Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
234/11.2GAVZL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: AUDIÇÃO DO ARGUIDO
MEDIDAS DE COAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 141º, 143º, 144º E 194º CPP
Sumário: 1.- A aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial, exceto o TIR, é da competência do JIC e é precedida, sempre que possível, da audição do arguido e pode ter lugar no ato do primeiro interrogatório judicial;
2.- Essa audição tanto pode ser presencial (no caso de primeiro interrogatório do arguido), como pode ser cumprida por mera notificação ao arguido para sobre tal se pronunciar nos autos (nos outros casos em que o M.P., propõe a aplicação de medida de coação mais gravosa). E em qualquer destas situações se mostra plenamente respeitado o princípio do contraditório, permitindo que o arguido exponha previamente as suas razões relativamente à decisão judicial;

3.- Se o juiz entender que deve ouvir o arguido, em declarações, tendo em vista a aplicação de uma medida de coação requerida pelo M.P., nada o impede de o poder fazer.

Decisão Texto Integral: 1. No processo supra identificado, ao arguido A..., residente em …, São Pedro do Sul,
foi aplicada a medida de coacção de Obrigação de Apresentação periódica (três vezes por semana); a proibição de ausência da respectiva área de residência sem autorização, local onde o arguido aguardará os ulteriores termos do processo em liberdade; bem como a proibição de contacto com pessoas ligadas ao consumo e/ou à toxicodependência ou actividade de compra e venda de produtos estupefacientes, tudo nos temos do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.°, 194.°, 198.°, 200.°, als. c) e d) e 204.°, als. a) e c) do CPP, sujeitando-se o arguido às medidas de coacção supra referidas, para além do TIR já prestado (fls. 52/65).
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2. Inconformado com a prolação de tal despacho, recorreu o arguido, tendo formulado as seguintes conclusões:

1- Em caso de arguido não detido (como é o caso em apreço), o interrogatório judicial não pode ser feito pelo Juiz de Instrução, mas apenas pelo M.P., em obediência ao disposto no art. 144.º/1 do C.P.P.
2 - A aplicação de qualquer medida de coacção ao arguido, à excepção do TIR, compete ao Juiz de Instrução, nos termos do art. 194.º/1 do C.P.P.
3 - Tal aplicação deve ser precedida, sempre que possível e conveniente, da audição do arguido, nos termos do n.º 3 do art. 194.º do C.P.P.
4 - Audição aqui quer dizer auscultação com vista ao exercício do contraditório, e não presença física do arguido, pelo que a realização de interrogatório judicial de arguido em liberdade efectuada pelo Juiz de Instrução, com vista à aplicação de medidas de coacção é um acto irregular nos termos do art. 118.º/2 do C.P.P., por violação do art. 144.º/1 do mesmo diploma legal.
5 - Ao não ter sido notificado da promoção do M.P. que motivou o despacho da sua notificação para o interrogatório judicial, foi afectado o direito de audição do arguido, existindo, também aqui, uma irregularidade nos termos do art. 118.º/2 do C.P.P.
6 - Uma medida de coacção é imposta em função da situação de facto, tal qual ela se apresenta à data da respectiva decretação, e não da gravidade objectiva das imputações criminosas feitas ao arguido ou em função de uma situação de facto futura.
7 - No caso em apreço, à data da decretação das medidas cautelares não há factos novos que justifiquem a sua decretação, nem foram alegados e muito menos motivados factos que justifiquem a aplicação de novas medidas de coacção.
8 - Nem, na aplicação das novas medidas de coacção, o Juiz de Instrução ponderou a situação diversa do recorrente em comparação com a situação do outro arguido que consigo foi detido em 04.10.2011 e consigo esteve presente no interrogatório judicial.
9 - O Juiz de Instrução não ponderou devidamente o facto de o recorrente não ter averbado no seu registo criminal qualquer crime ligado ou conectado com o crime de que vem indiciado e o facto de ter entregue, de livre vontade, o produto estupefaciente que detinha.
10 - As medidas cautelares ordenadas pela Exma. Sra. Juíza de Instrução não obedecem aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, pois, além de não serem necessárias, não são proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao recorrente.
11 - Normas jurídicas violadas: 144.º/1, 194.º/3, 141.º/4, 191.º/1 e 193 º/1, todos do C.P.P. e os princípios da necessidade e da proporcionalidade atrás referidos.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que declare estar ferido de irregularidade o interrogatório judicial do arguido não detido efectuado pelo Juiz de Instrução.
Não se entendendo assim, sem prescindir sempre deverá ser revogado na parte que aplica ao arguido as medidas cautelares de apresentação periódica de 3 vezes por semana na OPC da área de residência e a da proibição de se ausentar da área de residência sem autorização judicial, por desnecessárias e desproporcionais, assim se fazendo a costumada justiça.
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3. Na resposta o Ministério Público sustenta que deve ser negado provimento ao recurso interposto, devendo manter-se o despacho recorrido. Para tanto apresentou as seguintes, transcritas, conclusões:

