Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
55/08.0TAVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: DESPACHO DE PRONÚNCIA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
FACTOS
ACUSAÇÃO
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 303.º, N.º 5, E 123.º, DO CPP
Sumário: I - De forma a assegurar o amplo direito de defesa do arguido, a acusação deve indicar as concretas normas jurídicas aplicáveis aos factos que descreve.
II - Se na acusação particular - integralmente acompanhada pelo Ministério Público - o crime imputado ao arguido está normativamente definido pela singela referência ao artigo 183.º, n.º 1, do Código Penal, o aditamento, na decisão instrutória de pronúncia, do artigo 180.º do diploma referido consubstancia uma alteração de qualificação jurídica que, na falta de cumprimento do disposto no artigo 303.º, n.º 5, do CPP, gera o vício de irregularidade, a arguir nos temos do disposto no artigo 123.º da lei adjectiva penal.
Decisão Texto Integral: Acordam na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos, findo o inquérito, vieram os assistentes A... e B..., deduzir acusação particular contra C... , D.... e E... , pela prática, em autoria material, cada um de um crime de publicidade e calúnia, previsto e punido pelo artigo 183.°, n.°1, alínea a) e n.°2, do Código Penal.
Por despacho de fls. 277 o Ministério Público acompanhou as acusações particulares deduzidas.
Inconformado com tais acusações, o arguido E... veio requerer a abertura de instrução, alegando, em síntese, que as acusações particulares são nulas porque delas não consta a sua correcta identificação nem as disposições legais aplicáveis, além de que não foi o autor do artigo em causa e fora substituído nas suas funções pela Directora Adjunta Exclusiva, F..., pelo que nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada.
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2. Teve lugar a instrução e na decisão instrutória decidiu-se pela improcedência das invocadas nulidades, por além do mais, se entender ter existido apenas um lapso motivado pela epígrafe do artigo 183º do Código Penal, dando a ideia de ser um crime autónomo quando remete para os artigos 180º e 181º do mesmo diploma legal. Nessa conformidade procedeu à rectificação das acusações particulares e decidiu “pronunciar, para julgamento em processo Comum  e com a Intervenção do tribunal singular, o arguido, E... pelos factos e pelas disposições legais constantes das acusações particulares de fls. 255 e 269 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com a rectificação constante do Ponto II desta decisão, no que respeita à qualificação jurídica dos factos.”
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3. - 1º RECURSO
O arguido E... a fls 476 a 478 veio arguir nulidades da decisão instrutória e suscitar a prescrição do procedimento criminal e antes ainda da apreciação da arguição de nulidades, interpôs recurso da decisão instrutória, de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recuso interposto da douta decisão instrutória proferida nos presentes autos, que rectificou a qualificação jurídica dos factos constantes das acusações particulares sem ter efectuado qualquer comunicação ao ora recorrente e sem ter apreciado a prescrição do procedimento criminal.
2 - Entendeu a douta decisão instrutória não se verificar a nulidade das acusações particulares, invocada pelo ora recorrente, uma vez que "o arguido sempre sabia que estava a ser acusado de um crime contra a honra” e, portanto, se trataria de um mero “lapso de escrita motivado pela própria epígrafe do artigo 183° do Código Penal, que dá a ideia de constituir um tipo autónomo, sendo certo que remete para os tipos dos artigos anteriores - com o que ora recorrente não pode concordar, uma vez que entende ser essencial que a acusação tipifique, concretamente, o crime imputado e não apenas a sua “tipologia”, sendo que a completa omissão das disposições aplicáveis (e, portanto, da concreta moldura penal que enfrenta o arguido), não pode nunca ser tratado como “lapso de escrita”.
3 - Apesar de entender que não se verificavam as nulidades invocadas, ainda assim, decidiu a douta decisão Instrutória, “dissipar quaisquer dúvidas que se pudes­sem levantar sobre a qualificação jurídica dos factos constantes das acusações particulares” e proceder à rectificação da do lapso de escrita alterando a qualificação jurídica dos factos descritos nas acusações particulares para “um crime de difamação agrava­do ou, o crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180º nº1 e 183°, n° 1, alínea a) do Código Penai” (sublinha­do nosso)
4 - Nos termos do art  303°, n°s 1 e 5 do Código de Processo Penal, estava e está o juiz de instrução obrigado a comunicar aos arguidos, designadamente, ao ora recorrente, tal alteração e a conceder-lhe, caso este o requeresse - como requereria se tal alteração lhe tivesse sido comunicada - prazo para preparação da defesa.
5 - Ora nenhuma alteração foi comunicada ao ora recorrente, nem lhe foi concedido qualquer prazo paraelaboração de defesa, nomeadamente de adequação de defesa ao tipo de crime por que passaria a ser acusado, não lhe tendo, sequer, sido permitido pronunciar-se sobre a mesma, sendo certo que o ora recorrente, no exercício de um direito que lhe assistia, não estava presente na sessão de leitura da decisão instrutória, porquanto entendeu, face ao crime emoldura penal que lhe eram imputados - diferentes daqueles por que foi pronunciado - não ser necessária a sua presença, designadamente, não vendo necessidade de prestar declarações em sede de instrução.
6 - Tal falta de comunicação e, consequentemente, a falta de possibilidade de se defender da nova qualificação jurídica imputada, configura uma insustentável preterição do direito penal e constitucionalmente consagrado de defesa do arguido, equiparando-se a uma total ausência, por culpa que lhe não é imputável, do arguido na fase de instrução, designadamente, de defesa, o que consubstancia uma nulidade insanável, nos termos dos artigos 119 nº 1, al c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora se invoca para - todos os devidos e legais efeitos.
