Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
581/13.9TAPBL.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL
REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO
IMPEDIMENTO POR PARTCIPAÇÃO EM PROCESSO
LENOCÍNIO
CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Data do Acordão: 02/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 18.º, N.º 2, E 32.º, N.º 9, DA CRP; ARTS. 40.º E 426.º-A DO CPP, ART. 169.º, N.º 1, DO CP
Sumário: I – O princípio do juiz natural ou legal, segundo o qual “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior” (artigo 32.º, n.º 9 da CRP), o que proíbe é a escolha arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver um processo ou determinado tipo de crimes, visando garantir a imparcialidade e independência dos juízes, os quais devem ser escolhidos de acordo com critérios objetivos e, assim, uma justiça penal independente e imparcial.

II - É à luz do “compromisso” estabelecido entre, por um lado, o princípio do juiz natural e, por outro lado, os princípios da imparcialidade e isenção dos juízes – imprescindíveis à noção de processo equitativo – que se justifica a solução legislativa resultante da conjugação dos artigos 426.º - A e 40.º, ambos do CPP, em razão da qual o reenvio (total ou parcial) processa-se para o concreto tribunal que tenha efectuado o julgamento anterior, mas, por força da alínea c) do artigo 40.º, o juiz participante nesse primeiro julgamento fica impedido de intervir no segundo.

III – Não padece de inconstitucionalidade material a norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do CP, na redacção conferida pela Lei n.º 59/2007, de 04-09.

Decisão Texto Integral:




Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

No âmbito do processo comum coletivo n.º 581/13.9TAPBL do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – JL Criminal – Juiz 1, após a prolação do acórdão da Relação de 18.12.2019, no qual foi determinado o reenvio do processo para novo julgamento, a incidir sobre os aspetos identificados com vista à sanação dos apontados vícios, o tribunal coletivo, por acórdão de 20.11.2020, decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

«Assim:

[…]

b) – condenamos os arguidos:

ii) – MJS:

- pela prática do crime de lenocínio p. e p. pelo art.º 169.º n.º 1 do CP em coautoria na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 25.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- pela prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1 al d) do RJAM na pena de 9 (nove) meses de prisão;

- em cúmulo jurídico vai condenado na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.

iii) – MMS:

- pela prática do crime de lenocínio p. e p. pelo art.º 169º nº 1 do CP em coautoria na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva.

iv) - AF:

- pela prática do crime de lenocínio p. e p. pelo art.º 169.º, n.º 1 do CP na forma de cumplicidade na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- pela prática do tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a) da Lei n.º 15/93 na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- em cúmulo na pena única de 2 (dois) anos de prisão, pena suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

(…)

xii) - OM:

- pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a) da Lei n.º 15/93 na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova.

xiii) - PS:

- pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º, al. a) da Lei n.º 15/93 na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução, por dois anos, com regime de prova.


*

A arguida MMS cumprirá a pena em regime de privação da liberdade (prisão efetiva).

*

Ao abrigo do disposto no artº 109º do CP declaramos perdido a favor do Estado os seguintes bens: (…).

2. Inconformados com a decisão recorreram os arguidos MMS e MJS, formulando as seguintes conclusões:

A. Com o presente recurso, a versar sobre vícios decisórios, reapreciação da matéria de facto e prova gravada bem como matéria de Direito, na vertente penal, não pretendem os recorrentes colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, traduzido no direito de recorrer [art. 61º n.º 1 i) CPP e n.º 1 do art. 32º da CRP] em razão de julgarem a douta decisão recorrida disforme à normatividade jurídica aplicável bem como à noção de justiça, padecendo ainda de diversos vícios, maxime de omissão de pronúncia face à data de trânsito em julgado da anterior condenação, contradição insanável, errada subsunção jurídica, majoração na sua dosimetria penal bem como preterição de suspensão da pena de prisão;

B. O douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e datado de 18 de Dezembro de 2019 determinou os termos em que o novo julgamento seria efetuado bem como os vícios e insuficiências da douta decisão primitiva de primeira instância e o douto acórdão ora recorrido, pese embora tenha dado cumprimento a tal douta decisão precedente, acaba por ser obra de coletivo diverso daquele que fez o julgamento anterior, pelo que julgam os recorrentes que não podem ser condenados por esta decisão dado que nenhuma prova que a eles diga diretamente respeito (ou que lhes permita imputar qualquer ilicitude!) terá sido produzida perante este novo coletivo, que assim não terá legitimidade nem honestidade intelectual para os condenar;

C. A douta decisão do Tribunal da Relação de Coimbra não reenvia os autos para repetição de julgamento mas apenas para certos e determinados aspetos e vícios decisórios, julgando-se que, salvo o devido respeito, deveria ter sido o mesmo coletivo a dar-lhe cumprimento, sendo a audiência de julgamento contínua e estar-se-ia ainda perante um único julgamento, necessariamente a ter de ser levado a cabo pelo mesmo coletivo, o que não sucedeu pois nenhum dos membros do coletivo anterior esteve na continuação do julgamento, tendo sido efetuada uma nova decisão integral face a factos não valorados nem cuja prova tenha sido efetuada neste novo julgamento e com condenação dos recorrentes que neste novo julgamento não foram nem tidos nem achados

D. Os recorrentes são condenados mas o douto acórdão acabado de proferir e do qual se recorre é totalmente omisso face à fundamentação para tais condenações bem como face à dosimetria penal, sendo gritante para os factos dados por provados e respeitantes ao lenocínio quando nenhuma prova terá sido produzida perante este novo coletivo que não obstante dá tais factos por provados, não se sabendo com base em quê pois que igualmente não há fundamentação própria para a decisão da matéria de facto, sendo os factos julgados procedentes sem que este novo Tribunal tivesse presenciado qualquer prova face aos mesmos e sendo o douto acórdão recorrido juridicamente nulo por violação dos arts. 379º n.º 1 a) ex vi 374º n.º 2, ambas as normas CPP;

E. Dúvidas inexistem em como não podem os recorrentes ser duplamente condenados por dois acórdãos que se mantenham ambos em vigor, pelo que a prolação deste não poderá deixar de ter revogado os anteriores e ademais já anteriormente o Tribunal da Relação havia mandado sanar vícios decisórios e teve lugar a prolação de novo acórdão, datado de 02 de Outubro de 2018, efetuado pelo mesmo coletivo que havia julgado a questão em primeira instância e a abarcando a globalidade do julgamento, ao passo que agora, perante decisão similar proferida pela Relação, verificou-se alteração total de procedimento, o que inquina todo o processado, tratando-se de um imbróglio e um sarilho jurídicos que não poderá deixar de ter a virtualidade de anular todo o processado, não se vendo outra solução juridicamente conforme;

F. Julga-se existente e cristalina a preterição de juiz natural, o que constitui nulidade insanável nos termos e para efeitos do art. 119º e) CPP, e a qual ora se invoca e mutatis mutandis, violação do art. 32º n.º 9 CRP pois verificou-se a subtração de uma causa a quem a mesma havia sido anteriormente atribuída, tendo-se deixado transcrito na motivação um douto parecer que se julga aplicável in casu, mutatis mutandis, onde transparece em termos claros o que deva ser entendido por competência e impedimento, julgando-se ser isso que ressalta do art. 426º-A n.º 1 CPP quando refere que em caso de reenvio do processo a competência para novo julgamento cabe ao Tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior e estando em causa não uma repetição integral mas tão-somente uma sanação e vícios decisórios ao nível da factualidade e subsunção jurídica, não poderá deixar de ser entendido como cabendo ao mesmíssimo coletivo dado que nem o julgamento anterior nem a primitiva e douta decisão de primeira instância foram julgados nulos ou de nenhum valor!

G. Presentemente temos uma decisão feita a doze mãos e por seis pessoas diferentes, como se fosse uma manta de retalhos onde do novo julgamento se tiram uns factos, apanharam-se outros de uma decisão anterior e assente em prova produzida perante coletivo diverso, meteu-se tudo num texto e como resultado há a condenação dos recorrentes por quem não os julgou, quando não houve julgamento de nulidade nem ordem de repetição integral e a necessidade de nova prolação decisória, não fazendo sentido o apelo a qualquer impedimento pois do que se trata é unicamente de fazer face aos males da douta decisão inicial, tendo de ser competente o órgão colegial que a elaborou e prolatou, devendo ser esse mesmo coletivo quem, confrontado com o teor decisório superior, lhe deveria dar seguimento;

H. O coletivo inicial de primeira instância até poderia entender que conseguia suprir os vícios elencados sem necessidade de produção suplementar de prova mas julga-se que o coletivo anterior nunca tomou posição sobre o doutamente decidido em sede recursória, aqui eivando o pecado capital da questão em análise, pelo que, mutatis mutandis, no limite valerá o teor da conclusão 19 do parecer supra indicado uma vez que no tocante aos vícios de contradição insanável bem como erro notório na apreciação da prova julga-se que até seria fácil a sua expurgação sem necessidade de repetição da prova já produzida anteriormente pois que bastaria indagar da prova já produzida, estando a presente situação mais próxima da reabertura da audiência, ainda que superiormente ordenada, que da realização de integral novo julgamento, pelo que se imporia que o coletivo fosse o mesmo pois enquanto reabertura da audiência a visar a sanação e vícios decisórios, tratar-se-á de continuação da audiência, havendo que observar o que se mostra plasmado no n.º 1 do art. 328º-A CPP e ter em atenção o teor do art. 9º n.º 3 CC (consagração de solução mais acertada e sábia/adequada expressão de pensamento por parte do legislador);

I. In casu constata-se cristalinamente que foi violado o princípio da plenitude da assistência dos juízes pois o coletivo que ora proferiu o acórdão recorrido apenas assistiu à prova produzida na sequência de douto acórdão de Tribunal superior e, não obstante, aproveita factos dados por provados em anterior julgamento a que não assistiu, estando igualmente violados os princípios da oralidade e imediação sobre a prova testemunhal produzida, tendo-se na motivação seguido de perto o doutamente decidido nos autos de processo 218/12.3GBAMT-A.P1, em douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 11-IV-2019, onde se refere que face aos inconvenientes e prejuízo para o funcionamento do sistema de justiça decorrentes da sucessão de juízes na titularidade dos processos, impôs-se a adoção de um princípio complementar aplicável às situações de continuação de julgamento: o princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado no artigo 328º-A CPP, já aplicável no processo penal anteriormente à Lei n.º 27/2015, de 14.04, quer através do artigo 654.º, n.º 1 CPC ex vi art. 4.º CPP, quer por força do disposto do artigo 70º, maxime n.º 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais;

J. Nos termos do n.º 5 do artigo 328º-A CPP e ressalvadas as exceções nele enunciadas (julga-se que in casu não estará o facto de falecimento ou impossibilidade permanente dos anteriores juízes decisores!) e outras decorrentes da lei, designadamente do regime das escusas, recusas e impedimentos, o juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, ou seja, o juiz que inicia o julgamento, em regra, também o conclui pois este princípio, além de visar a oralidade e imediação do juiz com a totalidade da prova, a conservação da prova produzida, a eficácia do sistema e a celeridade processual, também procura impedir que, injustificadamente, ocorra uma modificação orgânica ou funcional com incidência num momento crucial já iniciado e ainda não terminado do processo penal, a saber, a audiência de discussão e julgamento, concluindo-se assim que pelo princípio da plenitude da assistência do juiz, em especial para a defesa da oralidade e imediação do juiz com a totalidade da prova, da conservação da prova produzida, da eficácia do sistema e da verdade processual, o presente processo não se mostra legalmente conforme, como se comprova igualmente pela jurisprudência indicada na motivação!

K. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios do juiz natural, da plenitude de assistência aos juízes, da imediação e da oralidade bem como das garantias de defesa, o entendimento e dimensão normativa do art. 426º-A n.º 1 CPP segundo o qual “Tendo sido decretado reenvio do processo para novo julgamento, apenas relativamente a concretas questões delimitadas na douta decisão proferida e por se verificarem os vícios do artigo 410º n.º 2 alíneas b) e c) do CPP, a competência para tal novo julgamento não competirá ao coletivo que havia julgado o processo em primeira instância e poderá ser realizado por coletivo totalmente diverso não obstante não se tratar de juízo de anulação/nulidade nem de reenvio para repetição integral”;

L. É disforme face à Lei fundamental, por violação dos princípios do juiz natural, da plenitude de assistência aos juízes, da imediação e da oralidade bem como das garantias de defesa, o entendimento e dimensão normativa do art. 426º-A n.º 1 CPP segundo o qual “Tendo sido decretado reenvio do processo para novo julgamento, apenas relativamente a concretas questões delimitadas na douta decisão proferida e por se verificarem os vícios do artigo 410º n.º 2 alíneas b) e c) do CPP, não é de conceder possibilidade de pronúncia e eventual sanação dos vícios apontados em tal douta decisão superior ao coletivo que compôs o Tribunal de primeira instância, cabendo a apreciação do rumo a tomar ao novo Tribunal e coletivo diverso”.