“1) O recorrente foi detido no dia 04.10.2011 em flagrante delito nas imediações de uma escola, tendo na sua posse substância estupefaciente que, após testada, revelou ser Haxixe com o peso bruto de 37,2 gramas, encontrando-se indiciado pela prática de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela l-C, anexa àquele diploma, tendo sido constituído como arguido pelo OPC e prestado TIR e após foi libertado e notificado para se apresentar perante o Ministério Público do Tribunal de Vouzela no dia 06.10.2011.
2) Apreciado o expediente elaborado pelo Núcleo da Investigação Criminal da GNR de Viseu, o Ministério Público, considerando insuficiente a medida de coacção aplicada ao recorrente e estando-lhe vedada a aplicação de outra medida de coacção que não o TIR, competência exclusivamente atribuída ao Juiz de instrução nos termos dos art.ºs conjugados 268. º n.º 1, al. b) e 194.°, n.º 1, entendeu, também por razões de celeridade processual, ser inútil submeter o recorrente a interrogatório nos termos do disposto na art.º 144.° do Código de Processo Penal, pelo que requereu, nos termos do disposto no art. 194.°, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal a realização de interrogatório judicial de arguido a fim de serem aplicadas medidas de coacção que obstem à continuação da actividade criminosa, medidas a determinar consoante as declarações que viessem a ser prestadas pelo mesmo, pelo que foi designada data pela Meritíssima, nos termos daquele preceito legal.
3) A audição do arguido nos termos do art. 194.°, n.º 3 do Código de Processo Penal, por maioria de razão e baseada também em critérios de conveniência e oportunidade, pode ser sempre presencial, atendendo a que nesses termos e estando presente o defensor do arguido, se asseguram de forma inequívoca os seus direitos de defesa através dos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório, porquanto o arguido pode perante o juiz utilizar os argumentos que se lhe aprouver.
4) In casu, no acto de interrogatório, ao recorrente e ao eu defensor foi-lhes dado conhecimento da promoção do Ministério Público, nos termos do art. 194.°, n.º3 do Código de Processo Penal, não tendo o recorrente pretendido prestar declarações, direito que legalmente lhe assiste, pelo que foi pela Meritíssima Juiz proferido despacho, devidamente fundamentado, que decidiu aplicar ao recorrente medidas de coacção, para além do TIR, já prestado, tendo sido escrupulosamente observado o disposto nos artºs 194º., n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Penal, não se vislumbrando qualquer irregularidade.
5) O recorrente foi detido por ter na sua posse (bolso das calças) uma caixa de cigarrilhas que após testada revelou ser Haxixe com peso bruto de 37,2 gramas. Foi também detido, na mesma ocasião e lugar o arguido B...por ter na consola do seu veículo Haxixe com o peso bruto de 12,8 gramas.
6) Pese embora os arguidos não tenham prestado declarações relativamente à imputação que lhes foi comunicada, em face dos elementos constantes nos autos, considerou-se que aqueles tinham na sua posse o produto estupefaciente naquela quantidade para proceder à sua venda aos alunos da escola, tendo-se deslocado da área da sua residência, sita em São Pedro do Sul, para aquele local, não lhes sendo conhecidas profissões.
7) Os factos que determinaram o Ministério Público a requerer a aplicação ao(s) arguido(s) de uma medida de coacção mais gravosa que o TIR foram os constantes dos autos aquando da remessa do inquérito pelo OPC aos Serviços do Ministério Público, tendo os mesmos sido alegados e motivados no requerimento do Ministério Público de forma a justificar a necessidade de aplicação de medida de coacção mais gravosa que o simples TIR, a fim de impedir a continuação pelo(s) arguido(s) da actividade criminosa.
8) De acordo com o disposto no artigo 193° do Código de Processo Penal, as medidas de coacção a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
9) In casu foram ponderadas todas as circunstâncias, nomeadamente o Certificado de Registo Criminal do(s) arguido(s) e, em face dos factores expostos, da gravidade dos factos, alarme social provocado, perigo de continuação da actividade criminosa e demais perigos, foi considerado ser suficiente e eficaz para acautelar os elevados e concretos perigos que se fazem sentir a aplicação das medidas de coacção, para além do TIR, já prestado, de obrigação de apresentação periódica, três vezes por semana às segundas, quartas e sábados, no horário de expediente e no OPC da sua área de residência; proibição de ausência da sua área de residência sem autorização; e proibição de contacto com pessoas ligadas ao consumo e/ou toxicodependência ou actividade de compra e venda de produtos estupefacientes, nos termos do disposto nos art.s 191.°, 192.º, 193.º, 194.°, 198.º, 200.°, ais. c) e d) e 204.°, als. a) e c) do Código de Processo Penal, sendo estas medidas de coacção aplicadas suficientes para salvaguardar os perigos concretos que se fazem sentir, sendo ainda proporcionais à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente serão de aplicar.

Em face do exposto, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se o despacho recorrido, decidindo-se conforme for de JUSTIÇA.”
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Nesta instância, o Ex.mº Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso (fls. 95/96).

Foram colhidos os vistos legais.

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Cumpre decidir.

