Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
73/08.8IDCBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
MULTA
COIMA
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 8º, DO R.G.I.T. (REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS)
Sumário: 1. No artigo 8º, n.º 1, do R.G.I.T., a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes tem como fundamento a sua culpa pelo não pagamento da multa ou da coima aplicada à sociedade e, em consequência, o dano que resulta para a Administração Fiscal pela não obtenção de tal receita - por ter sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento ou, por culpa sua não tiver sido efectuado o pagamento.
2. E no n.º 7, do mesmo normativo, a responsabilidade solidária dos administradores e gerentes tem como fundamento a responsabilidade criminal destes, por terem colaborado dolosamente na prática da infracção tributária e por ter sido o seu comportamento ilícito determinante para a aplicação da pena, pelo que respondem solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

A..., arguido nos autos, veio interpor recurso do despacho judicial de fls. 914/916 que, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 8º do RGIT, decidiu declará-lo civilmente responsável pelo pagamento da pena de multa a que a arguida/sociedade “W... –, S.A.” foi condenada nos autos.

São as seguintes as conclusões da motivação de recurso:

1. Conforme resulta do art. 8° do RGIT, os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são apenas subsidiariamente responsáveis, no âmbito de processo-crime, pelas multas penais aplicadas à sociedade.

2. Do teor conjugado dos artºs 8° do RGIT e 24° da Lei Geral Tributária, extrai-se o seguinte:

a) Que a responsabilidade subsidiária tributária reveste natureza civil, pois que como tal é sempre tratada;

b) Que esta surge numa situação em que:

- O obrigado, na relação tributária, ao cumprimento do imposto não o fez;

- Foi contra ele instaurado um processo de execução fiscal;

- Nesse processo verificou-se, ou que não há bens para pagar a dívida fiscal, ou que esses bens são insuficientes; e

- A execução fiscal vai então reverter contra eventuais responsáveis.

3. Que o procedimento de reversão contra algum ou alguns dos responsáveis subsidiários deve ser realizado nas hipóteses previstas nos art.s 23º e 24° da Lei Geral Tributária e 153°, n.º 2 do CPPT e segundo o ritual previsto nos artigos 23º, n.º 4 e 60º da Lei Geral Tributária, em conjugação com o art. 45º do CPPT.

4. Revestindo aquela responsabilidade natureza civilista, não pode a mesma ser executada no âmbito do processo penal, pese embora o princípio da suficiência, pois em causa está um regime especial que, como tal se impõe ao regime geral.

5. A declaração da responsabilidade subsidiária tributária do arguido para pagamento da multa da sociedade por si gerida - ­art 8º do RGIT, não cabe na competência do tribunal penal, mas sim do tributário, constatando-se, assim, a hipótese prevista no art. 119°, al. e) do CPPenal.

6. O campo de aplicação do art. 8° do RGIT é forçosamente exterior a um processo criminal, em que tenha ocorrido uma condenação pela prática de um crime (ainda que de natureza fiscal), que tenha determinado a imposição de uma pena.

7. Se o direito criminal - face ao conjunto de valores que o enformam e à intransmissibilidade de penas constitucionalmente imposta - não permite a assunção por outro, que não o próprio condenado, do cumprimento de uma pena, isto significa que nunca poderá, em sede de tal tipo de processo, ser convolado o cumprimento dessa pena, qua tale, para outrem, tenha este a relação que tiver com a prática dos factos, com fundamento em tal preceito legal.

8. O campo de aplicação desse artigo restringe-se às situações em que está em questão mera responsabilidade civil, mas já não a penal.

9. O art. 8° reporta-se a infracções fiscais em que o lesado seja a Administração Fiscal; isto é, aplica-se quando, por virtude da actuação de um gerente, o Fisco deixou de receber uma quantia que lhe era devida e que teria sido paga, caso não tivesse ocorrido o esgotamento culposo do património da sociedade. Assim, a execução fiscal incidirá sobre montantes devidos à administração fiscal e que não puderam ser pagos através do património das sociedades condenadas.

10. Mas a impossibilidade de cobrança coerciva de uma pena de multa criminal não implica para a administração fiscal qualquer dano, pois o destino dos montantes devidos a este título é, nos termos previstos no art. 512º do C.P.Penal, o que for fixado no C.C.Judiciais - no caso, tais quantitativos são recebidos e devidos ao IGFI (Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P.), nos termos do art. 36º do RCP; ou seja, esses montantes são devidos a entidade diversa da Administração Fiscal.

l1. Assim, há que concluir que o art. 8° do RGIT é inaplicável a casos em que a eventual responsabilidade civil dos gerentes se funda numa condenação em pena de multa, proferida em processo-crime.

