Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
219/18.8T8SEI-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: AVALISTA
LIVRANÇA EM BRANCO
CRÉDITO SOB CONDIÇÃO SUSPENSIVA
CIRE
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - SEIA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 10, 43, 47, 48, 77 LULL, 50 CIRE
Sumário: I - A obrigação do avalista do subscritor de uma livrança em branco só se constitui com o preenchimento de tal livrança.

II – O crédito do portador de uma livrança em branco contra os avalistas do subscritor da livrança é de classificar como crédito sob condição para efeitos do CIRE.

Decisão Texto Integral:

 

Acordam na 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

No processo especial para acordo de pagamento requerido por J (…) e mulher M (…), residentes (…)   (...) , a C (…), S.A., reclamou um crédito no montante global de € 210 979,26 [duzentos e dez mil novecentos e setenta e nove euros e vinte e seis cêntimos], reportado à data de 11 de Maio de 2018 e respectivos juros vincendos.

Alegou que o crédito reclamado tinha a seguinte proveniência:

1. Cinquenta mil euros (€ 50 000,00) provinham de financiamento por livrança celebrado entre a reclamante e a sociedade C (…) SA, (livrança no montante de € 50 000,00 subscrita pela devedora e avalizada pelos requerentes do processo, com vencimento a 15 de Agosto de 2016)

2. Cinquenta mil euros (€ 50 000,00) provinham de financiamento por livrança (livrança no montante de € 50 000,00 subscrita pela devedora e avalizada pelos requerentes do processo, com vencimento a 22 de Agosto de 2016) celebrado entre a reclamante e a sociedade C (…) SA;

3. Contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples celebrado com a sociedade C (…) SA, e com J (…) e mulher M (…), J (…) e A (…), estes na qualidade de avalistas, cujo valor, à data de 21 de Dezembro de 2016, ascendia a € 104 529,48;

4. Prestação de uma garantia autónoma pelos requerentes a favor da C (…) para garantia do pagamento de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair pela sociedade C (...) perante a C (…) até ao limite de e 150 000,00, tendo a sociedade C (…) entregado à C (…)uma livrança com montante e vencimento em branco, subscrita pela devedora e avalizada por J (…), M (…), J (…) e A (…)cujo preenchimento ficou a cargo desta.

A reclamante classificou o crédito reclamado como crédito comum.

O administrador judicial provisório reconheceu, na lista provisória de créditos, um crédito no montante de 210 979,26 euros, assim discriminado:

1. Crédito no montante de € 105 240,77, correspondendo 104 184,91 a capital e 1 055,86 euros a juros, com o seguinte fundamento: aval em restruturação PT00352633000117491 – PER 259/16.1TBSEI - C (...) SA;

2. Crédito no montante de € 105 738,49, correspondendo 104 677,64 euros a capital e 1 060,85 euros a juros, com o seguinte fundamento: aval em restruturação PT00352633000116991 – PER 259/16.1TBSEI – C (…) SA.

Quanto à natureza do crédito classificou-o como crédito sob condição com a seguinte justificação: “este crédito diz respeito a aval prestado em contratos celebrados com a sociedade C (…) S.A. que é reconhecido sob condição suspensiva até que se verifique o incumprimento definitivo por parte da empresa titular dos contratos. Conforme se escreveu no assento do STJ n.º 5/95 “são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado, não sendo os avalistas fiadores do negócio jurídico subjacente à livrança, mas apenas garantes da obrigação cambiária assumida pela subscritora da livrança. Assim, não tendo sido preenchida a livrança, não se consolidou o aval no mundo dos negócios, não se tendo constituído como dívida cambiária perfeitamente determinada”.                 

A C (…) impugnou a classificação do crédito como crédito sob condição com a seguinte alegação:

1. Que o crédito reclamado emergia de operações celebradas com a sociedade C (...) S.A., operações que se encontravam avalizada pelo devedor J (...) ;

2. Que a lei admitia e reconhecia a figura da livrança em branco, a qual, preenchida antes da apresentação a pagamento, passava a produzir os efeitos próprios da livrança;

3. Que a entrega de uma livrança em branco, em garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela empresa no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples celebrado entre aquela sociedade e a C (…)  implicou a vinculação imediata dos signatários do título e outorgantes na convenção às obrigações nesta estabelecidas decorrentes quer de obrigações cambiárias, quer de obrigação subjacente (remete para o acórdão do STJ datado de 29 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 7288/07.4TBVNG);

4. Que os devedores prestaram uma garantia uma garantia autónoma a favor da C (…) para garantia do pagamento de todas e quaisquer responsabilidades contraídas ou a contrair pela sociedade C (…) perante a C (…) até ao limite de e 150 000,00, pelo que sociedade C (…) entregou à C (…) uma livrança com montante e vencimento em branco, subscrita pela devedora e avalizada por J (…), M (…), J (…) e A (…)cujo preenchimento ficou a cargo desta;

5. Que conforme resultava dos documentos juntos à reclamação, os devedores avalizaram duas livranças no montante total de 100 000,00, livranças já devidamente preenchidas.

O tribunal a quo julgou improcedente a impugnação e manteve a classificação do crédito reconhecido à C (…) como crédito sob condição. 

A C (…) não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação pedindo a revogação da decisão.

Imputou à decisão recorrida a violação dos artigos 46.º e 703.º do CPC, artigo 32.º da LULL (Lei Uniforme sobre Letras e Livranças], alíneas b), c) e d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e artigos 47.º e 50.º, ambos do CIRE.

Não houve reposta ao recurso.


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Questões suscitadas pelo recurso:

Saber se a decisão recorrida incorreu em erro ao classificar o crédito reconhecido à C (…) como crédito sob condição.


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Os factos relevantes são constituídos pelos factos narrados no relatório do acórdão.

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Como se vê pela exposição efectuada, no presente recurso de apelação está em causa a decisão de julgar improcedente a impugnação deduzida pela C (…) contra a lista provisória de créditos, na parte em que o administrador judicial provisório classificou o crédito reconhecido à C (…) como crédito sob condição.

O tribunal a quo justificou a decisão dizendo, em síntese, o seguinte: 

1. Que a obrigação cambiária quer do aceitante quer do avalista de letra em branco surge logo no momento da emissão, podendo a letra circular por meio de endosso mesmo que ainda por preencher, desde que tenha indicado já o nome do tomador;

2. Que a obrigação do avalista constituía-se com a aposição do aval, mesmo que se trate de aval em branco, não obstante a sua quantificação e exigibilidade ficarem dependentes do preenchimento dos elementos em falta no título;

3. Que as sociedades beneficiárias das operações financeiras em causa, subscritoras das livranças em branco, terem sido declaradas insolventes;      

4. Que os créditos reclamados pela C (…) tinham a sua origem nos avales prestados pelos devedores e apostos em livranças subscritas em branco pela sociedade C (…) SA;

5. Que os devedores não respondiam pessoalmente enquanto a dívida não fosse exigível;

6. Que os créditos estavam sujeitos a condição suspensiva até que se verificasse o incumprimento definitivo por parte da C (…)S.A.

7. Que não constava nada dos autos que indiciasse o incumprimento contratual por banda da C (…) SA.

A C (…) contestou os fundamentos da decisão recorrida com a seguinte alegação:

1. Em relação à afirmação de que os créditos reclamados por ela tinham a sua origem em avales prestados em livranças em branco, contrapôs que o tribunal a quo não teve em consideração a matéria vertida na impugnação, especialmente no artigo 10.º onde alegou que os devedores avalizaram duas livranças no montante de capital de 100 000,00 euros (50 000,00 cada uma das livranças) já devidamente preenchidas, subscritas pela sociedade e avalizadas pelos aqui devedores, uma com vencimento em 15 de Agosto de 2016 e outra co vencimento em 22 de Agosto de 2016, pelo que, em relação a essas livranças, o crédito era efectivo e não sujeito a qualquer condição;