II. Analisemos agora o despacho recorrido, que é o que consta de fls 59 a 64, bem como as promoções anteriores (fls. 53/59), cujo teor é o seguinte:

Neste momento, foi dada a palavra à Digna Magistrada do MºPº pela mesma foi dito:
Reiterando os fundamentos constantes da promoção de apresentação dos arguidos a interrogatório, nos termos do disposto no art. 194.°, n.º 1 e 3 do CPP e atendendo à natureza do crime de que vêm indiciados os arguidos - tráfico de estupefacientes - o que provoca grande perturbação para a população em geral e para os jovens em particular, e atendendo a que os arguidos se encontravam nas imediações de uma escola profissional, a fim de aí ceder e/ou vender produtos estupefacientes aos alunos que a frequentam, o que é causador de efeitos manifestamente nefastos para os jovens que a frequentam, provocando ainda grande alarme social e enorme sentimento de insegurança e considerando-se que existe um concreto perigo da continuação da actividade criminosa, até porque nomeadamente quanto ao arguido B... foi em Junho de 2011 detido pelo NIC de Viseu, por cultivo de plantas cannabis que deu origem ao proc. n.º 161/11.0GASPS, a correr termos nos Serviços do MºPº de S. Pedro do Sul e atendendo também a que, conforme consta do CRC do mesmo, já foi condenado por crime de tráfico de estupefacientes e atenta a elevada pena abstractamente aplicada, o que pode acarretar fuga dos arguidos como forma de se furtarem à acção da justiça, nos termos do disposto no art. 204.°, als a) e c) do CPP, promovo que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeito para além do TIR já prestado, às medidas de coacção de obrigação de apresentação periódica, três vezes por semana, perante a OPC da área da sua residência, em como não se ausentarem do concelho da área da sua residência e ainda não contactarem por qualquer meio, com consumidores e/ou traficantes de estupefaciente , uma vez que a aplicação em concreto de tais medidas se revelam necessárias adequadas e proporcionais, nos termos das disposições conjugadas dos artigo 191.°, 193.°, 196.°, n.º 4, 200.°, n.º 1, als. c) e d) do CPP.
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Dada a palavra Exm.º Dr. Sérgio Pereira, pelo mesmo foi dito:

Nos termos do artigo 144.º, n.º1 do CPP, os interrogatórios do arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo MºPº.
Nos termos do art. 194º, nº 1 do CPP, à excepção do TIR, as medidas de coacção e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito e a requerimento do MºPº e depois do inquérito mesmo oficiosamente ouvido o MºPº.
A aplicação é precedida, sempre que possível e conveniente de audição do arguido e pode ter lugar no acto do primeiro interrogatório judicial, tudo nos termos do art. 194.°, n.º 3 do CPP, significando isto que a lei impõe a audição do arguido, antes da aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial sempre que possível e conveniente.
Ora, o arguido encontra-se em liberdade, não estando detido na hora em que o MºPº fez a promoção e foi notificado para estar hoje presente para interrogatório judicial.
Como já vimos, quando está em liberdade, o interrogatório é feito pelo MºPº e não pelo Juiz de Instrução, pelo que se argui irregularidade, nos termos do art. 118.° do CPP, uma vez que não tendo havido interrogatório judicial aquando da sua detenção (tendo o arguido sido restituído à liberdade), não pode haver interrogatório judicial posterior pelo Juiz de Instrução, mas apenas pelo MºPº, sendo que para a aplicação de uma medida de coacção não é necessário interrogatório judicial, isto por um lado não existem quaisquer circunstâncias posteriores à sua detenção que justifiquem a aplicação de qualquer outra medida de coacção para além do TIR, por não ter havido qualquer alteração de comportamento do arguido ou das circunstâncias que legitimaram a sua libertação.
A defesa não ignora que, se as novas circunstâncias se justificarem, podem ser aplicadas novas medidas de coacção em obediência ao principio de adequação nos termos do art. 193.°, n.º 1 do CPP, que preside à aplicação dessas medidas, o que não sucede no caso concreto: neste, não se encontrando o arguido detido, a eventual aplicação de medida de coacção não pressupõe a realização de 1.° interrogatório, deferida a competência ao Juiz de Instrução.

Fora dos casos de interrogatórios judiciais de arguidos detidos, a salvaguarda do direito de "audição" é feita através da notificação do arguido e seu mandatário para se pronunciar, desde que a defesa esteja habilitada com todos os elementos relevantes para essa pronuncia, devendo-lhe, pois, ser assegurado o exercício do contraditório.

A audição quer significar, na forma como está expressa no a 194.°, n.º 3 do Código de Processo Penal, a auscultação e esta não tem de ser necessariamente oral; o direito de audição prévia do arguido, trata-se do direito de tomar posição prévia sob qualquer decisão que pessoalmente o possa afectar e pode ser exercida através do seu defensor que é quem, em principio, estará mais habilitado tecnicamente a defender os interesses do arguido.

O direito de audição não envolve a presença física do arguido nem sequer a sua intervenção pessoal.

O arguido não pode exercer convenientemente o seu direito de audição neste interrogatório, porquanto não foi sequer notificado da douta promoção do MºPº, tendo neste particular sido afectado o seu direito de audição, igualmente se argui.

O MºPº entendeu que, ao libertar o arguido, a sua perigosidade e gravidade dos seus factos não eram tão relevantes que justificassem a aplicação de outra medida para além do TIR. Desde essa libertação, como já se referiu, não houve qualquer alteração, nem o espírito de segurança em geral se alterou, que motivassem a aplicação de qualquer outra medida cautelar, e os efeitos nefastos agora alegados por MªPº, não foram considerados pela mesma gravidade aquando da sua libertação, tanto assim que nem sequer os apresentou ao Juiz de Instrução.
Os arguidos entregaram voluntariamente o produto estupefaciente que consigo traziam, não resultando dos autos que o mesmo não fosse para consumo próprio.
Por todo o exposto, entende a defesa que não é o local, nem o momento próprio para a aplicação de outra medida cautelar, nem vê o preenchimento dos pressupostos que a lei determina para a sua aplicação, pelo que requer o indeferimento da douta promoção.

