Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
394/10.0TMCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO
DIVÓRCIO-RUPTURA
FUNDAMENTOS
CLÁUSULA GERAL
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.1672, 1781, 1782, 1789 CC, LEI Nº 61/2008 DE 31/10
Sumário: 1. O actual regime jurídico do divórcio, instituído pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge ( à semelhança da maioria das legislações dos Países que integram a União Europeia ) e alargou os fundamentos objectivos da ruptura conjugal ( sistema de divórcio-ruptura ) através de uma cláusula geral ( art.1781 d) CC ), dando relevância a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo.

2. Verifica-se situação integradora da “cláusula geral” da alínea d) do art. 1781 do CC (na redacção conferida pela lei nº 61/2008, de 31.10), quando deixa de existir a comunhão de vida própria de um casamento, com evidente e irremediável quebra dos afectos e o desfazer do que representava esse mundo comum.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 24.5.2010, M (…) instaurou no Tribunal de Família e Menores de Coimbra acção de divórcio (sem consentimento do outro cônjuge) contra J (…), pedindo que seja decretado o divórcio entre A. e Réu, mesmo sem o consentimento deste, alegando para o efeito os factos que, em seu entender, demonstram a ruptura definitiva do casamento e concluindo pela verificação da situação prevista na alínea d) do art.º 1781º, do Código Civil/CC (na redacção conferida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10).

Citado, o Réu faltou à tentativa de conciliação a que alude o art.º 1407º do Código de Processo Civil e, notificado para contestar, nada disse.

            Realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova testemunhal [e tendo a A. formulado requerimento para fazer “retroagir os efeitos do divórcio (…), quanto aos efeitos patrimoniais dos cônjuges, à data que vier a ser dada como provada quanto à separação de factos dos intervenientes”], o tribunal a quo, conhecendo imediatamente da matéria de facto e de direito, julgou a acção improcedente, por não provada, não decretando o divórcio, por considerar que a A. não havia provado os factos alegados, apurando-se apenas que “o casal está separado de facto, o que ocorria ter menos de 1 ano aquando da propositura da acção”.

Inconformada com esta decisão e visando a sua revogação [decretando-se o divórcio sem o consentimento do recorrido e retroagindo os efeitos patrimoniais da dissolução do casamento a Setembro de 2009], a A. interpôs recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

1ª - O tribunal a quo não fundamentou a decisão de facto que considerou provada e, por isso, postergou o disposto no n.º 2 do art.º 653º do CPC.

2ª - Existe erro na apreciação de prova por manifesta desconformidade entre a prova produzida e a matéria considerada provada, levando em consideração os documentos juntos com a petição inicial (p. i.) e toda a prova testemunhal produzida - em função daqueles concretos meios probatórios, a 1ª instância devia ainda ter considerado provada pelo menos a matéria factual alegada nos art.ºs 2º, 3º, 4º, 7º, 12º, 13º, 15º, 1ª parte do 16º, 17º, 1ª parte do 18º, 19º, 20º, 21º, 1ª parte do 24º, 25º, 26º, 29º, 33º, 34º, 36º, 37º, 44º, 45º, 46º e 47º, todos da p. i..

3ª - A provarem-se os referidos factos, estão indubitavelmente verificados os pressupostos exigidos na alínea d) do art.º 1781º, do CC, para se obter a dissolução do casamento, i. é, a ruptura definitiva do casamento.

4ª - O actual regime de divórcio não exige a verificação de culpa de qualquer dos cônjuges para ser decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge, e a alínea d) do art.º 1781º do CC basta-se com “uma situação objectiva e passível de constatação, que revele uma situação de ruptura definitiva do casamento”.

5ª - O tribunal a quo considerou provado que o recorrido abandonou a casa de morada de família e que deixou de cumprir com as obrigações e compromissos que assumira na vigência da união e, por isso, até se mostram violados os deveres de coabitação e de assistência, previstos no art.º 1672º, do CC.

6ª - Estão demonstrados os requisitos para decretar o divórcio sem o consentimento do recorrido - factos que mostram uma situação de ruptura definitiva do casamento.

7ª - À data do encerramento da discussão e da sentença (25.01.2011), estava já completado o prazo de mais de um ano consecutivo da separação de facto entre os cônjuges, iniciado em Setembro de 2009.