12. Sem prescindir, a norma do artigo 8.°, n.º 7, do RGIT, é inconstitucional por violação do princípio da intransmissibilidade das penas, do princípio ne bis in idem e por violação do princípio da proporcionalidade na dimensão relativa à exigibilidade/necessidade.

13. Em todo o caso, foram assim violadas, entre outras, as normas dos artigos 8º do RGIT e 119º do CPP.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provido e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido, concluindo-se não ser o recorrente responsável pelo pagamento da multa em que a sociedade arguida foi condenada, assim se fazendo justiça.


*

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi apresentada resposta.
Os autos tiveram os vistos legais.


***


II – FUNDAMENTAÇÃO

Consta do despacho recorrido (por transcrição):

A sociedade W... -, S.A. foi condenada por sentença transitada em julgado na pena de 360 dias de multa, à taxa diária de €150,00, num total de €54.000,00, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.0, n.º 1, do RGIT.

A... foi igualmente condenado pela prática do mesmo crime na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €50,00 ([1]).

O arguido procedeu ao pagamento da multa, encontrando-se já extinta a pena na qual foi condenado.

A sociedade arguida não procedeu ao pagamento da multa em que foi condenada e não é viável a obtenção da sua cobrança coerciva, uma vez declarada insolvente.

Foi o arguido notificado para pagar a quantia referente à pena de multa aplicada à sociedade - da qual era sócio-gerente - nos termos do artigo 8.0, n.º 7, do RGIT.

Inconformado, veio o arguido A… requerer que se declare que não é responsável pelo pagamento daquela multa. Invocou que a responsabilidade civil aludida no referido artigo não pode ser executada no âmbito do processo penal. Por outro lado, aquele normativo refere-se a infracções fiscais em que o lesado seja a Administração Fiscal - ou seja, diz, "quando o fisco deixou de receber uma quantia que lhe era devida e que teria sido paga caso não tivesse ocorrido o esgotamento culposo do património da sociedade" - o que não é o caso dos autos, em que em causa está uma pena de multa criminal, cujo destino não é a administração fiscal - diz, "a impossibilidade de cobrança coerciva de uma pena de multa criminal não implica para a administração fiscal "qualquer dano".

Sobre o requerimento do arguido pronunciou-se o Ministério Público, no sentido de àquele não assistir razão. Fundamentou que o RGIT, conforme decorre do seu artigo 8.°, n.º 7, responsabiliza solidariamente os arguidos pelo pagamento das multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, como é o caso dos autos - "face aos factos dados como provados que aqui se dão por integralmente reproduzidos, maxime o ponto 16. da sentença proferida" - sendo no processo penal e não em processo autónomo que deve ser proferida a condenação dos responsáveis civis (nos termos do artigo 49.° do RGIT). Invocou ainda que tendo o arguido sido igualmente condenado como autor do crime imputado à sociedade, teve oportunidade de se defender da prática do crime, não existindo assim qualquer obstáculo à conclusão de que é o arguido responsável pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida - nesse sentido, invocou os Acórdãos da Relação do Porto de 27.05.2009 e 23.06.2010, processos 47/02.0IDPRT-B.P1 e 248/07.7IDPRT-A.P1.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 8.°, n. 7, do RGIT que "Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for caso disso.".

Face a esta redacção inexistem dúvidas sobre a responsabilidade solidária do arguido pelas dívidas da sociedade, não no sentido de responsabilidade penal ou contra-ordenacional mas sim do dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a administração fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas. A circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional - vide acórdãos do Tribunal Constitucional com os n.ºs 129/2009 e 150/2009, de 12/03/2009 e 25/03/2009, proferidos nos processos n.ºs 649/08 e 878/08, in www.tribunalconstitucional.pt.

No que concerne ao meio processual adequado a efectivar a responsabilidade civil previsto no artigo 8.°, n.º 7, é-o no processo penal - e não em processo autónomo - conforme assim o prevê expressamente o artigo 49.° do RGIT - "Os responsáveis civis pelo pagamento de multas, nos termos do artigo 8º, desta lei intervêm no processo e gozam dos direitos de defesa dos arguidos compatíveis com a defesa dos seus interesses".

No processo penal devem os arguidos (enquanto responsáveis civis) poder defender-se dos pressupostos de que a lei faz depender a sua responsabilidade civil.