Dada a palavra ao Exm.º Dr. Tiago, pelo mesmo foi dito:
Considerando que o arguido B...se encontra indiciado por factos susceptíveis de integrar o crime de tráfico de produto estupefaciente, em igual medida ao também arguido A…, e concordando a defesa do primeiro integralmente, na totalidade, com o requerimento ora apresentado por este ultimo, adere desta forma, à motivação do mesmo e suas respectivas conclusões.

Neste momento, foi dada a palavra à Digna Magistrada do MºPº, a qual no uso da mesma disse:

O MºPº considera, ao contrário da defesa apresentada pelos ilustres defensores oficiosos dos arguidos, que não se verifica qualquer irregularidade, porquanto nos termos do disposto no art. 194.°, n.º 1 do CPP, durante o inquérito o MºPº pode requerer a aplicação de medida de coacção mais gravosa que o TIR, medida essa a ser aplicada por despacho do Juiz e nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, a referida aplicação de medida de coacção é precedida da audição do arguido e pode ter lugar no acto do primeiro interrogatório judicial, estando expressamente consagrado na mesma disposição legal que aplica sempre à audição o disposto no n.º 4 do artigo 141°.
Ora, nos termos no artigo 141.°, n.º 4 do CPP, o Juiz informa o arguido, nos termos das alíneas ali descritas.
Resulta, pois, da letra da lei que o arguido será presente ao Juiz.
A audição do arguido é uma garantia de defesa do mesmo porquanto assegura o exercício do contraditório por parte do mesmo, que necessariamente se encontra também representado por defensor.
Ao contrário do alegado pela defesa dos arguidos, não é pelo facto dos arguidos não terem ficado detidos para apresentação a primeiro interrogatório Judicial de arguidos detidos, que o MºPº considerou que os factos que lhes são imputados e que constam do expediente apresentado não eram tão graves que lhe possa ser aplicada medida de coacção mais gravosa que o TIR, pois precisamente porque o MºPº considera que a medida de coacção TIR não é suficiente, requereu nos termos do 144.°, n.º 1 e 3 do CPP, que lhe fosse aplicada medida de coacção mais gravosa, não considerando ser necessário submeter os arguidos não detidos a interrogatórios não judicial nos termos dos disposto no art. 143.° do CPP, porquanto o mesmo se revelaria manifestamente inútil, atendendo a que ao MºPº está vedada a aplicação de outra medida de coacção que não o TIR.

Pela Mm.ª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
Antes de mais cumpre apreciar as irregularidades invocadas, começando por dizer-se o seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 194.°, n.º 1 do CPP, à excepção do TIR, as medidas de coacção e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do Juiz, durante o inquérito, a requerimento do MºPº, e depois do inquérito, mesmo oficiosamente, ouvido o Ministério Público.
Descreve ainda o artigo 268.°, n.º 1 do CPP que durante o inquérito compete exclusivamente ao Juiz de Instrução, nos termos da al. a), preceder ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido e, nos termos da al. b) do mesmo artigo, preceder à aplicação de uma medida de coacção à excepção da prevista no art. 196.°.
Fazendo este preceito a distinção nas duas alíneas referidas à competência do juiz de instrução para proceder ao primeiro interrogatório de arguido detido e para proceder à aplicação de uma medida e coacção diferente do TIR, óbvio se torna, por um lado, quais são as competências do Juiz de Instrução e, por outro, que este pode proceder à aplicação de uma medida de coacção em acto processual diverso de interrogatório judicial de arguido detido.

Estabelecida a competência e sendo manifesto que a aplicação das medidas de coacção nunca poderiam ser feitas pelo MºPº, cabe agora aferir se para cumprimento do preceituado no artigo 194.°, n.º 3 do CPP, era ou não necessário a submissão dos arguidos a interrogatório Judicial, sendo que este artigo menciona que a aplicação referida no n.º 1 é precedida de audição do arguido e pode ter lugar no acto de primeiro interrogatório judicial, aplicando-se o disposto no nº 4 do artigo 141.°.

Entendem os arguidos ter sido cometida uma irregularidade, porquanto a audição do arguido plasmada no normativo supra citado não impõe a sua presença física em interrogatório judicial.
Todavia, aplicando-se à audição do arguido o disposto no artº 141.°, nº 4, neste se faz referência a que o juiz tem que informar o arguido dos direitos referidos no artigo 61.°, n.º 1 do CPP, ou seja, dos motivos da detenção, dos factos que lhe são concretamente imputados e dos elementos do processo que indiciam esses mesmos factos. Pois bem analisando agora os direitos referidos no art. 61.°, n.º 1, vemos que a lei distingue na alínea a) o direito de estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito e na al. b) o direito de ser ouvido pelo Tribunal ou pelo Juiz de Instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.
Se bem que tal constitua apenas um direito, entende o Tribunal que estão asseguradas e sobrevalorizadas as garantias de defesa dos arguido ao permitir-se que os mesmos estejam presentes a fim de serem ouvidos, uma vez que sobre eles deve ser tomada decisão que os afecta, permitindo-se, para além do mais, a imediação dos arguidos com o Tribunal ou com o Juiz de Instrução no confronto directo com as provas contra eles apresentadas.