8ª - Por força do n.º 1 do art.º 663º, do CPC, incumbia ao tribunal a quo decretar o divórcio sem o consentimento do recorrido, nos termos da alínea a) do art.º 1781º, do CC.

9ª - A sentença “sub judice” violou, além do mais, os art.ºs 1672º e 1781º, alíneas a) e d), do CC, e os art.ºs 653º, n.º 2 e 663º, n.º 1, do CPC.

Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], na redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8), colocam-se as seguintes questões fundamentais: a) violação do dever de fundamentação da decisão de facto; b) erro na apreciação da prova; c) se o divórcio deve ser decretado com base na alínea d) do art.º 1781º, do CC, e/ou nos termos da alínea a) do mesmo artigo.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

a) A. e Réu contraíram matrimónio no dia 16.4.1978.

b) Em Setembro de 2009 o Réu abandonou a casa tendo ido viver para a ..., em A....

c) Desde essa ocasião o Réu não mais partilhou, cama, mesa e habitação com a A..

d) Também deixou de cumprir com as obrigações e compromisso que tinha.

e) A petição inicial deu entrada em 24.5.2010.

2. Nas conclusões da alegação de recurso começa a A. por dizer que o tribunal a quo não fundamentou a decisão de facto que considerou provada e, por isso, postergou o disposto no n.º 2 do art.º 653º, do CPC.

Embora esta questão fique de algum modo consumida ou prejudicada pelas demais questões suscitadas na alegação de recurso, na medida em que foi amplamente impugnada a decisão de facto, importa tecer algumas breves considerações sobre esta problemática.

Estatui o aludido normativo que “(...) a decisão proferida [sobre a matéria de facto] declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.”

Em cumprimento deste comando legal, o Tribunal recorrido empregou a fórmula ou expressão “após a produção de prova, com base nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas, considero provados os seguintes factos”, indicando de seguida, e apenas, a materialidade dita em II. 1., supra.

O procedimento adoptado pelo Mm.º Juiz a quo foi, obviamente, demasiado restrito e elíptico [e, diga-se, deixando por explicitar a factualidade subjacente à alínea d) dos factos mencionados em II. 1., supra[2]], de algum modo compreensível dentro das particulares limitações funcionais e de meios do tempo presente mas, ainda assim, desrespeitando aquele preceito da lei civil adjectiva, que impõe, além do mais, a menção de todos os factos (relevantes para a decisão de mérito) provados e não provados e, também, a especificação dos concretos meios de prova e a indicação/enunciação, ainda que sucinta, das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador.

            Daí a possibilidade, contida no n.º 5 do art.º 712º, de remessa do processo à 1ª instância para fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto sempre que ela se não mostre “devidamente fundamentada” e estiverem em causa factos essenciais para o julgamento da lide.[3]

            Porém, como já se adiantou, no caso vertente, impugnada largamente a decisão de facto (e não estando apenas em causa a respectiva fundamentação) e em virtude da solução que irá ser dada[4], não se justifica que os autos voltem à 1ª instância para o efectivo cumprimento daquele preceito adjectivo.

3. Sabemos que a alteração, pela Relação, da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, só pode verificar-se se ocorrer alguma das situações (excepcionais) contempladas no n.º 1 do art.º 712º e que são as seguintes: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B[5], a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (n.º 2 do referido art.º).

No nosso direito processual civil acha-se consagrado o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada (art.º 655º).

O princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por confissão e por presunções judiciais) vigora no domínio da prova pericial (ou por arbitramento) (art.º 389º CC), da prova por inspecção (art.º 391º CC) e da prova por testemunhas (art.º 396º CC), sendo a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais.[6]

Aquele princípio situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.[7]

As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto[8], sendo que, nos termos do art.º 396º do CC, a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunalo que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens.[9]

Daí que a Relação só possa alterar a decisão sobre a matéria de facto e anular a decisão, excepcionalmente, nas situações acima descritas.

Na sequência do alargamento dos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, por parte da Relação, tem a jurisprudência convergido em determinados parâmetros de intervenção:

- Considerado, desde logo, o preâmbulo do DL 39/95, de 15.02[10], o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador[11] - o Tribunal da Relação deve apreciar a matéria impugnada efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, no sentido de que o objecto precípuo de cognição não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, labor que contudo se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto; por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento[12] [se assim não fosse, a impugnação da matéria de facto não constituiria um verdadeiro recurso, como sucede no nosso direito constituído, mas antes um meio processual de provocar uma repetição, ainda que parcial, do julgamento da matéria de facto][13].