7 - Mais importa a nulidade da decisão Instrutória, nos termos do artigo 379°, n° 1, alínea b) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora também se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
8 - Por outro lado, à luz da nova qualificação jurídica imposta pela douta decisão instrutória proferida, não pode já o ora recorrente - e nem os restantes arguidos, diga-se - ser responsabilizado pelo crime por que foi pronunciado, porquanto prescreveu o respectivo procedimento criminal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118º, nº 1 al. d), 120° e 121°, n° 3 do Código Penal, prescrição essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
9 - Com efeito, sendo a concreta moldura penal agora imputada ao arguido, ora recorrente, a de pena de prisão de 40 dias a 8 meses, ou pena de multa de 13 a 320 dias, aquando da notificação da acusação ao ora recorrente, estava já prescrito desde, pelo menos, 17/04/2011, como continua a estar, o procedimento criminal imputado ao ora recorrente, prescrição essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
10 - A prescrição do procedimento criminal é de conhecimento oficioso, pelo que podia e devia o douto tribunal a quotê-la declarado - não o tendo feito, deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, também por esta razão sendo, nos termos do artigo 379°, n° 1, al. c) do Código de Processo Penal, a douta decisão instrutória nula e sem produzir quaisquer efeitos, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
11 - Ao decidir da forma explanada na douta decisão recorrida, violou o douto tribunal a quo, entre outros, os artigos 119°, al. c), 283°, n° 3, al. c), 303°, n°s 1 e 5, 311°, n° 3, al, c) e 379°, n° 1, al. c) do Código de Processo Penal, 118°. n° 1, al. d) 18° e 32° da Constituição da República Portuguesa e os preceitos, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade, do acusatório, do contraditório e do direito de defesa do arguido.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e,consequentemente, serem declaradas as nulidades invocadas e, em qualquer caso, a douta decisão instrutória revogada, declarando-se a extinção da responsabilidade criminal do ora recorrente por efeitos de prescrição, com todas as legais consequências.
JUSTIÇA!”
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3. 2º RECURSO
O arguido E..., veio também interpor recurso do despacho que desatendeu a arguição das nulidades da decisão instrutória e da prescrição do procedimento criminal, de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos presentes autos que desatendeu a arguição das nulidades da decisão instrutória.
2 - Entendeu o douto despacho recorrido que não existiu qualquer violação dos direitos de defesa do arguido na não comunicação da rectificação quanto à alteração da qualificação jurídica, porquanto as acusações particulares não são completamente omissas quanto à concreta moldura penal que imputam ao ora recorrente, mas “apenas não referiam se a agravação do artigo 183° se reportava ao crime de injúria ou ao crime de difamação”, ou seja, “apenas” faltava a referência ao crime principal, (sublinhado nosso)
3 - E entendeu ainda o douto despacho recorrido que, uma vez que a moldura penal é a mesma independentemente da agravação se reportar ao crime de Injúrias, ou de Difamação, não havendo, por tal motivo, qualquer agravação da posição processual do arguido, não se impunha “comunicar previamente tal rectificação ao arguido” - com o que não pode, manifestamente, concordar o ora recorrente.
4 - Com efeito, não é a moldura penal a razão de ser da obrigação de co­municação imposta pelo artigo 303° do CPP, uma vez que não é o simples facto de o arguido “apenas” enfrentar uma moldura mais leve, ou uma moldura igual, que significa que já tenha preparado a sua defesa para ela - não é nas molduras penais que os arguidos alicerçam a sua estratégia de defesa: é nos factos e nos requisitos dos tipos legais de crime que são chamados a enfrentar.
5 - Não cabe aqui a adaptação do dito popular “Quem se defende do mais, defende-se do menos”: tipos de crime diferentes implicam ou podem implicar estratégias de defesa diferentes e é um direito inalienável do arguido saber deque tipo de crime se está a defender, para cabalmente poder preparar-se, de­signadamente, para poder decidir se requer, ou não, determinado tipo de dili­gências de prova - assim é também o entendimento da esmagadora maioria da doutrina e jurisprudência.
6 - Apesar de entender que não se verificavam as nulidades invocadas pelo arguido, ora recorrente, no seu requerimento de abertura de instrução, decidiu a dou­ta decisão instrutória, “dissipar quaisquer dúvidas que se pudessem levantar sobre a qualificação dos factos constantes das acusações particulares” e proceder à “rectifi­cação das mesmas”, alterando a qualificação jurídica dos factos descritos nas acusações particulares para “um crime de difamação agravado ou, o crime de difa­mação com publicidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180°, 182° e 183°, n° 1, alínea a) do Código Penal” (sublinhado nosso)
7 - Nos termos do artigo 303°, n°s 1 e 5 do Código de Processo Penal, estava e está o juiz de instrução obrigado a comunicar aos arguidos, designadamente, ao ora recorrente, tal alteração e a conceder-lhe, caso este o requeresse - como requereria se tal alteração lhe tivesse sido comunicada - prazo para preparação da defesa.
8 - Ora nenhuma alteração foi comunicada ao ora recorrente, nem lhe foi concedido qualquer prazo para elaboração de defesa, nomeadamente de adequação de defesa ao tipo de crime por que passaria a ser acusado, não lhe tendo, sequer, sido permitido pronunciar-se sobre a mesma, sendo certo que o ora recorrente, no exercício de um direito que lhe assistia, não estava presente na sessão de leitura da decisão instrutória, porquanto entendeu, face ao crime, moldura penal e qualificação jurídica que lhe eram imputados - diferentes daqueles por que foi pronunciado - não ser necessária a sua presença, designadamente, não vendo necessidade de prestar declarações em sede de instrução.
9 - Tal falta de comunicação e, consequentemente, a falta de possibilidade de se defender da nova qualificação jurídica imputada, configura uma insustentável preterição do direito penal e constitucionalmente consagrado de defesa do arguido, equiparando-se a uma total ausência, por culpa que lhe não é imputável, do arguido na fase de instrução, designadamente, de defesa, o que consubstancia uma nulidade insanável, nos termos dos artigos 119°, al. c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
10- Ao entender de forma distinta, ou seja, ao entender que a alteração da qualificação jurídica não tem que ser comunicada ao arguido, nem é necessário conceder-lhe prazo para defesa, quando tal alteração não implicar qualquer agravação da posição processual, fez o douto Tribunal a quo uma interpretação inconstitucional do artigo 303°, n°s 1 e 5 do Código de Processo Penal, por violadora do n° 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa e dos princípios, penal e constitucionalmente consagrados, do contraditório e do direito de defesa do arguido.