Quando porém o arguido foi igualmente condenado como autor do crime imputado à sociedade - como é o caso -, mostra-se necessariamente verificada a garantia de defesa dos seus interesses, esta traduzida na oportunidade que teve de se defender da prática do crime, isto é, da sua colaboração dolosa na prática da infracção - vide neste sentido os acórdãos citados pelo Digno Magistrado do Ministério Público, Relação do Porto de 27.05.2009 e 23.06.2010, processos 47/02.0IDPRT-B.P1 e 248/07.7IDPRT-AP.1, disponíveis em dgsi.pt. este último também quanto ao facto de a sentença penal condenatória nada dizer sobre a responsabilidade solidária do arguido relativamente ao pagamento da multa da sociedade, para o qual sobre esta matéria se remete.

Face a todo o exposto, na impossibilidade do pagamento da multa pela sociedade arguida, facto que o arguido não põe em causa, ao abrigo do disposto nos artigos 8.°, n.º 7 e 49.°, ambos do RGIT, declara-se o arguido A... civilmente responsável pelo pagamento daquela multa.

Notifique-se.

Após trânsito, notifique-se o arguido para proceder ao pagamento da multa em que a sociedade arguida foi condenada, com emissão da respectiva guia.


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APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, verifica-se que o recorrente se insurge contra o despacho que, ao abrigo do disposto no artigo 8º, n.º 7 do RGIT, o declarou civilmente responsável pelo pagamento da pena de multa a que a sociedade "W... –, S.A." (de que era administrador) foi condenada nos presentes autos.

Discordando da interpretação efectuada pela Mmª Juiz a quo relativamente a tal preceito, e consequente aplicação, o recorrente invoca como fundamentos:

- que a responsabilidade subsidiária tributária reveste natureza civil, pois que como tal é tratada;

- a declaração da responsabilidade subsidiária tributária do arguido para pagamento da multa da sociedade por si gerida - art. 8º do RGIT - não cabe na competência do tribunal penal, mas sim do tributário, constatando-se, assim, a hipótese prevista no art. 119º, al. e) do CPP

- o princípio da responsabilidade individual em matéria penal,  e ,

- a norma do artigo 8º, n.º 7 do RGIT padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da intransmissibilidade das penas, do princípio ne bis in idem e por violação da proporcionalidade na dimensão relativa à exigibilidade/necessidade.


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Estabelece o artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT):

«1. Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

(…)

7. Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.(…).»

Nos presentes autos foi o arguido/recorrente e a sociedade arguida condenados, em penas de multa, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal.

O arguido procedeu ao pagamento da multa que lhe foi imposta; no entanto, não tendo sido paga a multa aplicada à sociedade arguida, veio a ser proferido o despacho recorrido.

Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes (art. 29º do CP), sendo a responsabilidade penal insusceptível de transmissão (art. 30º, n.º 3 da CRP). No que respeita às infracções tributárias, conforme o disposto no artigo 7º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), as sociedades são responsáveis pelas infracções previstas nesta Lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo.

Discordamos do alegado pelo recorrente, quando invoca a nulidade prevista no artigo 119º, n.º 1, al. e) do CPP, referindo que “a Mª Juiz extravasou a sua competência, por ter conhecido de matéria para a qual não possuía aquela pois, não pagando a sociedade voluntariamente a multa, segue-se a sua execução patrimonial (art. 491º do CPP), e se aquela não lograr o pagamento esperado, querendo e devendo fazer-se uso do disposto no art. 8º do RGIT, então só no foro Tributário é que tal se desfrutará em face da lei especial que rege toda a aferição da responsabilidade subsidiária.

Acrescentando o recorrente que “o que a norma sanciona (artigo 8º do RGIT), não é a culpa ou a responsabilidade dos “responsáveis” pelo não pagamento da multa por parte da pessoa colectiva condenada, outrossim a sua participação/colaboração na prática da infracção, já sancionada, in casu, pela aplicação de uma pena, pelo que a possibilidade daqueles responderem solidariamente pelo cumprimento da pena de multa aplicada a esta, traduz materialmente uma dupla responsabilização pelo cumprimento de uma pena, (…)”; tal seria constitucionalmente proibido.

 

Ora, sobre a responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação, a que alude o n.º 1 do artigo 8º do RGIT, muito recentemente se pronunciou o TC, em Plenário, no acórdão n.º 437/2011, de 3 Out., tendo decidido que «não é inconstitucional o artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora»  (mantendo o julgamento constante do ac. n.º 35/2011 que seguiu na esteira dos acórdãos n.ºs 129/2009 e 150/2009, e contrariando a jurisprudência constante dos acórdãos n.ºs 24/2011, 26/2011 e 85/2011, que concluíram no sentido da inconstitucionalidade).