É certo que não existe uma obrigação de realização de primeiro interrogatório judicial de arguido não detido para aplicação de medidas de coacção; no entanto, em nome do contraditório a que os arguidos têm direito e guiado por um critério de proximidade, de eficácia e de oportunidade, nada obsta a que se ouça presencialmente os arguidos, podendo este responder a perguntas sobre o seu estatuto processual.

Como vem referido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 Novembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt.. "basta -se aqui a lei com a simples garantia do contraditório, não exigindo um acto pessoal de audição _ na realidade, a audição do arguido nesta sede e com este móbil pode ser feita em 1. º interrogatório judicial de arguido detido (. . .), não tendo de ser ouvido presencialmente, em situação de não detenção, em diligência "avulsa" visando unicamente tal audição pelo JIC (nada impedindo, não obstante, como se viu, que o juiz o decida fazer dessa forma mas apenas guiado por critérios de oportunidade e conveniência)" .

Concluindo, salvo o devido respeito por melhor entendimento, entende o Tribunal que não obstante as doutas considerações aduzidas nos requerimentos dos arguidos, a situação não contempla qualquer irregularidade.
Desde logo porque não foi violada ou inobservada qualquer norma legal, sendo que na sequência da intercepção do arguidos, tendo os mesmo sido constituídos como tal, vieram os mesmos a serem libertados, na sequência da determinação da Digna Representante do MºPº junto deste Tribunal, após a comunicação telefónica que lhe foi efectuada.
Apenas quando a esta Magistrada foram entregues outros elementos, os quais constituem toda a documentação junta aos autos, e analisados estes, entendeu o MºPº, nos termos devidamente fundamentos de fls. 3 a 38, ser de aplicar medida de coacção diferente do TIR, nos termos dos dispostos no art. 194.º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal.
Da mesma forma, sempre se dirá que tal situação não viola qualquer principio ou direito dos arguidos, legal ou constitucional, consagrados, designadamente o de sua defesa, na medida em que na fase em que se encontram os autos - primeiro interrogatório - os arguidos não fazem qualquer prova em sua defesa para além de, se for essa a sua vontade, prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados, cuja apreciação da sua veracidade cabe ao juiz fazê-lo e valorar, se assim o entender, na sua apreciação.
Improcede, assim, a primeira irregularidade invocada.
Entendem ainda os arguidos ter sido cometida uma outra irregularidade, pela circunstância dos arguidos não terem tido conhecimento do despacho proferido pelo MºPº nestes autos.

Ora, fazendo mais uma vez referência ao disposto no art. 194.º, n.º 3 do CPP que nos remete para o art. 141.°, n.º 4 do CPP, temos que o arguidos são informados de tudo o que vem referido nas als. a) a d) do n.º 4 do artigo 191.°, ficando todas as informações a constar do auto de interrogatório.

Como se sabe, e como resulta da diligência agora em curso, os arguidos foram devidamente informados dos seus direitos, dos factos que lhes são concretamente imputados e dos elementos do processo, factos e elementos esses que constam do despacho do MºPº proferido nos autos.

Não se vê, assim, que tenha sido cometida qualquer irregularidade, tendo os arguidos a oportunidade de sobre os factos e sobre os elementos do processo se pronunciarem.

Face a todo o exposto, pelas considerações expostas e de acordo com os normativos supra citados, indeferem-se as irregularidades invocadas pelos arguidos.
Notifique.
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Entrando agora na matéria inicial e constante dos autos de acordo com a prova documental deles constante, nomeadamente, o auto de notícia de fls. 2 a 4, o teste ident. de fls. 5 e 19, o auto de apreensão de fls. 6 e 20 e os certificados de registo criminal dos arguidos, já juntos, resulta fortemente indiciada prática pelos arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21,º n.º 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro com referencia à tabela 1-C anexa a tal diploma.
Na verdade, resulta dos autos que no dia 4 de Outubro 2011, pelas 16h30m, os arguidos encontravam-se sentados num muro, à beira da estrada E.M. da Foz de Vouzela, junto à Escola Profissional e ao aperceberem-se da patrulha do NIC de Viseu no local, que ali efectuava acção de prevenção e vigilância, dirigiram-se para junto do veículo com a matrícula … , que era conduzido pelo arguido B....

Abordados pela referida patrulha, os arguidos foram questionados se eram portadores de substâncias estupefacientes, tendo o arguido B... referido que tinha haxixe na consola do seu veículo que após testada revelou ser de facto Haxixe com o peso bruto de 12,8 gramas e o arguido A..., de forma voluntária retirou do bolso das calças, uma caixa de cigarrilhas que após testada revelou ser Haxixe com o peso bruto de 37,2 gramas.

Os arguidos B...e A… agiram deliberada, voluntária e conscientemente, sabendo que não podiam deter aquelas substâncias, naquela quantidade, o que, não obstante, fizeram.
Mais sabiam que tal conduta era proibida e punida por lei penal.