11- A nulidade ora invocada não se confunde com a realização do debate instrutório e leitura da decisão Instrutória realizados na ausência do arguido, sem que este tenha renunciado ao seu direito de aí estar presente, nem foi esta nulidade arguida em nenhuma altura pelo ora recorrente
12- Sendo certo que o douto Tribunal a quo não se pronunciou quanto à nulidade invocada pelo ora recorrente, devendo fazê-lo, pelo que é o douto  despacho proferido nulo, nos termos do artigo 379°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
13- A omissão da comunicação ao ora recorrente da alteração da qualificação jurídica efectuada pelo douto Tribunal a quo importa ainda a nulidade da decisão instrutória, nos termos do artigo 379°, n° 1, alínea b) do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora também se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
14- Foi o ora recorrente pronunciado - após a respectiva “correcção” efectuada pelo douto Tribunal de Instrução - por “um crime de difamação agravado ou, o crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180°, 182° e 183°, n° 1, alínea a) do Código Penal”, pelo que passaram a ser essas e só essas, as disposições legais imputadas ao arguido, ora recorrente - se outras quisesse o Tribunal indicar, teria que as fazer constar expressamente da decisão, uma vez que não se limitou, como poderia ter feito, a remeter para as acusações particulares.
15- E o certo é que, à luz da nova qualificação jurídica imposta pela douta decisão instrutória proferida, não podia já o ora recorrente - e nem os restantes arguidos, diga-se - ser responsabilizado pelo crime por que foi pronunciado, porquanto prescreveu o respectivo procedimento criminal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118°, n° 1 al. d), 120° e 121°, n° 3 do Código Penal, prescrição essa que ora recorrente invocou e volta a invocar para todos os devidos e legais efeitos.
16- E não se diga, como no douto despacho de que se recorre, que não ocorreu ainda a prescrição do procedimento criminal porquanto “a agravação por este n° 2 nunca foi posta em causa, quer pelo arguido, quer pela Exma Juiz de  Instrução” e que “só por mero lapso não foi feita referência, na decisão instrutória, ao n° 2 do artigo 183° do Código Penal, não havendo qualquer intenção em efectuar uma alteração no sentido que só estaríamos perante a agravação no n° 1 do mesmo preceito legal, em que a moldura é inferior”. (Sublinhado nosso)
17- De lapso, em lapso vai o arguido, ora recorrente, tentando adivinhar quais as disposições legais que “afinal” lhe são imputadas, sendo certo que parece decorrer de todo o processado que é sua obrigação “acertar”, o que é manifestamente inadmissível.
18- E não colhe o “argumento do lapso” sustentado no douto despacho recorrido, desde logo, porque a previsão do n° 2 do artigo 183° do Código Penal exclui a aplicação da alínea a) do n° 1 do mesmo artigo 183°, pois o legislador criou uma agravação específica para os casos em que os crimes de difamação ou injúria sejam cometidos através da imprensa, que não se confunde com os meios ou as circunstâncias que aumentam o efeito propulsor destes, previstas na alínea a) do artigo 183°; por outro lado, porque a “rectificação” operada pelo doutro Tribunal de Instrução não deixou apenas “de fora”, a imputação do n° 2 do artigo 183° do Código Penal, mas também a do n° 1 alínea b) do mesmo artigo 183° do Código Penal, tendo o ora recorrente entendido, legitimamente, que tal “rectificação” passava a ser a indicação das normas - todas as normas - imputadas ao arguido.
19- Impõe-se que a douta decisão instrutória seja clara, sendo certo que não é: o douto Tribunal de Instrução “rectificou” a “imprecisão” das acusações devida a “mero lapso”, mas, também por mero lapso, “esqueceu-se” de que queria manter uma das duas disposições legais que retirou, o que, no seu entender, não deve ter consequências para o arguido, porquanto o mesmo tinha obrigação de saber que “em momento algum é colocada a hipótese em não se estar perante a agravação do n° 2 do artigo 183o”, uma vez que o que pôs em causa nas acusações particulares foi apenas a “falta de referência ao crime principal”.
20 - Ao arguido assiste o direito de conhecer todas as disposições legais que lhe são concretamente imputadas, o que não sucede nos presentes autos.
21 - Ao decidir da forma explanada na douta decisão recorrida, violou o douto tribunal a quo, entre outros, os artigos 119°, al. c), 283°, n° 3, al. c), 303°, n°s 1 e 5, 311°, n° 3, al. c) e 379°, n° 1, ais. b) e c) do Código de Processo Penal, 18° e 32° da Constituição da República Portuguesa e os preceitos, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade, do acusatório, do contraditório e do direito  de defesa do arguido.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, consequentemente, serem declaradas as nulidades invocadas e, em qualquer caso, a douta decisão instrutória revogada, declarando-se a extinção da responsabilidade criminal do ora recorrente por efeitos de prescrição, com todas as legais consequências.
JUSTIÇA!”
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4. O Ministério Público, enquanto recorrido, respondeu ao recurso interposto do despacho de pronúncia, concluindo:
A - Da irrecorribilidade da decisão instrutória:
1 - A decisão instrutória agora posta em crise pronunciou o arguido E... pelos mesmos factos constantes na acusação.
2 - Reza o artigo 310° n.º 1 do Código de Processo Penal que “a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos mesmos factos constantes na acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283a ou n.ºs 4 do artigo 285a, é irrecorrível, mesmo na parte em apreciar nulidades...”
3 - Tendo em conta o preceituado neste dispositivo legal, a decisão instrutória objecto do presente recurso não é recorrível.
Sem prejuízo do ora alegado.
4 - Por decisão de 14 de Junho de 2012, a Exma. Juiz de Instrução pronunciou o arguido E... pela prática de um crime de difamação agravado ou crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, 182º e 183º n.º 1, alínea a) do Código Penal".
5 - Não se conformando com a douta decisão, o arguido dela interpôs recurso, pugnando pela:
a) Violação das garantias constitucionalmente consagradas ao arguido no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa uma vez que não deu prazo a este para se pronunciar em relação à rectificação efectuada quanto qualificação jurídica do crime.
b) Violação do disposto no artigo 119 al. c) do Código de Processo Penal.
c) Violação do disposto no artigo 379 nº 1 nlínea b) do Código de Processo Penal.
d) Prescrição do procedimento criminal.
6- O Ministério Público entende quo não assiste razão ao recorrente, conforme expõe de seguida.
7 - Para melhor percepção daquilo que se discute importa ter em conta o seguinte:
As acusações particulares deduzidas pelos assistentes, e acompanhadas pelo Ministério Público, imputaram arguidos a prática de um crime de publicidade e calúnia, previsto e punível pelo artigo 183º n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal.
O arguido E... requereu a abertura de instrução invocando, entre outros, a nulidade das acusações particulares uma vez que, a seu ver, não indicavam as disposições legais aplicáveis, nos termos do disposto no artigo 311ºn.º 3, alínea c) do Código IVnal, uma vez que só é feita referência à agravação - artigo 183° n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal - e não ao crime a que em concreto respeita, ou seja, crime de difamação ou crime de injúria.
Na decisão instrutória decidiu-se pela improcedência da invocada nulidade que entendeu ter existido apenas um lapso motivado pela epígrafe do artigo 183° do Código Penal, que dá a ideia do ser um crime autónomo quando remete para os artigos 180ºe 181e do mesmo diploma legal. Nessa conformidade procedeu à rectificação das acusações particulares imputando a cada um dos arguidos a “prática de um crime de difamação agravado ou crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelas disposições dos artigos 180°, 182° e 183a n.º 1, al. a) do CP.
A fls. 432 e 455 o arguido E... declarou que prescindia de estar presente  no debate instrutório.
Assim,
A) Violação dos direitos de defesa do arguido na não comunicação da rectificação quanto à alteração da qualificação jurídica:
8- O arguido alega que as acusações particulares são completamente omissas quanto à concreta moldura penal, devido à “total ausência” de disposições legais aplicáveis, pelo que defende a decisão instrutória procedeu à alteração da qualificação jurídica sem disso dar conhecimento ao arguido.
9 - Ora, desde já se diga as acusações particulares apenas não referiram se a agravação do art 183º se reportava ao crime de injúria ou ao crime de difamação, se bem que sempre o devessem fazer. No entanto a moldura aplicável ao caso é a mesma pois as acusações sempre se basearam no nº 2 do art 183º, cuja moldura penal é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa de 120 a 360 dias. Ou seja, a moldura penal é a mesma independentemente da agravação se reportar ao crime de injúria ou ao crime de difamação.
10 - Pelas razões invocadas na decisão instrutória concorda-se com a rectificação efectuada.
11 - Por outro lado, como não há qualquer agravação da posição processual do arguido, entendo não haver a imposição de comunicar previamente tal rectificação ao arguido.
B - Violação do disposto no art 119º, al. c) do CPP
12 - Como em cima referido, o arguido E... prescindiu do direito de estar presente no debate instrutório, havendo em todo o caso sido representado pelo seu mandatário.
Nos termos do disposto no artigo 300 nº 3 do CPP, “se o arguido renunciar ao direito de estar presente o debate não é adiado com fundamento na sua falta, sendo ele representado pelo defensor constituído ou nomeado”
13 - Assim sendo, não há qualquer obrigatoriedade do arguido estar apresente na leitura da decisão instrutória, pelo que entendo não se verificar a nulidade da al c) do art 119º do CPP.
C) -  Violação do disposto no art. 379º, nº 1 al. b) do CPP
14 - Nesta parte o Ministério Público remete para o expendido no ponto A) entendendo que não há qualquer pronúncia por factos diversos daqueles que constam da acusação.
D) Prescrição do procedimento criminal
15 - Invoca o arguido a prescrição do procedimento criminal uma vez que na decisão instrutória imputou-se aos arguidos, a prática de um crime de difamação agravada previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts  180º, 182º, 183 nº 1 al. a) todos do CPtodos do Código Penal.
16 - De facto, a ser assim, a prescrição do procedimento criminal ocorreria a 17/04/2011, tal como defende o arguido.
17 Sucede que o que aqui está em causa é o crime de difamação agravada pelo nº 2 do Cód Penal - cometido através de comunicação social - cuja moldura penal vai até dois anos de prisão.
18 Se atentarmos na fundamentação da decisão instrutória no que respeita à invocada nulidade decorrente da falta de indicação das disposições legais aplicáveis, verificamos que em momento algum é colocada a hipótese em não se estar perante agravação do nº 2 do art 183º do C.Penal, tal como descrito nas acusações particulares. A única a que se alude é ao facto de não estar descrito nas acusações particulares é a falta de referência ao crime principal.
19 Assim, só por mero lapso não foi feita referência, na decisão instrutória ao nº 2 do art 183º do CP não havendo qualquer intenção de efectuar uma alteração no sentido que só estaríamos perante a agravação no nº 1 do mesmo preceito legal, em que a moldura penal é inferior.
20 Deste modo, o prazo de prescrição é elevado para 5 anos - art 118º, nº1, al. c) do Cód Penal. Além disso o prazo de prescrição interrompeu-se com a constituição dos arguido - art 121º,  nº 1 al. a) do CP - pelo que tendo em conta o prazo máximo estipulado nº nº 3 do art 121º do CP, a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá a 17 de Novembro de 2015.
Este é o nosso entendimento
Justiça”.
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5. Também a assistente A...respondeu, concluindo:
A) Antes de mais, cumpre aclarar que no despacho de pronúncia ora sindicado no presente recurso, apresentado pelo arguido, e a que se responde, não estamos perante uma alteração, substancial ou não substancial, dos factos mas sim perante uma mera rectificação de lapso de escrita, ou, melhor, perante uma concretização das normas e dispositivos legais que haviam sido alegadamente deficientemente indicadas aquando da acusação particular;
B) E isto porque é um facto que na acusação particular, apesar de no artigo 46 da mesma acusação particular se fazer uma referência expressa ao crime de difamação, por lapso de escrita apenas se indicou, no fim dessa mesma acusação particular, expressamente o artigo 183º n.° 1 alínea a) e n.° 2 do CP e não também textualmente o artigo 180 do CP;
C) Desta forma a acusação particular não é omissa quanto à indicação dos normativos legais, quando muito, estamos perante uma deficiente indicação desses mesmos normativos;
D) Em qualquer caso também não se pode dizer que a indicação dessa norma (artigo 180 do CP) é essencial ao exercício da defesa do arguido uma vez que o mesmo sabia qual o crime pelo qual foi acusado, e qual a moldura penal que lhe era aplicável, tendo em conta não só o teor da acusação particular mas igualmente as demais disposições legais aí expressamente indicadas, designadamente o referido artigo 183 do CP, que identifica o tipo de crime e respectiva moldura penal;
E) "Não constitui nulidade da acusação uma deficiente indicação das disposições legais aplicáveis.”- vide- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 18-10-2006;
F) "A deficiente indicação, por um lado, não vem prevista como causa de rejeição e, por outro, também não integra qualquer nulidade ou irregularidade, conforme é fácil de ver com a leitura dos art°s 118° a 123° do C.P.Penal." - vide - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 07-03-2005;
G) No caso dos autos, seria mesmo incompreensível que, pela simples omissão de indicação de um artigo, e tendo sido indicado de forma expressa o artigo 183 do CP (crime de publicidade e calúnia) a ofendida/assistente visse frustradas as suas legítimas expectativas de ver prosseguir o processo com o recebimento da acusação, tanto mais que, afinal, os factos da denúncia são exactamente os mesmos da acusação.