- Depois, não pode o tribunal da Relação pôr em causa regras basilares do nosso sistema jurídico, maxime, os referidos princípios da livre apreciação da prova e da imediação, sendo inequívoco que o tribunal de 1ª instância encontra-se em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência.

- O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância, a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo.[14]

- O que não obsta, necessariamente, à apreciação crítica da fundamentação da decisão de 1.ª instância, não bastando uma argumentação alicerçada em mero poder de autoridade.

4. Sabemos que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[15], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

            A recorrente diz existir erro na apreciação de prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, concluindo que a 1ª instância devia ainda ter considerada provada, pelo menos, a matéria de facto alegada nos art.ºs 2º, 3º, 4º, 7º, 12º, 13º, 15º, 1ª parte do 16º, 17º, 1ª parte do 18º, 19º, 20º, 21º, 1ª parte do 24º, 25º, 26º, 29º, 33º, 34º, 36º, 37º, 44º, 45º, 46º e 47º, da p. i..

            A factualidade em causa é a seguinte:

- Do referido casamento não nasceram filhos. (2º)

- Desde o ano de 1996 que o casal fixou a casa de morada de família em E... – V... –, em habitação própria adquirida através de um empréstimo hipotecário constituído a favor do Banco (...), conforme documento que se junta e dá por reproduzido e integrado (doc. nº 2). (3º)

            - (…) sempre foi o réu quem geriu os rendimentos do casal, provenientes das respectivas actividades profissionais, e sempre foi o réu quem assumiu a tarefa de aprovisionar as contas bancárias do casal para cumprir os encargos normais da vida familiar. (4º)

- E assim também foi o casal fazendo face ao pagamento de água, luz, gás, telefone, alimentação, vestuário, etc. (7º)

- (…) em 9/9/2009, o réu, conjuntamente com o referido (...), abandonou a casa de morada de família, sem conceder qualquer explicação à autora, tendo transportado consigo a generalidade dos respectivos bens pessoais (roupa e calçado) e alguns utensílios domésticos de cozinha. (12º)

- Indo ambos viver e estabelecer a respectiva residência para V..., Município de A.... (13º)

- Mas a partir daquele momento temporal, começou a autora a receber e a abrir a correspondência dirigida ao casal e expedida para a casa de morada de família sita (…) em E..., V.... (15º)

- Tendo por essa altura constatado que o réu não providenciara pelo pagamento do empréstimo à habitação desde Fevereiro de 2009 (…). (16º - 1ª parte)

- A autora tentou contactar o seu marido no sentido de esclarecer o incumprimento das aludidas obrigações, mas o réu furtou-se a qualquer explicação. (17º)

- Tendo inclusivamente alterado seu número de telemóvel, que não facultou à sua esposa (…). (18º - 1ª parte)

- Não mais o réu se preocupou em pagar os empréstimos bancários, fornecimento de água e de energia eléctrica consumidos na casa de morada de família. (19º)

- Não mais se preocupou com o bem-estar da demandante. (20º)

- E a partir daquele momento foi exclusivamente a autora, com o recurso ao crédito concedido pela sua irmã (...) e ao seu parco salário mensal, ilíquido, de cerca de € 610,75 (seiscentos e dez euros e setenta e cinco cêntimos), quem suportou o pagamento de todas as responsabilidades do casal, incluindo os apontados empréstimos. (21º)

- O réu continua a viver com o dito (...) em V... (…). (24º - 1ª parte)

- Continuando também a não contribuir para os encargos da vida familiar, pese embora saber o montante do salário que a autora aufere e saber quais os encargos que o casal em tempos assumira em relação a instituições bancárias. (25º)

            - Aliás, desde a data em que abandonou a casa de morada de família, o réu apenas regressou à E... – V... – por três ou quatro ocasiões e apenas com o objectivo de levar consigo bens do casal. (26º)

- Assim, em 3/3/2010, o réu removeu da casa de morada de família alguns quadros decorativos, cadeiras, secretária, móveis e máquina de lavar roupa, tendo-os transportado para a sua nova residência, em V.... (29º)

