Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
671/08.0TBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: PRORROGAÇÃO DO PRAZO
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
Data do Acordão: 06/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SANTA COMBA DÃO 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 147º Nº 2 DO CPC
Sumário: I – A prorrogação por acordo de um prazo processual a que se alude no n.º 2 do art.º 147.º do CPC consiste num prolongamento do prazo, pelo que, indeferindo-se a prorrogação, reinicia-se o prazo antes decorrido, que havia ficado suspenso com o pedido de prorrogação;

II – Julgada extemporânea a resposta à reclamação da relação de bens em inventário, não é lícito ao juiz vir a conhecer oficiosamente da matéria que aí se alegava, ao abrigo do princípio do inquisitório.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

1. Relatório

            Nos autos de inventário pendentes no 2.ª Juízo do TJ da comarca de Santa Comba Dão, em que são inventariados A... e B... e cabeça-de-casal C... e interessado D... , ambos na qualidade de filhos dos inventariados, este último interessado apresentou, em 29.10.10, reclamação à relação de bens, por sua vez apresentada pela cabeça-de-casal, acusando a falta de bens (3 imóveis, 7 dívidas passivas e 1 activa) que em seu entender deviam ter sido relacionados e requerendo a exclusão de outros indevidamente relacionados (1 imóvel e 2 contas bancária), juntando com a reclamação 35 documentos.

            Dessa reclamação foi a cabeça-de-casal notificada em 10.11.10, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 1349.º do CPC, isto é, de que dispunha do prazo de 10 dias para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecesse sobre a matéria da reclamação.

            Em 19.11.10 a cabeça-de-casal foi notificada da informação da Caixa Geral de Depósitos (CGD) respeitante a contas bancárias.

            Em 22.11.10 veio a cabeça-de-casal requerer, ao abrigo do disposto no art.º 147.º do CPC, prorrogação daquele prazo por período não inferior a 30 dias com fundamento em que residia em Moçambique e necessitava de tempo para analisar a informação da CGD.

            Por despacho de 16.12.10 foi o interessado, parte contrária, notificado para, nos termos do n.º 2 do art.º 147.º referido se pronunciar sobre o seu consentimento para a prorrogação requerida, o que veio fazer, recusando-o.

            Em 28.12.10, face à recusa, requereu a cabeça-de-casal que o tribunal fixasse, oficiosamente, o prazo para a resposta à reclamação da relação de bens, não inferior a 30 dias.

            Por despacho de 21.1.11, apreciando o pedido de prorrogação/fixação do prazo e por falta de acordo na prorrogação, foi a mesma indeferida.

            Em 7.2.11 apresentou a cabeça-de-casal requerimento de resposta à reclamação, a cuja junção o interessado D...se opos por extemporaneidade, o que havia de merecer “contra-resposta” da cabeça-de-casal no sentido da tempestividade da resposta, cujo prazo teve por iniciado em 28.1.11.

            Em 5.3.11 foi proferido despacho em que, enunciando o historial relevante do incidente de reclamação à relação de bens, veio concluir que quando a cabeça-de-casal requereu a 1.ª prorrogação do prazo, em 22.11.10, o prazo de 10 dias de que dispunha já se encontrava em curso, faltando 3 dias para o seu término e porque com o requerimento o prazo se suspendeu (e não se tratando de interrupção), indeferida que foi a prorrogação, notificada a 24.1.11, aquele prazo (com os 3 dias) completou-se em 27.1.11, pelo que, julgou extemporânea a resposta, que considerou não escrita.

            Inconformada, recorreu a cabeça-de-casal apresentando extensas alegações que rematou com as seguintes úteis conclusões:

            a) – Para que a apelante pudesse responder à reclamação à relação de bens tinha que analisar não só a sua matéria acompanhada de 35 documentos, como também as informações prestadas pela CGD relativamente às contas bancárias relacionadas;

            b) – A cabeça-de-casal encontrava-se em Maputo, Moçambique e, por isso, era-lhe impossível conferenciar com os seus Mandatários para elaborar tal resposta no prazo de 10 dias;

            c) – O requerimento a solicitar a prorrogação do prazo (em 22.11.10 e em 28.12.10), nos termos do art.º 328.º e 323.º, n.º1, do CC, extensivamente interpretados, interrompeu esse prazo, para lá de a apelante ter criado a expectativa de que o seu pedido seria indeferido;

            d) – O motivo por que o apelado se opos à prorrogação é fútil, torpe e mesquinho;

            e) – O tribunal a quo ao nada dizer sobre o pedido de fixação de prazo em 28.12.10 violou os n.ºs 1 e 3 do art.º 265.º do CPC;

            f) – Face aos pedidos de prorrogação de 22.11.10 e 28.12.10 o prazo para apresentação da resposta à reclamação à relação de bens só se iniciou com a notificação postal de 24.1.11, pelo que, em 7.2.11, ainda a recorrente podia praticar o acto;

            g) – Ainda que assim se não entenda, deve admitir-se a resposta, ao abrigo do n.º 3 do art.º 265.º do CPC;

            h) – A decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 328.º e 325.º, n.º 1, do CC (interpretados extensivamente) e 265.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.