Como se salienta no acórdão n.º 437/2011 do TC «O que está em causa (nas als. a) e b) do n.º 1 do artigo 8º) não é a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.

A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional.

Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.

É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.»

Já sobre a responsabilidade solidária dos arguidos pelo pagamento das multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, quando foi o seu comportamento ilícito causa directa da multa aplicada à sociedade, rege o n.º 7 do artigo 8º do RGIT, ao abrigo do qual veio a ser proferido o despacho recorrido.

Como prevê este n.º 7, a responsabilidade solidária pressupõe que o gerente/administrador tenha “colaborado dolosamente na prática da infracção” e, como tal, que tenha também sido condenado em processo-crime.

Sobre o âmbito de aplicação do artigo 8º do RGIT importará referir o entendimento do Prof. Germano Marques da Silva ([2]), autor do anteprojecto e presidente da Comissão que elaborou o projecto do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), segundo o qual:

« a responsabilidade civil pelo pagamento da multa penal nada tem a ver com os fins das penas criminais, porque a sua causa não é a prática do crime, mas a colocação culposa da sociedade numa situação de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação tributária.

(…) O n.º 6 ([3]) dispõe que quem colaborar dolosamente na prática de crime tributário é solidariamente responsável pelas multas aplicadas pela prática do crime, independentemente da sua própria responsabilidade criminal, quando for o caso.

Assim, se o administrador for também responsável penal pelo crime por que tiver sido condenado o ente colectivo, a regra é a do n.º 6, ou seja, é sempre solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à pessoa colectiva, sendo que a regra do n.º 1 tem como pressuposto não a responsabilidade criminal do administrador, mas a sua culpa pelo não pagamento, quando tiver sido por culpa sua que o património do ente colectivo se tornou insuficiente para o seu pagamento ou por culpa sua não tiver sido efectuado.

(…) no n.º 6 deste artigo (…) o fundamento da responsabilidade solidária é a colaboração na prática do crime tributário e por isso que respondem solidariamente pelas consequências jurídicas do crime os seus agentes, ou seja, os agentes do crime, e se esses agentes forem administradores ou representantes do ente colectivo não respondem nos termos do n.º 1, mas deste n.º 6.

(…) Enquanto que o n.º 1 segue o disposto no art. 24.º da LGT, já o n.º 6 se afasta desse regime, embora se trate ainda de responsabilidade também por dívida de outrem, mas agora a responsabilidade é solidária porque o administrador colaborou dolosamente na prática da infracção e, por isso, vai responder solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua própria responsabilidade, porque foi o seu comportamento ilícito causa directa da multa, foi o seu comportamento a causa da multa aplicada à pessoa colectiva pela prática do facto ilícito penal. Tenha-se, porém, presente, que a responsabilidade de que trata o n.º 6 do art. 8.º do RGIT se refere exclusivamente às consequências decorrentes da prática do crime enquanto que o art. 24.º se reporta às consequências decorrentes do não pagamento do imposto devido. – pág. 448». (sublinhado nosso)

Em síntese:

- enquanto no n.º 1 do artigo 8º do RGIT a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes tem como fundamento a sua culpa pelo não pagamento da multa ou da coima aplicada à sociedade e, em consequência, o dano que resulta para a Administração Fiscal pela não obtenção de tal receita - por ter sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento ou, por culpa sua não tiver sido efectuado o pagamento;

- no n.º 7, a responsabilidade solidária dos administradores e gerentes tem como fundamento a responsabilidade criminal destes, por terem colaborado dolosamente na prática da infracção tributária e, por ter sido o seu comportamento ilícito determinante para a aplicação da pena, pelo que respondem solidariamente com os co-responsáveis pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção

Nestes termos, tendo o arguido/recorrente dolosamente praticado o crime tributário por que todos (aqui se incluindo a sociedade) os arguidos foram condenados, ao abrigo do n.º 7 do citado artigo 8º, responde solidariamente pelas consequências jurídicas do crime, aqui se incluindo o pagamento da multa aplicada à sociedade arguida pela prática da infracção, independentemente da sua própria responsabilidade.

 Por conseguinte, não se mostrando violado qualquer princípio constitucional ou outro, nenhum reparo nos merece o despacho recorrido.


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III - DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

Negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.


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Elisa Sales (Relatora)

Paulo Valério                                           


[1] - Por acórdão de 27-10-2010 desta Relação, a taxa diária da pena de multa foi reduzida para € 40,00.
[2] - in “Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes”, Verbo, 2009, págs. 443-448.
[3] - Antes da alteração introduzida pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 Dez, correspondendo actualmente ao n.º 7.