Na situação concreta, dever-se-á ter em consideração as idades dos arguidos, a circunstância de ambos terem antecedentes criminais, sendo que quanto ao arguido Nuno Baianas pela prática de crimes de natureza diversa, e relativamente ao arguido B... tem já duas condenações pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, e finalmente ainda as quantidades de droga apreendidas.

No caso dos autos, que estão ainda em fase de inquérito, pretende-se essencialmente evitar a continuação da actividade delituosa dos arguidos, bem como evitar a perturbação da ordem e da tranquilidade públicas. Na verdade, os arguidos foram interceptados junto de uma escola profissional, frequentada certamente por jovens, que facilmente podem ser influenciados para a aquisição de produtos estupefacientes.

Temos que ter em conta ainda que não são conhecidas profissões aos arguidos, nada se sabendo nos autos quando às suas condições pessoais.

Atendendo ainda à existência de antecedentes criminais, se bem que quanto a um dos arguidos por crimes de natureza diversa, e considerando ainda a gravidade do crime que lhes é imputado, teme-se que os arguidos, uma vez em liberdade, pretendam a eximir-se à acção da justiça, existindo assim perigo de fuga.

Se, como vimos, o que se pretende é evitar a continuação da actividade criminosa, a perturbação da ordem e tranquilidade públicas advinda do tráfico de estupefacientes, e o perigo de fuga, e se a prisão preventiva obviamente satisfazia esse requisito, entendemos que, nesta altura, outras medidas de coacção menos gravosas para os arguidos poderão evitar esses perigos.

Para além do mais, se uma das vertentes do principio da proporcionalidade a que se alude no art. 193.° do CPP tem a ver com as sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas aos arguidos, em virtude do crime que se encontram indiciados, num juízo de prognose, poder-se-á desde já ponderar que os factos agora imputados aos arguidos, em termos de indiciação, dificilmente levarão o tribunal a aplicar-lhes uma pena de prisão efectiva.

Assim sendo, e porque o crime indiciado nos autos o admite, por que se verificam os requisitos gerais de continuação da actividade criminosa, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas advinda do tráfico de estupefacientes e o perigo de fuga, entendemos que as medidas adequadas para satisfazer as medidas de prevenção referidas e proporcionais à gravidade das condutas indiciadas são a medida de obrigação de apresentação periódica três vezes por semana, às segundas, quartas e sábados, no horário de expediente e no OPC da área da residência respectiva; a proibição de ausência das respectivas áreas de residência sem autorização, local onde os arguidos aguardarão os ulteriores termos do processo em liberdade; bem como a proibição de contacto com pessoas ligadas ao consumo e/ou à toxicodependência ou actividade de compra e venda de produtos estupefacientes, tudo nos temos do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.°, 194.°, 198.°, 200.°, als. c) e d) e 204.°, als. a) e c) do CPP , sujeitando-se ambos os arguidos às medidas de coacção supra referidas, para além dos TIR's já prestados.

Cumpra-se o disposto no art.º 194 do CPP.
Comunique à OPC competente.”

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III. O Direito.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Assim sendo, temos como

Questões a decidir:

a) Saber foi cometida alguma irregularidade ou nulidade, pelo facto de o tribunal “a quo” ter procedido à audição do arguido, nos termos do n.º 3 do art. 194.º do C.P.P, nomeadamente a irregularidade prevista nos termos do art. 118.º/2 do C.P.P., por violação do art. 144.º/1 do mesmo diploma legal; Ou ainda se ao não ter sido notificado da promoção do M.P. que motivou o despacho da sua notificação para o interrogatório judicial, foi afectado o direito de audição do arguido, existindo, também aqui, uma irregularidade nos termos do art. 118.º/2 do C.P.P.
b)Apreciar se as medidas de coacção aplicadas ao recorrente são ou não legais e adequadas, se devem ou não manter-se, ou se devem declaradas nulas ou substituídas por outra(s) medida(s) de coacção não privativa(s) da liberdade.
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1. A primeira questão que nos é colocada é a de saber se foi cometida alguma irregularidade ou nulidade, pelo facto de o tribunal “a quo” ter procedido à audição do arguido, nos termos do n.º 3 do art. 194.º do C.P.P, nomeadamente a irregularidade prevista nos termos do art. 118.º/2 do C.P.P., por violação do art. 144.º/1 do mesmo diploma legal, ou ainda se ao não ter sido notificado da promoção do M.P. que motivou o despacho da sua notificação para o interrogatório judicial, foi afectado o direito de audição do arguido, existindo, também aqui, uma irregularidade nos termos do art. 118.º/2 do C.P.P.
Vejamos então.
O recorrente foi detido no dia 04.10.2011 em flagrante delito, encontrando-se indiciado pela prática de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela l-C, anexa àquele diploma, tendo sido constituído como arguido pelo OPC e prestado TIR e após foi libertado e notificado para se apresentar perante o Ministério Público do Tribunal de Vouzela no dia 06.10.2011.
Nesta data de 6/10/2011, o Ministério Público, considerando insuficiente a medida de coacção aplicada ao recorrente e estando-lhe vedada a aplicação de outra medida de coacção que não o TIR, competência exclusivamente atribuída ao Juiz de instrução nos termos dos art.ºs conjugados 268. º n.º 1, al. b) e 194.°, n.º 1, entendeu, também por razões de celeridade processual, ser inútil submeter o recorrente a interrogatório nos termos do disposto no art.º 144.° do Código de Processo Penal, pelo que requereu, nos termos do disposto no art. 194.°, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal a realização de interrogatório judicial de arguido a fim de serem aplicadas medidas de coacção que obstem à continuação da actividade criminosa, medidas a determinar consoante as declarações que viessem a ser prestadas pelo mesmo, pelo que foi designada data pela Meritíssima (fls.57), nos termos daquele preceito legal.
Assim, em 11/10/2011 (fls. 61/62), procedeu-se ao requerido interrogatório do arguido e foi-lhe aplicada a medida de coacção entendida como adequada e é de tal que o arguido agora veio recorrer.
Pensamos porém, que a razão não assiste ao recorrente.
Na verdade, apenas no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, é imposta a intervenção do Juiz de Instrução (cf. 141.º), dispensando a lei, no artigo 143º, a intervenção do Juiz (apenas a impondo quando o Ministério Público não libertar o arguido - cf. n.º 3) e expressamente consagrando no artigo 144º que - e na parte que ora releva - “os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo Juiz (…)”.
Porém, o artigo 194.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, dispõe que a aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial, excepto o TIR, é da competência do JIC e é precedida, sempre que possível, da audição do arguido e pode ter lugar no acto do primeiro interrogatório judicial.
A lei determina a audição do arguido, sempre que possível exigindo o cumprimento do exercício do contraditório, no que toca à aplicação das medidas de coacção, no inquérito ou depois do inquérito, além do TIR.
E como se procede a essa audição do arguido ?
É hoje entendimento maioritário e pacifico de que tal audição tanto pode ser presencial (no caso de primeiro interrogatório do arguido), como pode ser cumprida por mera notificação ao arguido para sobre tal se pronunciar nos autos (nos outros casos em que o M.P., propõe a aplicação de medida de coacção mais gravosa). E em qualquer destas situações se mostra plenamente respeitado o princípio do contraditório, permitindo que o arguido exponha previamente as suas razões relativamente à decisão judicial.
Ou seja, o direito de audição não envolve, necessariamente, a presença física do arguido, nem sequer a sua intervenção pessoal: trata-se do direito a tomar posição prévia sobre qualquer decisão que pessoalmente o possa afectar e pode ser (e é normalmente) exercido através do seu defensor, que para o efeito deve ser notificado nos termos do art. 113.º n.º 9 do CPP.
No caso dos autos, o arguido não foi apresentado como detido ao JIC, não havendo qualquer obrigatoriedade legal, a nosso ver, para a marcação e realização desse acto processual presidido por um juiz.
Contudo se o juiz entender que deve ouvir o arguido, em declarações, tendo em vista a aplicação de uma medida de coacção requerida pelo M.P., porque razão não o poderá fazer? Nenhuma.
Isto porque, sendo esse acto prévio e inteiramente instrumental de um acto da competência exclusiva do juiz, como é a aplicação de uma medida de coacção (para além do TIR), parece-nos admissível a sua realização, ainda que essa não deva ser a regra.
Até porque, a presença do arguido em determinado acto tem necessariamente o significado de presença física, e constitui uma superior garantia de defesa, ao permitir ao arguido a imediação com o julgador e com as provas que contra ele são apresentadas, estando naturalmente esse direito circunscrito a um número reduzido de actos, entre os quais sobressai o julgamento.
Por isso, embora não sendo obrigatório tal deligência, entendemos que em nome de uma Justiça que se quer célere e eficaz, nada há a criticar ao tribunal “a quo”, por ter ouvido presencialmente o arguido, presente naquele dia no tribunal e apto a poder responder às perguntas obre o seu estatuto processual.
Assim sendo, não pode agora o arguido, após ter comparecido á deligência em causa, vir agora invocar que foi cometida qualquer nulidade ou irregularidade, pois tal não aconteceu e as suas garantias de defesa, até ficaram mais reforçadas.
Consequentemente improcede, nesta parte o recurso.
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2. A outra questão que nos é colocada é a de saber se as medidas de coacção aplicadas ao recorrente são ou não legais e adequadas, se devem ou não manter-se, ou se devem declaradas nulas ou substituídas por outra(s) medida(s) de coacção não privativa(s) da liberdade.
Vejamos então.