H) Em qualquer caso, tal questão da alegada nulidade da acusação particular - artigo 283 n.º 3 al. C) e 311 n.º 3 do c do CPP - foi já suscitada pelo arguido sendo certo que tal nulidade não foi julgada procedente no despacho de pronúncia a fls. encontrando-se portanto tal questão já ultrapassada, até porque tal despacho de pronúncia a fls. é irrecorrível ao abrigo do disposto no artigo 310 do CPP;
I) Mas mais, tendo existido instrução, neste caso, a acusação já não pode ser rejeitada, ao abrigo do disposto no n.°2 do art. 311.°, pois que a acusação terá sido substituída ou confirmada pelo despacho de pronúncia do juiz de instrução, não podendo o juiz de julgamento revogar uma decisão do juiz de instrução, como é obvio;
J) Salvo o devido respeito por opinião contrária, o facto referido pelo arguido/requerente mais não consubstanciaria, em qualquer caso, e dado que não estamos perante uma completa omissão das disposições legais mas uma deficiente indicação das mesmas, um lapso de escrita, já sanado, que quando muito configuraria uma simples irregularidade, que não foi suscitada nem na altura nem 3 dias depois;
K) Sem prejuízo do que acima se referiu, designadamente quanto ao facto de a decisão instrutória ter já desatendido a existência de tal nulidade, temos que em qualquer caso a acusação não padece assim, da nulidade a que alude o art. 283°. n.º 3, al. a) do C.P.P, nem é manifestamente infundada nos termos do artº 311o, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. a), do mesmo Código, padecendo apenas de um simples erro material, de um lapso manifesto que deve ser, e foi, corrigido nos termos do art. 380°. n.ºs 1, al. b e n.º 3 do Código de Processo Penal, aplicável por analogia;
L) Assim, estamos perante uma mera concretização da totalidade dos normativos legais aplicáveis in casu, no entanto, quer a factualidade indicada na acusação quer a moldura penal quer o crime imputado permaneceram exactamente os mesmos, motivo pelo qual não estamos perante uma qualquer alteração, substancial ou não substancial, da qualificação jurídica ou dos factos e não se impunha, por isso, qualquer notificação ao arguido;
M) Em qualquer caso, e mesmo que se entenda que estamos perante uma alteração da qualificação jurídica, a mesma, por não relevante para a defesa do arguido, não carecia de ser comunicada nos termos do artigo 358º ou 359º do CPP. Vejamos.
N) Afigura-se-nos que, a par da alteração não substancial dos factos, a alteração da qualificação jurídica que impõe a obrigatoriedade dessa comunicação deverá ser igualmente relevante, pois só estas são susceptíveis de integrar situações de “indefesa constitucionalmente relevante".
O) A jurisprudência anteriormente traçada que conduziu à consagração expressa do dever de comunicação da alteração da qualificação jurídica, temos como denominador comum de todas elas que se tratava sempre de incriminações cuja moldura penal abstracta da condenação era sempre mais grave do que aquela pela qual o arguido tinha sido acusado:
P) E não constitui “alteração não substancial dos factos” toda e qualquer alteração ou desvio da sentença em relação à qualificação da acusação ou pronúncia.
Q) A modificação da qualificação jurídica constantes destas peças processuais só integra o referido conceito normativo quando tiver relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido, vista em função do condicionamento da estratégia e utilidade da defesa - vide - Acórdão 11o 47/09.1GATND.Cl do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 28 de Setembro de 2011;
R) “Não constitui alteração - substancial ou não substancial relevante - qualquer alteração de palavras, qualquer adaptação dos dizeres da acusação, qualquer clarificação e/ou pormenorização do seu conteúdo” - vide - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 29-09-2010;
S) Assim, neste caso, entende-se que a não notificação do arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos não impediu a possibilidade de uma defesa eficaz e, como tal, não determina a arguida nulidade do despacho de pronúncia dado que inexistia qualquer obrigação de comunicação ao arguido in casu;
T) Quer porque o que ocorreu foi uma rectificação de um lapso quanto à indicação das normas legais e não uma alteração do tipo de crime ou da moldura penal quer porque, mesmo que se entenda que estamos perante uma alteração da qualificação jurídica, esta não é relevante nem impõe a obrigatoriedade da comunicação ao arguido uma vez que não contende com os direitos de defesa deste;
U) Em qualquer caso, mesmo que se considere que estamos perante uma nulidade, a consequência da nulidade é a repetição do acto - art. 122 n° 2 do CPP, devendo pois ser reaberta a instrução, para que, nos termos e para os efeitos do art. 358 do CPP, sejam as alterações comunicadas ao arguido, seguindo-se os ulteriores trâmites legais.
V) O recorrente incorre num vício de raciocínio: parte do pressuposto de que, entre a data da prática dos factos (a data em que o facto se consumou, tendo em vista o disposto no artigo 119.°, n.°1) e a presente data não se verificaram quaisquer factos com eficácia interruptiva ou suspensiva da prescrição.
W) Conforme resulta dos autos, quer da queixa-crime, quer da acusação particular quer da acusação do MP quer da decisão de pronúncia, estamos perante um crime de difamação agravado ou crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, 182º e 183 n.º 1 alínea a) da CP;
X) Tendo em conta a moldura penal abstracta em causa, é de 5 anos o prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do que dispõe o artigo 118.°, n.º1, al. c) do Código Penal, a correr desde a data da prática dos factos;
Y) Ora, para além da interrupção da prescrição resultante da constituição de arguido [art. 121.°, n.°1, al. a)], também se verificou um facto com efeito interruptivo e suspensivo da prescrição: a notificação da acusação ao arguido pelo que, dúvidas não restam que na presente data ainda não prescreveu na presente data, de forma alguma, o procedimento criminal aqui em causa nos autos;
Z) Mais, e nem se diga que, tendo em conta o tipo de crime aqui em causa - difamação com publicidade e calúnia p. e p. no artigo 180º e 183 n.º 1 alínea a) e n.º 2 do CP, se aplica in casu o previsto no n.º 2 do artigo 118 do CP;
AA)      Refira-se, quando a lei, no n.º 2, do art. 118° estipula “mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes" expressamente preceitua que para efeitos de contagem dos prazos prescricionais só não são tomadas em consideração as circunstâncias modificativas da Parte Geral do Código Penal.