M. A douta decisão recorrida padece de lapsus calami no ponto de facto 2), pois o valor aí referido será anual e não mensal, bem como de contradição insanável ao nível dos factos dados como provados e conclusão de condenação por se verificar difícil compatibilização entre os factos dados por provados sob os nos 8), 11), 15), 16), 17) e 19), não se percebendo como possa ser imputada aos recorrentes toda uma programação do desenrolar da atividade de alterne e prostituição [como aparece no ponto 8) embora a referência a “pagando-lhes pelos seus serviços” apenas terá que ver com a divisão do alterne pois no tocante aos atos sexuais já elas estariam embolsadas de tal quantia que recebiam diretamente dos clientes] e depois ser simultaneamente dado por provada toda uma liberdade às mulheres, que eram elas próprias a escolher os clientes, o preço a cobrar bem como a própria forma como ganhariam dinheiro, podendo optar entre só bebidas ou atos sexuais, chegando o Tribunal a dar como provado que não era necessária a presença de nenhum dos recorrentes, pois na sua ausência caberia à arguida Paula a responsabilidade pelo funcionamento do estabelecimento [ponto de facto provado 9)] com alusão a coordenação do alojamento das mulheres, zelar pela abertura e fecho, efetuar e receber pagamentos, tarefas que não permitem vislumbrar a prática de crime;

N. A douta decisão recorrida padece de contradição insanável ao nível dos factos dados como provados por se verificar difícil compatibilização entre os factos dados por provados sob os nos 4), 14) e 16), não sendo correto falar-se em percentagem, como aparece no ponto de facto provado 4) pois inexistia qualquer fixação percentual previamente estabelecida, inexistindo qualquer medida estipulada mas sim uma quantia fixa e imutável de € 5,00, devida mesmo no caso de nenhuma quantia ser cobrada pelas mulheres ou de não ter sido realizado qualquer ato sexual, subjacente ao facto de para aceder aos quartos as mulheres e os clientes terem de sair para o exterior e pretendendo entrar novamente, era-lhes cobrada a quantia de consumo mínimo, como a qualquer cliente, tal qual decorre do ponto de facto provado sob o n.º 12) in fine;

O. Verifica-se manifesta contradição insanável entre tais decisões da matéria de facto, a inquinar decisivamente o douto juízo judicativo decisório por não ser compreensível dar por provado no ponto de facto 34) [haverá erro pois será 44) em razão de a seguir ao ponto 41) reiniciar no 32)] que a recorrente não teria outra fonte de rendimento e subsistia do lenocínio quando no ponto de facto dado por provado 23) é referido que ela também se prostituía (assim retirando proveitos económicos) e gerindo ela o estabelecimento também obteria as receitas de venda de bebidas, sendo que relativamente ao recorrente também esta última parte lhe é aplicável, pelo que gerindo também o estabelecimento, e sendo a atividade de venda de bebidas legal e até mais rentável que as subidas, não pode ser dado por provado que ele subsistia à custa da atividade de lenocínio, apenas ressalvando a atividade de tráfico de menor gravidade;

P. A ilação derivada de uma presunção natural não pode formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal, em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável, sendo que in casu a ausência de prova revela, claramente, um sentido e a decisão extrai ilação contrária, logicamente impossível por ser por generalização indevida, mostrando-se a fundamentação do douto acórdão recorrido contrária à prova produzida, retirando o Tribunal a quo, de diversos depoimentos prestados diversas conclusões logicamente inaceitáveis, decidindo contra demais meios de prova, cuja força probatória não foi infirmada;

Q. Mostra-se essencial para a boa decisão da causa que seja expressamente dado por provada a inexistência de qualquer acesso interior do estabelecimento para o primeiro andar, tendo as mulheres e clientes de sair para a rua e depois subir as escadas laterais sitas no exterior, que se mostrou devidamente referido pelas testemunhas DE, JM, nas passagens indicadas na motivação e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, para além do testemunho dos próprios agentes, mostrando-se junta aos autos a planta do edifício e tal também se mostra documentalmente provado, a infirmar o ponto 13) dado por provado, bem como a ampla liberdade de fixação do preço pelas mulheres, podendo mesmo fazer borlas e não cobrar, seja pela existência de relacionamento ou conhecimento específico com os clientes, como decorre do depoimento das testemunhas MM e JS (que apenas pagava copos e jantares), nas passagens indicadas na motivação e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido;

R. Tendo em conta as concretas passagens probatórias, em termos de recorte dos depoimentos oralmente prestados em sede de audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas JM, JC, JG, SS e HF e declarações para memória futura da testemunha DE, deixadas supra em sede de motivação prévia, as quais ora se dão por reproduzidas em nome do princípio da economia processual, têm-se como:

FACTOS INCORRECTAMENTE DADOS POR PROVADOS E QUE O NÃO DEVERÃO SER: maxime a factualidade imputada aos recorrentes, no que concerne à prova testemunhal e documental produzida em audiência de discussão e julgamento, dos pontos de facto dados por provados sob os n.os 2) (errónea referência a renda mensal quando será anual – prova documental de fls. 2884), 3) in fine (a prática de relações sexuais não é necessariamente acompanhada do pagamento de quantias em dinheiro, devendo ser incluída na parte final o advérbio “maioritariamente”), 4) [inexistência de percentagem mas sim quantia fixa e imutável de € 5,00 – o preço do consumo mínimo referido no ponto de facto provado 12) –, inexistindo assim relação umbilical entre o pagamento e recebimento pelas mulheres, não havendo relação direta entre ambas as realidades nem maior benefício para os recorrentes caso o preço fosse maior], 8) [ausência de qualquer programação para a prostituição tamanha a liberdade concedida às mulheres, que podiam exercer apenas alterne ou também ter relações sexuais, e seu voluntarismo para a prossecução de tal atividade, da qual saíam deveras recompensadas financeiramente, sendo que por referência ao ponto provado 11) o recorte das funções a levar a cabo não são subsumíveis no crime de lenocínio]), 13) [confusão entre estabelecimento e prédio urbano, sendo duas realidades distintas como se comprova pelo teor do contrato de arrendamento junto aos autos a fls. 2884 e de onde decorre que o estabelecimento arrendado apenas funciona no rés-do-chão, sendo que é o prédio urbano que é composto por dois andares), 16) (a referência a parte da quantia cobrada não tem razão de figurar em tal ponto de facto uma vez que, tal qual referido supra poderia não ser cobrada qualquer quantia por partes das mulheres e o pagamento dos € 5,00 tem a sua razão de ser no facto de haver nova entrada no estabelecimento, a impor a cobrança de novo consumo mínimo), 22) [ausência de qualquer contrato de trabalho ou relação laboral, em razão de inexistência de qualquer subordinação jurídica entre as mulheres e os recorrentes, devendo ser eliminada a referência a “para os arguidos” em virtude a existência de um contrato de trabalho não se mostrar compatível com tamanha liberdade conhecida, seja ao nível e prossecução da atividade a levar a cabo (poderiam elas unicamente ficar pelo alterne), escolha de clientes, preço, horário, serviços prestados, etc. etc.], 25) (a testemunha referiu que não pagava pela relações sexuais), 37) (a testemunha referiu que não pagava pela relações sexuais), 34) – erro de numeração pois será 44) [contradição face ao teor do ponto provado 23) onde se refere que a recorrente também se prostituía, não sendo assim lícito concluir-se pela ausência de qualquer remuneração e subsistência da prática do lenocínio, sendo que ambos os recorrentes exploravam também a venda de bebidas, daí retirando proveitos económicos, dado que € 5,00 por cada subida das mulheres não era significativo nem permitia obter enriquecimento), 35) – erro de numeração pois será 45) (ausência de qualquer coordenação, fomento ou favorecimento da prostituição pois tal era levado a cabo livremente pelas mulheres, não sendo estas induzidas a tais práticas nem orientadas para os clientes, tendo ampla liberdade de atuação e limitando-se os recorrentes a ter a casa aberta e a facultar zonas privativas), 36) – erro de numeração pois será 46) (idem face ao ponto anterior), 37) – erro de numeração pois será 47) (ausência de consciência da ilicitude, tanto mais que questão similar se mostrava em recurso e sem trânsito em julgado, sendo que na ótica dos recorrentes é tal incriminação inconstitucional e portanto a atividade será legalmente admissível), bem como quaisquer outros demais que se mostrem em oposição com o recurso considerado no seu conjunto!

S. Deverá ainda ser dado por provada a liberdade de escolha individual de cada mulher de prática ou não das relações sexuais, ausência de sugestão de tal prática pelos arguidos bem como do respetivo local, que tanto poderia passar pelos quartos do 1º piso como pelo motel da redondezas bem como importa assim levar ao elenco dos factos provados o circunstancialismo que foi expressamente invocado pela recorrente na contestação apresentada, pelo que manifestamente constitui objeto processual que: “Para acederem ao piso superior e levarem a cabo o convívio mais íntimo, desde logo relações sexuais, as mulheres e os clientes teriam de sair do estabelecimento e subir umas escadas exteriores, da mesma forma que querendo regressar após o ato teriam de descer tais escadas e entrar pela porta principal” e “Não obstante em regra haver pagamento pela prática das relações sexuais, poderia não ter lugar o pagamento direto de qualquer quantia por parte dos clientes, ficando tal exigibilidade ao critério e liberdade das mulheres”, mostrando-se erroneamente dados por provados os pontos de facto 25) e 37) na parte em que aludem ao pagamento de qualquer quantia pecuniária, concretizado ou não;

T. A factualidade dada por provada, maxime ao nível do voluntarismo das mulheres, tratamento concedido bem como liberdade plena não preenche de forma cabal o tipo legal de ilícito, inexistindo qualquer ato de favorecimento, fomento ou facilitismo na prática de prostituição (a menos que se entenda que se tratará de um crime sem vítima!), uma vez que in casu, inexiste por completo tal estatuto na medida em que, mais que a própria liberdade de autodeterminação sexual aquilo que estará em causa é a liberdade de ação ou omissão das vítimas, traduzindo-se num crime de perigo concreto, não se vislumbrando ameaça a tais bens jurídicos nem o constrangimento e a concretização inequivocamente especificante dos contactos de natureza sexual, atenta a liberdade de que dispunham e ausência de controlo;

U. É manifesta e notoriamente incompatível com uma intenção lucrativa toda a liberdade individual de que gozavam as mulheres quer no que concerne à opção de levar ou não a cabo tais práticas, de fixar livremente o preço e receber elas próprias a quantia, e mesmo, com ausência de qualquer controlo, ordens ou instruções, de realização das ditas relações em local diverso;

V. Alega-se a questão da não conformidade constitucional e subsidiariedade do Direito penal derivada da preocupação que parece radicar em tal preceito legal de confundir necessidade de intervenção do Direito Penal de ultima ratio com moral e bons costumes, entendendo-se que os factos descritos na douta acusação (e a fortiori os dados como provados!) não atingem o patamar mínimo de dignidade penal a justificar a entrada no terreno de jogo do Direito Penal, tal como se constata pela evolução normativa face ao art. 215º da edição original do Código Penal, defendendo-se, à imagem de Anabela Rodrigues, Comentário Conimbricense, I, 531, que se mostra necessária a exploração efetiva da situação e dependência da vítima para o preenchimento do tipo de crime material e não formal;

W. Impor-se-á sempre aquilatar do preenchimento da chamada bagatela penal, como limite mínimo, que, por desmerecer a tutela de tal ramo do direito, violaria o princípio da intervenção mínima, tendo-se por pacífico que não se poderão criminalizar situações, embora desagradáveis, que não tenham o mínimo de dignidade penal, dada a não identidade perfeita entre ato social ou moralmente inaceitável e criminalmente punível, entendendo-se que os factos não atingem o minus de relevância penal a ponto de exigir a intervenção de tal ramo do Direito, tendo assim de ficar de fora os atos bagatelares ou considerados insignificantes bem como todos aqueles que, ainda que de algum significado e impróprios, atenta a sua reduzida ocorrência não sejam obstáculo de forma significativa à livre determinação sexual da vítima;

X. Como afirma Roxin, não sendo a conceção do bem jurídico estática, esta deve sempre conformar-se com os fins das normas constitucionais, as quais estão abertas às mutações sociais e aos progressos do conhecimento científico, indo os mesmos no sentido de uma maior abertura, tendo de presidir in casu um certo dolo específico e toda uma multiplicidade de elementos objetivos (efetivo contacto de natureza sexual), não se podendo tomar como limite a questão da moralidade sexual mas sim averiguar se tais factos têm em si a relevância exigível do ponto de vista criminal a justificar a sua tipificação como crime ou consubstanciam unicamente atuação menos correta, cortês, delicada e/ou moral;

Y. E temos assim por violados os princípios da igualdade (que consiste em tratar de forma igual o igual e de forma diferenciada o desigual), proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio do Direito Penal que assim se vê convocado quando a litigiosidade e danosidade material se mostra secundária e a “justiça restauradora” pelo abandono de tal atividade pelos arguidos uma realidade ocorrida, não sendo a progressividade mais do que a densificação do conceito de justiça proveniente da igualdade material, princípio base de todo o Direito, pressupondo um conceito de democraticidade (a lei penal é igual para todos) e abstendo-se de defender um sentimento de pudor e de moralidade sob pena de ser um Direito penal de fachada, como parece transparecer de fls. 121 in fine do douto acórdão recorrido onde o Tribunal a quo refere expressamente que “[O] bem jurídico protegido é o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto”;

Z. Com o carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal importa conjugar um outro princípio fundamental - o da proporcionalidade - a significar a exigência de razoabilidade na proporção da necessidade de tutelar um bem fundamental, sendo certo que a intervenção do Direito Penal, por força das sanções jurídicas que lhe são características, colide com o direito de liberdade que é um direito fundamental do cidadão, só devendo intervir quando a sua tutela é necessária e útil, tendo alguma eficácia, o que in casu se não vislumbra atenta a ausência de consequências e reduzida expressão dos alegados factos;

AA. Entende-se que os factos não se mostram subsumíveis em qualquer incriminação legal e até contam com uma causa de exclusão da ilicitude (o consentimento!), uma vez que não sendo a prostituição em si mesma proibida, e fazendo parte da “livre disponibilidade da sexualidade individual”, apenas o aproveitamento económico de terceiros poderá ser punido quando se mostre para além de tal livre disponibilidade e corresponda a uma ideia de enriquecimento ilegítimo ou ilícito, sendo que, in casu, dos autos parece transparecer a prossecução de atividade económica na qualidade de trabalho autónomo, tal como pode ser encarada à luz de tal perspetiva aceite pelo Tribunal de Justiça das Comunidades (sentença de 20 de Novembro de 2001), sendo que a permissão de atividade das pessoas que se prostituem nos Estados membros da Comunidade impede uma discriminação quanto à autorização de permanência num Estado da União Europeia;

BB. Ao dar como provado que os recorrentes programavam a prática da prostituição [e apenas esta conduta lhe é imputada no ponto de facto 8)]) o Tribunal a quo errou, devendo os arguidos ser absolvidos pois em caso algum colaboraram no processo de decisão individual de cada mulher, inexistindo qualquer atuação dos arguidos a levar a tais práticas, não determinando nenhuma delas pois as mulheres ouvidas foram unânimes em afirmar que já se dedicavam anteriormente a tais atividades e eram tratadas com simpatia e cordialidade, apenas podendo haver colaboração no processo de decisão mediante os meios plasmados no n.º 2 da norma legal, tendo-se assim, por impossibilidade de ocorrência e descriminalizada, quer de lege ferenda quer de lege lata, a conduta plasmada no n.º 1;

CC. Devem os recorrentes ser absolvidos em razão da questão e relevo da causalidade virtual, uma vez que independentemente da sua atuação o resultado surgiria em tempo e sob condições semelhantes ou por força de comportamentos de terceiros ou de comportamentos naturais das próprias mulheres, nenhum contributo tendo para tal facto sendo ainda a sua conduta manifestamente irrelevante pois os factos sempre teriam lugar, dado as mulheres se dedicarem livremente a tal atividade e fosse no 1º andar ou no motel os atos, se fossem desejados pela mulher e cliente, seriam levados a cabo;