Ao arguido/recorrente foram aplicadas as medidas de obrigação de apresentação periódica três vezes por semana, no OPC da área da residência respectiva; a proibição de ausência das respectivas áreas de residência sem autorização, local onde o arguido aguardará os ulteriores termos do processo em liberdade; bem como a proibição de contacto com pessoas ligadas ao consumo e/ou à toxicodependência ou actividade de compra e venda de produtos estupefacientes.
Defende o recorrente que as medidas aplicadas não obedecem aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, pois, além de não serem necessárias, não são proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao recorrente.
Adiantaremos, desde já, que também aqui a razão não assiste ao recorrente.
Nos termos do art. 97.º, n.º 4, do CPP, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito.
A senhora juíza que proferir o despacho recorrido preocupou-se com a fundamentação do mesmo (fls. 59 a 64, deste recurso) no qual impões ao arguido as medidas de coacção acima referidas, em vez da prisão preventiva ou do simples TIR.
Tem pois cobertura legal toda a sua argumentação e análise nos art. 191.º, 192.º, 193.º, 198º, 200º, nº1, als. c) e d) e 204.º, al. a) e c), do CPP.
Se não vejamos.
Há fortes indícios da prática do crime doloso imputado ao arguido, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, cuja moldura penal abstracta é de 4 a 12 anos de prisão (art. 202.º, n.º 1, al. a), do CPP).
Na verdade, tal resulta dos autos que no dia 4 de Outubro 2011, pelas 16h30m, os arguidos encontravam-se sentados num muro, à beira da estrada E.M. da Foz de Vouzela, junto à Escola Profissional e ao aperceberem-se da patrulha do NIC de Viseu no local, que ali efectuava acção de prevenção e vigilância, dirigiram-se para junto do veículo com a matrícula …, que era conduzido pelo arguido B....
Abordados pela referida patrulha, os arguidos foram questionados se eram portadores de substâncias estupefacientes, tendo o arguido B... referido que tinha haxixe na consola do seu veículo que após testada revelou ser de facto Haxixe com o peso bruto de 12,8 gramas e o arguido A..., de forma voluntária retirou do bolso das calças, uma caixa de cigarrilhas que após testada revelou ser Haxixe com o peso bruto de 37,2 gramas.
Mais resultou indiciado que os arguidos B...e A… agiram deliberada, voluntária e conscientemente, sabendo que não podiam deter aquelas substâncias, naquela quantidade, o que, não obstante, fizeram. Mais sabiam que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
Resulta assim, manifestamente indiciada a prática do crime.
O princípio da legalidade, consagrado no artº 191.º, do CPP, deve pautar a aplicação de qualquer medida de coacção, segundo o qual a liberdade das pessoas só pode ser limitada, em função das exigências processuais da natureza cautelar.
As medidas de coacção devem obedecer ainda sempre ao princípio da adequação e proporcionalidade consagrado no artº 193.º, do Cód. Proc. Penal, não podendo e não devendo ser aplicadas, de forma automática e abstracta, obedecendo a meros critérios de lógica formal.
Informa o n.º 1 daquele artigo que as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto, devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Aliás, a medida de prestação de termo de identidade e residência prevista no art. 196.º, do Cód. Proc. Penal, é a única que pode ser aplicada sem restrições, como decorre do art. 204.º, do mesmo diploma legal, quando impõe que nenhuma das outras medidas de coacção previstas nos art. 197.º a 202.º, podem ser aplicadas se em concreto se não verifiquem os requisitos previstos nas al. a), b) e c), do mesmo art. 204.º.
Na verdade, a aplicação da generalidade das medidas de coacção, que não o TIR, depende para além dos requisitos especiais da própria medida, da verificação, em concreto, de requisitos ou condições gerais enunciados no art. 204.º do Código de Processo Penal, ou seja:
«a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.».
Estes requisitos ou condições gerais enumerados taxativamente nas alíneas a), b) e c) do art. 204.º do C.P.P., são alternativos, bastando que exista algum deles para que, conjuntamente com os especiais previstos na medida de coacção, essa medida possa ser aplicada. Cfr. Cons. Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal anotado”, 9ª ed., pág. 427., e Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código de Processo Penal anotado”, I Vol., 2ª ed., pág. 1004.
Entende, por isso, o Tribunal da Relação, que as medidas de coacção de apresentação periódica, a proibição de ausência da área de residência sem autorização, bem como a proibição de contacto com pessoas ligadas ao consumo e/ou à toxicodependência ou actividade de compra e venda de produtos estupefacientes, obedeceram em concreto aos princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade, consagrados nos art. 191.º, 193.º, do CPP, bem como se encontram verificados os requisitos dos art. 202.º, n.º 1, al. a) e 204.º, al. b) e c), do mesmo diploma legal.
Na verdade, entendemos que o crime indiciado é grave, causando repúdio à sociedade em geral, sendo uma fonte de insegurança e alarme e o arguido se não ficasse sujeito a estas medidas de coacção não ficava impedido de continuar a sua actividade criminosa, nem se satisfariam as necessidades de manutenção da ordem e tranquilidade publicas.
Face a todo o exposto, concluímos que se verificam e não se alteraram os pressupostos que determinaram a aplicação ao arguido das medidas de coacção, para além do TIR, já prestado, de obrigação de apresentação periódica, três vezes por semana às segundas, quartas e sábados, no horário de expediente e no OPC da sua área de residência; proibição de ausência da sua área de residência sem autorização; e proibição de contacto com pessoas ligadas ao consumo e/ou toxicodependência ou actividade de compra e venda de produtos estupefaciente e por isso se devem manter.
Consequentemente improcede, na sua totalidade do recurso do arguido A....
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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes desta Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, e, consequentemente manter, na integra, o despacho recorrido ou seja o que decidiu ouvir o arguido e que determinou que o mesmo fique sujeito ás medidas de coacção, para além do TIR, já prestado, de obrigação de apresentação periódica, três vezes por semana às segundas, quartas e sábados, no horário de expediente e no OPC da sua área de residência; proibição de ausência da sua área de residência sem autorização; e proibição de contacto com pessoas ligadas ao consumo e/ou toxicodependência ou actividade de compra e venda de produtos estupefaciente.
Custas pelo arguido, cuja taxa de justiça se fixa em 4 UCs.
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Calvário Antunes (Relator)


Vasques Osório