- E na penúltima ocasião que se deslocou à casa de morada de família, em 24.3.2010, transportou consigo o frigorífico cinzento, a salamandra, a máquina de lavar louça, o microondas, a cafeteira e passe-vite eléctricos, a picadora, a varinha, o estendal para a roupa, dois armários e passadeiras. (33º)

- Despojando desta forma a casa de morada de família dos equipamentos que pertencem ao casal. (34º)

- (…) no pretérito dia 10.5.2010, autora e réu alienaram, pelo preço de € 90 000 (noventa mil euros) a referida habitação do casal, a que correspondia o artigo matricial urbano n.º (...), da freguesia de (AR...), descrito na Conservatória do Registo Predial de V... sob o n.º (...) (…) (doc. nº 3). (36º)

- Para o distrate da hipoteca que incidia sobre aquele imóvel, o Banco (...) exigiu o pagamento de € 39 513,16 (trinta e nove mil quinhentos e treze euros e dezasseis cêntimos) (…) (doc. nº 4).    (37º)

- Não encetou qualquer tentativa de reaproximação familiar, mantendo-se distante e afastado da autora, a quem continua a não telefonar ou sequer explicar o que faz actual e profissionalmente. (44º)

- Comportando-se com a sua ainda mulher como se esta de um estranho se tratasse. (45º)

- No fundo, o Réu, já desde a mencionada data de Setembro de 2009, desinteressou-se completamente pela autora, pela vida em comunhão e pelo próprio casamento. (46º)

- Inexistindo actualmente qualquer casa-de-morada de família. (47º)
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento [realizada a 25.01.2011] e analisaram-se os documentos juntos aos autos.

            Atendendo à referida prova, afigura-se, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que se justifica modificar a decisão de facto.

            Vejamos o que de relevante nos trouxeram tais testemunhos:

 (…)

            5. Tendo em conta a referida prova [sendo que as testemunhas demonstraram conhecimento directo dos factos, especialmente, a 1ª e a 4ª testemunhas; todas têm ligação familiar às partes e denotaram suficiente distanciamento em relação aos interesses em presença], importa dar ainda como provada a seguinte factualidade:

a) Do referido casamento não nasceram filhos.

b) Em data não anterior a Julho de 1995, o casal fixou a casa de morada da família em E..., V..., em habitação própria adquirida com recurso a empréstimo hipotecário constituído a favor do Banco (...).

c) Era o Réu quem geria os rendimentos do casal, provenientes das respectivas actividades profissionais, e assumia a tarefa de aprovisionar as contas bancárias (do casal) para cumprir os encargos normais da vida familiar.

d) Depois de deixar a casa de morada da família, em Setembro de 2009, o Réu retirou da mesma os seus bens pessoais e alguns dos móveis que constituíam o respectivo recheio.

e) A partir de então, começou a A. a receber e a abrir a correspondência dirigida ao casal e expedida para a casa de morada da família.

f) E por essa altura verificou que o Réu não providenciara pelo pagamento do empréstimo à habitação desde Fevereiro de 2009.

g) A A. tentou contactar o Réu para tratar de assuntos do interesse do casal mas o Réu furtou-se ao diálogo.

h) Tendo inclusivamente alterado o seu número de telemóvel, que não facultou à A..

i) Não mais o Réu se preocupou em pagar os empréstimos bancários, ou quaisquer outros encargos e despesas do casal.

j) Não mais se preocupou com o bem-estar da demandante.

k) E, desde a data em que abandonou a casa de morada da família, foi apenas a A., com o auxílio da irmã (…), quem suportou o pagamento de todas as responsabilidades do casal, incluindo com o mencionado empréstimo.

l) Desde então, o Réu apenas regressou à E..., V..., por três ou quatro ocasiões e com o objectivo de levar consigo bens existentes na dita habitação.

m) O Réu retirou da casa de morada da família diversos bens móveis, transportando-os para local desconhecido.

n) No dia 10.5.2010, A. e Réu alienaram a referida habitação do casal, a que correspondia o art.º matricial urbano n.º (...), da freguesia de (AR...), descrito na Conservatória do Registo Predial de V... sob o n.º (...).

o) Para o distrate da hipoteca que incidia sobre aquele imóvel, o Banco (...) exigiu o pagamento de € 39 513,16 (trinta e nove mil quinhentos e treze euros e dezasseis cêntimos).

p) O Réu não encetou qualquer tentativa de reaproximação familiar, deixando de contactar com a A..

q) Inexistindo actualmente casa de morada da família.