DD. O exercício da prostituição não é crime porque a sua criminalização seria inconstitucional, pois importaria em violação à liberdade de autodeterminação sexual, sendo a criminalização do lenocínio disforme à Constituição da República Portuguesa, por representar a proibição indireta de uma atividade diretamente permitida, tida por lícita e juridicamente conforme e pela apontada violação do art. 18º n.º 2 CRP e aquilo que a lei não pode proibir pela via direta (como seja a prostituição) não poderá vedar pela via indireta (in casu, lenocínio) por os seres humanos adultos, sejam eles homens ou mulheres, ou seja, do sexo masculino ou feminino, terem em traços gerais o direito de se orientarem sexualmente e exercerem a sua sexualidade como bem entenderem, apenas não sendo lícito que, a pretexto de exercê-la, acabem por violar a liberdade de outrem, liberdade de autodeterminação sexual essa que terá de abranger, maxime, o direito a ter relações sexuais, cabendo-lhes decidir, de forma livre e consciente, se a título gratuito ou oneroso bem como, inclusive, exercer a prostituição, acabando assim esta por ser manifesta e cristalinamente uma das possibilidades e decorrências legítimas de exercício da sexualidade num Estado (laico) de Direito;

EE. O Direito penal em nada se assemelha à moralidade tendo o legislador unicamente obrigação se perseguir sim os comportamentos que atentam contra bens jurídicos essenciais e não contra atos praticados entre maiores por quem se mostra no domínio da vontade e em circunstâncias aptas a garantir segurança, entendendo-se que a conduta vertida no n.º 2 do art. 169º CP é que é digna de tutela devendo o n.º 1 ser descriminalizado pois com tal incriminação o bem jurídico protegido não é (como devia e a inserção sistemática a isso obrigava!) a liberdade da expressão sexual da mulher (realidade já bem visível no n.º 2!) mas unicamente a ideia de defesa de um sentimento geral de pudor bem como moralidade ainda associada;

FF. In casu, atento o consentimento, voluntarismo e desejo radicado em cada uma das mulheres, terão os recorrentes de ser expressamente absolvidos atenta a exclusão da ilicitude, na medida em que se tem por inconstitucional, por compressão ilícita e não proporcional, nos termos do art. 18º CRP, bem como violação dos direitos à liberdade (mesmo sexual, radicando em tal campo o direito à diferença!) e ao trabalho, consagrados nos arts. 1º, 27º n.º 1, 58º) a dimensão normativa de tal norma (art. 169º n.º 1 CP) quando interpretada no sentido “É contrária aos bons costumes, para efeitos de não exclusão da ilicitude, e constitui crime de lenocínio a livre prática de relações sexuais, fora da via pública e em reserva da respetiva intimidade, ainda que a troco de dinheiro, sempre e quando a mesma seja levada a cabo entre maiores, de sexos distintos, radicando numa vontade e desejo livres e esclarecidos de ambas as pessoas sem qualquer coação, violência ou ameaça grave, constrangimento, ardil ou manobra fraudulenta, abuso de autoridade ou aproveitamento de incapacidade psíquica, especial vulnerabilidade da vítima, carência social ou dependência económica”;

GG. É inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 169º n.º 1 CP, por compressão ilícita e não proporcional, nos termos do art. 18º CRP, bem como violação dos direitos à liberdade (mesmo sexual, radicando em tal campo o direito à diferença!) e ao trabalho, consagrados nos arts. 1º, 27º nº. 1, 58º), segundo o qual “O crime de lenocínio basta-se com a existência de atos de cariz sexual, levados a cabo de forma livre entre maiores e em local livremente escolhido, sem qualquer controlo ou ingerência de terceiros, pelo preço peticionado livremente pela mulher e aceite pelo cliente, traduzindo-se num comportamento instantâneo”, sob pena de, a assim se não entender, se alargar o âmbito da reação penal de forma desmesurada quando todos os preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação reta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo lançar-se mão do princípio da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa, constituindo a essência do princípio da igualdade não em tratar tudo por igual sob pena de, por paradoxal que pareça, gerar manifesta e clara desigualdade, mas sim em tratar de forma igual o igual e de forma diferenciada o desigual;

HH. Por identidade de razões, é disforme à Lei fundamental a dimensão normativa e interpretação de tal norma legal (art. 169º n.º 1 CP) no sentido de “Consubstancia crime de lenocínio a mera prática de relações de natureza sexual entre maiores quando inexista qualquer preterição da sua liberdade e autodeterminação sexual bem como instrução, vigilância ou qualquer outra espécie de controlo a exercer por quaisquer terceiros, tendo a mulher domínio pleno da sua atuação, ação e tratamento condigno e condizente com a sua condição humana, ao nível de cordialidade, simpatia, liberdade e autodeterminação sexual, inexistindo assim qualquer vítima, ofensa a algum bem jurídico ou aproveitamento por terceiros de situação de carência social ou dependência económica”;

II. A normal legal ora em causa (o art. 169º n.º 1 CP, qual caldeirão e albergue espanhol) foi criada para contornar qualquer lacuna de punibilidade, com um âmbito de aplicação geral, tendo-se por inconstitucional tal forma de legislar, por violação da exigência de lei certa e do princípio da legalidade, vertidos nos arts. 1º n.º 1 CP e 29º n.º1 CRP atenta a não determinação concretizante do facto ilícito típico ou da vítima, sendo, não uma norma legal mas um princípio jurídico que se mostra depois concretizado e subsumido no número seguinte dada a impossibilidade de, sem violência ou ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de relação familiar, de tutela ou curatela, dependência hierárquica, económica ou de trabalho bem como aproveitamento de incapacidade psíquica ou especial vulnerabilidade, ocorrer a prática ou mera possibilidade de tal crime e existência de uma vítima!

JJ. O entendimento ora defendido não se mostra isolado e pala além de defesa na doutrina tem também merecido acolhimento parcial na jurisprudência, sendo o caso maior do próprio Presidente do Tribunal Constitucional, conforme cópia supra junta conjuntamente com declaração de voto de um outro Juiz do mesmo Tribunal, verificando-se assim ausência de consenso claro no próprio Tribunal Constitucional, conforme se alcança das declarações de voto e das notícias dada à estampa pelo Diário de Notícias e Observador, colhidas nos sítios da internet, e que igualmente se juntaram com a contestação oferecida e mais recentemente, em 08 de Fevereiro de 2017, no âmbito do processo n.º 404/13.9TAFLG.P1, que corre seus termos na 2ª Secção Criminal do Venerando Tribunal da Relação do Porto, foi proferido douto acórdão com o dispositivo que infra se transcreve, tendo-se deixado na motivação a transcrição do sumário e fundamentação essencial, que ora se dá por integralmente e reproduzida, colhidos no sítio da Internet www.dgsi.pt:

III. Nos termos expostos, dá-se provimento ao recurso da sentença e, em consequência: 1° declara-se materialmente inconstitucional a norma de incriminação e punição constante do artigo 169°, n°1, do Código Penal, por violação do disposto no artigo 18°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa;

KK. A pena aplicada à recorrente mostra-se majorada e para além da sua culpa, limite que deverá constituir marco inultrapassável, não se mostrando a pena de prisão de 3 anos de prisão conforme aos princípios da proporcionalidade e da culpa, impondo-se a devida atenuação sob pena de violação de princípios estruturantes do processo e Direito penais na medida em que importa ainda atentar e valorar mais decisivamente o facto de a arguida, à data, não ter antecedentes criminais por crimes da mesma natureza ou qualquer outra, tal qual cristalinamente do certificado de registo criminal de fls. 2773 [tal qual decorre do ponto 138) dado por provado a arguida ostenta uma condenação por factos cometidos mas tal condenação apenas transitou em julgado um ano após o terminus da ilicitude imputada nos presentes autos], inexistindo qualquer reincidência em sentido jurídico ou técnico e não tendo o Tribunal a quo atentado na data de trânsito em julgado e em tal erro acabou por majorar não só a pena de prisão como ainda afastar o instituto da suspensão da mesma…

LL. A fls. 159 4º parágrafo da douta decisão recorrida mostra-se escrito que “A arguida MMS já foi condenada por crime de lenocínio e a solene advertência que lhe foi feita, não foi suficiente para a afastar da prática de novos crimes da mesma natureza”, tratando-se da fundamentação única para a não suspensão da pena de prisão e consequente efetividade em regime de privação da liberdade e lavrando o Tribunal a quo em erro ao não atender convenientemente ao teor do certificado de registo criminal da arguida pela contabilização dos pontos de facto dados por provados sob os n.os 138) e 9) bem como do registo criminal juntos aos autos, a fls. 2773, emitido em 15 de Julho de 2016 (e do qual nada consta!) e num outro mais recente requisitado ante da prolação decisória de douta decisão, por emitido em 21 de Abril de 2017, que o trânsito em julgado de tal condenação anterior se mostra muito posterior à prática dos factos em causa nos presentes autos (a recorrente foi detida em Fevereiro de 2016 e apenas ocorreu o trânsito em julgado de tal condenação em 23 de Fevereiro de 2017, ou seja, um ano após os factos);

MM. Tendo por base a ausências de antecedentes criminais bem como visão de conjunto sobre a factualidade (o facto de as mulheres I) terem ido trabalhar de livre e espontânea vontade, II) nunca tendo sido aliciadas por ninguém a prostituir-se, III) não tendo sido forçadas, IV) não se considerando por nada lesadas, V) sempre tendo sido bem tratadas, VI) estipulando e recebendo o preço livremente e VII) ficando elas com o grosso das quantias cobradas) entende-se que a pena da recorrente (por corresponder a seis vezes o limite mínimo da moldura!) e do recorrente deverão ser atenuadas, tendo-se por justas, equilibradas e respeitadoras das exigências de prevenção geral e especial, respetivamente as penas dois anos e três meses de prisão e dois anos de prisão;

NN. A fls. 159 4º parágrafo da pretérita douta decisão recorrida mostra-se escrito que “A arguida MMS já foi condenada por crime de lenocínio e a solene advertência que lhe foi feita, não foi suficiente para a afastar da prática de novos crimes da mesma natureza”, tratando-se da fundamentação única para a não suspensão da pena de prisão e consequente efetividade em regime de privação da liberdade, julgando a recorrente que o Tribunal a quo errou e não atendeu convenientemente ao teor do certificado de registo criminal da arguida (nos termos já supra expostos para efeitos de atenuação da pena), razão pela qual se à data do terminus da ilicitude bem como, a fortirori durante a sua perduração, inexistia qualquer condenação anterior com trânsito em julgado (como bem espelha o certificado de registo criminal de fls. 2773 e do qual nada consta;

OO. Mostra-se errónea a preclusão de um juízo de prognose favorável dado que tal qual ressalta da certidão judicial junta aos autos, datada de 06 de Abril de 2017, foi a ora recorrente julgada na ausência nos autos de processo 213/07.4TAPBL e não houve assim qualquer prática de factos ilícitos após o trânsito em julgado da única condenação que a recorrente ostenta, falecendo o argumento usado pelo Tribunal a quo para determinar a efetividade da pena de prisão, devendo ser lançada mão do instituto da suspensão da execução da pena e ser a mesma suspensa na sua execução, a qual se justifica até por questões de igualdade face a todos os demais arguidos, sendo que alguns não obstante condenações anteriores a contender com estupefacientes viram as suas penas ficarem suspensas na sua execução e a arguida, que apenas respondia pela parte menos grave da imputação penal acaba por ser castigada com prisão efetiva;

PP. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, presunção de inocência e culpa, o entendimento e dimensão normativa do art. 50º n.º 1 CP no sentido de [M]ostra-se apto a fundamentar um juízo de não aplicação de suspensão da execução de pena de prisão o circunstancialismo superveniente e único de ocorrência de trânsito em julgado de condenação judicial pela prática anterior de factos de semelhante natureza”, ou dito de outra forma, mostra-se disforme à lei fundamental, por violação dos princípios da legalidade, presunção de inocência e culpa, o entendimento e dimensão normativa do art. 50º n.º 1 CP no sentido de [M]ostra-se apto a fundamentar um juízo de não aplicação de suspensão da execução de pena de prisão o circunstancialismo inerente a condenação anterior, ainda que por factos da mesma natureza, mas ainda não transitada em julgado aquando do terminus da ilicitude em causa nos novos autos e que apenas vem a transitar em julgado durante a fase de audiência de discussão e julgamento”;

QQ. Da douta decisão recorrida aparecem dadas como provadas não só a atividade legal (o alterne não será crime!) de venda de bebidas (multiplamente referido e dado por provado, sendo uma atividade de venda lícita!) como ainda o exercício de prostituição por parte da recorrente (facto 23º in fine) bem como ressalta do ponto de facto dado por provado 151) h) que o pai dos filhos menores da recorrente comparticipa com 100 euros mensais para as despesas dos filhos, sendo assim falso que a totalidade das quantias apreendidas resultasse da prática de crime atenta a ausência de efetiva e concreta prova produzida no sentido de se poder dar isso (totalidade das quantias monetárias apreendidas provindas de atividade ilícita) por provado, devendo, na dúvida, ser dada aplicação ao princípio in dubio pro reo e revogada tal ordem de perda a favor do Estado;

RR. Mostram-se violadas e/ou erroneamente aplicadas as seguintes normas jurídicas: nomeadamente arts. 119º e), 127º, 328º-A n.os 1 e 5, 374 n.º 2, 379º n.º 1 a) e c), 426º-A n.º 1 CPP; arts. 40º, 50º n.º 1, 71º n. os 1 e 2 a), b), c) d) e f), 109º n.º 1 e 169º n.º 1 CP; art. 9º CC; arts. 412º e 414º CPC; art. 70º n.os 1 e 2 da Lei 21/85 (Estatuto dos Magistrados Judiciais); arts. 1º, 2º, 3º n.º 3, 8º n.os 1 e 2, 12º, 13º n.º 1, 17º, 18º n.os 1, 2 e 3, 26º, 32º n.os 1, 5 e 9, 58º, 110º n.º 1, 202º n.os 1, 2 e 3, 204º e 205º CRP; bem como violados e/ou erroneamente aplicados os seguintes princípios jurídicos: maxime do juiz natural, da plenitude de assistência dos juízes, da imediação e da oralidade, da livre apreciação da prova, da vinculação temática ao objeto do processo, do respeito devido às decisões de Tribunais superiores, da presunção de inocência (in dubio pro reo), do dispositivo, da culpa, da legalidade, da tipicidade, da igualdade, da proibição de recurso à analogia, da natureza de ultima ratio do Direito penal, da necessidade, da materialidade, da igualdade, da presunção de inocência, da culpa, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso bem como dos fins das penas.