BB)      Por outro lado, e segundo outra perspectiva, podemos considerar os arts. 183° e 184° enquanto novos tipos de crime, protegendo, mais especificamente o art. 184°, um bem jurídico distinto, nas palavras do Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo 1, 1999, Coimbra Editora, pág. 189, o bem jurídico da «honra funcional».
CC)      No caso das circunstâncias previstas na Parte Especial do Código criarem um novo tipo de crime, refere Maia Gonçalves in Código Penal Português Anotado, 14° Edição-2001 que a “disposição do n.º 2 não tem aplicação quando a agravantes ou atenuantes modificativas são levadas em conta pela própria lei para criar um novo tipo de crime”.
DD)     Assim, atenta a moldura penal abstractamente aplicável ao crime em causa nos presentes autos, corresponde a este o prazo prescricional de 5 anos, nos termos do disposto no art.118°, n.º 1 al. c), do CP não se encontrando ainda prescrito o procedimento criminal nos presentes autos.
Nestes termos e nos melhores de direito,  deve o recurso a que ora se responde ser considerado improcedente, por não provado e infundado, só assim se fazendo Justiça!”
*
6. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer em concordância com a resposta do MP da 1ª instância - cfr fls 610 a 615.
*

II FUNDAMENTAÇÃO
II.1Apreciando o 1º recurso  (interposto  do despacho de pronúncia)
A questão da admissibilidade ou não do presente recurso tem que ser equacionada segundo o disposto no artigo 310º, do Código de Processo Penal, com a redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto.
Dispõe o referido preceito:

1 - A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a competência do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas.
3 – É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.
Comparemos com a redacção anterior deste preceito:
 1 - A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.
2 – É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.

Constata-se com clareza que da sucessão de regimes resulta acrescentado no nº1, o segmento “é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais”.
Como é sabido, anteriormente à actual redacção entendia-se que apesar da irrecorribilidade do despacho de pronúncia que pronunciasse o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público (art. 310º, nº1, do CPP), era todavia admissível o recurso de nulidades arguidas no decurso do inquérito ou instrução e das questões prévias ou incidentais – v. Assento do STJ de 19.1.2000, in DR I-A série, de 7 de Março de 2000.

Assim, o ac. do STJ de 5 de Abril de 2001, proferido no proc. Nº 675/01-5, SASTJ, nº 50, 44, decidiu que:
I – A decisão instrutória abarca não só a parte da pronúncia ou não pronúncia (despacho de pronúncia propriamente dito) como também as nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e as demais questões prévias ou incidentais.

II – A regra da irrecorribilidade do despacho de pronúncia do artigo 310º do CPP só respeita ao despacho de pronúncia propriamente dito.
III – A decisão instrutória que julga improcedente a arguida excepção de prescrição é recorrível.
Era a tese seguida apesar do Tribunal Constitucional entender que as normas dos artigos 308º, nº3 e 310º, nº1, do CPP não são inconstitucionais, na interpretação de que são irrecorríveis as decisões prévias ou incidentais constantes do despacho de pronúncia – ac. do TC nº 216/99, de 21 de Abril, in DR, II série, de 6 de Agosto de 1999.
Actualmente as dúvidas dissiparam-se com a alteração operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto ao teor do artigo 310º, do CPP, sendo manifesto que o legislador quis restringir o recurso mesmo às nulidades e questões prévias e incidentais, com o objectivo da obtenção da aceleração processual, como refere Maia Gonçalves in Código de Processo Penal, 2009, fls. 723, que entende que a garantia constitucional de duplo grau de jurisdição só existe quanto às decisões condenatórias e às privações da liberdade e de outros direitos fundamentais, concluindo pois que  a irrecorribilidade da decisão instrutória, nos termos estabelecidos no nº1 deste artigo (310º), não viola qualquer preceito da CRP.
Contrariamente, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do código de Processo Penal, 2ª edição, fls. 783, quanto à objecção de preterição do duplo grau de jurisdição, considerava tal posição inconstitucional.
Sobre esta matéria o T. Constitucional decidiu no ac. nº 265/94, de 3 de Março, in BMJ, 435, fls. 432 que “a garantia do duplo grau de jurisdição só existe quanto às decisões penais condenatórias e quanto às respeitantes à situação do arguido face à privação da liberdade ou de outros direitos fundamentais, nada obstando a que o direito ao recurso seja restringido ou limitado a certas fases do processo criminal e podendo mesmo tal direito, relativamente a certos actos do juiz, não existir, desde que não se atinja o conteúdo essencial do direito de defesa do arguido. Não existindo uma real simetria entre os despachos de pronúncia e de não pronúncia, não constitui violação do artigo 32º, nº1, da CRP nem o princípio da igualdade de armas, a circunstância de o nº 1 do artigo 310º, do CPP estabelecer a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do MP”.
Contudo, o nº 3, do artigo 310º, do CPP, manteve a recorribilidade da nulidade emergente do disposto no artigo 309º, do mesmo diploma, ou seja, quando o tribunal pronuncie o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento de abertura de instrução.
Assim, atento o objecto do recurso do arguido, que não contempla qualquer alteração substancial dos factos descritos na acusação - conclui-se pela irrecorribilidade do despacho de pronúncia.
O que determina a rejeição do recurso do arguido E... da decisão instrutória, por se considerar que a decisão é legalmente irrecorrível.
*
II. 2 - 2º RECURSO
O Ministério Público, enquanto recorrido, respondeu ao recurso interposto do despacho que desatendeu a arguição das nulidades da decisão instrutória e da prescrição do procedimento criminal, concluindo:
(…)
Para melhor percepção daquilo que se discute importa ter em conta o seguinte:
- As acusações particulares deduzidas pelos assistentes, e acompanhadas pelo Ministério Público, imputaram aos arguidos a prática de um crime de publicidade e calúnia pp art 183º, nº 1 al. a) e nº 2 do CP.
- O arguido E... requereu a abertura de instrução invocando, entre outros, a nulidade das acusações particulares uma vez que, a seu ver, não indicavam as disposições legais aplicáveis, nos termos do disposto no artigo 311º n.º 3, alínea c) do Código Penal, uma vez que só é feita referência à agravação - artigo 183° n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal - e não ao crime a que em concreto respeita, ou seja, crime de difamação ou crime de injúria.