            - Relativamente à demais matéria questionada conclui-se que não existe prova suficiente da sua demonstração.

Assim, quanto aos factos incluídos nos art.ºs 7º, 13º, 25º, 33º e 34º e 45º da p. i. provou-se apenas o que consta, respectivamente, das alíneas c) (do presente ponto); II. 1. b); i) e k) (do presente ponto); m) (do presente ponto) e q) (do presente ponto).

Considera-se que não ficaram provados os factos do item 24º da p. i., sendo que o incluído no art.º 46º do mesmo articulado é mera conclusão, reportada a factos inseridos noutros art.ºs.

Procede assim parcialmente a impugnação de facto.

6. Assentes os factos, importa, com a necessária concisão, decidir do mérito da causa.

Aplica-se à situação dos autos o regime jurídico de divórcio introduzido pela Lei n.º 61/2008, de 31.10.

Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código (art.º 1577º, do CC, na redacção anterior à conferida pela Lei n.º 9/2010, de 31.5).

Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art.º 1672º, do CC).

Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar. Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família (art.º 1673º, n.ºs 1 e 2, do CC).

O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram (art.º 1674º, do CC).

O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar (art.º 1675º, n.º 1, do CC).

O divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges. O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no artigo 1781º (art.º 1773º, n.ºs 1 e 3, do CC).

São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges a separação de facto por um ano consecutivo (a); a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum (b); a ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano (c); quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento (d) (art.º 1781º, do CC).

Entende-se que há separação de facto, para os efeito da alínea a) do art.º 1781º, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (art.º 1782º, do CC).

Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges. Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado (art.º 1789º, n.ºs 1 e 2, do CC).

            7. O actual regime jurídico do divórcio, instituído pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, afastou/eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, à semelhança da maioria das legislações dos Países que integram a União Europeia e veio a alargar os fundamentos objectivos da ruptura conjugal, baseado, sobretudo, no entendimento de que é difícil atribuir culpa apenas a um dos cônjuges e que importa evitar que o processo de divórcio, já de si emocionalmente doloroso, se transforme num litígio persistente e destrutivo com medição de culpas sempre difícil senão impossível de efectivar.

            Dada a importância actualmente atribuída aos afectos para o bem-estar das pessoas, passou a considerar-se que em caso de persistente desentendimento no casamento os cônjuges não devem ser obrigados a manter o vínculo a qualquer preço.

            E sempre que a modalidade do mútuo acordo não seja possível e não haja consentimento de uma das partes, a lei procura assentar em causas objectivas a demonstração da ruptura da vida em comum e a vontade de não a continuar.

Assim, eliminada a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais – “divórcio-sanção” – considerada, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos anteriores, com prejuízo para os ex-cônjuges e para os filhos, o cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado “divórcio ruptura”, por causas objectivas, designadamente a separação de facto.

 Com o regime actualmente vigente foram encurtados para um ano os prazos de relevância dos fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.

Contudo, porque com o sistema do “divórcio ruptura” se pretende reconhecer os casos em que o vínculo matrimonial se perdeu independentemente da causa desse fracasso, não há razão para não admitir a relevância de outros indicadores fidedignos da falência do casamento.

Daí ter sido acrescentada uma cláusula geral dando relevância a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo [alínea d) do art.º 1781º, do CC]. O exemplo típico, nos sistemas jurídicos europeus, é o da violência doméstica – que pode mostrar imediatamente a inexistência da comunhão de vida própria de um casamento.[16]

8. A A. pediu o decretamento do divórcio contra o Réu com fundamento no art.º 1781º, alínea d), do CC.

            O Tribunal recorrido, atendendo ao alegado na p. i. e à factualidade dita em II. 1, supra, considerou, primeiro, que “sobre a factualidade alegada nada se apurou” e, depois, ter ficado demonstrado que “o casal está separado de facto, o que ocorria ter menos de 1 ano aquando da propositura da acção”, vindo a concluir pela improcedência da acção, por falta de prova dos factos alegados (art.º 342º, do CC).

Pensamos, no entanto, salvo o devido respeito, que a materialidade apurada deverá conduzir à procedência da acção, bastando para tal desiderato o fundamento expressamente invocado na p. i..