Destarte,

sempre com o V/ mui douto suprimento

requer-se, mui respeitosamente a V/ Exas., a procedência do presente recurso e a consequente revogação do douto acórdão condenatório, em razão de

I) vícios de preterição dos princípios do juiz natural, da plenitude de assistência dos juízes, imediação e oralidade, de que padece a douta decisão recorrida e dos quais deverá ser expurgada;

II) vícios de contradição insanável, erro notório e omissão de pronúncia de que padece a douta decisão recorrida e dos quais deverá ser expurgada;

III) erróneo julgamento da matéria de facto, com base na peticionada reapreciação da prova gravada e documental, e;

IV) desacertada subsunção jurídica (maxime ao nível de integral preenchimento do tipo de ilícito do crime de lenocínio bem como destino dos bens apreendidos) por insuficiência da matéria de facto; e ad cautelam,

V) manifesta majoração da responsabilidade penal assacada (dosimetria penal), pois numa visão global de conjunto será manifestamente disforme à justiça e culpa a aplicação aos recorrentes das penas aplicadas bem como a não suspensão da pena da recorrente;

VI) ausência de fundamento legal e errónea decisão de perda a favor do Estado e respetivo âmbito.

V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, na medida em que, citando Marquês de Condorcet e Dante Alighieri, uma alma nobre faz justiça, mesmo aos que a recusam, não deixando de pesar, em balanças diferentes, os pecados dos homens dissimulados e os dos sinceros! Todavia, nunca esquecendo que, acompanhando Anatole France

A Justiça é a sanção das injustiças estabelecidas!

3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

4. Em resposta ao recurso o Ministério Público concluiu:

1. O julgamento realizado e o douto acórdão ora recorrido tiveram como pressuposto o reenvio ordenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por douto acórdão 1812-2019 (cfr. fls. 5527 e ss), para novo julgamento, somente a incidir sobre os aspetos aludidos no recurso que o Ministério Público interpusera em que pugnava pela condenação dos arguidos AF, OM e PS (não recorrentes), pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade.

2. Realizado o julgamento sobre aspetos parciais do objeto do processo, em conformidade com o determinado pelo Tribunal da Relação, forçoso é concluir que, quanto à demais matéria, a mesma estava subtraída ao poder de cognição do Tribunal, pelo que neste ponto, nada há a apontar ao modo de constituição do Tribunal ad quo, nem ao douto acórdão.

3. Assim, por o Tribunal da Relação não haver determinado a repetição integral do julgamento na matéria que contende com os ora recorrentes, estava o Tribunal ora impedido quanto a uma nova prolação decisória.

4. Por outro lado, dos autos resulta que o julgamento efetuado foi realizado sempre no mesmo Juízo Central Criminal em que os autos foram ab initio distribuídos, pelo que não há qualquer violação do princípio do juiz natural, e isto independentemente da composição do Tribunal coletivo.

5. Não se contata assim qualquer violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes, nem tão pouco os da oralidade e imediação sobre a prova testemunhal produzida.

6. Pelo que, não se vislumbrando qualquer vício suscetível de afetar o douto acórdão recorrido, deve tal decisão judicial ser mantida nos seus exatos termos.

7. Mantendo-se a posição anteriormente assumida pelo Ministério Público na resposta ao recurso, datada de 07.12.2018, quanto ao recurso dos arguidos do acórdão de fls. 5228 a 5310, de 02.10.2018, reitera-se não se vislumbrar a existência de quaisquer vícios de contradição insanável bem como erro notório na apreciação da prova que possam inquinar o douto acórdão ou até mesmo o processo globalmente considerado.

8. Quanto a eventuais lapsos de escrita que se constatem no douto acórdão, os mesmos apenas demandariam a correção, nos termos do art. 380.º, n. 1, al. b), do CPP.

9. Tal retificação não importa modificação essencial, quer no que tange à decisão, quer no que concerne à fundamentação, pois não determina qualquer intromissão no conteúdo do julgado, estando o douto acórdão devidamente fundamentado e sem que se vislumbre qualquer contradição.

10. Em muito recente decisão, datada de 27.01.2021, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 72/2021, de 27.01.2021, onde julgou a “não inconstitucionalidade, artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal, lenocínio na sua forma simples ou fundamental”– consultado em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210072.html.

11. Ademais, a necessidade punição do lenocínio também decorre da Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem, de 1949, aprovada para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 31/91 e publicada no Diário da República, I série, de 10 de Outubro de 1991.

12. Olhando para o Direito comparado no quadro legislativo europeu ocidental, sempre se dirá, ainda, que o lenocínio é punido em países tais como a Bélgica (artigo 380 §1.1 e 4 do Cód. Penal), Dinamarca (art. 233 e 233ª do Código Penal), e Espanha (art. 187.º do Código Penal), França (Loi n° 2016-444 du 13 avril 2016, art.s 1 a 4), só para mencionar alguns exemplos.

13. A Resolução do Parlamento Europeu, de 6 de fevereiro de 2013, sobre a 57.ª Sessão da Comissão sobre o Estatuto das Mulheres da ONU, respeitante à “Eliminação e Prevenção de Todas as Formas de Violência contra Mulheres e Raparigas”, alude expressamente a circunstância de a prostituição ser uma forma de violação dos direitos humanos.

14. A tipificação das condutas descritas no art. 169.º do CP não é, assim, uma aberração jurídica, quer no contexto do quadro legislativo constitucional nacional, quer atendendo ao enquadramento jurídico transnacional, a que o Estado Português está vinculado por força do art. 8.º, n.ºs 1 a 4, da Constituição da República Portuguesa.

15. Mantendo-se a posição anteriormente assumida pelo Ministério Público na resposta ao recurso, datada de 07.12.2018, quanto ao acórdão de fls. 5228 a 5310, de 02.10.2018, quanto às quantias declaradas a favor do Estado, limitam-se arguidos/recorrentes MMS e MJS a impugnar a factualidade provada, não indicando os meios de prova que imponham decisão diversa da ora tomada, razão pela qual o alegado vício de erro notório na apreciação da prova deverá ser julgado improcedente.

16. Mantendo-se a posição anteriormente assumida pelo Ministério Público na resposta ao recurso, datada de 07.12.2018, quanto ao acórdão de fls. 5228 a 5310, de 02.10.2018, sendo evidente o percurso lógico que levou o Tribunal a fixar a pena única em que cada um dos recorrentes foi, respetivamente, condenado, e atendendo ao CRC de cada um dos recorrentes, às suas condições pessoais, às necessidades de prevenção geral e especial que in casu se fazem sentir, bem como à culpa, e sendo clara e racional fundamentação constante do acórdão, não merece de censura nenhuma das penas em que os arguidos recorrentes foram condenados.

Por todo o exposto, deve ser mantido o douto acórdão recorrido, nos seus exatos termos, assim se fazendo justiça!

5. O Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 6138 e ss, cujo teor se dá por reproduzido.

6. Cumprido o disposto no n.º 2, do artigo 417.º do CPP reagiram os recorrentes, o que fizeram nos termos de fls. 6153 e ss., cujo teor se dá por reproduzido.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo agora decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no presente caso importa decidir se (i) foi violado o princípio do juiz natural; (ii) enferma o acórdão da nulidade do artigo 379.º, nº 1, alínea a), ex vi do artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP; (iii) incorreu o tribunal em erro de julgamento; bem assim no vício de contradição insanável da alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP; (iv) a incriminação do lenocínio previsto no artigo 169.º, n.º 1 do C. Penal é inconstitucional; (v) não estão reunidos os elementos típicos do crime de lenocínio; (vi) as penas concretamente aplicadas aos recorrentes pecam por excesso; (vii) a pena de prisão aplicada à recorrente MMS devia ter sido suspensa na sua execução; (viii) na dúvida sobre a respetiva proveniência, a quantia em dinheiro apreendida à recorrente não devia ter sido declarada perdida a favor do Estado.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do acórdão em crise [transcrição parcial]:

2. Fundamentação:

2.1. De Facto [1]:

2.1.1. Factos provados:

1) - O estabelecimento comercial “AI", situado na EN n° (…), Porta (…), (…), (…), (…), encontra-se licenciado, pela Câmara Municipal de ..., em nome do arguido EB, como seu explorador, com horário de funcionamento emitido em seu nome, desde 12 de Junho de 2012.

Fundamentação: doc. fls. 2870.

2) - Em 25/05/2012, o arguido EB tomou de arrendamento o imóvel onde funciona o referido estabelecimento, para o exercício da atividade de café, snack-bar e restaurante, pelo prazo de cinco anos, pela renda mensal de 6.000.00 €.

Fundamentação: (…).

3) - Embora esteja licenciado e classificado como estabelecimento de restauração, snack-bar e bebidas, o AI funciona, diariamente e desde Junho de 2012, como estabelecimento de diversão noturna, onde várias mulheres desenvolvem a atividade de alterne, traduzida no acompanhamento por estas dos clientes do bar, induzindo-os ao consumo de bebidas e mantêm relações sexuais com os mesmos, mediante o pagamento de quantias em dinheiro.

Fundamentação: (…)

4) - Em data concreta não apurada, mas antes de Maio de 2012, os arguidos MJS e MMS estabelecerem entre si um plano para explorarem o estabelecimento comercial AI como estabelecimento de prostituição e alterne, onde mulheres de diversas nacionalidades, mas na sua maioria brasileiras, mantinham relações sexuais com clientes, a troco de contrapartidas monetárias, recebendo aqueles uma percentagem dos proventos dessa atividade.

Fundamentação: (…).

5) - A fim de mais facilmente levarem a cabo tal atividade e de não levantarem suspeitas às diversas autoridades fiscalizadoras, administrativas e policiais, os arguidos MJS e MMS obtiveram a colaboração de EB para que o mesmo figurasse como responsável de direito, perante as referidas autoridades, pelo estabelecimento AI, sendo que, nessa sequência, foi celebrado o contrato de arrendamento acima referido e o respetivo licenciamento camarário e horário de funcionamento emitido em nome deste último.

Não se provou (…).

Fundamentação: (…).

6) - Para além disso, EB colaborava no desenrolar das atividades de prostituição e alterne do AI, ficando a controlar a entrada de clientes à porta do estabelecimento, exercendo a função de porteiro.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

7) - EB assim procedeu pelo menos, de Junho de 2012 e 20/02/16, levando a cabo tal atividade, durante esse período, sobretudo aos fins-de-semana, mas também durante grande parte dos dias da semana.

Fundamentação: (…).

8) - Assim, apesar de EB figurar como responsável pelo estabelecimento nos termos acima indicados, são os arguidos MMS, conhecida por Mel e MJS, conhecido por D. ou DD., que, exploram o AI, assumindo a sua gerência de facto, sendo os responsáveis pela sua orientação, gestão de pagamentos, reposição de stocks, contratação dos funcionários e colaboradoras, abertura e fecho da caixa, controlando as mulheres que ali trabalham, pagando-lhes pelos seus serviços e programando o desenrolar da atividade de alterne e prostituição que as mesmas ali desenvolvem.

Fundamentação: (…).

9) - O estabelecimento havia funcionado com a mesma atividade, sob a designação “……” ou “….”, entre 2004 e 2009, sendo então também gerido de facto pela arguida MMS. Por tais factos, foi a mesma condenada, no âmbito do processo comum coletivo n° 213/07.4TAPBL, pela prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169°, n° I do CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, por acórdão datado de 3/02/2016 e transitado em julgado em 23.2.2017.

Fundamentação: (…).

10) - Para além disso, a arguida AF, deu a sua colaboração aos arguidos MJS e MMS, passou a assumir, desde data não apurada, mas, pelo menos, desde 2013, um papel de algum relevo na gestão de facto do estabelecimento.

Não se provou (…).

Igualmente se não provou que a AF gerisse as entradas e saídas das mulheres que ali trabalhavam, informando-as de vagas no estabelecimento, dividindo-as por quartos, transmitindo as regras do estabelecimento quanto a pagamentos, horários, servindo de ponto de contacto, gerindo os períodos de permanência e recebendo quantias das mesmas, relativas às atividades de alterne e prostituição ali levadas a cabo.

Fundamentação: (…).

11) - Na ausência dos arguidos MMS e MJS é ela a responsável pelo funcionamento do estabelecimento, coordenando o alojamento das mulheres, zelando pela sua abertura e fecho e efetuando e recebendo pagamentos.

Fundamentação: (…).

12) - O estabelecimento funciona diariamente, das 21h00 às 04h00, sendo que às Sextas-feiras e Sábados a atividade pode prolongar-se até à 08h00 e é controlado nas entradas e saídas pelo arguido EB, que procede à distribuição de cartões de consumo de bebidas, com um consumo mínimo obrigatório de cinco euros.

Fundamentação: (…).

13) - O estabelecimento é composto por dois andares distintos, sendo que no rés-do-chão funciona o bar, onde é levada a cabo a atividade de alterne, enquanto no primeiro andar se situam os quartos onde são mantidas relações sexuais entre os clientes e as trabalhadoras do bar.

Fundamentação: (…).

14) - Por cada relação sexual que mantinham, cada uma das mulheres que ali trabalhava cobrava ao cliente, em média, entre 30 € e 40 €.

Fundamentação: (…).

15) - As mulheres encontravam-se com os clientes no bar, incitando-os a pagarem-lhes bebidas, subindo depois para os quartos do 1º andar, onde realizavam o ato sexual.

Fundamentação: (…).

16) - Uma vez aí, cobravam o preço, em dinheiro, ao cliente, entregando, depois de terminado o ato, uma parte da quantia cobrada, correspondente a € 5, no bar, aos arguidos MJS, MMS ou AF, consoante o que ali estivesse na ocasião.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

17) - Pela atividade de alterne, desenvolvida no bar explorado pelos referidos arguidos através das suas colaboradoras, que consistia no acompanhamento por estas dos clientes do bar, induzindo-os ao consumo de bebidas, o estabelecimento fica com 50% do valor de cada bebida que as mulheres logrem inscrever no seu cartão de consumo, oferecidas pelos clientes.

Fundamentação: (…).

18) - As mulheres tinham, assim, direito a 50% do valor que angariavam em bebidas, que lhes era entregue por qualquer dos três arguidos, ao final de cada noite, sendo que a contagem era feita através da entrega de um talão de controlo à mulher, de cada vez que o cliente pedia uma bebida.

Fundamentação: (…).

19) - Todas as mulheres trabalhavam no salão — com bar e discoteca — situado no rés-do-chão, conversando com os clientes, dançando, aliciando-os a beberem e a pagarem-lhes a elas próprias uma bebida, atraindo-os para que com elas subissem aos quartos, a fim de manterem relações de sexo em troca de dinheiro.

Fundamentação: (…).

20) - As referidas mulheres, maioritariamente de nacionalidade estrangeira, no estabelecimento, trajam vestuário curto e transparente e abordam os clientes com conversas e convites de cariz sexual.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…)..

21) - As mulheres trabalhavam naquele estabelecimento por períodos com duração variável, rodando entre ele e outros estabelecimentos do género, ora contactando os arguidos, diretamente ou através de outras mulheres que já tinham trabalhado para eles, sendo certo que, por noite, normalmente se encontravam a trabalhar, pelo menos, 6 mulheres.

Fundamentação: (…).

