Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ELISA SALES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL MULTA COIMA | ||
Data do Acordão: | 03/21/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE SOURE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART.º 8º, DO R.G.I.T. (REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS) | ||
Sumário: | 1. No artigo 8º, n.º 1, do R.G.I.T., a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes tem como fundamento a sua culpa pelo não pagamento da multa ou da coima aplicada à sociedade e, em consequência, o dano que resulta para a Administração Fiscal pela não obtenção de tal receita - por ter sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento ou, por culpa sua não tiver sido efectuado o pagamento. 2. E no n.º 7, do mesmo normativo, a responsabilidade solidária dos administradores e gerentes tem como fundamento a responsabilidade criminal destes, por terem colaborado dolosamente na prática da infracção tributária e por ter sido o seu comportamento ilícito determinante para a aplicação da pena, pelo que respondem solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção. | ||
Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO
A..., arguido nos autos, veio interpor recurso do despacho judicial de fls. 914/916 que, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 8º do RGIT, decidiu declará-lo civilmente responsável pelo pagamento da pena de multa a que a arguida/sociedade “W... –, S.A.” foi condenada nos autos.
São as seguintes as conclusões da motivação de recurso: 1. Conforme resulta do art. 8° do RGIT, os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são apenas subsidiariamente responsáveis, no âmbito de processo-crime, pelas multas penais aplicadas à sociedade. 2. Do teor conjugado dos artºs 8° do RGIT e 24° da Lei Geral Tributária, extrai-se o seguinte: a) Que a responsabilidade subsidiária tributária reveste natureza civil, pois que como tal é sempre tratada; b) Que esta surge numa situação em que: - O obrigado, na relação tributária, ao cumprimento do imposto não o fez; - Foi contra ele instaurado um processo de execução fiscal; - Nesse processo verificou-se, ou que não há bens para pagar a dívida fiscal, ou que esses bens são insuficientes; e - A execução fiscal vai então reverter contra eventuais responsáveis. 3. Que o procedimento de reversão contra algum ou alguns dos responsáveis subsidiários deve ser realizado nas hipóteses previstas nos art.s 23º e 24° da Lei Geral Tributária e 153°, n.º 2 do CPPT e segundo o ritual previsto nos artigos 23º, n.º 4 e 60º da Lei Geral Tributária, em conjugação com o art. 45º do CPPT. 4. Revestindo aquela responsabilidade natureza civilista, não pode a mesma ser executada no âmbito do processo penal, pese embora o princípio da suficiência, pois em causa está um regime especial que, como tal se impõe ao regime geral. 5. A declaração da responsabilidade subsidiária tributária do arguido para pagamento da multa da sociedade por si gerida - art 8º do RGIT, não cabe na competência do tribunal penal, mas sim do tributário, constatando-se, assim, a hipótese prevista no art. 119°, al. e) do CPPenal. 6. O campo de aplicação do art. 8° do RGIT é forçosamente exterior a um processo criminal, em que tenha ocorrido uma condenação pela prática de um crime (ainda que de natureza fiscal), que tenha determinado a imposição de uma pena. 7. Se o direito criminal - face ao conjunto de valores que o enformam e à intransmissibilidade de penas constitucionalmente imposta - não permite a assunção por outro, que não o próprio condenado, do cumprimento de uma pena, isto significa que nunca poderá, em sede de tal tipo de processo, ser convolado o cumprimento dessa pena, qua tale, para outrem, tenha este a relação que tiver com a prática dos factos, com fundamento em tal preceito legal. 8. O campo de aplicação desse artigo restringe-se às situações em que está em questão mera responsabilidade civil, mas já não a penal. 9. O art. 8° reporta-se a infracções fiscais em que o lesado seja a Administração Fiscal; isto é, aplica-se quando, por virtude da actuação de um gerente, o Fisco deixou de receber uma quantia que lhe era devida e que teria sido paga, caso não tivesse ocorrido o esgotamento culposo do património da sociedade. Assim, a execução fiscal incidirá sobre montantes devidos à administração fiscal e que não puderam ser pagos através do património das sociedades condenadas. 10. Mas a impossibilidade de cobrança coerciva de uma pena de multa criminal não implica para a administração fiscal qualquer dano, pois o destino dos montantes devidos a este título é, nos termos previstos no art. 512º do C.P.Penal, o que for fixado no C.C.Judiciais - no caso, tais quantitativos são recebidos e devidos ao IGFI (Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P.), nos termos do art. 36º do RCP; ou seja, esses montantes são devidos a entidade diversa da Administração Fiscal. l1. Assim, há que concluir que o art. 8° do RGIT é inaplicável a casos em que a eventual responsabilidade civil dos gerentes se funda numa condenação em pena de multa, proferida em processo-crime. 