Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
292/10.7TALSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: BALDIOS
ISENÇÃO DE CUSTAS
Data do Acordão: 10/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: INDEFERIDA A REFORMA DO ACÓRDÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 4º Nº 1 F) DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: 1.- Os baldios não são pessoas coletivas, mais concretamente, não são pessoas coletivas de direito privado sem fins lucrativos, razão pela qual não estão abrangidos pela previsão da alínea f), do nº 1, do artº 4º do Regulamento das Custas Processuais;
2.- A isenção de custas prevista no artº. 32º, nº 2, da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, que beneficiava os baldios, foi revogada pelo artº 25º, nº 1, do Dec. Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro;
Decisão Texto Integral: No Inquérito nº 292/10.7TALSA que corre termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca da Lousã, o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu despacho de arquivamento dos autos, por entender não terem sido recolhidos indícios suficientes de ter o arguido A... praticado qualquer crime designadamente, um crime de alteração de marcos, p. e p. pelo art. 216º, nº 1, do C. Penal, ou um crime de usurpação de coisa imóvel, p. e p. pelo art. 215º, nº 1, do mesmo código.

O Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de U..., assistente nos autos, requereu a abertura da instrução, no termo da qual veio a ser proferido despacho de não pronúncia do arguido, relativamente aos crimes de alteração de marcos e de dano qualificado que o assistente lhe imputava.

Inconformado com o decidido, o assistente recorreu para esta Relação a qual, por acórdão de 20 de Junho de 2012, negando provimento ao recurso, confirmou o despacho recorrido e condenou o recorrente nas custas respectivas.

Vem agora o assistente requerer a reforma do acórdão de 20 de Junho de 2012 quanto a custas, por entender que os baldios são pessoas colectivas de direito privado, sem fins lucrativos, estando isentos de custas, nos termos do art. 4º, nº 1, f), do Regulamento das Custas Processuais, no pressuposto de se considerar revogada a isenção prevista no art. 32º, nº 2, da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do indeferimento da pretendida reforma quanto a custas, por considerar revogada pelo art. 25º, nº 1, do Dec. Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, a isenção de custas de que beneficiavam os baldios.
*
II

Decidindo.

1. Além dos sectores público e privado de propriedade dos meios de produção, a Constituição da República Portuguesa assegura também o sector cooperativo e social, onde se compreendem, além do mais, os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais (cfr. art. 82º, nºs 1, 2, 3 e 4, b), da Lei Fundamental). Estas comunidades locais não se confundem com as autarquias locais que, como se sabe, são pessoas colectivas públicas territoriais, sendo antes, comunidades territoriais sem personalidade jurídica, v.g. povos ou aldeias, que possuem e gerem a propriedade comum da terra e de outros meios de produção referentes à vida colectiva, v.g., moinhos e fornos (cfr. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição revista, pág. 988).
A parcela mais significativa desta propriedade comum, destes bens comunitários é constituída pelos baldios ou seja, os terrenos de uso colectivo, normalmente para pastagem, exploração de madeira e recolha de lenhas, que estão na posse e fruição dos povos ou lugares (cfr. Jaime Gralheiro, Comentário à Lei dos Baldios, 1990, pág. 60). Os baldios são pois, terrenos possuídos e geridos por comunidades locais (art. 1º, nº 1, da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro), entendendo-se por estas, o universo dos moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio (nºs 2 e 3 do mesmo artigo).
A lei não deixou de regular a forma de administração desta figura específica, dispondo que os baldios são administrados, por direito próprio, pelos compartes, de acordo com os usos e costumes, e na falta destes, através de órgãos democraticamente eleitos, a assembleia de compartes, o conselho directivo e a comissão de fiscalização (art. 11º, nºs 1 e 2, da lei citada), cujas competências definiu (arts. 15º, 21º e 25º, ainda da mesma lei).
Temos assim, que é a própria comunidade, o universo dos compartes, a titular dos baldios e da respectiva gestão e não, uma qualquer pessoa colectiva, seja de direito público, seja de direito privado. Aliás, em lado algum a Lei nº 68/93, de 4 de Setembro configura os baldios como pessoa colectiva – estes são, como dissemos, terrenos – nem atribui a sua titularidade e gestão a uma pessoa colectiva, a constituir para o efeito.

Não sendo os baldios uma pessoa colectiva de direito privado – sem ou com fins lucrativos – é, ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, destituída de fundamento a afirmação de que se encontram abrangidos pela isenção prevista no art. 4º, nº 1, f), do Regulamento das Custas Processuais.

2. Por outro lado, se é certo que o art. 32º, nº 2, da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro isentava de custas os órgãos e membros das comunidades locais titulares de direitos sobre os baldios, incluindo as entidades em que tiverem sido delegados os respectivos poderes de administração, é também inquestionável o confessado propósito do legislador em reduzir drasticamente as isenções de custas [como pode ler-se no exórdio do Dec. Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro], vindo o art. 25º, nº 1, do Dec. Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, a revogar as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que nele não estejam previstas. Logo, aquela isenção está hoje revogada.

3. Em conclusão:
- Os baldios não são pessoas colectivas, mais concretamente, não são pessoas colectivas de direito privado sem fins lucrativos, razão pela qual não estão abrangidos pela previsão da alínea f), do nº 1, do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais;
- A isenção de custas prevista no art. 32º, nº 2, da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, que beneficiava os baldios, foi revogada pelo art. 25º, nº 1, do Dec. Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro;
- Assim, o Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de U..., ora requerente, não está isento de custas.
*

III


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em indeferir a requerida reforma quanto a custas.

Sem tributação (art. 515º, do C. Processo Penal, a contrario).
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Coimbra, 24 de Outubro de 2012


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(Heitor Vasques Osório)

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(Jorge Dias)