9. Ficou apurado, designadamente, que, tendo a A. e o Réu casado entre si no ano de 1978, em Setembro de 2009 o Réu abandonou a casa de morada da família e foi viver para a ..., em A..., altura a partir da qual não mais partilhou cama, mesa e habitação com a A.. Também se demonstrou que em data não anterior a Julho de 1995, o casal fixou a casa de morada da família em E..., V..., em habitação própria adquirida com recurso a empréstimo hipotecário; era o Réu quem geria os rendimentos do casal, provenientes das respectivas actividades profissionais, e assumia a tarefa de aprovisionar as contas bancárias (do casal) para cumprir os encargos normais da vida familiar; depois de deixar a casa de morada da família, em Setembro de 2009, o Réu retirou da mesma os seus bens pessoais e alguns dos móveis que constituíam o respectivo recheio; o Réu não providenciara pelo pagamento do empréstimo à habitação desde Fevereiro de 2009; a A. tentou contactá-lo para tratar de assuntos do interesse do casal mas o Réu furtou-se ao diálogo, tendo inclusive alterado o seu número de telemóvel, que não facultou à A.; não mais o Réu se preocupou em pagar os empréstimos bancários, ou quaisquer outros encargos e despesas do casal; não mais se preocupou com o bem-estar da demandante; o Réu apenas regressou à E..., V..., por três ou quatro ocasiões e com o objectivo de levar consigo bens existentes na dita habitação; o Réu retirou da casa de morada da família diversos bens móveis, transportando-os para local desconhecido; no dia 10.5.2010, A. e Réu alienaram a referida habitação do casal; o Réu não encetou qualquer tentativa de reaproximação familiar, deixando de contactar com a A.; deixou de existir casa de morada da família [cf. os factos mencionados em II. 1. alíneas a), b) e c) e II. 5., alíneas b), c), d), f), g), h), i), j), l), m), n), p) e q) supra].

Perante o descrito quadro factual e tendo presente o total alheamento/desinteresse manifestado pelo Réu no decurso e pelo desfecho dos autos [faltou à audiência conciliatória, não contestou a acção e não teve qualquer intervenção processual], afigura-se razoável afirmar como verificada factualidade suficiente integradora da “cláusula geral” da alínea d) do art.º 1781º, do CC, podendo-se assim concluir pela ruptura manifesta do casamento, porquanto deixou inequivocamente de existir a comunhão de vida própria de um casamento.

Na verdade, além de tudo apontar no sentido da efectiva violação dos deveres de coabitação, cooperação e assistência, antolha-se igualmente evidente que esse desrespeito dos deveres conjugais atingiu por forma indelével o vínculo conjugal (o casamento), não se podendo afirmar que ainda persista uma qualquer “parcela” da plena comunhão de vida que constitui a sua razão de ser, impondo-se assim declarar, no plano do direito, o que desde há muito existe ou é real e que traduz ou revela a “falência do casamento”, a “quebra” irremediável dos afectos, a evidente/óbvia ruptura da vida em comum, o que, de resto, não deixa também de se reflectir e projectar em alguns dos actos praticados por ambas as partes no sentido de “desfazer” o que representava esse “mundo comum”, desde logo, mediante a venda da casa de morada da família e os actos (insuficientemente apurados) que incidiram sobre o respectivo recheio.

Assim, quer em razão da actuação processual das partes [a A., apostada/empenhada em ver reconhecido e decretado o divórcio, o Réu mostrando total indiferença pelo curso e desfecho do processo], quer em vista da realidade apurada, e ressalvado o respeito sempre devido por entendimento contrário, cremos que nada justifica denegar a justiça reclamada pela A. através da presente acção, não se vendo alternativa ao decretamento do divórcio nos termos peticionados, inclusive, quanto à retroacção dos seus efeitos à data do termo da coabitação (art.º 1789º, n.º 2).

Estão, pois, reunidos os pressupostos de facto e de direito para ser decretado o divórcio sem o consentimento do Réu/recorrido.

Procedem desta forma as “conclusões” da alegação de recurso, mostrando-se prejudicado e/ou desnecessário o conhecimento de quaisquer outras questões.


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III. Pelo exposto, na procedência do recurso, revoga-se a sentença recorrida e decreta-se o divórcio entre a A. e o Réu, com efeitos reportados à data da cessação da coabitação (Setembro de 2009).

Não são devidas custas pela interposição do recurso, suportando a A. as custas da acção, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido [cf. art.º 449º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e fls. 36].

Oportunamente, cumpra-se o disposto no art.º 78º do Código de Registo Civil (cf. documento de fls. 14).


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Fonte Ramos ( Relator )

Carlos Querido

Pedro Martins


[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[2] Reapreciada a prova, veio esta Relação a mencionar tais factos, sobretudo, em II. 5. alíneas c), f) e i), infra.
[3] Vide sobre a fundamentação da decisão de facto, de entre vários, J. Lebre de Freitas, e outros, CPC Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2001, págs. 627 a 629 e 632 e Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, pág. 545 e os acórdãos do STJ de 25.3.2004-processo 02B4702, da RL de 08.7.1999 e da RC de 28.3.2000 in “site” da dgsi e CJ, XXIV, 4, 110 e XXV, 2, 22, respectivamente.
    Dando-nos conta da evolução da problemática da fundamentação das decisão da matéria de facto (a nível doutrinário e jurisprudencial) desde o Código de Processo Civil de 1939 [e Constituição de 1933] até ao presente e numa perspectiva crítica, vide, por último, o acórdão desta Relação de 17.5.2011-processo 4443/03.0TVAVR.C1, no qual o presente relator interveio como 1º adjunto.
[4] Cf. os pontos II. 4. e 5., infra.

[5] Reza o art.° 685°-B do CPC que “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa de recorrida.” (n.º 1) “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos (...) incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.” (n.º 2)
[6] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.12.1977, in BMJ, 271º, 185.
[7] Vide J. Lebre de Freitas, e outros, CPC Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 635.
[8] Vide Antunes Varela, e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 455 e, designadamente, os acórdãos da RL de 20.4.1989 e de 19.11.1998, in CJ, XIV, 2, 143 e CJ, XXIII, 5, 97, respectivamente.
[9] Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 384 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 17.12.2002-Processo 02A3960 e de 27.11.2003-processo 03B3337, publicados no “site” da dgsi.
[10] Diploma que veio consagrar, na área do processo civil, a possibilidade da documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, assim se permitindo um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto.

[11] Refere-se no preâmbulo do referido diploma: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.

    Cf., sobre a mesma problemática, entre outros, o acórdão do STJ de 11.7.2006-processo 06A2009, publicado no “site” da dgsi.

[12] Vide Abrantes Geraldes in Julgar, n.º 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, págs. 74 e seguintes.
[13] Cf., neste sentido, o acórdão desta Relação de 26.10.2010-processo 608/07.3TBCBR-A.C1, intervindo o relator do presente acórdão como “1º adjunto”.
   Como se afirma no acórdão do STJ de 15.9.2010-processo 241/05.4TTSNT.L1.S1, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, que os art.ºs 690º-A, n.º 5, e 712º, n.ºs 1, alínea a), segunda parte, e 2, consagram, assume a amplitude de novo julgamento em matéria de facto, no sentido de que a Relação, na reapreciação das provas gravadas, dispõe dos mesmos poderes do tribunal de primeira instância, com vista à «detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso».
    Tal garantia visa, assim, a correcção de erros de julgamento tout court e não apenas os casos de manifestos ou notórios erros de julgamento.

[14] Vide Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, pág. 266.

    Refere o mesmo autor: “Além do mais, todos sabem que por muito esforço que possa ser feito na racionalização do processo decisório aquando da motivação da matéria de facto sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos. (...) Carecendo o Tribunal da Relação destes elementos coadjuvantes e necessários para que a justiça se faça, correm-se sérios riscos de a injustiça material advir da segunda decisão sobre a matéria de facto” (ibidem, pág. 267).

    Cf. ainda, entre outros, os acórdãos do STJ de 20.9.2005-processo 05A2007 e da RC de 13.01.2009-processo 4966/04.3TBLRA, publicados no “site” da dgsi, onde se pode ler: «De salientar (...) que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (...)”.
[15] Refere Lopes Cardoso (in BMJ, 80º, 204) “a verdade absoluta é humanamente inatingível. Os povos primitivos já consideravam a sua definição um privilégio da divindade e por isso recorriam aos juízos de Deus. Mas a impossibilidade de atingir a perfeição não desculpa a denegação de justiça”.
     Vide também o acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[16] Vide a “exposição de motivos” do Projecto de Lei de alteração do Regime Jurídico do Divórcio (n.º 509/x), que deu origem à Lei n.º 61/2008, de 31.10.