12. Sem prescindir, a norma do artigo 8.°, n.º 7, do RGIT, é inconstitucional por violação do princípio da intransmissibilidade das penas, do princípio ne bis in idem e por violação do princípio da proporcionalidade na dimensão relativa à exigibilidade/necessidade. 13. Em todo o caso, foram assim violadas, entre outras, as normas dos artigos 8º do RGIT e 119º do CPP. Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provido e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido, concluindo-se não ser o recorrente responsável pelo pagamento da multa em que a sociedade arguida foi condenada, assim se fazendo justiça. * O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso. Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi apresentada resposta.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Consta do despacho recorrido (por transcrição): “ A sociedade W... -, S.A. foi condenada por sentença transitada em julgado na pena de 360 dias de multa, à taxa diária de €150,00, num total de €54.000,00, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.0, n.º 1, do RGIT. A... foi igualmente condenado pela prática do mesmo crime na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €50,00 ([1]). O arguido procedeu ao pagamento da multa, encontrando-se já extinta a pena na qual foi condenado. A sociedade arguida não procedeu ao pagamento da multa em que foi condenada e não é viável a obtenção da sua cobrança coerciva, uma vez declarada insolvente. Foi o arguido notificado para pagar a quantia referente à pena de multa aplicada à sociedade - da qual era sócio-gerente - nos termos do artigo 8.0, n.º 7, do RGIT. Inconformado, veio o arguido A… requerer que se declare que não é responsável pelo pagamento daquela multa. Invocou que a responsabilidade civil aludida no referido artigo não pode ser executada no âmbito do processo penal. Por outro lado, aquele normativo refere-se a infracções fiscais em que o lesado seja a Administração Fiscal - ou seja, diz, "quando o fisco deixou de receber uma quantia que lhe era devida e que teria sido paga caso não tivesse ocorrido o esgotamento culposo do património da sociedade" - o que não é o caso dos autos, em que em causa está uma pena de multa criminal, cujo destino não é a administração fiscal - diz, "a impossibilidade de cobrança coerciva de uma pena de multa criminal não implica para a administração fiscal "qualquer dano". Sobre o requerimento do arguido pronunciou-se o Ministério Público, no sentido de àquele não assistir razão. Fundamentou que o RGIT, conforme decorre do seu artigo 8.°, n.º 7, responsabiliza solidariamente os arguidos pelo pagamento das multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, como é o caso dos autos - "face aos factos dados como provados que aqui se dão por integralmente reproduzidos, maxime o ponto 16. da sentença proferida" - sendo no processo penal e não em processo autónomo que deve ser proferida a condenação dos responsáveis civis (nos termos do artigo 49.° do RGIT). Invocou ainda que tendo o arguido sido igualmente condenado como autor do crime imputado à sociedade, teve oportunidade de se defender da prática do crime, não existindo assim qualquer obstáculo à conclusão de que é o arguido responsável pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida - nesse sentido, invocou os Acórdãos da Relação do Porto de 27.05.2009 e 23.06.2010, processos 47/02.0IDPRT-B.P1 e 248/07.7IDPRT-A.P1. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o artigo 8.°, n. 7, do RGIT que "Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for caso disso.". Face a esta redacção inexistem dúvidas sobre a responsabilidade solidária do arguido pelas dívidas da sociedade, não no sentido de responsabilidade penal ou contra-ordenacional mas sim do dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a administração fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas. A circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional - vide acórdãos do Tribunal Constitucional com os n.ºs 129/2009 e 150/2009, de 12/03/2009 e 25/03/2009, proferidos nos processos n.ºs 649/08 e 878/08, in www.tribunalconstitucional.pt. No que concerne ao meio processual adequado a efectivar a responsabilidade civil previsto no artigo 8.°, n.º 7, é-o no processo penal - e não em processo autónomo - conforme assim o prevê expressamente o artigo 49.