediata com a exequente portadora da livrança, e não estado em  causa qualquer vício formal do título nem a má fé da exequente na aquisição do título,  carecem os opoentes de legitimidade substantiva para questionar a livrança dada à  execução, designadamente a quantia nela inscrita.».

Esta exposição está certa em tese geral e para casos que encerrem contornos de uma certa normalidade, vg. para quando a livrança é subscrita totalmente preenchida e não em branco.

Na verdade e como se expende na sentença:  o avalista é  responsável da mesma maneira que a pessoa avalizada. Mas mais. A obrigação do  avalista mantém-se mesmo que obrigação garantida seja nula por qualquer razão que  não seja um vício de forma – artº 32º da LULL

Significa isto que a obrigação do avalista “é materialmente autónoma em face da  obrigação do avalizado, apenas não respondendo perante o devedor nos casos em que esta última seja inválida em virtude de vícios extrínsecos objectivamente revelados no  próprio título (v.g., aceite ou endosso assinado fora do local prescrito na lei,  identificação incorrecta do avalista)”5.

Esta obrigação do avalista é reforçada pelo disposto no artigo 17.º da LULL que  impede as pessoas accionadas em virtude de uma letra (e de uma livrança, por força da  remissão do artigo 77.º) de oporem ao portador excepções fundadas sobre as relações  pessoais delas com o sacador (ou o subscritor, no caso da livrança), ou com portadores  anteriores, salvo em situações de má fé.

Mas o caso vertente encerra algumas especificidades e nuances que não permitem que a decisão do mesmo seja atingida,  apenas e só, com a consideração, in totum, de tal argumentação.

Efetivamente, como se diz na sentença:

 «Pese embora não o tenham referido expressamente, naturalmente que a livrança  dada à execução consubstancia uma livrança em branco.

…trata-se de um documento que, apesar de  ainda não conter todas os requisitos obrigatórios possua já a assinatura de, pelo menos,  um dos signatários cambiários, acompanhado de um acordo expresso ou tácito de  preenchimento futuro das menções em falta e contenha, naturalmente, a palavra  “livrança”.

São assim 3 os requisitos essenciais de validade de uma livrança em branco: que  o documento contenha pelo menos a assinatura de um dos obrigados cambiários, que o  subscritor tenha firmado um acordo de preenchimento futuro das menções em falta e  que do documento conste a palavra “livrança”.

A inobservância de algum destes requisitos daria lugar à invalidade do título, o  que configuraria um facto extintivo do direito incorporado no título que deveria ser  alegado pelos executados/opoentes.

Conforme acima mencionado, a possibilidade de os avalistas se oporem ao  pagamento de uma livrança está limitada a questões de validade formal do título, sendo  que, aqui, não foi sequer alegada tal circunstância.

Ou seja, não sendo o avalista sujeito da relação jurídica estabelecida entre o  tomador/portador e o subscritor da livrança, mas tão só sujeito da relação subjacente ao  acto cambiário do aval, a sua obrigação mantém-se, a menos que exista um vício de  forma.»

(sublinhado nosso)

Trata-se, na verdade, de uma livrança em branco.

«A livrança em branco é aquela a que falta algum dos requisitos indicados pelos artigos 1º e 77º, da LULL, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura efectuada com a intenção de contrair uma obrigação cambiária.

A livrança, assim passada, deve ser entregue pelo subscritor ao credor, constituindo, então, ainda uma livrança incompleta, que só se transforma numa livrança em branco quando o subscritor confere ao credor autorização para o seu preenchimento, podendo, então, conjuntamente com a assinatura e a sua entrega pretéritas, ser lançada em circulação.

Assim sendo, tendo a livrança sido, posteriormente, preenchida pela exequente, nos termos acordados, em conformidade com o estipulado pelo artigo 75º, da LULL, passou a produzir todos os efeitos que lhe são próprios, não sendo necessário que contenha já a totalidade dos seus requisitos constitutivos, no momento de ser passada.

Ora, quem emite uma livrança em branco atribui aquele a quem a entrega o direito de a completar, em certos e determinados termos, pelo que o preenchimento da mesma só é abusivo se for efectuado com desrespeito pelo contrato de preenchimento.»- Ac. do STJ de  24.01.2012, p. 1379/09.4TBGRD-A.C1.S1

Para a validade e eficácia da livrança em branco, e nas relações avalista/avalizado, importa, para além do mais, o cumprimento do pacto de preenchimento

Nestes casos, e versus o dito na sentença, a questão do (in)cumprimento não é mera questão de validade formal do título, mas antes questão substancial atinente ao conteúdo/clausulas do próprio negócio jurídico  que o pacto de preenchimento consubstancia.