22) - Nos períodos em que trabalhavam para os arguidos, às mulheres era facilitado o alojamento nos quartos do respetivo estabelecimento, bem como o transporte entre e para estes, em muitas ocasiões efetuado pelo arguido EB.

Fundamentação: (…)

23) - Os arguidos MJS e MMS exploraram o AI, nos moldes descritos, pelo menos, desde Junho de 2012 até 21/02/16, fazendo-o com a colaboração dos arguidos EB e AF, sendo certo que, quer esta quer aquela, por vezes, também aí se prostituíam.

Não se provou que os arguidos EB e AP tenham agido em comunhão de esforços e intenções com a MMS e o MJS

Fundamentação: (…).

24) - Nesse espaço de tempo, frequentaram o estabelecimento muitos clientes, alguns dos quais de forma habitual, onde se deslocavam para manterem relações sexuais com as mulheres que ali trabalhavam, corno aconteceu com:

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

25) - JM manteve relações sexuais por duas vezes, uma delas no dia 31/10/2013, cerca das 23h45, com uma das mulheres que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, pelas quais lhe pagou urna quantia não apurada.

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

26) - JA o qual, no dia 1/11/2013, cerca das 1h20, manteve relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, no I° piso, pelas quais lhe pagou a quantia de 30,00 €;

Fundamentação: (…);

Não se provou que (…);

Fundamentação: (…)..

27) - MSG manteve relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, por três vezes, sendo uma delas no dia 22/02/2014, cerca das 00h15, no 1° piso, sendo que por cada uma pagou a quantia de 30,00 €.

Fundamentação: (…);

28).- JG manteve por duas vezes relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, sendo uma delas no dia 3/03/2014, cerca da 1h00, pelas quais lhe pagou uma quantia entre os 35,00 e 40,00 €;

Fundamentação: (…).

29).- AR o qual, no dia 2/03/2014, cerca das 23h00, manteve relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, pelas quais lhe pagou a quantia de 30,00 €;

Fundamentação: (…);

Não se provou que (…);

Fundamentação: (…).

30).- VM o qual, entre o início de 2013 e 28/08/2015, em, pelo menos, duas ocasiões, manteve relações sexuais com mulheres que ali trabalhavam, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, pelas quais lhes pagou a quantia de 40,00 € de cada ocasião;

Fundamentação: (…).

31).- SV no dia 29/08/2015, manteve relações sexuais com mulheres que ali trabalhavam, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, pelas quais lhes pagou a quantia de 30,00 €;

Fundamentação: (…).

32).- SS no dia 29/08/2015, cerca das 23h20, manteve relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, no 1° piso, pelas quais lhe pagou a quantia de 30,00 €;

Fundamentação: (…).

33).- JP, entre 2013 e 30/08/2015, manteve por 3 vezes relações sexuais com mulheres que ali trabalhavam, no 1° piso, pelas quais lhes pagou uma quantia entre os 30,00 e os 40,00 €;

Fundamentação: (…).

34).- LO entre 2013 e 30/08/2015, em, pelo menos, três ocasiões, manteve relações sexuais com mulheres que ali trabalhavam, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, pelas quais lhes pagou a quantia de 30,00 €;

Fundamentação: (…).

35).- NM no dia 30/08/2015, cerca das 00h30 manteve relações sexuais com uma mulher que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, pelas quais lhe pagou a quantia de 30,00 €;

Fundamentação: (…).

36).- JM no dia 30/08/2015, cerca das 00h00 manteve relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhavam de nacionalidade brasileira, no 1° piso, pelas quais lhe pagou a quantia de 30,00 €;

Fundamentação: (…);

Não se provou que GF no dia 20/02/2016, cerca das 23h30, se preparava para manter relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, a troco da quantia de 35,00 € quando foi surpreendido pela presença da GNR no local;

Fundamentação: (…).

37).- JS o qual, no dia 20/02/2016, cerca das 23h30, se preparava para manter relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, a troco de uma quantia em dinheiro não apurada, quando foi surpreendido pela presença da GNR no local;

Fundamentação: (…).

38).- HF no dia 20/02/2016, cerca das 23h45, se preparava para manter relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, de nacionalidade brasileira, no 1° piso, a troco da quantia de 30,00 € quando foi surpreendido pela presença da GNR no local.

Fundamentação: (…).

39).- Entre as muitas mulheres que, durante o referido período de tempo, exerceram as mencionadas atividades de alterne e prostituição no AI, foi possível identificar as seguintes:

40).- MV de nacionalidade brasileira, que aí trabalhou regularmente entre 2012 e Maio de 2015;

41).- JS de nacionalidade brasileira, que aí trabalhou durante cerca de um mês, entre 10/01 e 21/02/2016;

32).- SO de nacionalidade portuguesa, que aí trabalhou durante cerca de uma semana, entre 13 e 21/02/2016;

33).- DE, de nacionalidade colombiana, que aí trabalhou, pelo menos, na noite de 20 para 21/02/2016;

33).- a).- e ainda SM, YD e VL.

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…).

34).- Os arguidos MJS e MMS, com a conivência e participação do arguido EB, prepararam e organizaram o estabelecimento AI para nele se praticarem relações sexuais remuneradas entre mulheres e clientes que atraíam, com a intenção de obterem lucros, sendo certo que não exerciam qualquer profissão remunerada, subsistindo à custa daquela atividade, no caso do arguido MJS, em paralelo com a atividade que abaixo se descreve.

35).- Os arguidos MJS e MMS com a colaboração da arguida AF, geriram, dirigiram e coordenaram o AI e as atividades de prostituição e alterne aí levadas a cabo, nos moldes acima descritos, durante cerca de quatro anos, fomentavam e favoreciam a prática da prostituição por um número elevado de mulheres, com o propósito de obterem proventos económicos, querendo agir da forma por que o fizeram.

36).- O arguido EB, por sua vez, agiu em colaboração com os arguidos MJS e MMS, sabendo que, ao aceitar figurar como responsável de direito, perante as diversas autoridades, administrativas e policiais, pelo estabelecimento AI e ao exercer as funções acima descritas estava a facilitar a prática da prostituição por um número elevado de mulheres, com o propósito de obter proventos económicos, querendo agir da forma por que o fez.

37).- Todos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

II –

38).- A par dessa atividade, desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde o início 2015 até 20/02/2016, o arguido MJS dedicou-se à cedência e venda de produtos estupefacientes de diversa natureza.

39).- Os locais preferenciais de venda de produtos estupefacientes eram os estabelecimentos AI, …. (onde trabalha o arguido RS) e (…), todos localizados em (…), (…), bem como locais previamente combinados na zona de ... e nas imediações e no interior das respetivas residências, com o intuito de auferirem vantagens pecuniárias.

Não se provou (…).

Não se provou que (…).

Não se provou que (…).

Não se provou que (…)..

Fundamentação: (…).

40).- Por regra, os consumidores de estupefacientes contactavam os arguidos através de telemóvel, para combinarem as transações de droga, mediante a entrega aos mesmos da respetiva contrapartida económica, em numerário.

Assim aconteceu com:

41).- RC através de prévio contacto telefónico, a partir dos números (…) e (…), adquiriu ao arguido MJS, em Dezembro de 2015, junto ao AI, por duas vezes, uma placa de haxixe, pagando-lhe, de cada vez, 150,00 € em troca de 100g;

Fundamentação: (…);

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

42).- RP a qual comprou haxixe aos arguidos DC e JB, pelo menos desde o início de 2015 até o início de 2016, a troco de dinheiro, conforme as suas necessidades, mas, pelo menos, duas vezes por semana; ao arguido JB, para além do haxixe, também lhe comprou erva, no mesmo período de tempo, diversas vezes, sendo este arguido o seu principal fornecedor de haxixe e erva durante aquele espaço de tempo; para adquirir haxixe ao arguido DC, ligava-lhe para o telemóvel ou procurava-o na cidade de ...; comprou cerca de l grama de haxixe ao arguido DC, no dia 17/06/2016, em Ansião, pagando-lhe 10,00 €; entre o final de Fevereiro de 2016 e aquela data, comprou, pelo menos 10 vezes haxixe àquele arguido;

Fundamentação: (…).

43).- BM o qual, para além da ocasião abaixo referida, relativa ao dia 8/01/2016, através de prévio contacto telefónico, a partir do número (…), desde Outubro de 2015 até Fevereiro de 2016, adquiriu, diversas vezes, haxixe ao arguido M, conhecido por MM., na residência do mesmo, comprando-lhe, em média, uma barra de haxixe, uma vez por semana, em troca de 10 € ou 20,00 €; também comprou ao arguido TR, em Março de 2015, haxixe, duas vezes, pagando cerca de € 20 por duas barras de haxixe;

Fundamentação: (…).

44).- RS o qual, durante o ano de 2015 e até ao início de 2016, comprou, urna vez por semana, haxixe, em ..., ao arguido DC, através de contacto telefónico prévio, adquirindo-lhe, de cada vez, uma chapa de haxixe em troca de 5,00 € perfazendo um total mensal de 4 chapas de haxixe, correspondentes a 20,00 €; em regra, encontrava-se com o arguido DC, para o efeito, na residência dele e/ou nos estabelecimentos comerciais "…" e "…", junto à (…); em algumas ocasiões, comprou também um quarto de haxixe àquele arguido, pelo preço de 25,00 €; em Janeiro de 2016, deslocou-se ao estabelecimento "…", na (…) e comprou ao arguido RC um quarto de haxixe, pagando-lhe 25,00 € e indicou-lhe outros consumidores interessados em comprar haxixe;

Fundamentação: (…).

45).- JR o qual, para além da ocasião abaixo referida, relativa ao dia 2/12/2015, desde Dezembro de 2015 e, pelo menos, durante dois meses, adquiriu, mediante contacto telefónico prévio, haxixe ao arguido RC, comprando uma a duas vezes por semana, sendo que, numa dessas ocasiões, pagou cerca de 45 € ao arguido, por seis pedaços de haxixe e, noutra, comprou-lhe quatro pedras de cocaína, pagando-lhe 7,50 € por cada uma.

Fundamentação: (…).

46).- JT a qual comprou haxixe ao arguido RC, duas vezes, no final do ano de 2015, através de prévio contacto telefónico, no (…) e no (…);

Fundamentação: (…).

47).- TM no dia 6/01/2016, comprou 6 gramas de haxixe ao arguido RC, tendo pago 20 €; através de contacto telefónico prévio, durante cerca de um ano, entre o início de 2015 até Fevereiro de 2016, adquiriu ao RC haxixe pagando por mês entre 10 € e 20 €.

Fundamentação: (…).

48).- FE, para além da ocasião abaixo referida, relativa ao dia 30/12/2015, quando foi abordado pelas autoridades policiais comprou haxixe ao arguido MJS, em ..., através de prévio contacto telefónico, duas vezes por mês, entre Setembro de 2015 e Janeiro de 2016, pagando entre 10 € e 30 €, consoante o tamanho da barra de haxixe;

Fundamentação: (…).

49).- RP, o qual, entre finais de 2015 e o início de 2016, através de prévio contacto telefónico, comprou ao arguido MJS, duas vezes, haxixe, junto ao AI, pagando-lhe por cada barra de haxixe que lhe adquiria, 10,00 €;

Fundamentação: (…).

50).- PA adquiriu, entre Dezembro de 2015 e Fevereiro de 2016, ao arguido DC, adquiriu uma vez haxixe, em troca de 5,00 €; no mesmo período de tempo, uma vez adquiriu haxixe, em troca de 5,00 € ao arguido MJS;

Fundamentação: (…).

51).- AP durante cerca de 6 meses e até Fevereiro de 2016, através de contacto telefónico prévio, comprou haxixe, uma vez por semana ao arguido MJS, pagando-lhe 10,00 € de cada vez, na residência daquele ou no Café (…), sito em (…), ...;

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

52).- RF o qual, através de prévio contacto telefónico do seu n° (…), comprou haxixe ao arguido RC, por duas vezes, pagando-lhe a quantia de 5,00 € cada vez;

Fundamentação: (…).

53).- JP na passagem de ano 2015/16 comprou duas barras de haxixe ao RC a 10 € cada uma e uma barra e uma grama de “MD” a 35 €.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

54).- JL o qual, entre Setembro de 2015 e o início de 2016, adquiriu haxixe ao arguido RC, cerca de 10 vezes, no estabelecimento "….", comprando-lhe cada barra de haxixe a 10 €; em finais de 2015, em ..., junto da Sapataria ..., perto da residência do arguido RC, comprou-lhe uma grama de "MD", pagando-lhe 30,00 €;

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

55).- PJ no exterior do (…), consumiu um charro de “erva” que o arguido RC lhe cedeu;

Fundamentação: (…);

56).- VF comprou haxixe ao arguido MJS, entre Outubro de 2015 e Fevereiro de 2016, duas vezes por mês, na residência do mesmo, através de prévio contacto telefónico, pagando-lhe por uma barra de haxixe 5,00 € ou 10,00 €;

Fundamentação: (…).

57).- NG a qual adquiriu haxixe ao arguido RC, conhecido por RRC..., no (…) e no (…), entre Setembro de 2015 e Janeiro de 2016, três vezes por semana, pagando-lhe por uma barra ou duas de haxixe 10,00 € ou 20,00 €, e comprava todas as semanas.

Fundamentação: (…).

58).- DM entre Janeiro de 2016 e Maio de 2016, comprou pólen de haxixe, cerca de 3 vezes ao arguido DC e o mesmo número de vezes ao arguido RC, junto da estação de comboios e no estabelecimento "..., ambos em ...; também adquiriu aos arguidos RC e DC, "MD", pastilhas de ecstasy, pelo menos duas vezes, comprando-lhes cada pastilha pelo preço de 5,00 € ou 7,50 €, em Janeiro e Fevereiro de 2016 em ...;

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…);

Fundamentação: (…).

59).- AS a qual, entre Setembro e Dezembro de 2015, comprou, por 5 vezes, haxixe ao arguido MJS, adquirindo-lhe uma barra de haxixe pelo preço de 10,00 € na residência daquele, sendo que, por vezes, o mesmo telefonava-lhe a perguntar se ela queria comprar haxixe;

Fundamentação: (…).

60).- RD durante o mês de Janeiro de 2016, através de prévio contacto telefónico, adquiriu pólen de haxixe ao arguido DC, junto à Sapataria (…) e na estação de comboios, em ..., comprando-lhe uma barra de haxixe, pelo preço de 20,00 €, duas vezes por semana;

Fundamentação: (…).

61).- MB, por duas vezes comprou uma barra de haxixe ao arguido DC, pagando-lhe 5,00 € de cada vez e uma vez uma barra de haxixe ao arguido RC pelo mesmo preço.

Fundamentação: (…).

62).- E. por duas vezes adquiriu haxixe ao arguido DC, pagando-lhe, de cada vez, por um pequeno pedaço, cerca de 5,00 €, entre o final de 2015 e o início de 2016; ao arguido MJS, entre o final de 2015, início de 2016, comprou-lhe, por duas vezes, haxixe, pagando-lhe 5 € de cada vez.

Fundamentação: (…).

63).- JL por 5 vezes adquiriu haxixe ao arguido RC, no exterior do …, através de prévio contacto telefónico, pagando-lhe, de cada vez, 10/15 € por um pedaço de haxixe; uma vez adquiriu uma barra de haxixe, ao arguido BF;

Fundamentação: (…).

64).- FB em finais de 2015 por 5 vezes comprou barras de haxixe ao arguido BF pagando 5 € cada uma; por uma vez comprou uma barra de haxixe ao RC pagando 5 €.

Fundamentação: (…).

65).- Para além desses consumidores, no período compreendido entre finais de Novembro de 2015 e Fevereiro de 2016, muitos outros contactaram telefonicamente os arguidos, através de telemóveis, para lhes adquirem droga, mediante contrapartidas monetárias, utilizando por vezes linguagem cifrada para se referirem ao produto estupefaciente, apelidando-o de coiso, papelitos, palha, criptonitas.

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…);

Fundamentação: (…).

66).- Entre Junho e Agosto de 2015 o arguido TR vendeu uma barra de haxixe a RG por 5 €.

Fundamentação: (…).

67).- No dia 8/08/2015, no Jardim do (…), em ..., RT tinha na sua posse, no interior do bolso dos calções que envergava, 2,187g de cannabis (resina), com um grau de pureza de 14,2%, suficiente para 6 doses diárias.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

68).- O arguido MJS por uma vez entregou produto estupefaciente (sem especificar que produto) ao arguido T. por 40 €; em uma outra vez o arguido MJS, vendeu 30 gramas de canábis ao T. que por elas deu 180 €;

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…)..

69).- No dia 20/09/2015, cerca 00h00, no exterior do estabelecimento AI, o arguido MJS deslocou-se ao piso superior, com indivíduos que se faziam deslocar no veículo de matrícula (…), os quais saíram passados poucos minutos.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

70).- No dia 10/10/2015, cerca das 23h40, o arguido MJS e o arguido BF subiram ao 1º andar do edifício AI e aí permaneceram vários minutos.

Não se provou que (…);

Fundamentação: (…).

71).- Logo de seguida, o arguido BF entrou no veículo de matrícula (…), conduzido por HC e onde seguiam, também, PJ e JM, que entretanto havia chegado ao referido estabelecimento, iniciando a marcha em direção à (…), ..., com destino a uma festa (Rave).

Não se provou que o arguido B. saísse dali com droga, para revender a terceiros, que lhe tenha sido entregue pelo MJS e que tenha combinado esta revenda com o MJS.

Fundamentação: (…).

72).- No dia 11.10.2015 pelas 01H15 no IC 2 no (…) em ..., o arguido BF tinha na sua posse o seguinte produto estupefaciente:

- uma placa de cannabis (resina), que o mesmo trazia escondido por dentro do vestuário na zona da cintura;

- vários pedaços de cannabis, que o mesmo trazia no interior da carteira, no bolso direito das calças;

- meia placa de cannabis (resina), que o mesmo trazia numa caixa metálica, no bolso direito das calças.

73).- A totalidade dessas porções de cannabis que o arguido tinha na sua posse tinha o peso líquido de 168,312g, com um grau de pureza situado entre 10,1% e 12,4%, sendo suficiente para 340 doses diárias, a um preço global entre € 400,00 € 500,00 €.

Fundamentação: (…).

74).- No dia 25/11/2015, cerca das 22h25, em frente à sua residência, o arguido ML entregou a um indivíduo não identificado algo que retirou do bolso traseiro das calças, recebendo deste algo que não foi possível determinar.

Não se provou que (…).

Fundamentação no RDE nº 36 fls. 565 diz “aparentava ser notas do Banco BCE” não se visualizam os factos que se deram por não provados.

75).- No dia 27/11/2015, cerca das 21h15, na Rua de (…), em ..., o ML entrega a indivíduo não identificado objeto de pequenas dimensões recebendo algo não concretamente identificado em troca.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

76).- No dia 04/12/2015, cerca da 01h30, o arguido MJS saiu do AI e dirigiu-se ao veículo (…).

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

77).- No dia 06/12/2015, a arguida AF saiu do estabelecimento AI e dirigiu-se ao veículo do “ CC.”, retira algo da mala que levava a tiracolo que entrega ao “ CC.” e este entrega à AF quantia indeterminada de notas do BCE que esta coloca no interior da roupa.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

78).- No dia 22/12/2015 cerca das 17H25 alguém contactou por SMS o arguido RC dizendo que “quer 5 ou 6” “em troca de 60”.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…).

Não se provou que (…);

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

79).- No dia 22/12/2015 foi efetuada uma abordagem ao veículo marca Ford Fiesta cor vermelha com a matrícula (…) no qual se faziam transportar três indivíduos do sexo masculino a saber:

- OM;

- JR e;

- JJ, melhor identificados a fls. 712.

80).- Abordados e fiscalizados pela GNR verificou-se que:

O arguido OM tinha na sua posse, escondida no interior do bolso do casaco e dentro de um maço de tabaco, uma bolota de heroína, com o peso líquido de 9,882g, com um grau de pureza de 33,1%, suficiente para 32 doses diárias e heroína em pó, com o peso líquido de 3,858g, com um grau de pureza de 30,5% e suficiente para 11 doses diárias, que destinava a venda a terceiros.

81).- JR tinha na sua posse, envoltos em papel e no interior na meia que calçava no pé esquerdo, 0,175g de cocaína (cloridrato), com um grau de pureza de 49,5%, suficiente para menos de uma dose diária e 0,393g de heroína, com um grau de pureza de 34,2g, suficiente para uma dose diária.

82).- O JJ tinha na sua posse 1,049g de cannabis (resina), com um grau de pureza de 11,9%, suficiente para 2 doses diárias.

Fundamentação: (…).

83).- O arguido OM comprou cocaína, pelo menos por 3 vezes ao arguido RC, em Dezembro de 2015, no (…), inicialmente na presença do arguido JB.

Fundamentação: (…).

84).- No dia 30/12/2015, cerca das 22h10, nas imediações do Café (…), em (…), o arguido ML encontrou-se com um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, utilizador do n° (…), após prévio contacto telefónico com este, envia uma SMS dizendo “10”.

Não se provou qualquer venda.

Fundamentação: (…).

85).- No mesmo dia, cerca das 22h40, nas imediações da (…), na Avenida (…), em ..., o arguido ML encontrou-se com FE, após prévio contacto telefónico entre ambos, tendo-lhe entregue três pedaços de haxixe, que este colocou num maço de tabaco, recebendo aquele em troca uma quantia em numerário de valor não apurado.

86).- Logo após, FE foi abordado pela GNR, que encontrou na sua posse, no interior do bolso direito do casado que envergava e dentro de um maço de tabaco, 5,479g de cannabis (resina), com um grau de pureza de 7,2% e suficiente para 7 doses diárias, que momentos antes o mesmo havia adquirido ao arguido ML.

Fundamentação: (…).

87).- No dia 30/12/2015, cerca das 22h45, o arguido ML estabelece contacto telefónico com o arguido RC, dizendo-lhe este: "que entregou isso a um amigo para lhe entregar, ao que o ML lhe responde “para ele dar o número dele ao amigo para ele lhe ligar”.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

88).- Nessa sequência, o arguido B. telefona ao arguido MJS e diz-lhe “para ele ir ter ao bar das meninas ao pé das bombas da Galp ao que o ML responde “tá bem”.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…)

89).- No dia 06/01/2016, cerca das 00H42, junto ao estabelecimento (…), sito em (…), (…), ..., estacionou o veículo (…) e o condutor deste veículo desloca-se junto ao estabelecimento e pelas 00H27 ausentou-se.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

90).- No dia 06/01/2016 pelas 01H10 TM quando conduzia o veículo (…) marca Honda modelo Civic na localidade de (…), ..., foi abordado pela GNR, que encontrou na sua posse, por baixo do volante do veículo que o mesmo conduzia, envolto num guardanapo, 5,935g de cannabis (resina), com um grau de pureza de 11,2% e suficiente para 13 doses diárias.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

91).- No dia 08/01/2015 BM foi abordado pela GNR, que encontrou na sua posse, por baixo do banco do condutor do veículo que o mesmo conduzia, 6,796g de cannabis (resina), com um grau de pureza de 11,8% e suficiente para 16 doses diárias.

Não se provou que (…).

Fundamentação: (…).

92).- No dia 27/01/2016, pelas 11h41, o arguido DC, por contacto telefónico com a utilizadora do telemóvel n.° (…), combinou com esta a venda de produto estupefaciente, na estação da CP de ....

Fundamentação: (…).

93).- No mesmo dia, pelas 16h16 por contacto telefónico com o utilizador do n.° (…), o arguido DC diz-lhe “que consegue orientar um zero” e marcam encontro na estação e, no dia seguinte, combinou com o mesmo indivíduo pelas 23h25, igual venda, numa pastelaria próxima da residência para o mesmo fim.

Não se provou que fosse produto estupefaciente.

Fundamentação: (…).

94).- No dia 07/02/2016. pelas 00h18, o arguido JG, por contacto telefónico com o utilizador do n.° (…), marca encontro na estrada que dá acesso à autoestrada perto da residência do indivíduo para lhe entregar produto estupefaciente.

Fundamentação: (…).

95).- No dia 20/02/2016, cerca das 23h50, no exterior do estabelecimento AI, o arguido MJS vendeu ao arguido PS, que conduzia o veículo de matrícula (…), uma placa haxixe, entregando-lhe este em troca € 100 em notas.

Fundamentação: (…).

96).- Logo após, PS foi abordado pela GNR, que encontrou na sua posse, no interior do bolso do casaco que envergava, 96,936g de cannabis (resina), com um grau de pureza de 16,9% e suficiente para 327 doses diárias, que momentos antes o mesmo havia adquirido ao arguido MJS, e que a destinava a revenda a consumidores.

97).- O arguido PS comprou em 7 ocasiões haxixe ao arguido MJS, entre Setembro de 2015 e Fevereiro de 2016, no AI, a troco de quantias entre e 30,00 e 50,00 € por um quarto de urna placa.

Fundamentação: (…).

98).- No dia 21/02/2016, cerca das 00h50, foi encontrado no interior do estabelecimento AI, onde se encontravam os arguidos MMS e MJS, o seguinte: - auto de busca e apreensão de fls 1317.

(…).

(…).

131).- Todas as quantias em dinheiro detetadas e acima elencadas eram provenientes das atividades de venda de estupefacientes pelos respetivos arguidos e, no caso do arguido MJS também da atividade de fomento à prostituição que levavam a cabo, sendo os demais objetos adquiridos com tais valores ou para utilização nas atividades em causa ou o produto das mesmas.

(…)..

132).- Os arguidos MJS e RC não eram, àquela data, titulares de licença de uso e porte de arma ou munições, nem estavam autorizados a detê-las.

133).- Todos os arguidos conheciam a natureza e características estupefacientes dos produtos que transacionavam e que tinham na sua posse, querendo agir da forma por que o fizeram.

134).- Sabiam que a posse, venda, cedência e posse para consumo de quantidades tão elevadas, de tais produtos estupefacientes lhes estava legalmente vedada, atuando com o propósito de auferirem vantagens económicas.

135).- Os arguidos MJS e RC conheciam a natureza e características das armas e munições que, respetivamente, detinham e sabiam que não lhes era permitido conservá-las em seu poder, querendo agir da forma por que o fizeram.

136).- Sabiam todos os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Da situação criminal anterior dos arguidos:

(…).

2.1.3. Exame crítico e motivação da prova:

(…).

3. Apreciação

§1. Da violação do juiz natural; da nulidade do acórdão

Em função de no seguimento do reenvio do processo para novo julgamento, a incidir sobre as concretas questões identificadas no acórdão da Relação de 18.12.2019, ter sido o mesmo realizado, com a intervenção de outros juízes, invocam os recorrentes a preterição do juiz natural, violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da continuidade da audiência, da oralidade, da imediação e da verdade processual.

Vejamos.

Por acórdão de 18.12.2019, proferido no âmbito dos presentes autos o Tribunal da Relação, conhecendo do recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo – Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Leiria – JC Criminal – Juiz 1 -, prolatado em 02.10.2018, na parte em que condenou os arguidos AF, OM e PS pela prática, cada um deles, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40.º, n.º 2, do D.L. n.º 15/93, de 22.01, reconhecendo enfermar a decisão – no que respeita aos factos, àqueles concernentes - dos vícios das alíneas b) e c), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, foi decidido [transcrição do dispositivo]:

«a) Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal, no conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público, em julgar verificados os vícios das alíneas b) e c), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, determinando, em consequência, o reenvio do processo para novo julgamento, a incidir sobre os aspetos acima identificados, com vista à sanação dos referidos vícios, seguido da prolação de novo acórdão, que decida em conformidade;

b) Em julgar prejudicada a apreciação do recurso interposto pelos arguidos MMS e MJS ».

Remetido o processo à 1.ª instância, o mesmo tribunal que efetuou o anterior julgamento, agora com diferente composição, dando cumprimento ao acórdão da Relação de 18.12.2019 procedeu a novo julgamento sobre as questões concretamente identificadas por este tribunal, que justificaram o reenvio do processo, com vista à sanação dos vícios das alíneas b) e c), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, respetivamente de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, proferindo na sequência novo acórdão, no seio do qual, no que respeita aos ora recorrentes, se manteve intocada a anterior decisão.

Procedimento este que, salvo o devido respeito por diferente entendimento, encontra sustentação nos artigos 426.º, 426.º-A e 40.º, todos do CPP, dos quais resulta que em caso de reenvio o novo julgamento - não distinguindo se a incidir sobre a totalidade do objeto do processo ou, tão só, sobre questões concretamente identificadas na decisão de reenvio - compete ao tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior, sem prejuízo do regime geral dos impedimentos decorrentes do último preceito, entre os quais o da alínea c), vedando a intervenção em julgamento de juiz que haja participado em julgamento anterior, com o que se visa garantir a efetiva independência do tribunal.

Temos, assim, por um lado, a questão da competência e, por outro lado, a ressalva, traduzida no impedimento, sendo que a atribuição de competência a uma entidade judicial orgânica não se confunde com a aqueloutra dos juízes intervenientes: enquanto a primeira pode fazer surgir o impedimento, este não se projeta/reflete na competência.