2. Em relação ao remanescente da dívida reclamada [com a referência PT 00352633000116691], que decorria de operações também avalizadas pelos aqui devedores, o crédito devia ser considerado como crédito comum e não sujeito a qualquer condição pelas seguintes razões: 1) porque a lei admite e reconhece a figura da livrança em branco, a qual preenchida antes da apresentação a pagamento, passa a produzir os efeitos próprios da livrança (artigos 10.º e 77.º da LULL); porque a entrega de uma livrança em branco, em garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela empresa no âmbito do contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização simples, implicou a vinculação imediata dos signatários do título e outorgantes na convenção às obrigações nesta estabelecidas decorrentes quer de obrigações cambiárias, quer de obrigação subjacente

Apreciação do tribunal:

A primeira questão suscitada pela alegação da recorrente é a de saber se os créditos reclamados pela C (…) têm por base avales apostos em livranças em branco (entendimento da sentença) ou se parte do crédito reclamado, no montante de € 105 240,77 tem por base avales prestados em duas livranças preenchidas, uma com vencimento em 15 de Agosto de 2016 e outra com vencimento em 22 de Agosto do mesmo ano (posição da recorrente).

Quanto a esta questão, a razão está do lado da recorrente. Com efeito, resulta da reclamação de créditos que parte do crédito reclamado, no montante de € 105 240,77, tem a sua origem em dois financiamentos por livrança, celebrados entre a reclamante e a sociedade C (…), S.A. e que as livranças que suportaram tal financiamento estão não só assinadas por aquela sociedade e pelos requerentes como avalistas da subscritora, mas também preenchidas quanto aos restantes requisitos indispensáveis para produzir efeito como livrança, designadamente a quantia a pagar (50 000,00 euros) e a data do vencimento, estando uma preenchida com a data de 18 de Maio de 2016 e outra com a data de 22 de Agosto de 2016.

Em consequência, é de afirmar que a decisão sob recurso incorreu em erro quando afirmou que os créditos reclamados tinham a sua origem em avales apostos em livranças em branco. Este erro não constitui, no entanto, causa de nulidade da decisão, como sustenta implicitamente a recorrente ao alegar, por um lado, que ao não tomar conhecimento destas livranças a decisão incorreu em omissão de pronúncia, e ao imputar, por outro, à decisão a violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que prevê, na 1.ª parte, como causa de nulidade a omissão de pronúncia.

É que, embora seja exacto que a decisão sob recurso não se pronunciou sobre as livranças já preenchidas, nem toda a omissão de pronúncia de que padeça a sentença é sancionada com a nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Resulta da combinação desta norma com a 1.ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC que apenas a omissão de pronúncia sobre questões que o juiz tinha o dever de resolver é que faz incorrer a decisão em nulidade. Para estes efeitos questões a resolver correspondem às pretensões ou meios de defesa expostos. Interpretando o conceito de questões a resolver com este sentido, é de concluir que a questão que o tribunal a quo tinha de resolver era a da impugnação da lista provisória de créditos, o que fez. O preenchimento das duas livranças constitui apenas um dos fundamentos de facto impugnação. Pelo exposto, a decisão sob recurso não incorreu na causa de nulidade prevista na 1.ª parte da alínea d) do artigo 615.º do CPC.

Uma vez que parte do crédito reclamado tem por base avales dos requerentes em duas livranças já preenchidas, não pode subsistir a decisão de classificar o crédito proveniente desses avales como crédito sob condição. Vejamos.

Para efeitos do CIRE, considera-se crédito sob condição suspensiva aquele cuja constituição se encontre sujeito à verificação ou não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico (artigo 50.º, n.º 1). 

Ora o direito que a LULL reconhece ao portador de uma livrança preenchida contra o avalista do subscritor da livrança é um direito cuja existência não está dependente da verificação de qualquer acontecimento. Na verdade, resulta da combinação dos artigos 43.º, 47.º e 48.º da LULL, aplicáveis à livrança por remissão do artigo 77.º do mesmo diploma, que, na posse de uma livrança preenchida, o respectivo portador tem o direito de reclamar, designadamente do avalista do subscritor da livrança, o pagamento da livrança, bem como juros e outras despesas.

Pelo exposto, conclui-se que o crédito reclamado que tem por base as duas livranças preenchidas, cujo montante é de € 105 240,77, é um crédito comum já constituído. 

A segunda questão suscitada pela alegação é a de saber se a sentença também incorreu em erro quando classificou como crédito sob condição o crédito reclamado no montante € 105 738,49 [crédito que na lista provisória tem por fundamento: “aval em restruturação PT00352633000116691 PER 259/16.1T8SEI- C (…) SA], que tem por base o aval dado pelos requerentes à subscritora de uma livrança em branco.

Como resulta do exposto acima, a recorrente opõe-se à decisão de classificar o crédito como crédito sob condição com a seguinte alegação:

1. Que lei admite e reconhece a figura da livrança em branco, a qual preenchida antes da apresentação a pagamento, passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança;

2. Que a entrega de uma livrança em branco, em garantia de cumprimento das obrigações assumidas pela empresa, no âmbito do contrato de abertura de crédito implicou a vinculação imediata dos signatários do título e outorgantes na convenção às obrigações nesta estabelecidas decorrentes, quer da obrigação cambiária, quer da obrigação subjacente.

Salvo o devido respeito, esta alegação não colhe.

Em primeiro lugar, é exacto que a lei admite e reconhece a figura da livrança em branco (artigo 10.º da LULL aplicável à livrança por remissão do artigo 77.º do mesmo diploma). Sucede que a decisão sob recurso não classificou o crédito sob condição dizendo que a lei não admitiu ou não reconhecia a figura da livrança em branco. Bem pelo contrário: afirmou expressamente que a livrança em branco tinha tutela legal e que era expressamente acolhida na Lei Uniforme. As razões da decisão foram outras.

Em segundo lugar, este tribunal entende que, em situações como a dos autos, a obrigação do avalista só se constitui com o preenchimento da livrança. E as razões deste entendimento são as dadas essencialmente por Ferrer Correia e Carolina Cunha.

Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Volume III, Letra de Câmbio, Universidade de Coimbra 1975, página 135, escreve sobre a questão o seguinte “… a obrigação de pagar a soma inscrita no título, … só se constituiria através do preenchimento. Mais rigorosamente: o que existe antes do preenchimento para o emitente do título não é a obrigação cambiária, é apenas o estar ele sujeito ao exercício do direito (potestativo) do portador de preencher a letra, sendo o preenchimento que marca o nascimento da obrigação”.

Por sua vez Carolina Cunha escreve: “antes de preenchido o título, o próprio aval não existe sequer enquanto negócio jurídico, como não existe sequer um título cambiário na conformação exigida pelos arts. 1.º e 75.º. O que temos é a vinculação jurídica constante do acordo de preenchimento, acrescida da vinculação cambiária em estado embrionário (através da assinatura aposta no título) e o poder fáctico de o portador do título o vir a preencher [Aval e Insolvência, Almedina, página 47].

A verdade é que, ainda que se perfilhe o entendimento da recorrente – que é também, observe-se, o da decisão recorrida – de que, mesmo nas letras e livranças em branco, a obrigação do avalista nasce com o aval dado por ele (isto é, constitui-se antes do preenchimento da letra e livrança), o regime das letras e livranças justificava a classificação do crédito do portador da livrança em branco como crédito sob condição. Vejamos.

Como se escreveu acima, para efeitos do CIRE, considera-se crédito sob condição suspensiva aquele cuja constituição se encontre sujeito à verificação ou não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico (artigo 50.º, n.º 1). 

Tendo presente esta noção, seria de afirmar que o crédito que a recorrente reclama com base na livrança em branco seria já um crédito de existência certa se a LULL lhe permitisse reclamar dos avalistas (requerentes do presente processo especial), com base na livrança em branco, o pagamento da quantia de € 105 738,49.

É seguro que não consente.

Em primeiro lugar, resulta da combinação dos artigos 75.º e 76.º da LULL que uma livrança em branco que contiver apenas a assinatura de quem a passa (subscritor) e assinatura do avalista do subscritor não produzirá efeito como livrança;  

Em segundo lugar, resulta do artigo 10.º da LULL, aplicável à livrança por remissão do artigo 77.º do mesmo diploma, combinado com os artigos 75.º e 76.º do mesmo diploma, que uma livrança incompleta no momento de ser passada, apenas poderá efeito como livrança se for preenchida posteriormente em conformidade com os acordos realizados com os requisitos necessários para produzir efeito como livrança;    

Em terceiro lugar, resulta dos artigos 43.º, 47.º e 48.º, da LULL, aplicáveis à livrança por remissão do artigo 77.º do mesmo diploma, que os direitos de acção reconhecidos ao portador de uma livrança contra os obrigados cambiários pressupõem que o título que serve de base ao exercício de tais direitos produza efeito como livrança.

Tendo presente este regime pode afirmar-se que, à luz dele, os direitos de acção do portador de uma livrança em branco contra os avalistas do subscritor da livrança não são direitos de existência certa, são direitos que estão dependentes do preenchimento dessa livrança. O preenchimento apresenta-se como acontecimento futuro e incerto porque ele está dependente da verificação das condições que o portador da livrança e aquele que a entregou em branco subordinaram o respectivo preenchimento, sendo que estas condições dizem respeito a factos futuros e incertos, no sentido de factos posteriores ao momento em que o título é passado em branco e factos cuja verificação não é certa em tal momento. Cita-se em abono deste entendimento o acórdão do STJ proferido em 15 de Maio de 2013, no processo n.º 3057/11.5TBGDM-A, publicado em www.dgsi.pt.

Em consequência do exposto conclui-se que o crédito que a ora recorrente reclama no montante de € 105 738,49, que tem por base o aval dado pelos requerentes do presente processo à subscritora de uma livrança em branco, não é um crédito de existência certa; ele só se tornará certo quando a ora recorrente preencher a livrança com essa quantia a pagar, sendo que o preenchimento está dependente do que foi acordado entre a ora recorrente e a subscritora da livrança quanto a tal preenchimento. Em síntese: tal crédito é de classificar como crédito sob condição para efeitos do CIRE.

Pelo exposto é de manter a decisão recorrida na parte em que classificou como crédito sob condição o crédito reclamado pela ora recorrente no montante de € 105 738,49.

Decisão que, nesta parte, não violou o disposto em nenhum dos preceitos indicados pela recorrente.

De resto, e salvo o devido respeito que nos merece a alegação do recorrente, carece de sentido imputar à decisão recorrida a violação do disposto nos artigos 46.º e 703.º do CPC, do disposto no artigo 32.º da LULL, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e do disposto no artigo 47.º do CIRE. Com efeito, resulta da combinação das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC que só tem sentido imputar à decisão recorrida a violação das normas que tenham constituído fundamento jurídico do que foi decidido e é seguro afirmar-se que nenhuma das acima indicadas serviu de fundamento à decisão de julgar improcedente a impugnação deduzida pela ora recorrente contra a lista provisória de créditos.


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Decisão.

Julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência:

1. Revoga-se a decisão na parte em que classificou como crédito sob condição o crédito reconhecido pelo administrador judicial provisório, no montante de € 105 240,77, com o seguinte fundamento: aval em restruturação (…) – PER 259/16.1TBSEI – C (…) SA;

2. Substitui-se essa parte da decisão por decisão a reconhecer esse crédito como crédito comum;

3. Mantém-se a parte restante da decisão, concretamente da que classificou como crédito sob condição o crédito reconhecido pelo administrador judicial provisório, no montante de € 105 738,49, com o seguinte (…)– PER 259/16.1TBSEI - C (...) SA.

Por ter decaído em parte no recurso, condena-se a recorrente no pagamento de 50% das custas (encargos)

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Coimbra, 13 de Novembro de 2018

Emídio Santos ( Relator )

Catariana Gonçalves

António Magalhães