- Na decisão instrutória decidiu-se pela improcedência da invocada nulidade que entendeu ter existido apenas uma lapso motivado pela epígrafe do artigo 183º do Código Penal, que dá a ideia de ser um crime autónomo quando remete para os artigos 180° e 181° do mesmo diploma legal. Nessa conformidade procedeu à rectificação das acusações particulares imputando a cada um dos arguidos a "prática de um crime de difamação agravado ou crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, 182º e 183º n.º 1, alínea a) do Código Penal".
 - A fls. 432 e 455 o arguido E... declarou que prescindia estar presente no debate instrutório.
Assim,
A - Violação dos direitos de defesa do arguido na não comunicação da rectificaçãoquanto à alteração da qualificação jurídica:
5- O arguido alega que nas acusações particulares são completamente omissas quanto à concreta moldura penal, devido à "total ausência" de disposições legais aplicáveis, pelo que defende a decisão instrutória procedeu à alteração da qualificação jurídica sem disse dar conhecimento ao arguido.
6 - Ora, desde já se diga as acusações particulares apenas não referiam se a agravação do artigo 183º se reportava ao crime de injúria ou ao crime de difamação, se bem que sempre o devessem fazer. No entanto a moldura aplicável ao caso é a mesma pois as acusações sempre se basearam no n.º 2 do artigo 183º do Código Penal, cuja moldura penal é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa de 120 a 360 dias. Ou seja, a moldura penal é a mesma independentemente da agravação se reportar ao crime de injúria ou ao crime de difamação.
7 - Pelas razões invocadas na decisão instrutória concorda-se com a rectificação efectuada.
8 - Não se descura que a alteração substancial dos factos se reporta não só à agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis como também quando ocorre a imputação ao arguido de um crime diverso - artigo 1º, alínea f) do Código de Processo Penal - como alega o recorrente.
9- In casu, não se pode falar em alteração substancial dos factos pois estes permaneceram os mesmos e, o que se poderia invocar seria, quando muito, numa alteração da qualificação jurídica nos termos do disposto no artigo 358º n.º 3 do Código de Processo Penal.
10 - No entanto, na verdade, o que existiu foi, como já referido, uma rectificação à qualificação jurídica vertida quer na acusação particular quer no acompanhamento por parte do Ministério Público dessa acusação particular uma vez que aí só se fazia referência à agravação prevista no artigo 183° do Código Penal e não ao crime a que, em concreto, dizia respeito essa agravação.
11 - Entendemos, assim, não haver a imposição de comunicar previamente tal rectificação ao arguido, não se verificando a invocada nulidade.
12 - Assim, e quando muito, poderia existir uma irregularidade que, nos termos do disposto no artigo 123° n.º 1 do Código de Processo Penal deveria ter sido arguida no próprio acto uma vez que o recorrente, enquanto arguido, estava representado pelo seu mandatário.
B Violação do disposto no art 119º, al. c) do CPP
13 - Como em cima referido, o arguido E... prescindiu do direito de estar presente no debate instrutório, havendo, em todo o caso, sido representado pelo seu mandatário.
Nos termos do disposto no artigo 300º n.º 3 do Código de Processo Penal, "se o arguido renunciar ao direito de estar presente, o debate não é adiado com fundamento na sua falta, sendo ele representado pelo defensor constituído ou nomeado''.
14 - Assim sendo, não há qualquer obrigatoriedade do arguido em estar presente na leitura da decisão instrutória, pelo que entende não se verificar a nulidade da alínea c) do artigo 119º do Código de Processo Penal.
C - Violação do disposto no artigo 379° n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
15 - Pugna ainda o recorrente pela nulidade do despacho instrutório nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal pois entende que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à invocada nulidade quanto ao prazo a conceder face à alteração efectuada na qualificação jurídica.
16 - Ora, lendo quer a decisão instrutória, quer o despacho recorrido, concluiu-se que a resposta à invocada nulidade foi dada pelo Tribunal a quo.
 - Violação do disposto no artigo 379° n.º 1. alínea b) do Código de Processo Penal.
17 - Nesta parte o Ministério Público remete para o expendido no ponto A), entendendo que não há qualquer pronúncia por factos diversos daqueles que constam na acusação.
D - Prescrição do procedimento criminal
18 Invoca o arguido a prescrição do procedimento criminal uma vez que na decisão instrutória imputou-se aos arguidos a prática de um crime de difamação agravada p.p. pelas disposições conjugadas dos arts 180º, 182º, 183º nº 1 al. a) todos do CP.
19 - De facto, a ser assim, a prescrição do procedimento criminal ocorreria a 17/04/2011, tal como defende o arguido.
20 - Sucede que, o que aqui está em causa é crime de difamação agravada pelo n.º 2 do Código Penal - "cometido através de comunicação social" -, cuja moldura penal vai até 2 anos de prisão.
A agravação por este n.º 2 nunca foi posta em causa, quer pelo arguido, quer pela Exma. Juiz de Instrução.
21 - Se atentarmos na fundamentação da decisão instrutória no que respeita a invocada nulidade decorrente da falta de indicação das disposições legais aplicáveis, verificamos que em momento algum é colocada a hipótese em não se estar perante prescrição do procedimento criminal uma vez que na decisão instrutória imputou-se aos arguidos a prática de um crime de difamação agravada p.p. pelas disposições conjugadas dos arts 180º, 182º, 183º nº 1 al. a) todos do CP.
22 tal como descrito nas acusações particulares. A única a que se alude é ao facto de não estar descrito nas acusações particulares é falta de referência ao crime principal.
23 - Assim, só por mero lapso não foi feita referência, na decisão instrutória, ao n.º 2 do artigo 183º do Código Penal, não havendo qualquer intenção em efectuar uma alteração no sentido que só estaríamos perante a agravação no n.º 1 do mesmo preceito legal, em que a moldura legal é inferior.
24 - Deste modo, o prazo de prescrição é elevado para 5 anos - artigo 118º n.º 1, alínea c), do Código Penal. Além disso o prazo de prescrição interrompeu-se com a constituição dos arguidos - art 121º, nº 1, al. a) do CP - pelo que tendo em conta o prazo máximo estipulado no nº 3 do art 121 do CP, a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá em 17 de Novembro de 2015.
Este é o nosso entendimento
V Exas porém, apreciando e decidindo farão, como sempre Justiça.”
*
A assistente respondeu nos termos já acima transcritos a propósito do recurso do despacho de pronúncia.
*
II.3
Cumpre decidir:
O objecto deste recurso coincide com a decisão de pronúncia, integrando a própria fundamentação que levou à pronúncia do arguido.
E a prescrição do procedimento criminal surge na sequência da alegada incriminação constante da pronúncia, sendo certo que não está vedado o seu conhecimento ao juiz do julgamento.
Deste modo, por via indirecta o recorrente pretende recorrer do despacho de pronúncia, alcançando a admissibilidade do recurso que, como acima se assinalou, lhe estava vedado, excepto para a hipótese da alteração substancial dos factos.
Ainda assim, afigura-se que o despacho em questão é passível de recurso, porque em rigor o recurso não tem por objecto a própria decisão instrutória.
II.3. A)
É seguro que a qualificação jurídica que consta das acusações particulares está incompleta.
Sendo certo que o art. 183º, nº 1, refere expressamente os casos dos arts. 180º, 181º e 182º o que significa que o universo jurídico limitado pela acusação fica balizado por estas três normas e portanto, não extravasa os crimes contra a honra, certo é também que a estrutura acusatória do processo penal não concede ao arguido a faculdade - muito menos lhe impõe - de escolha no campo de previsão do artigo 183.º do CP entre o crime de difamação ou de injúria.
Consequentemente, de forma a assegurar o amplo direito de defesa do arguido, a acusação deve indicar as normas jurídicas aplicáveis.
Dado que nas acusações apenas se referenciou o artigo 183.º, o aditamento do artigo 180.º na decisão instrutória de pronúncia, consubstancia uma alteração de qualificação jurídica, que deveria ter sido precedida do cumprimento do arguido 303.º, n.º 5, do CPP.
Com efeito, o JIC completou o elenco das normas jurídicas de acordo com a qualificação que fez dos factos, mas ao fazê-lo, alterou, porque acrescentou, as normas qualificadoras dos factos e por isso, alterou a qualificação jurídica.
Num processo penal de estrutura acusatória o objecto do processo é definido pela acusação que integra não só os factos mas também a norma incriminadora, sendo esta que dá aos factos naturais o seu sentido de desvalor jurídico-penal (Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, pág. 278.).
Razão por que mesmo nesta fase processual, o juiz não tem liberdade irrestrita na qualificação jurídica dos factos descritos na acusação.
De notar que não se trata de alteração substancial ou não substancial dos factos, pois nenhuma mudança foi introduzida na factualidade imputada ao arguido.
Em conformidade com o disposto no artigo 309.º do CPP, só a alteração substancial dos factos, se omitido o procedimento previsto no artigo 303.º, constitui nulidade (sanável) da decisão instrutória.
Estando em causa, como está, uma alteração da qualificação jurídica, posto que não cominada como nulidade, o vício verificado é a irregularidade, que há-de ser arguida nos termos do disposto no artigo 123.º do CPP.
O que não aconteceu, pois o arguido no exercício de um direito que a lei lhe concede, prescindiu do direito de estar presente no debate instrutório ( art 300 nº 1 do CPP) tendo sido representado pelo seu mandatário, - que aliás no RAI por mera cautela “presumiu” que os assistentes pudessem ter querido imputar ao arguido também a prática do crime previsto no art 180 do CP - que não podia ignorar a previsível aplicação do art 303, nº 5, do CPP.
II.3. B)
Inexistindo obrigatoriedade do arguido em estar presente na leitura da decisão instrutória ( art 303º, nº 3 CPP), não se verifica a nulidade da alínea c) do artigo 119º do Código de Processo Penal.
II.3. C)
No que respeita às invocadas violações do disposto no artigo 379° n.º 1 do Código de Processo Penal, importa considerar que esta disposição legal regula as nulidades da sentença e o seu modo de sanação. Trata-se pois de um regime especial em relação ao art 120º do CPP, inaplicável ao despacho de pronúncia.
De todo o modo, as omissões apontadas -  concessão do prazo para defesa e pronúncia por factos diversos - a verificarem-se constituiriam irregularidades, a arguir no prazo do art 123º CPP.
A questão do prazo mostra-se prejudicada pela solução acima exposta quanto à alteração da qualificação jurídica pelo JIC.
E não ocorreu qualquer pronúncia por factos diversos dos descritos nas acusações.
*
II.3. D - Resta a invocada prescrição do procedimento criminal, fundada na alegação de que a decisão instrutória imputou aos arguidos a prática de um crime de difamação agravada p.p. pelas disposições conjugadas dos arts 180º, 182º, 183º nº 1 al. a) todos do CP.
Ou seja, omitindo a agravação do nº 2 do art 183º, do CPP.
Esquece porém que as acusações particulares deduzidas pelos assistentes, e acompanhadas pelo Ministério Público, imputaram aos arguidos a prática de um crime de publicidade e calúnia pp art 183º, nº 1 al. a) e nº 2 do CP.
E que o despacho de pronúncia, após acrescentar o crime de difamação agravado ou, o crime de difamação com publicidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180.°, 182.° e 183.°, n.°1, alínea a), do Código Penal, decidiu “pronunciar, para julgamento em processo Comum e com a Intervenção do tribunal singular, o arguido, E... pelos factos e pelas disposições legais constantes das acusações particulares de fls. 255 e 269 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com a rectificação constante do Ponto II desta decisão, no que respeita à qualificação jurídica dos factos.”
Obviamente, incluiu o nº 2 do art 183º do CP na incriminação.
O crime imputado consumou-se em 17 de Abril de 2008.
Deste modo, o prazo de prescrição é de 5 anos - artigo 118° n.º 1, alínea c), do Código Penal.
O prazo de prescrição interrompeu-se com a constituição dos arguidos - artigo 121º, n.º 1, alínea a) do Código Penal -, começando a correr novo prazo de prescrição - art 121º, nº 2 do CPP - pelo que, tendo em conta o prazo máximo estipulado no n.º 3 do artigo 121° do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal só ocorrerá em 17 de Novembro de 2015.
*
Improcede assim o 2º recurso interposto pelo arguido.
*
III Decisão
Por todo o exposto, decide-se rejeitar o recurso do arguido do despacho de pronúncia por se considerar que a decisão é legalmente irrecorrível e negar provimento ao recurso do despacho de fls 509 a 512.
Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs .
Coimbra, 10/12/2013



(Isabel Valongo - Relatora)

 (Fernanda Ventura)