            Não foi apresentada resposta.

            Dispensados os vistos, cumpre decidir, sendo questão a apreciar:

            - Tempestividade da resposta da cabeça-de-casal à reclamação da relação de bens apresentada por um dos interessados em processo de inventário, o que passa por apreciar as sub-questões:

            a) – Se o pedido de prorrogação de prazo suspende ou interrompe o prazo em curso;

            b) – Se o despacho recorrido violou os n.ºs 1 e 3 do art.º 265.º do CPC;

            c) – Se pode admitir-se a resposta ao abrigo do n.º 3 do art.º 265.º do CPC (princípio do inquisitório).


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            2. Fundamentação

            2.1. De facto

            O quadro factual relevante para julgamento do recurso é o que acabe de enunciar-se no antecedente relatório, para onde, por economia processual, se remete.


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            2.2. De direito

            É simples a questão trazida a esta instância, desde já se antecipando que a solução que lhe foi dada pela 1.ª instância foi a legalmente correcta, por isso se confirmando.

            Simplificando, a recorrente dispunha do prazo de 10 dias para a prática do acto resposta à reclamação da relação de bens).

Ao 7.º dia, afigurando-se-lhe insuficiente o tempo para tal, pediu a prorrogação do prazo, de que não teve acordo da parte contrária e, por isso, foi indeferida a prorrogação.

Sustenta a recorrente que o requerimento de prorrogação (e o pedido de fixação de novo prazo) interrompeu o prazo até à decisão, no sentido de inutilizar o tempo anteriormente decorrido começando a correr novo prazo por contraponto à suspensão cujo prazo anterior se acrescenta ao posterior finda a causa da suspensão.

Assim não é.

O prazo do n.º 1 do art.º 1349.º do CPC é um prazo peremptório legalmente fixado e fixo, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, nos termos do n.º 3 do art.º 145.º do CPC.

A prorrogação por acordo permitida pelo n.º 2 do art.º 147.º já referido consiste num prolongamento do prazo e não na atribuição de um novo prazo.

O mesmo é dizer que o seu requerimento suspende o prazo em curso (e não o inutiliza) e, tendo a prorrogação necessariamente que ser formulada antes de esgotado o prazo, se a mesma vier a ser indeferida, obviamente que a parte disporá, para a prática do acto, do prazo restante não esgotado.

O contrário significaria que sempre a parte teria o benefício de um novo prazo, iniciado após o indeferimento, bastando requerê-lo. Ao fim e ao cabo uma prorrogação automática, o que fere aquele quadro legal que se não coaduna com qualquer interpretação extensiva da figura da “interrupção da prescrição” invocada pela recorrente, havendo lei directamente aplicável.

Também contrariamente ao por si sustentado, o tribunal a quo não incorreu em violação dos n.ºs 1 e 3 do art.º 265.º ao não se pronunciar sobre o pedido de fixação oficiosa de novo prazo.

Por um lado, não é exacto que não houvesse atendido a tal pedido. Como pode ver-se do despacho de 21.1.11 (fls. 209) expressamente fez-se-lhe referência, implicitamente entendendo que as dificuldades de comunicação do I. Mandatário com a cabeça-de-casal não podiam significar tratamento diferenciado à luz do art.º 147.º do CPC.

Depois, a recorrente não indica qual o vício da putativa omissão, nem o mesmo se enxerga, muito menos é sobre esse despacho que incidiu o recurso.

Finalmente, quanto ao uso do n.º 3 do art.º 265.º do CPC, que dispõe que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, indeferido o articulado de resposta por extemporaneidade deixou de ser lícito ao juiz conhecer dos factos aí vertidos, de acordo com o velho brocardo “quod non est in actis non est in mundo”, sob pena de se deixar entrar pela janela o que se pretendeu evitar entrasse pela porta.


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            3. Resumindo e concluindo

            I – A prorrogação por acordo de um prazo processual a que se alude no n.º 2 do art.º 147.º do CPC consiste num prolongamento do prazo, pelo que, indeferindo-se a prorrogação, reinicia-se o prazo antes decorrido, que havia ficado suspenso com o pedido de prorrogação;

            II – Julgada extemporânea a resposta à reclamação da relação de bens em inventário, não é lícito ao juiz vir a conhecer oficiosamente da matéria que aí se alegava, ao abrigo do princípio do inquisitório.


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

            Custas pela recorrente.


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Francisco M. Caetano (Relator)
António Magalhães
Ferreira Lopes