° do RGIT - "Os responsáveis civis pelo pagamento de multas, nos termos do artigo 8º, desta lei intervêm no processo e gozam dos direitos de defesa dos arguidos compatíveis com a defesa dos seus interesses". No processo penal devem os arguidos (enquanto responsáveis civis) poder defender-se dos pressupostos de que a lei faz depender a sua responsabilidade civil. Quando porém o arguido foi igualmente condenado como autor do crime imputado à sociedade - como é o caso -, mostra-se necessariamente verificada a garantia de defesa dos seus interesses, esta traduzida na oportunidade que teve de se defender da prática do crime, isto é, da sua colaboração dolosa na prática da infracção - vide neste sentido os acórdãos citados pelo Digno Magistrado do Ministério Público, Relação do Porto de 27.05.2009 e 23.06.2010, processos 47/02.0IDPRT-B.P1 e 248/07.7IDPRT-AP.1, disponíveis em dgsi.pt. este último também quanto ao facto de a sentença penal condenatória nada dizer sobre a responsabilidade solidária do arguido relativamente ao pagamento da multa da sociedade, para o qual sobre esta matéria se remete. Face a todo o exposto, na impossibilidade do pagamento da multa pela sociedade arguida, facto que o arguido não põe em causa, ao abrigo do disposto nos artigos 8.°, n.º 7 e 49.°, ambos do RGIT, declara-se o arguido A... civilmente responsável pelo pagamento daquela multa. Notifique-se. Após trânsito, notifique-se o arguido para proceder ao pagamento da multa em que a sociedade arguida foi condenada, com emissão da respectiva guia. ”
*** APRECIANDO
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, verifica-se que o recorrente se insurge contra o despacho que, ao abrigo do disposto no artigo 8º, n.º 7 do RGIT, o declarou civilmente responsável pelo pagamento da pena de multa a que a sociedade "W... –, S.A." (de que era administrador) foi condenada nos presentes autos. Discordando da interpretação efectuada pela Mmª Juiz a quo relativamente a tal preceito, e consequente aplicação, o recorrente invoca como fundamentos: - que a responsabilidade subsidiária tributária reveste natureza civil, pois que como tal é tratada; - a declaração da responsabilidade subsidiária tributária do arguido para pagamento da multa da sociedade por si gerida - art. 8º do RGIT - não cabe na competência do tribunal penal, mas sim do tributário, constatando-se, assim, a hipótese prevista no art. 119º, al. e) do CPP - o princípio da responsabilidade individual em matéria penal, e , - a norma do artigo 8º, n.º 7 do RGIT padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da intransmissibilidade das penas, do princípio ne bis in idem e por violação da proporcionalidade na dimensão relativa à exigibilidade/necessidade.
* Estabelece o artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT): «1. Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis: a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento; b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. (…) 7. Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.(…).»
Nos presentes autos foi o arguido/recorrente e a sociedade arguida condenados, em penas de multa, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal. O arguido procedeu ao pagamento da multa que lhe foi imposta; no entanto, não tendo sido paga a multa aplicada à sociedade arguida, veio a ser proferido o despacho recorrido. Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes (art. 29º do CP), sendo a responsabilidade penal insusceptível de transmissão (art. 30º, n.º 3 da CRP). No que respeita às infracções tributárias, conforme o disposto no artigo 7º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), as sociedades são responsáveis pelas infracções previstas nesta Lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo.
Discordamos do alegado pelo recorrente, quando invoca a nulidade prevista no artigo 119º, n.º 1, al. e) do CPP, referindo que “a Mª Juiz extravasou a sua competência, por ter conhecido de matéria para a qual não possuía aquela pois, não pagando a sociedade voluntariamente a multa, segue-se a sua execução patrimonial (art. 491º do CPP), e se aquela não lograr o pagamento esperado, querendo e devendo fazer-se uso do disposto no art. 8º do RGIT, então só no foro Tributário é que tal se desfrutará em face da lei especial que rege toda a aferição da responsabilidade subsidiária.” Acrescentando o recorrente que “o que a norma sanciona (artigo 8º do RGIT), não é a culpa ou a responsabilidade dos “responsáveis” pelo não pagamento da multa por parte da pessoa colectiva condenada, outrossim a sua participação/colaboração na prática da infracção, já sancionada, in casu, pela aplicação de uma pena, pelo que a possibilidade daqueles responderem solidariamente pelo cumprimento da pena de multa aplicada a esta, traduz materialmente uma dupla responsabilização pelo cumprimento de uma pena, (…)”; tal seria constitucionalmente proibido.