 Como se refere no acórdão do STJ de 10.03.2010 (proc. n.º 36/09.6GAGMR.G1-A.S1), «O art. 40.º do CPP tem em vista garantir a imparcialidade do juiz enquanto elemento fundamental à integração da função jurisdicional, face a intervenções processuais anteriores que, pelo seu conteúdo e âmbito, considera como razão impeditiva de futura intervenção. O envolvimento do juiz no processo, através da sua direta intervenção enquanto julgador, através da tomada de decisões, o que sempre implica a formação de juízos e convicções, sendo suscetível de o condicionar em futuras decisões, assim afetando a sua imparcialidade objetiva, conduziu o julgador a impedi-lo de intervir nas situações em que a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, bem como na comunidade, apreensões e receios, objetivamente fundados. (…) trata-se de construção dogmática da garantia ao tribunal imparcial, que está escrita no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como um dos elementos centrais da noção de processo equitativo: «qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente (…) por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei, o qual decidirá (…) sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela».

O princípio do juiz natural ou legal, segundo o qual “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior” (artigo 32.º, n.º 9 da CRP) o que proíbe é a escolha arbitrária de um juiz ou tribunal para resolver um processo ou determinado tipo de crimes, visando garantir a imparcialidade e independência dos juízes, os quais devem ser escolhidos de acordo com critérios objetivos e, assim, uma justiça penal independente e imparcial.

Mas foi para obviar a efeitos perversos, e como tal intoleráveis, do princípio do juiz natural, inscrito na Constituição, que o legislador introduziu “válvulas de segurança” no sistema, lançando mão dos impedimentos, suspeições, recusas e escusas, acautelando, deste modo, «a imparcialidade e isenção do juiz, igualmente com proteção constitucional, garantidas como pressuposto subjetivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objetivo da sua perceção externa pela comunidade (…)» – [cf. Manuel Simas Santos e Leal – Henriques, “Código de Processo Penal Anotado”, Vol. I, 3.ª edição, pág. 304].

E é à luz do “compromisso assim estabelecido entre, por um lado, o princípio do juiz natural e, por outro lado, os princípios da imparcialidade e isenção dos juízes – imprescindíveis à noção de processo equitativo - que se justifica a solução legislativa resultante da conjugação dos artigos 426.º - A e 40.º, ambos do CPP.

A questão suscitada pelo Ilustre causídico já o havia sido no recurso interposto no âmbito do processo n.º 17/07.4MAFIG.C2 - no qual, como adjunta, teve intervenção a ora relatora -, decidido por acórdão proferido em 16.06.2021, de cujos termos não vemos motivo para nos afastar, onde ficou exarado:

«Através da “pré-determinação legal” do juiz pretende-se ainda assegurar o princípio da plenitude da assistência dos juízes, com consagração legal no atual artigo 328.º-A, do CPP, sendo de referir que este apenas faz sentido quando está em causa uma audiência de julgamento que, por algum motivo, não se possa considerar, ainda, finda.

Por outro lado, a infração deste princípio constitucional do juiz natural ou legal tem que ser real e efetiva e não apenas meramente aparente.

(…)

Revertendo ao caso em apreço, constatamos que o nosso anterior acórdão determinou que, nos termos do artigo 426.º, n.º 1, do CPP, o processo fosse reenviado para novo julgamento, e apenas relativamente a questões concretamente identificadas.

Pois bem, quando é decretado o reenvio do processo, de acordo com o disposto no artigo 426.º-A, n.º 1, do CPP, o novo julgamento compete ao tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, ou, no caso de não ser possível, ao tribunal que se encontre mais próximo, de categoria e composição idênticas ás do tribunal que proferiu a decisão recorrida.

(…)

É, para nós, líquido que, estando em causa a figura do reenvio, a consequência é a realização de um novo julgamento, ainda que, como no caso presente, estejamos perante um reenvio parcial.

Não foi determinada, no nosso anterior acórdão, a reabertura da anterior audiência, mas sim, enfatizemos esse aspeto, a realização de um novo julgamento.

Acontece que, de acordo com o artigo 40.º, alínea c), do CPP, nenhum juiz pode intervir em julgamento relativo a processo em que tenha participado em julgamento anterior.

Por conseguinte, e ao contrário do que defendem os recorrentes, a composição do Coletivo que realizou o primeiro julgamento nunca poderia ser a mesma que efetuou o segundo – ver, neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do CPP, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, páginas 1152/3, no qual pode ser lido: “4. (…), a Lei n.º 48/2007, de 29.8, altera profundamente o sistema de reenvio, assimilando o reenvio e a repetição do julgamento. Tal como a declaração de nulidade, a declaração de vícios do artigo 410.º, n.º 2, visa agora a repetição do julgamento pelo mesmo tribunal, embora com composição pessoal diferente. Isto resulta da ressalva da disposição do artigo 40.º, al.ª c). Dito de outro modo, o reenvio processa-se para o concreto tribunal que tenha efetuado o julgamento anterior, mas, por força do art.º 40.º, al.ª c), o juiz que participou no primeiro julgamento fica impedido de participar no segundo (…)”

Face ao exposto, não se vislumbra, qualquer violação dos princípios do juiz natural, da plenitude de assistência dos juízes, e, por extensão, nem da mediação nem da oralidade, bem como das garantias de defesa do arguido, não sendo caso de considerar existente a inconstitucionalidade alegada (…), na medida em que o legislador previu, expressamente, uma situação (a do reenvio) que visa afastar a realização de um novo julgamento, ainda que só quanto a determinadas questões, pelos mesmos juízes que antes tenham participado em anterior audiência, o que sempre poderia conduzir a uma análise baseada num pré-juízo».

Acresce que, como os recorrentes demonstram estar bem cientes, o reenvio do processo para novo julgamento, a incidir sobre as concretas questões identificadas no anterior acórdão da Relação, em nada alterou os factos e a correspondente decisão de direito aos mesmos respeitantes, revelando-se de todo falacioso falar na preterição do juiz natural, em reabertura da audiência, em violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da continuidade da audiência, da oralidade, da imediação e da verdade processual.

Finalmente, tendo presente a necessidade de compatibilizar os ditos princípios com a garantia de imparcialidade e isenção dos juízes, igualmente com proteção constitucional e estatutária, visando estes assegurar um processo justo e equitativo, não se descortina, com os fundamentos invocados, qualquer das inconstitucionalidades suscitadas, decorrentes da interpretação levada a efeito por este tribunal, bem como pela 1.ª instância, do artigo 426.º - A do CPP.

Em suma, não resultam violados quaisquer dos princípios ou normas, constitucionais, estatutárias ou processuais penais a propósito convocadas, carecendo de fundamento a arguida nulidade (artigo 119.º, alínea e), do CPP).


*

Por outro lado, vindo as nulidades do acórdão (artigos 379.º, n.º 1, a) ex vi do artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP) sustentadas numa visão que, ressalvado o devido respeito, temos por distorcida da realidade, enquanto parece ignorar não haver incidido o novo julgamento (por via do reenvio sobre as concretas questões identificadas) sobre os factos e/ou direito, em qualquer das suas dimensões, respeitantes aos recorrentes também nesta parte não pode o recurso deixar de improceder. Na verdade, com o anterior acórdão, de 02.10.2018, proferido em 1.ª instância ficou estabilizada no que aos mesmos respeita a decisão, como o reflete, em diferentes passagens, o acórdão ora sob sindicância enquanto expressamente consigna: «No mais, reproduz-se a fundamentação do acórdão proferido pela primeira instância a 02.10.2018»; «Os factos não provados foram já elencados, para melhor compreensão, após cada facto enunciado na acusação»; «Quanto aos demais factos elencados como provados, este Tribunal remete para a fundamentação constante do acórdão proferido na 1.ª instância, a 02-10-2018»; «No mais, e atento o objeto do reenvio, mantém-se, e dá-se aqui por reproduzida, a fundamentação expressa no acórdão da 1.ª instância de 02-10-2018, quanto ao enquadramento jurídico-criminal das demais condutas perpetradas pelos arguidos dadas como provadas».

Sem prejuízo de se reconhecer que semelhante “modo de fazer” não será do ponto de vista técnico o mais adequado, desde logo em virtude de exigir uma tarefa suplementar de compaginação entre duas peças processuais, afigura-se-nos, contudo, não originar, o mesmo, a invocada nulidade já que o dever de fundamentação não deixou de ser observado.

Improcede, nesta parte, o recurso.

§2. Da impugnação da matéria de facto

(…).

§2.1. Do erro de julgamento

(…)

§2.2. Da contradição insanável

(…).

§3. Da inconstitucionalidade do tipo previsto no n.º 1, do artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal

Por violadora dos princípios da proporcionalidade e da intervenção mínima, já que não tutelaria o bem jurídico da liberdade sexual, antes uma conceção da moralidade sexual, defendem os recorrentes a inconstitucionalidade material da punição do crime de Lenocínio simples, prevenido no artigo 169.º, n.º 1 do C. Penal.

A questão não é pacífica, divide a doutrina e a jurisprudência e há muito que vem sendo submetida ao Tribunal Constitucional, o qual, nem sempre por unanimidade, tem vindo sistematicamente a rejeitar o entendimento propugnado pelos recorrentes.

Até à reforma penal de 1998 o problema não se colocava, tendo surgido quando o legislador eliminou a exigência constante da primitiva redação do Código Penal de 1982 sobre a condição da pessoa explorada, que se havia de encontrar numa «situação de abandono ou de extrema necessidade económica», mantendo, contudo, a punição do Lenocínio simples (artigo 169º, nº 1 do CP), circunstância que fomentou a discussão em torno do bem jurídico protegido pela incriminação.

A par dos que defendem violar a dita incriminação o disposto no n.º 2, do artigo 18.º da CRP (cf., v.g., o voto de vencido lavrado por Costa Andrade no acórdão do TC n.º 641/2016), sustentando que «a incriminação da conduta típica não está preordenada à salvaguarda – menos ainda é para tanto necessária – de quaisquer “direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (…), não [sendo] necessária à proteção de qualquer bem jurídico (…)», afastando, assim, a liberdade sexual da área de proteção da norma, outros há perfilhando o entendimento de que com a incriminação do lenocínio simples se protege um bem jurídico de natureza constitucional, nomeadamente, a dignidade da pessoa humana (cf., v.g., Maia Gonçalves, “Código Penal Português, Anotado e Comentado, 18.ª ed., Almedina, pág. 643 e ss), «consagrada e protegida constitucionalmente pelo artigo 26º/2 da Constituição, aqui na vertente da dignidade, ínsita à auto-expressividade sexual co-determinando tal inciso, axiológico-normativamente, a expressividade comunitária do modo de exercício do direito à liberdade e autodeterminação sexual, (…) vinculando esse exercício de autodeterminação sexual, com projeção e relevância ético-sociais, à dignidade da pessoa, de forma a que esta não constitua mera mercadoria, res possidendi, mero instrumento de prestação sexual, ainda que com o consentimento da vítima, explorada profissionalmente ou com intenção lucrativa por outrem».

No seio do dissídio, cujos argumentos se mostram esgrimidos, entre outros, nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 144/2004, 196/2004, 303/2004, 170/2006, 396/2007, 522/2007, 141/2010, 559/2011, 605/2011, 654/2011, 203/2012, 194/2014 e 641/2016, 421/2017, 694/2017, 178/18, 134/2020, 160/2020, 72/2021, todos disponíveis in www.dgsi.pt, temos perfilhado o entendimento, espelhado no acórdão desta Relação de 28.02.2018 (proc. n.º 6/13.0ZRCBR.C1), que afasta a invocada inconstitucionalidade.

Não se detetando no recurso fundamentos ou circunstâncias que não hajam sido já objeto de ponderação, mormente nos identificados arestos, reproduzimos os seguintes excertos do acórdão TC n.º 144/2004 (DR II, n.º 92, de 19 de abril de 2004), justamente o primeiro que apreciou a questão (embora com referência ao pretérito artigo 170.º, n.º1 do Código Penal, cuja redação se mantém no atual artigo 169.º, n.º 1) e no qual nos revemos: «(…) subjacente à norma do artigo 170º, n.º 1, está inevitavelmente uma perspetiva fundamentada na História, na Cultura e nas análises sobre a Sociedade segundo a qual as situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveitamento económico por terceiros são situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída (…). Tal perspetiva não resulta de preconceitos morais mas do reconhecimento de que uma Ordem Jurídica orientada por valores de Justiça e assente na dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada para garantir, enquanto expressão de liberdade de ação, situações e atividades cujo “princípio” seja o de que uma pessoa, numa qualquer dimensão (seja a intelectual, seja a física, seja a sexual), possa ser utilizada como puro instrumento ou meio ao serviço de outrem. A isto nos impele, desde logo, o artigo 1º da Constituição, ao fundamentar o Estado Português na igual dignidade da pessoa humana. E é nesta linha de orientação que Portugal ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Lei n.º 23/80, em D.R., I Série, de 26 de Julho de 1980), bem como, em 1991 a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e de Exploração da Prostituição de Outrem (D.R., I Série, de 10 de Outubro de 1991).

É claro que a esta perspetiva preside uma certa ideia cultural e histórica da pessoa e uma certa ideia do valor da sexualidade, bem como o valor científico das análises empíricas que retratam o “mundo da prostituição” (…). Mas tal horizonte de compreensão dos bens relevantes é sempre associado a ideias de autonomia e liberdade, valores da pessoa que estão diretamente em causa nas condutas que favorecem, organizam ou meramente se aproveitam da prostituição. Não se concebe, assim, uma mera proteção de sentimentalismos ou de uma ordem moral convencional particular ou mesmo dominante, que não esteja relacionada, intrinsecamente, com os valores da liberdade e da integridade moral das pessoas que se prostituem, valores esses protegidos pelo Direito enquanto aspetos de uma convivência social orientada por deveres de proteção para com pessoas em estado de carência social. A intervenção do Direito Penal neste domínio tem, portanto, um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma perspetiva moral, sem correspondência necessária com valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de Direito. O significado que é assumido pelo legislador penal é, antes, o da proteção da liberdade e de uma “autonomia para a dignidade” das pessoas que se prostituem. Não está, consequentemente, em causa qualquer aspeto de liberdade de consciência que seja tutelado pelo artigo 41º, nº 1, da Constituição, pois a liberdade de consciência não integra uma dimensão de liberdade de se aproveitar das carências alheias ou de lucrar com a utilização da sexualidade alheia. Por outro lado, nesta perspetiva, é irrelevante que a prostituição não seja proibida. Na realidade, ainda que se entenda que a prostituição possa ser, num certo sentido, uma expressão da livre disponibilidade da sexualidade individual, o certo é que o aproveitamento económico por terceiros não deixa de poder exprimir já uma interferência, que comporta riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se prostitui (colocando-o em perigo), na medida em que corresponda à utilização de uma dimensão especificamente íntima do outro não para os fins dele próprio, mas para fins de terceiros. Aliás, existem outros casos, na Ordem Jurídica portuguesa, em que o autor de uma conduta não é incriminado e são incriminados os terceiros comparticipantes, como acontece, por exemplo, com o auxílio ao suicídio (artigo 135º do Código Penal) ou com a incriminação da divulgação de pornografia infantil [artigo 172º, nº 3, alínea e), do Código Penal], sempre com fundamento na perspetiva de que a autonomia de uma pessoa ou o seu consentimento em determinados atos não justifica, sem mais, o comportamento do que auxilie, instigue ou facilite esse comportamento. É que relativamente ao relacionamento com os outros há deveres de respeito que ultrapassam o mero não interferir com a sua autonomia, há deveres de respeito e de solidariedade que derivam do princípio da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, que uma certa “atividade profissional” que tenha por objeto a específica negação deste tipo de valores seja proibida (neste caso, incriminada) não ofende, de modo algum, a Constituição. A liberdade de exercício de profissão ou de atividade económica tem obviamente, como limites e enquadramento, valores e direitos diretamente associados à proteção da autonomia e da dignidade de outro ser humano (artigos 47º, n.º 1 e 61º, n.º 1, da Constituição) […].