Até porque, nestes casos, e se for alegado e provado que o avalista interveio na elaboração do pacto, ele encontra-se ainda no domínio das relações imediatas, pelo que poderia o avalista opor à exequente, portadora da livrança, todas as exceções que ao avalizado seria lícito invocar, nomeadamente, a exceção do preenchimento abusivoCfr. Acs. do STJ de 30.09.2003, p. 03A2113; de 13.04.2011, p. 2093/04.2TBSTB-A L1.S1; de 11.2011, p. 124/07.3TBMTRA.L1.S1 e de 24.01.2012, p. 1379/09.4TBGRD-A.C1.S1,  sup. cit., todos in dgsi.pt.

Na verdade:

«sendo a execução instaurada pelo beneficiário da livrança (que lhe foi entregue em branco, isto é, incompleta) e tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento (o que permite situá-lo ainda no domínio das relações imediatas), tal como o subscritor, é-lhe possível opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título …e, naturalmente, outros meios de defesa relativos à relação extra-cartular que os liga.

Cabe-lhe então o ónus da prova em relação aos factos constitutivos daquela excepção, ou destes outros meios de defesa, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 342º do Código …» Ac. do STJ de s. 31.03.2009, dgsi.pt. p. 08B3815.

E sendo certo que:

« Não logrando os…Avalistas fazer prova de que tivesse havido qualquer violação do pacto de preenchimento, como avalistas que foram e são, a sua responsabilidade, independentemente da cessação da qualidade de accionistas ou de qualquer outra função na empresa, mantém-se incólume, e tem como medida a responsabilidade da sociedade avalizada ( artºs 32º e 77º da LULL)» - Ac. do STJ de 13.09.2012, p. 4771/09.0YYLSB-A.L1.S1.

No caso vertente os recorrentes alegam que o abuso no preenchimento da livrança se traduziu na inscrição na mesma de valor que não era devido e que tal viola o pacto de preenchimento no qual eles intervieram.

Mas a invocação da outorga formal deste pacto e a sua intervenção no mesmo, como avalistas, mostra-se apenas efetivada nesta sede recursiva, que não no momento e sede processual próprios, qual seja o requerimento inicial, pelo que ela se alcança como extemporânea.

Consequentemente, a violação substantiva de tal acordo por parte da exequente, traduzida na inscrição  na livrança de quantia superior à anuída,  não pode à mesma ser oposta.

A tal não obstando o facto de, ao que parece, o opoente ter intervindo na emissão da livrança e no pacto de preenchimento numa dupla qualidade: de representante da sociedade subscritora e na de avalista.

É que, dada a personalidade jurídica  diferenciada da sociedade e dele próprio enquanto pessoa jurídica singular, tais qualidades não se confundem, importando, pois, que ele alegasse e provasse a sua intervenção na qualidade de avalista.

Assim sendo, e para além de extemporânea, a alegação dos recorrentes de que intervieram no pacto de preenchimento não se encontra provada, como dos factos apurados dimana.

Esta alegação e prova apresentava-se como condição prévia necessária - conditio sine qua non -  para que eles pudessem, posteriormente, alegar e discutir a relação jurídica subjacente à emissão e subscrição da livrança e as razões pelas quais a quantia nela aposta pela exequente não era devida ou era devida em montante inferior.

Aliás, e bem vistas as coisas, mesmo que assim não fosse ou não se entenda e se admitisse que eles poderiam discutir tal relação subjacente independentemente de terem alegado a intervenção na definição do teor do pacto de preenchimento, nem eles lograram provar as mencionadas razões, pois que como se decidiu na questão precedente, desde logo não provaram o motivo fulcral – acordo de resolução do contrato – que as alicerçava.

Improcede, posto que por motivos parcialmente diversos dos invocados na sentença, o recurso.

6.

Sumariando.

I- Transitada em julgado a decisão que não leva à BI factualidade alegada pelos AA no entendimento de que para prova da mesma é exigido documento escrito, não podem eles, em sede recursiva, pugnar pela prova do facto, mesmo com base noutro documento que já estava junto aos autos.

II- O avalista de livrança em branco apenas pode invocar a exceção material do seu preenchimento abusivo se alegar e provar que existiu pacto de preenchimento e que interveio na definição do teor das suas clausulas naquela específica qualidade, pois que, só assim, ele se encontra  no domínio das relações imediatas.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço