Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3892/09.4T2AGD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: MÚTUO
JUROS COMERCIAIS
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ÁGUEDA - JUÍZO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1146 CC, 102 C COMERCIAL, DL Nº 344/78 DE 25/10
Sumário: 1.No domínio do comércio bancário, no que tange a taxa de juro, não acordando as partes diversamente, tal determina-se com referência ou indexação às taxas básicas afixadas e divulgadas, para o prazo da operação em causa, pelas instituições financeiras.

2. Prevalecendo então o que for determinado pela própria instituição financeira contratante, dado não haver sujeição à limitação imposta pelo art. 1146º do Código Civil, conjugado com o art. 102º, § 2º do Código Comercial.

3. De acordo com o disposto no art. 7º do Decreto-Lei nº 344/78, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 83/86, de 06/05, as instituições de crédito e parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma taxa de juros moratórios igual à taxa de juros remuneratórios ajustada, não podendo a cláusula penal acordada exceder o correspondente a quatro pontos percentuais, a acrescer à dita taxa de juros.

4. Assim, tendo as partes estipulado que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, era devida uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada (13,75% ao ano), acrescida de 4 pontos percentuais, o que monta a 17,75% ao ano, não há violação do disposto no art. 1146º do C. Civil ou de qualquer outra norma legal.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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            1 – RELATÓRIO

M (…) e A (…) deduziram oposição à execução que lhes era movida por “CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE CANTANHEDE E MIRA, CRL”, alegando, em síntese, que se encontra parcialmente pago o valor do mútuo com hipoteca celebrado com a exequente, sendo que mais invocaram a prescrição dos juros e serem os juros usurários, atenta a taxa peticionada.

Admitida a oposição, foi notificada a exequente para contestar, que o fez, impugnando a matéria alegada pelos Opoentes e pugnando pela não verificação da prescrição dos juros, alegando ainda que aos contratos de mútuo bancário não se aplica o artigo 1146º do Código Civil e a taxa de juro civil, mas sim taxa de juro fixada em diploma especial para a actividade bancária.

                                                           *

Foi proferido despacho saneador, que dispensou a selecção da base instrutória, dada a simplicidade da matéria de facto.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo a final sido dada resposta à matéria de facto, a qual não mereceu qualquer reclamação.

            Na oportuna sequência foi proferida sentença, na qual se julgou totalmente improcedente a oposição à execução e, em consequência, se determinou o prosseguimento da execução.

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            Inconformados com esta sentença, apresentaram os Executados/Opoentes recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

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            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                                       *

            De referir que quanto à arguição de nulidade da decisão proferida, a Exma. Juiz que prolatou a mesma, indeferiu a sua verificação, nos termos constantes do despacho de fls. 142 dos autos.

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            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do N.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo N.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- nulidade da sentença por violação do disposto na al. b) do art. 668º do C.P.Civil;

- incorrecto julgamento de direito quanto ao entendimento perfilhado no sentido de não se considerar verificada a prescrição dos juros compreendidos entre o dia 13.06.1997 até ao dia 10.11.2004;

- incorrecto julgamento de direito quanto ao entendimento perfilhado no sentido de não se considerar que a taxa de juro aplicada pela Exequente é usurária (que não excede manifestamente os juros legais).

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, obviamente no pressuposto de que não foi impugnada a matéria de facto em sede de recurso. 

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados na 1ª instância:

I – Foi dado à execução o documento epigrafado de escritura pública de mútuo com hipoteca e renúncia, cuja cópia digitalizada se encontra junto a fls. 25 PP dos autos principais, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais. [item A)];

II – Através de tal contrato, a exequente concedeu a (…), entretanto falecido, e mulher, (…), um empréstimo no valor de 32.421,87€ pelo prazo de 10 anos. [item B)];

III – Os executados obrigaram-se ao reembolso da quantia mutuada em 10 prestações anuais, vencendo-se a primeira em 13.06.1997 e as seguintes em igual dia e mês dos anos subsequentes, com termo em 13.06.2006. [item C)];

IV – A quantia mutuada venceria juros à taxa anual nominal de 13,75% ajustável por simples aviso da CCAM aos mutuários, em função das variações que viesse a sofrer a taxa máxima divulgada pela CCAM, para operações de natureza e prazo idênticas, acrescida, no caso de mora, da sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal. [item D)].

                                                                       *

            Factos a que se adita nesta instância o seguinte:

V – Os executados foram citados para os termos da execução apensa no dia 10-11-2009 (cf. art. 12º do articulado de Oposição).

                                                                       *

            4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – Os Executados/Opoentes começam por pugnar pela nulidade da sentença por violação do disposto na al. b) do art. 668º do C.P.Civil:

Segundo o dito artigo 668º, nº1, al.b), é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

Porém, desde logo quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Sem embargo, importa ter presente que se constitui como mais completo e rigoroso o entendimento de que também e ainda ocorre essa nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[2].

Ora, sustentando os Executados/Opoentes ter sido cometida esta nulidade da “falta de fundamentação”, entendemos que não lhes assiste minimamente razão.

De facto, se bem compulsarmos a sentença recorrida não se poderá deixar de constatar que na parte em que se procedeu ao enquadramento “De Direito” respectivo, se discorreu neste particular da seguinte forma:

« 3 – Dos juros usurários.

Considerando que o contrato de mútuo bancário se rege por legislação especial e também pelo DL 344/78 de 17.11, e face ao disposto no artigo 7/1 e 2 do referido diploma legal, verifica-se a legalidade dos juros peticionados.

Assim, improcede nesta parte a oposição deduzida.»

Não há como deixar de concluir que o tribunal a quo apresentou uma fundamentação legal e de direito para a decisão por que optou…

Aspecto diverso é o do tribunal recorrido ter decidido tal questão de forma deficiente e/ou com insuficiente fundamentação, mas por via disso não se preenche a apontada causa de nulidade de omissão de fundamentação, mas apenas estará afectado o valor doutrinal da decisão…[3]

Dito de outra forma, estes são aspectos que não configuram manifestamente a invocada nulidade da “falta de fundamentação”!

Neste conspecto, entendemos não ocorrer esta invocada nulidade!

Em todo o caso, o efeito prático de uma decisão de sinal contrário neste particular seria precisamente o mesmo, pois que importaria a este Tribunal ter de suprir a nulidade em causa, conhecendo de tal matéria (art. 715º, nº 1, do C.P.Civil)…

Ora, tal não deixará de se fazer de seguida, no contexto da apreciação do mérito da decisão recorrida nesse particular!

                                                           *

4.2 – Os Executados/Opoentes pugnam igualmente pelo incorrecto julgamento quanto ao entendimento perfilhado no sentido de não se considerar verificada a prescrição dos juros compreendidos entre o dia 13.06.1997 até ao dia 10.11.2004:

Será assim?

Na argumentação dos Executados/Opoentes, a prescrição dos juros é de 5 anos, por via do disposto no art. 319.º al.d) do C.Civil, donde, na medida em que os próprios foram citados da presente execução no dia 10-11-2009, os juros compreendidos entre o dia 13.06.1997 até ao dia 10.11.2004 devem considerar-se prescritos.

Sustentou-se na sentença recorrida o seguinte entendimento: “No requerimento de oposição à execução, os opoentes alegam que admitem que se encontram em mora – vide artigo 21 da mesma.

O artigo 325/1 do Código Civil prescreve que “A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.”

Ora, ao reconhecerem que se encontram em mora, não podem os opoentes invocar a prescrição dos juros, já que com tal reconhecimento abdicam da mesma.

Assim, improcede, também, quanto a esta questão, a invocada excepção peremptória dos juros de mora.”

Para rebater esta linha de entendimento seguida na sentença, os Executados/Opoentes invocam, no essencial, que no articulado não haviam reconhecido que estavam em mora desde a data do vencimento da primeira prestação, admitindo sim que “o pagamento das prestações não foi efectuado de acordo com o estipulado”; mais aduzem que haviam entrado em contacto com os dirigentes da Exequente no sentido de renegociar o contrato celebrado entre (…) e a Exequente, sendo que esta se havia comprometido a apresentar um novo plano de pagamento e a formalizar o acordo estabelecido entre a Exequente e os recorrentes.

Que dizer?

Como é bem de ver, a decisão para esta questão passa pela aferição e definição de se no caso vertente se pode efectivamente concluir que os Executados/Opoentes reconheceram – por via do “confessado” no articulado de Oposição – estar em dívida.

Temos desde logo que o reconhecimento em causa e com relevância no quadro do disposto no art. 325º, nº1 do C.Civil, se terá reportado quer à dívida propriamente dita, quer aos juros, estando como está em causa o reembolso da quantia mutuada em prestações mensais, donde a questão se reconduzir afinal ao eventual reconhecimento – no articulado de Oposição – por parte dos mesmos, de deverem as ditas prestações desde o momento que foi invocado pela Exequente, pois que na alegação desta os Executados/Opoentes estavam em mora desde a data do vencimento da primeira prestação.

E isto é da maior relevância na medida em que convém não esquecer que apesar da acessoriedade da obrigação de juros em relação à dívida de capital, tais obrigações são ainda assim autónomas, como resulta do disposto no art. 561º do Cod.Civil, podendo o credor ceder, no todo ou em parte, o seu crédito de juros e conservar o crédito relativo ao capital, ou, pelo contrário, ceder a outrem o crédito de capital e manter para si, no todo ou em parte, o crédito dos juros vencidos, e até mesmo “é perfeitamente possível (…) que se extinga por qualquer causa o crédito principal, e persista o crédito dos juros vencidos, ou que, inversamente, se extinga este último e se mantenha íntegro o primeiro[4].