Ora, sobre a responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação, a que alude o n.º 1 do artigo 8º do RGIT, muito recentemente se pronunciou o TC, em Plenário, no acórdão n.º 437/2011, de 3 Out., tendo decidido que «não é inconstitucional o artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora» (mantendo o julgamento constante do ac. n.º 35/2011 que seguiu na esteira dos acórdãos n.ºs 129/2009 e 150/2009, e contrariando a jurisprudência constante dos acórdãos n.ºs 24/2011, 26/2011 e 85/2011, que concluíram no sentido da inconstitucionalidade).
Como se salienta no acórdão n.º 437/2011 do TC «O que está em causa (nas als. a) e b) do n.º 1 do artigo 8º) não é a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas. A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional. Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal. É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.»
Já sobre a responsabilidade solidária dos arguidos pelo pagamento das multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, quando foi o seu comportamento ilícito causa directa da multa aplicada à sociedade, rege o n.º 7 do artigo 8º do RGIT, ao abrigo do qual veio a ser proferido o despacho recorrido. Como prevê este n.º 7, a responsabilidade solidária pressupõe que o gerente/administrador tenha “colaborado dolosamente na prática da infracção” e, como tal, que tenha também sido condenado em processo-crime.
Sobre o âmbito de aplicação do artigo 8º do RGIT importará referir o entendimento do Prof. Germano Marques da Silva ([2]), autor do anteprojecto e presidente da Comissão que elaborou o projecto do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), segundo o qual: « a responsabilidade civil pelo pagamento da multa penal nada tem a ver com os fins das penas criminais, porque a sua causa não é a prática do crime, mas a colocação culposa da sociedade numa situação de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação tributária. (…) O n.º 6 ([3]) dispõe que quem colaborar dolosamente na prática de crime tributário é solidariamente responsável pelas multas aplicadas pela prática do crime, independentemente da sua própria responsabilidade criminal, quando for o caso. Assim, se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, a regra é a do n.º 6, ou seja, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva, sendo que a regra do n.º 1 tem como pressuposto não a responsabilidade criminal do administrador, mas a sua culpa pelo não pagamento, quando tiver sido por culpa sua que o património do ente colectivo se tornou insuficiente para o seu pagamento ou por culpa sua não tiver sido efectuado. (…) no n.º 6 deste artigo (…) o fundamento da responsabilidade solidária é a colaboração na prática do crime tributário e por isso que respondem solidariamente pelas consequências jurídicas do crime os seus agentes, ou seja, os agentes do crime, e se esses agentes forem administradores ou representantes do ente colectivo não respondem nos termos do n.º 1, mas deste n.º 6. (…) Enquanto que o n.º 1 segue o disposto no art. 24.º da LGT, já o n.º 6 se afasta desse regime, embora se trate ainda de responsabilidade também por dívida de outrem, mas agora a responsabilidade é solidária porque o administrador colaborou dolosamente na prática da infracção e, por isso, vai responder solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua própria responsabilidade, porque foi o seu comportamento ilícito causa directa da multa, foi o seu comportamento a causa da multa aplicada à pessoa colectiva pela prática do facto ilícito penal. Tenha-se, porém, presente, que a responsabilidade de que trata o n.º 6 do art. 8.º do RGIT se refere exclusivamente às consequências decorrentes da prática do crime enquanto que o art. 24.º se reporta às consequências decorrentes do não pagamento do imposto devido. – pág. 448». (sublinhado nosso)
Em síntese: - enquanto no n.º 1 do artigo 8º do RGIT a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes tem como fundamento a sua culpa pelo não pagamento da multa ou da coima aplicada à sociedade e, em consequência, o dano que resulta para a Administração Fiscal pela não obtenção de tal receita - por ter sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento ou, por culpa sua não tiver sido efectuado o pagamento; - no n.º 7, a responsabilidade solidária dos administradores e gerentes tem como fundamento a responsabilidade criminal destes, por terem colaborado dolosamente na prática da infracção tributária e, por ter sido o seu comportamento ilícito determinante para a aplicação da pena, pelo que respondem solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção
Nestes termos, tendo o arguido/recorrente dolosamente praticado o crime tributário por que todos (aqui se incluindo a sociedade) os arguidos foram condenados, ao abrigo do n.º 7 do citado artigo 8º, responde solidariamente pelas consequências jurídicas do crime, aqui se incluindo o pagamento da multa aplicada à sociedade arguida pela prática da infracção, independentemente da sua própria responsabilidade. Por conseguinte, não se mostrando violado qualquer princípio constitucional ou outro, nenhum reparo nos merece o despacho recorrido. *****
III - DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em: Negar provimento ao recurso. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
***** Elisa Sales (Relatora) Paulo Valério
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