As considerações antecedentes não implicam, obviamente, que haja um dever constitucional de incriminar as condutas previstas no artigo 170º, n.º 1, do Código Penal. Corresponde, porém, a citada incriminação a uma opção de política criminal (…), justificada, sobretudo, pela normal associação entre as condutas que são designadas por lenocínio e a exploração da necessidade económica e social, das pessoas que se dedicam à prostituição, fazendo desta um modo de subsistência. O facto de a disposição legal não exigir, expressamente, como elemento do tipo uma concreta relação de exploração não significa que a prevenção desta não seja a motivação fundamental da incriminação a parti do qual o aproveitamento económico da prostituição de quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima, tipicamente, um modo social de exploração de uma situação de carência e desproteção social.

Tal opção tem o sentido de evitar já o risco de tais situações de exploração, risco considerado elevado e não aceitável, e é justificada pela prevenção dessas situações, concluindo-se pelos estudos empíricos que tal risco é elevado e existe, efetivamente, no nosso país, na medida em que as situações de prostituição estão associadas a carências sociais elevadas (…) não é tal opção inadequada ou desproporcional ao fim de proteger bens jurídicos pessoais relacionados com a autonomia e a liberdade.

Ancora-se esta solução legal num ponto de vista que tem ainda amparo num princípio de ofensividade, à luz de um entendimento compatível com o Estado de Direito democrático, nos termos do qual se verificaria uma opção de política baseada numa certa perceção do dano ou do perigo de certo dano associada à violação de deveres para com outrem – deveres de não aproveitamento e exploração económica de pessoas em estado de carência social (…). O entendimento subjacente à lei penal radica, em suma, na proteção por meios penais contra a necessidade de utilizar a sexualidade como modo de subsistência, proteção diretamente fundada no princípio da dignidade da pessoa humana».

Orientação corroborada, entre os demais, pelo acórdão do TC n.º 178/2018 quando, reportando-se à norma em questão (artigo 169.º, n.º 1 do C. Penal), consigna: «visa combater um fenómeno invisível na sociedade e que se traduz na exploração das pessoas prostituídas, que prestam um consentimento meramente formal à atividade da prostituição, mas que não vivem em estruturas sócio-económicas que lhes permitam tomar decisões em liberdade, por pobreza, desemprego e percursos de vida marcados pela violência e pelo abandono desde uma idade muito jovem (…). Neste contexto de política criminal, o desaparecimento do requisito da «exploração de um estado de necessidade ou de abandono» situa-se dentro da margem de liberdade de conformação do legislador democrático e visa, não a tutela de qualquer moral, mas a proteção de direitos fundamentais das pessoas à autonomia, à integridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à dignidade (artigos 1.º, 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da CRP)».

Não são, pois, meras considerações de moralidade sexual que justificam a incriminação; antes sim «o entendimento de que a ofensividade que legítima a intervenção penal assenta numa perspetiva fundada de que as situações de prostituição, relativamente às quais existe promoção e aproveitamento económico por terceiros, comportam um risco elevado e não aceitável de exploração de uma situação de carência e de desproteção social, interferindo com – colocando em perigo – a autonomia e a liberdade do agente que se prostitui» - (cf. o acórdão do TC n.º 641/2016).

Com os fundamentos expostos, também este tribunal defende a compatibilização constitucional do crime de Lenocínio simples, não procedendo, assim, por via de uma alegada indefinição do bem jurídico tutelado, da violação dos princípios da proporcionalidade, da intervenção mínima do direito penal, tão pouco do princípio da igualdade ou do direito ao trabalho a invocada inconstitucionalidade.

§4. Da subsunção dos factos ao crime de lenocínio

Manifestam-se os recorrentes contra a respetiva condenação pela prática, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169.º, n.º 1 do C. Penal.

Sustentam, contudo, o dissídio ou numa realidade factual contrária, melhor dizendo de sentido contrário àquele que de forma cristalina se extrai dos factos definitivamente fixados - retomando a argumentação que foram repetindo ao longo de todo o recurso, quer em sede de “erro de julgamento”, quer no âmbito dos vícios decisórios -, ou no juízo de (in) constitucionalidade da respetiva incriminação.

Constituem elementos objetivos do tipo prevenido no n.º 1, do artigo 169.º do C. Penal que (i) o agente fomente, favoreça ou facilite o exercício por outra pessoa de prostituição; (ii) pratique tais condutas profissionalmente ou com intenção lucrativa, exigindo o tipo subjetivo o dolo, traduzido no conhecimento e vontade de praticar o facto.

No caso em apreço, tendo os recorrentes estabelecido, entre si, um plano para explorarem o espaço comercial AI como estabelecimento de prostituição e alterne, onde mulheres, maioritariamente de nacionalidade brasileira, mantinham relações sexuais com clientes, a troco de contrapartidas monetárias, revertendo para os primeiros uma “percentagem” dos proventos dessa atividade, nos termos melhor descritos na matéria de facto (cf. o item 16 FP), dúvida não subsiste sobre a presença dos elementos do tipo objetivo já que, de forma concertada, fomentaram (determinando e/ou mantendo), com intenção lucrativa, o exercício da prostituição por parte das mulheres.

E se assim é, o mesmo sucede com o elemento subjetivo, na modalidade de dolo direto, que se mostra perfetibilizado mediante uma atuação livre, voluntária e consciente, traduzida na direção e coordenação da atividade, cientes de que fomentavam a prostituição, o que faziam com o propósito de obter lucro.

Residindo o bem jurídico protegido com a incriminação na dignidade da pessoa humana e sendo esta indisponível mostra-se arredada a relevância do consentimento do ofendido como causa de exclusão da ilicitude penal.

Como escreve Pedro Vaz Pato, “Direito Penal e Ética Sexual”, in “Direito e Justiça”, Vol. XV - tomo 2, Editora Faculdade de Direito, pp. 124-143: «Vários estudos demonstram que não há uma causa específica que explique a entrada na prostituição, mas sim várias e a maioria revela que essa decisão é motivada pela situação vulnerável (social, financeira, familiar, afetiva, etc.) em que o indivíduo se encontra. Quem vive desta atividade está sujeito a todo o tipo de pressões, sendo utópico pensar que entre o agente e quem se prostitui existe uma relação paritária e perigoso fazer uma distinção entre prostituição livre e forçada pois o(a) prostituto(a) não escolhe o exercício da prostituição de forma livre»

Destituída de fundamento surge ainda a invocada causalidade virtual ou hipotética - de afirmar quando existe um processo lesivo que produziria o resultado, se não fosse a interposição de um outro processo lesivo que efetivamente o produziu -, sem o mínimo de sustentação no acervo factual.

Não merece, pois, censura o acórdão em crise enquanto concluiu terem os arguidos (recorrentes) incorrido na prática, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169.º, n.º 1 do C. Penal.

Soçobra, também nesta parte, o recurso.

§5. Da medida concreta das penas; da não suspensão da execução da pena cominada à recorrente MMS.

Insurgem-se os recorrentes contra a pena concretamente cominada pelo crime de lenocínio: no caso do arguido MJS fixada em 2 anos e 6 meses de prisão; no caso da arguida MMS em 3 anos de prisão, tendo, antes, por adequadas às exigências de prevenção geral e especial a pena de 2 anos de prisão e 2 anos e 3 meses de prisão, respetivamente.

Na apreciação das penas, o ponto de partida e enquadramento geral do percurso a realizar prende-se com o disposto no artigo 40.º do Código Penal, segundo o qual toda a pena tem como finalidade «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

Vem a jurisprudência reiteradamente afirmando, seguindo a doutrina de Figueiredo Dias [“Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pág. 227 e ss], que se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar refletirá, de um modo geral, a seguinte lógica: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar; será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social; quanto à culpa, para além do suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar - [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 24.04.2008 e de 16.10.2008, ambos sumariados in www.stj.pt.].

Centremo-nos, pois, no caso concreto.

De acordo com o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, devendo o tribunal, para o efeito, atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, considerando, nomeadamente, as elencadas no n.º 2 do preceito.

Vem a pretensão da recorrente MMS sustentada no facto de à data da prática dos factos em apreço nos presentes autos não ter antecedentes criminais e isto porque a condenação, por si, sofrida pela prática de idêntico crime apenas teria transitado em julgado em 23.02.2017, por conseguinte já após os factos em questão nos presentes autos e, bem assim, nas circunstâncias invocadas no ponto MM das conclusões, as quais também fundamentam a pretensão do recorrente MJS, sem que, contudo, encontrem arrimo na decisão em crise.

Efetivamente da conjugação dos itens 9 e 138 dos factos provados resulta que a condenação sofrida pela recorrente MMS, também pelo crime de lenocínio, no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 213/07.4TAPBL apenas transitou em julgado em 23.02.2017, por conseguinte em data posterior à dos factos de que se mostra acusada nos presentes autos. Não obstante foi a dita condenação ponderada na decisão, quer na determinação da medida da pena, quer como única circunstância para a não suspensão da respetiva execução, sem que de tal resulte, como invoca a recorrente, “omissão de pronúncia”.

Se é facto que as anteriores condenações relevam apenas ao nível da prevenção, sendo demonstrativas das necessidades de socialização, também se nos afigura relativamente pacífico que as condenações não transitadas em julgado à data dos factos em apreço em novo processo não devem ser neste ponderadas pois a tal sempre se opõe o princípio da presunção de inocência. Com efeito, só faz sentido falar “na solene advertência” decorrente de anterior condenação e, assim, da sua insuficiência para afastar o agente da prática de novos crimes, quando a anterior condenação se torne definitiva, o mesmo é dizer se mostre transitada.

Não é o caso!

Assim, ponderadas as demais circunstâncias, quer ao nível da intensidade da culpa (expressa na modalidade mais intensa do dolo), quer no domínio da ilicitude, a qual, tendo em conta toda a organização subjacente, bem como o considerável período de tempo durante o qual a atividade perdurou, se apresenta elevada, bem assim as expressivas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime, não raramente levado a efeito com aproveitamento de situações, aos mais diferentes níveis, de enormes carências; a ausência de condenações anteriores aos factos, mas também o seu percurso de vida, mostra-se adequada a aplicação da pena de 2 (dois anos) anos e 8 (oito) meses de prisão, a qual, não ultrapassando a medida da culpa, se nos afigura compatível com as exigências de prevenção – (cf. artigos 40.º e 71.º do C. Penal)

Já quanto ao recorrente MJS, consideradas as circunstâncias sopesadas na decisão em crise, sem que as razões que sustentam a sua divergência encontrem apoio no acervo factual, não se vê motivo para divergir da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada em primeira instância (pelo crime de lenocínio), a qual se julga adequada às exigências de prevenção, sem que extravase da sua culpa – (cf. artigos 40.º e 71.º do C. Penal).


*

Não se conforma ainda a recorrente MMS com a decisão na parte em que afastou a aplicação da pena de substituição prevenida no artigo 50.º do C. Penal, da qual beneficiou o recorrente MJS, bem como os demais arguidos.

Sustenta que na base do afastamento da suspensão da execução da prisão se encontra exclusivamente a condenação sofrida no proc. n.º 213/07.4TAPBL, a qual, pelos motivos aduzidos supra a propósito da medida concreta da pena, não poderia igualmente fundamentar semelhante decisão.

Perscrutando o acórdão recorrido constata-se que o único motivo que conduziu à não aplicação da pena de substituição residiu efetivamente na dita condenação pela prática do mesmo crime, o que se retira da seguinte passagem: «A arguida MMS já foi condenada por crime de lenocínio e a solene advertência que lhe foi feita, não foi suficiente para a afastar da prática de novos crimes da mesma natureza.

Os demais arguidos não têm antecedentes criminais ao nível do tráfico, se bem que os arguidos MJS e J. já tenham sido condenados por crime de consumo.

Entendemos assim que deve ser dada uma oportunidade de ressocialização a todos os arguidos com exceção da arguida MMS».

Não pondo de parte que uma condenação ainda que não transitada à data da prática dos factos em apreço em novo processo, não obstante já transitada em julgado aquando da condenação, possa/deva ser ponderada no juízo de prognose sobre o futuro do agente em liberdade, os termos em que a questão foi encarada pelo tribunal a quo, colocando a tónica na ineficácia da “solene advertência” feita por ocasião da anterior condenação (enfatiza-se, não definitiva à data dos novos factos), com o devido respeito, não se nos afigura adequado.

Neste quadro, entende-se não ser de afastar a suspensão da execução da pena de prisão de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão agora aplicada à recorrente, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova de acordo com plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, porquanto conveniente e adequado a promover a sua reintegração na sociedade – (cf. artigos 50.º, 53.º e 54.º do C. Penal).

§6. Da declaração de perda das quantias monetárias apreendidas à recorrente

(…).

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal:

a. Julgar improcedente o recurso quanto ao recorrente MJS;

b. Condenar o recorrente em custas, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça – [cf. artigos 513.º e 514.º do CPP; artigo 8.º do RCP, com referência à sua tabele III anexa].

c. Julgar parcialmente procedente o recurso quanto à recorrente MMS, condenando-a pela prática, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169.º, n.º 1 do C. Penal na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova mediante plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, revogando em conformidade o acórdão recorrido, o qual no mais se mantém.

d. Sem tributação.

Coimbra, 2 de Fevereiro de 2021

Texto processado e revisto pela relatora

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)

[1] Por razões de melhor compreensão e economia processual optou-se por elencar os factos provados tal como o foram no Acórdão proferido na primeira instância, realçando-se a negrito e a itálico os pontos da matéria de facto (provada e não provada) sobre os quais o Tribunal da Relação, determinou o reenvio para novo julgamento.