Ora, confrontando o dito articulado, o que daí consta literalmente/textualmente é que “Os Exequentes admitem que estão em mora, ou seja, admitem que o pagamento das prestações não foi efectuado de acordo com o estipulado” (cf. art. 21º do articulado de Oposição); que “Todavia, desde que se confrontaram com a impossibilidade de pagar pontualmente tais prestações, que os executados têm estado em contacto com os quadros dirigentes da Caixa Agrícola, no sentido de renegociarem a dívida (capital e juros) e dilatarem o prazo de pagamento” (cf. art. 22º do articulado de Oposição); que “Sendo certo que tal pretensão sempre foi aceite pela direcção da exequente” (cf. art. 23º do articulado de Oposição); que “Tendo ficado estes de apresentar o plano renegociado aos executados e de formalizar o acordo com os executados” (cf. art. 24º do articulado de Oposição); e que “É desse novo acordo que os executados estão à espera há vários meses” (cf. art. 25º do articulado de Oposição).

Tendo em conta estas “afirmações”, cremos ser perfeitamente legítimo concluir que os Executados/Opoentes desde há muito reconhecem dever capital e juros à Exequente, donde, tal configura, sem dúvida, o reconhecimento tácito do direito de crédito dado à execução, talqualmente se mostra previsto no artigo 325º, nº 2, do C.Civil, pois que tal configura comportamento concludente dos mesmos no sentido de inculcar à Exequente a ideia de que queriam uma solução negociada para a “sua” dívida...

De facto, «a declaração tácita é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo.

Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.

A determinação do comportamento concludente, como “elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.

Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferida por um “critério prático”, baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende.»[5]

Foi o que ocorreu no caso dos autos em que todo o “confessado” comportamento dos Executados/Opoentes não daria à Exequente qualquer fundamento razoável para duvidar de que aqueles, comprovados os reais valores em dívida – quer de capital, quer de juros – assumiriam o respectivo pagamento!

Desta sorte, nos termos do artigo 326º do C.Civil, o prazo prescricional de 5 anos interrompeu-se e só começa a correr novamente desde o último acto interruptivo.

Como é manifesto, desde o dito “reconhecimento”, que se vem prolongando até data recente, constatado pelo confronto do articulado desta acção, não decorreram os 5 anos em causa, tanto mais que ainda não houve sequer decisão transitada em julgado nesta matéria (cf. art. 327º, nº1, aplicável “ex vi” do nº 2 do pré-citado art. 326º, ambos do C.Civil). 

 Improcede assim sem necessidade de maiores considerações este argumento recursivo!

                                                                        *

4.3 – Cumpre para finalizar apreciar a derradeira questão suscitada no recurso, a saber, ter havido incorrecto julgamento de direito quanto ao entendimento perfilhado no sentido de não se considerar que a taxa de juro aplicada pela Exequente é usurária (que não excede manifestamente os juros legais):

Neste particular cremos que o dissídio se apresenta de decisão linear e inquestionável.

Senão vejamos.

Recordemos que estava em causa a exigência por parte da Exequente de ser remunerada/reembolsada a quantia mutuada com uma taxa anual nominal de 13,75% acrescida, no caso de mora, da sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal.

Trata-se, afinal, de ajuizar se existe base legal para ser peticionada uma tal taxa e sobretaxa.

Desde logo parece-nos curial sublinhar que as partes haviam celebrado um contrato de mútuo oneroso (cf. arts. 1142º e 1145º do C.Civil), que se qualifica como operação de crédito realizada por instituição de crédito – art. 1º do DL nº 344/78, de 25 de Outubro – no âmbito do qual o banco ora Exequente, no exercício da sua actividade própria, concedeu aos aqui Executados/Opoentes um empréstimo, ficando estes obrigados a restituir o capital mutuado em prestações que incluíam também os juros à taxa contratada.

Acontece que, nos termos do disposto no art.7º, nº 1, do já citado DL nº 344/78, de 17 de Novembro (na redacção introduzida pelo DL nº 83/86, de 06 de Maio), “as instituições de crédito e parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma sobretaxa de 2 %, a acrescer, em alternativa:

  a) À taxa de juro que seria aplicada à operação de crédito se esta tivesse sido renovada;

  b) À taxa de juro máxima permitida para as operações de crédito activas de prazo igual àquele por que durar a mora.

Sendo que, nos termos do nº2 desse mesmo art. 7º do DL nº 344/78, de 17 de Novembro (na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 83/86, de 06 de Maio), “A cláusula penal devida por virtude da mora não pode exceder o correspondente a quatro pontos percentuais acima das taxas de juros compensatórios referidas no número anterior, considerando-se reduzida a este limite máximo na parte em que o exceda, sem prejuízo da responsabilidade criminal respectiva.

            Por outro lado, o aviso nº 5/88, de 15 de Setembro de 1988, publicado no Diário da República, Iª série, nº 214, de 15 de Setembro de 1988, suspendeu o limite máximo para a taxa de juro das operações activas, suspensão que foi mantida e alargada por força do aviso de 17 de Março de 1989, publicado no Diário da República, Iª série, nº 65, de 18 de Março de 1989.

            Finalmente, o art. 1º, nº1, do DL nº 32/89, mantendo-se na mesma senda, preceituou que “as taxas de juro estipuladas em operações de crédito activas, com referência ou indexação à taxa máxima de tais operações, passam a determinar-se, salvo se as partes acordarem diversamente, com referência ou indexação às taxas básicas afixadas e divulgadas, para o prazo da operação em causa, pelas instituições financeiras.

            Ora se este é o quadro normativo aplicável, o mesmo permite-nos inequivocamente concluir que a taxa de juro estabelecida no contrato de mútuo objecto destes autos era lícita (por inexistir qualquer limite máximo para as operações de crédito activas das instituições bancárias), acrescendo que também a cláusula penal acordada não excede os 4% legalmente permitidos.

Sendo certo que vem sendo genericamente entendido[6] – e em directo contraste com o sustentado pelos Executados/Opoentes ora Recorrentes como primacial fundamento das suas alegações recursórias – que as entidades que concedem financiamentos ao consumo não estão sujeitas às limitações impostas pelo art. 1146º do C.Civil, conjugado com o art. 102º, § 2º do C. Comercial.[7]

Nada há então que censurar ao decidido neste particular e ao que foi o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo.

Termos em que improcede e vai indeferido este argumento recursivo.

                                                             *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – No domínio do comércio bancário, no que tange a taxa de juro, não acordando as partes diversamente, tal determina-se com referência ou indexação às taxas básicas afixadas e divulgadas, para o prazo da operação em causa, pelas instituições financeiras.

II – Prevalecendo então o que for determinado pela própria instituição financeira contratante, dado não haver sujeição à limitação imposta pelo art. 1146º do Código Civil, conjugado com o art. 102º, § 2º do Código Comercial.

III – De acordo com o disposto no art. 7º do Decreto-Lei nº 344/78, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 83/86, de 06/05, as instituições de crédito e parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma taxa de juros moratórios igual à taxa de juros remuneratórios ajustada, não podendo a cláusula penal acordada exceder o correspondente a quatro pontos percentuais, a acrescer à dita taxa de juros.

IV – Assim, tendo as partes estipulado que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, era devida uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada (13,75% ao ano), acrescida de 4 pontos percentuais, o que monta a 17,75%  ao ano, não há violação do disposto no art. 1146º do C. Civil ou de qualquer outra norma legal.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas do recurso pelos Executados/Opoentes.

                                                           *

                                                                                   Coimbra, 11 de Março de 2014

                                                 Luís Filipe Cravo (Relator)

                                                 Maria José Guerra

                                           António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Desª Maria José Guerra
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] cf., “inter alia”, o Ac. deste mesmo T.R. de Coimbra de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, vide o Ac. do S.T.J. de 11-01-2011, no proc. nº 2357/08.6TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] Citámos ANTUNES VARELA in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., a págs. 903 e 904.

[5] Assim se sublinhou no Acórdão STJ, de 16-03-2010, Revista n.º 97/2002.L1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.

[6] Assim na Revista “Da Banca”, nº 10, a págs. 108 e 109 e nº 19, a págs. 179; SIMÕES PATRÍCIO, in “Direito do Crédito”, a págs. 66, nota 49; MENEZES CORDEIRO in “Manual de Direito Bancário”, 2ª edição, a págs. 583; Ac. do STJ de 13/12/2001, no proc. nº 01B3590, e de 27/05/2003, no proc. nº 03A1017, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj; anteriormente, nesta mesma linha de entendimento, o Ac. da Rel. de Lisboa de 27/02/89, in CJ, Tomo I, a págs. 144 e de 05/02/2002, in CJ, Tomo I, a págs. 98; o Ac. da Rel. do Porto de 09/11/92, in CJ, Tomo V, a págs. 209 e de 05/02/2002, in CJ, Tomo V, a págs. 98; e o Ac. da Rel. de Évora de 06/12/79, in BMJ, nº 295, a págs. 484.
[7] Cf. neste sentido o Ac. da Rel. de Coimbra de 13-09-2011, proc. nº 213526/10.6YIPRT.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc; em igual sentido se sustentou no Ac. da Rel. de Coimbra de 06-07-2010, proc. nº 3458/08.6TJCBR.C1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrc.