Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/12.9TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: SEGURANÇA PRIVADA
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REENVIO
Legislação Nacional: ARTIGOS 2º Nº 1 A), 6º Nº 2, 10º, 32º-A NºS 1 E 2 E 32º-B DO DECRETO-LEI Nº 35/2004, DE 21/2
Sumário: 1.- Os vigilantes de segurança privada exercem, entre outras, as funções de controlo de entrada, presença e saída de pessoas nos locais de acesso vedado ou condicionado ao público, funções para cujo exercício é necessário cartão profissional emitido pela entidade competente;

2.- Incorre na prática crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, do art. 32º-A, nº 1, do Decreto-Lei nº 35/2004, de 21/2, o arguido que prestava serviços de segurança sem que possuísse o respetivo cartão profissional;

3.- Responsabilidade criminal recai igualmente sobre a pessoa singular que decidiu da utilização destes serviços, isto é, da prestação da atividade de segurança privada por quem não era detentor do cartão profissional , bem como sobre a pessoa coletiva onde esta atividade se desenrola, ou seja, a titular do edifício ou local de acesso condicionado cuja atividade de segurança esteja a ser levada a cabo por pessoa não titular do respetivo cartão profissional.

Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


1.

Nos presentes autos foram os arguidos A..., B...e “ C..., Lda” condenados, respetivamente, pelo exercício ilícito da atividade de segurança privada, do art. 32º-A, nº 1, do Decreto-Lei nº 35/2004, de 21/2, do art. 32º-A, nº 2, do mesmo diploma e, por fim, do art. 32º-B, nas penas de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 €, 70 dias de multa, à taxa diária de 6 €, e 70 dias de multa, à taxa de 20 €.

2.

Inconformados, os arguidos recorreram, retirando da motivação as seguintes conclusões:
1. O douto tribunal a quo, salvo o devido respeito e melhor opinião, incorreu em erro de julgamento, concretamente, no que toca à valoração da prova efetivamente produzida e analisada em sede de audiência de discussão e julgamento, para efeito da fixação da matéria de facto dada como provada;
2. Considera-se incorretamente julgado - art.º 412.º, n.º 3, al. a) do Código de Processo Penal - ter o douto tribunal a quo dado por provados os factos correspondentes ao n.ºs 1, 3, 6, 9, dos “factos provados” e por “não provados” os factos invocados na contestação inseridos nos factos não provados da sentença, nas alíneas b) e c).
3. Vislumbra-se que, para incorretamente dar por provados estes concretos pontos de facto, o douto tribunal a quo limitou-se a transcrever excertos dos depoimentos das testemunhas e dos próprios arguidos;
4.  Sobressaindo na motivação da sentença que, apenas foi tomado (efetivamente) em consideração o depoimento dos agentes policiais e da testemunha de defesa E..., para dar-se por provados e por não provados os concretos factos;
5. Porém, os recorrentes, jamais poderão concordar com a convicção do tribunal a quo apontada na motivação de facto quando considerou os depoimentos dos agentes policiais como; “depoimentos coerentes, espontâneos, sem incongruências e que fizeram sentido”. Uma vez que, a atuação dos agentes policiais, quer na fiscalização quer nos relatórios efetuados e ainda em sede de audiência, desde o início dos presentes autos, não tem feito qualquer sentido;
6. Ademais, os arguidos questionaram sempre as investigações levadas a cabo pelos agentes fiscalizadores ao estabelecimento comercial da Sociedade, C..., Limitada, na medida em que, tinham um propósito que recentemente foi descoberto dando azo a uma queixa-crime apresentada pelos seus responsáveis contra elementos da PSP de Coimbra, que está, presentemente, em investigação no Departamento de Investigação e Acão Penal de Coimbra - inquérito n.º 1713/12.0TACBR;
7. Por outro lado, face à prova produzida em sede de audiência e demais prova documental existente nos autos (que se anula reciprocamente) teria o douto tribunal a quo, de se asseverar das necessárias certezas para além de qualquer dúvida razoável da culpabilidade dos arguidos recorrentes, o que não fez;
8. Ora, as incongruências manifestadas nos depoimentos dos agentes fiscalizadores em sede de audiência ficaram espelhadas pelo mero confronto das mesmas com o auto de notícia elaborado por eles na noite da fiscalização, pelo que, deveriam abalar de forma contundente a credibilidade desses depoimentos, prova única, onde foi alicerçada a condenação dos arguidos recorrentes;
9.  Ora, questiona-se a credibilidade dos agentes que narram uma fiscalização nestes termos: O arguido A..., encontrava-se na porta de entrada do lado direito "no controle de entradas e saídas dos clientes recebendo destes os cartões de consumo". E, ao mesmo tempo, referem que: “Na mesma porta e do lado esquerdo encontrava-se um individuo conhecido da noite por I..., o qual entregava os cartões aos clientes que entravam no estabelecimento, este ao aperceber-se da nossa aproximação e ao reconhecer-me refugiou-se para o interior do estabelecimento, deixando cair um cartão que distribuía, o qual eu recolhi.”;
10. Em suma, para aferir da credibilidade dos senhores agentes fiscalizadores, toma-se a liberdade se chamar a atenção do douto tribunal ad quem para o facto de, apesar de referir-se o nome de I..., os agentes “apagam” esse facto ao referirem que não conseguiram localizar o indivíduo no estabelecimento. Porém - por não se conseguir identificar - diga-se por os agentes fiscalizadores não conseguirem identificar quem conhecem pelo nome (aliás o agente F... sabia o nome todo), tal facto teve o condão de resultar no arquivamento do inquérito em relação ao tal indivíduo conhecido da noite por I...;
11. Sabendo-se de antemão, que em matéria criminal não se pode escolher quem deve ser perseguido quanto está em causa a prática de um crime, tudo isto é deveras “sui generis”, ousando os recorrentes questionar e por mesmo em causa a credibilidade não só dos depoimentos dos agentes policiais prestados em sede de audiência como de todos os factos relatados pelos mesmos nos presentes autos;
12. Como exemplo, no que toca à existência de cartões de consumo, a testemunha, agente da PSP, F..., testemunha que elaborou o auto de notícia, nesse documento refere o seguinte: "Na mesma porta e do lado esquerdo encontrava-se um individuo conhecido da noite por I..., o qual entregava os cartões aos clientes que entravam no estabelecimento, este ao aperceber-se da nossa aproximação e ao reconhecer-me refugiou-se para o interior do estabelecimento, deixando cair um cartão que distribuía, o qual eu recolhi."
13. Porém, em sede de audiência, a testemunha F... contou uma versão diametralmente distinta, inesperadamente referindo que, o arguido A..., tinha cartões nas mãos e que até lhe entregou um voluntariamente;

00:00:00 Início Gravação16-10-2012 11:36:36
00:00:01Testemunha F...16-10-2012 11:36:37
00:23:58 Fim Gravação

Depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital – (minuto 2,38 a minuto 7,00 e minuto 20 a 23 do total do depoimento de 23,58) –
Exa. sra. Procuradora-Adjunta: Isso era importante também ouvir, porque fala-se aqui de um I.... e a gente nem sabe quem é? (minuto 3,19s/23,58s)
Testemunha F...: eu conheço-o porque ele foi das primeiras pessoas que começou aí na segurança privada e eu também sou o Agente mais antigo, que comecei a trabalhar ...sim… e então conheço o  I..., eu acho que ele é I...…conhece-o …dada a minha atividade profissional (…)
Exa. sra. Procuradora-Adjunta: Foi o senhor que depois fez a abordagem ao arguido A... (Imperceptível)?
Testemunha F...: Fui, Fui.
Exa. Sra. Procuradora-Adjunta: E então, o que é que ele tinha na mão, o que lhe entregou voluntariamente, como é apareceram os cartões que estão apreendidos, conte-nos lá bem isso.
Testemunha F...: Um cartão foi pedido ao senhor, porque apanhei…
Exa. Sra. Procuradora-Adjunta: Tinha vários na mão?
Testemunha F...: Tinha vários…
Exa. Sra. Procuradora-Adjunta: E não aprendeu tudo …porquê?
Testemunha F...: Porque um chegava-nos… porque… aaahhh … era também para a contabilidade deles, porque era… se calhar iriam fazer a contabilidade deles… porque era…
Exa. Sra. Procuradora-Adjunta: Ah…porque era a saída, por era controle.
14. Ora, o discurso vacilante, translucidamente periclitante desta testemunha é tudo menos credível, nomeadamente, quando diz em discurso corrido (antes de ser interrompido) o seguinte acerca dos cartões: “E apanhamos um ou dois que o I...” e de seguida, a instâncias da Exma. Sra. Procuradora, já admite que aprendeu um cartão ao arguido A... que lhe foi entregue voluntariamente.
15. Convém realçar, que no auto de notícia nada foi referido em relação a qualquer apreensão efetuada ao arguido A..., provando-se a inexistência da prática de quaisquer atos pelo recorrente, subsumíveis ao tipo legal de crime pelo qual foi condenado;
16. Em suma, como o tal individuo conhecido como I... deixou misteriosamente de ser arguido nos presentes autos, restava atribuir os factos respeitantes a cartões ao aqui arguido A...;
17. Ora, se os agentes referem a existência de uma pessoa a controlar a porta do estabelecimento e apontam essa pessoa como tendo cartões, teria o douto Tribunal a quo de equacionar a possibilidade de ser verdade a versão do arguido, A..., quando afirma que somente estava na porta do estabelecimento a fumar um cigarro;
18. Na verdade, nenhum depoimento foi esclarecedor quanto a facto de como apareceram os cartões no processo. O agente, L..., quando questionado diretamente pela Exma. Sra. Procuradora-adjunta, disse que um dos cartões foi apanhado do chão, mas que só o Agente que elaborou o Auto de Noticia é que podia explicar isso;

00:00:00 Início Gravação16-10-2012 11:06:02
00:00:01Testemunha L...16-10-2012 11:06:04
00:30:31 Fim Gravação16-10-2012 11:36:35

Depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital – (minuto 14,40 a minuto 20 do total do depoimento de 30,31) –
19. O agente, D..., quando questionado diretamente pela Exma. Sra. Procuradora-adjunta, disse não reconhecia nenhum dos arguidos como sendo uma das pessoas que estava na porta no dia dos factos e, pensa, que um dos cartões foi apanhado do chão e que outro foi cedido. Posteriormente, de modo sincero disse que tudo o que sabia provinha do facto de ter lido o auto de notícia;
20. Ora, estando três agentes a fazer a fiscalização, parece-nos que este agente foi de todos o mais credível, dado que, disse que havia duas pessoas á porta, uma refugiou-se para dentro do bar e outro aí permaneceu. No entanto, não reconheceu nenhum dos arguidos como sendo uma delas, acrescentando apenas, que não sabe quem identificou o arguido A... e que houve um cartão que caiu ao chão que não sabe quem o apanhou;

00:00:00 Início Gravação16-10-2012 12:00:36
00:00:01Testemunha D...16-10-2012 12:00:37
00:19:36 Fim Gravação16-10-2012 12:20:13

– (minuto 17,03 a minuto 19 do total do depoimento de 30,31) –
21. Salvo devido respeito, efetivamente como os aqui arguidos que respondiam em tribunal eram A...e B...e, surpreendentemente, o tal I... já tinha sido “deixado cair” pela acusação, viraram-se as declarações para o A..., mediante a confirmação de declarações da Exa. Sra. Procuradora-Adjunta, nomeadamente, respeitantes a uma suposta apreensão de um cartão ao arguido A... entregue voluntariamente
22. Lançando mão das regras de experiência comum, tantas vezes utilizadas para justificar situações concretas, não é comum que alguém deixe cair objetos que alegadamente estão relacionados com a prática de um crime e, muito menos, que os entregue voluntariamente. Pelo que, suspeita-se que os autos foram instruídos com cartões que já estavam na posse dos Agentes fiscalizadores, fruto de outras fiscalizações;
23. Neste âmbito, o do douto tribunal a quo refere o seguinte na sua motivação: Acrescentaram que o mesmo tinha cartões de consumo nas mãos, tendo a testemunha F... referido que o arguido lhe entregou um voluntariamente, que apreendeu, constando o mesmo dos autos a fls.11”;
24. Porém, no concerne a cartões, nos factos provados não se alude a cartões constantes dos autos, nem sequer se dá por provado que os cartões constantes dos autos estivessem a ser usados no dia dos factos aqui sub-judice.
25. Todavia, no ponto c) dos factos não provados, já vem referido que não se provou que os cartões existentes nos autos tivessem deixado de ser utilizados no estabelecimento há mais de dois anos;
26. Subsiste assim, uma contradição insanável que consiste no enunciado de duas preposições contraditórias logicamente inconciliáveis, alicerçando-se a motivação da decisão ora posta em crise em factos que não foram dados por provados;
27. No que concerne à avaliação e valoração feita pelo douto tribunal a quo ao depoimento da testemunha de defesa, E... , verifica-se que houve uma interpretação desacertada e uma transcrição errada das suas palavras para a motivação, confundindo o douto tribunal a quo o facto de alguém estar simplesmente à frente do estabelecimento, com o facto de alguém estar na frente do estabelecimento a dar cartões;
“a instâncias da defesa, quando confrontado com a pergunta de saber e no dia dos factos estava ou não o arguido A... na frente do estabelecimento a entregar cartões, a testemunha respondeu que “conforme está o A..., estou lá eu e ás vezes estão amigos”
28. Na verdade, como se exporá de seguida, a testemunha não diz “conforme está o A..., estou lá eu e ás vezes estão amigos”;
29. Para melhor compreensão transcreve-se integralmente a pergunta exata, assim como, o excerto do depoimento da testemunha:

00:00:00 Início Gravação06-11-2012 15:13:48
00:00:01Testemunha E...06-11-2012 15:13:49
00:09:32 Fim Gravação06-11-2012 15:23:20


Advogado de defesa dos arguidos: Nestes factos, diz-se aqui que o seu irmão A...estava á frente do estabelecimento a fazer…, a dar os cartões…Que é que diz, nesse dia?
Testemunha E...: Conforme está o A...estou lá eu, às vezes estou a falar com amigos, não é, e ainda aqui há dias estava a organizar um convívio, acho que era direito… acho que era direito …um convívio de direito, sou abordado por um Agente. Que é que o senhor…
Advogado de defesa dos arguidos: Está a falar antes de ser Segurança?
Testemunha E...: Antes de ser Segurança… Antes de ser Segurança… Estou a falar antes de ser Segurança…
Testemunha E...: Vira-se para mim e o que é que você está aqui a fazer…Peço desculpa, mas quem é o senhor, eu sou Agente…então e eu não posso estar aqui fora a conversar…não sei quê…eu sou sócio do bar…está-me a mentir… Você quer, como é que chama, que lhe mostre o registo como sou sócio do bar…

30. Salvo devido respeito, do depoimento que se acabou de transcrever e que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital – (minuto 7,10 a minuto 9 do total do depoimento de 9,32) nunca poderia o tribunal a quo tirar as ilações que tirou, nem tampouco inserir na motivação aquilo que se considera uma interpretação que, em si, é ela completamente deturpadora dos factos e, sendo assim, para não subsistam dúvidas aqui se reproduz integralmente:
A testemunha E...prestou igualmente um depoimento que pareceu espontâneo e sincero, parecendo lógico e fazendo sentido, pelo que foi tido como credível. Esta testemunha afirmou que esteve no dia dos factos naquele estabelecimento e soube esclarecer a instâncias da defesa, quando confrontado com a pergunta de saber se no dia dos factos estava ou não o arguido A... na frente do estabelecimento a entregar cartões, a testemunha respondeu que “ conforme está o A..., estou lá eu e ás vezes estão amigos (…) isto antes de (ele próprio) ser lá segurança”. Tal afirmação contribui para corroborar o depoimento das testemunhas que afirmaram que viram o arguido A... na entrada do bar no dia dos factos, a receber cartões de consumo dos clientes que saíam do bar.
(Negrito e sublinhado nosso).
31. Ora, o depoimento da testemunha é muito diferente do que é referido na motivação, onde o douto tribunal a quo interpreta que a testemunha tenha dito claramente que podem ser várias pessoas a dar os cartões. Efetivamente, analisando a expressões utilizadas pela testemunha situadas no seu devido contexto, fica claro que a testemunha E..., antes de mais, não disse a expressão “e às vezes estão amigos” mas sim algo bem diferente ou seja “às vezes estou a falar com amigos”;
32. Neste ponto, basta ouvir as gravações, aliás, após a expressão proferida, é descrita uma situação vivenciada por si numa abordagem feita por um Agente da PSP, somente por se encontrar na frente do estabelecimento;
33. Posto isto, a convicção do tribunal ao forma-se com base numa interpretação errada e literalmente diferente da proclamada, padece de vício que inquina todo o processo de condução à tomada da própria decisão.
34. Exige-se, deste modo, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifica como incorretamente julgados, dado que, a mesma não têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, pelo que considera-se imporem uma decisão diversa. Devendo assim, o douto tribunal ad quem alterar a matéria de facto dada por provada enunciada nos artigos 1.º;3.º;6.º;9 e 12.º pelas razões enunciadas;
35. Analisando-se a motivação da sentença, resulta claro que o douto tribunal a quo formou a sua convicção com base em elementos de prova que, face às incongruências analisadas, vem desprovida de qualquer credibilidade. Sendo certo que, no tocante ao ponto 6 dos factos provados, trata-se de uma mera conclusão do julgador, que não vem alicerçada nem fundamentada em nenhuma prova existente nos presentes autos;
36. Sendo deveras precipitada e desapoiada de factos concretos, a utilização da livre convicção do tribunal, das regras da experiência comum, ou da normalidade dos comportamentos, para ter-se concluído que o arguido B... acordou com o arguido A... o exercício das funções referidas em 1 e 6 dos Factos dados como provados;
37. Imputa-se à decisão ora posta em crise um erro de julgamento, dado que, o douto tribunal a quo deu como provados os factos que se impugnaram sem que tenha sido feita prova nesse sentido e por outro lado, foi produzida prova suficiente para dar esses mesmos factos por não provados;
38. Destarte, o arguido A..., foi condenado mediante a produção de prova testemunhal deveras inverosímil e, com a convicção do tribunal, a formar-se numa interpretação errónea e literalmente diferente da proclamada, pelo que, terá obrigatoriamente de existir a prolação de nova sentença da qual resulte a absolvição deste arguido.

Arguido B...– Inexistência da prática de quaisquer actos, subsumíveis ao tipo legal de crime pelo qual foi condenado:
39. No que concerne ao arguido, B..., sócio-gerente da empresa arguida, C..., Limitada, não foram elencados pelo Ministério Público quaisquer factos que suportem a sua acusação e, diga-se, não existem;
40. Reiterando-se que, quer a acusação, quer a ora condenação do arguido B..., enfermam de erro técnico-jurídico, na medida em que, nos termos da acusação pública, tanto o arguido A..., como o arguido B... vinham acusados pelo mesmo crime previsto e punido pelo art.º 32.º-A, n.º 1 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto (acusados de prestar serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância não sendo titular do cartão profissional);
41. Aceitando-se que, em tese, na acusação existia uma descrição factual que possa subsumir-se á norma em concreto no que concerne ao arguido A... – referente á prestação de serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância não sendo titular do cartão profissional – já no que se refere ao arguido B...desconhecia-se e desconhece-se ainda por que facto vinha acusado;
42.  Malogradamente, esse erro sendo corrigido em sede de instrução, resultou numa pronúncia do arguido B... pelo art.º 32.º-A, n.º 2 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto;
43. Entende-se assim, que foi corrigida uma acusação sem base factual, no que concerne ao art.º 32.º-A, n.º 1 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto, com base noutro erro técnico-jurídico, redundando a alteração da qualificação jurídica que fora feita em sede de instrução numa condenação do arguido B... pelo n.º 2 do art.º 32.º-A, da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto;
44. Porém, pelo facto de o arguido, B..., desempenhar as funções de gerente da sociedade arguida, C..., Limitada, não existe nenhuma conduta, derivada dessa sua condição, praticada pelo próprio que possa ser subsumível no tipo de ilícito típico em questão. Isto é, não pode ser considerado “como utilizador de serviços de segurança, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realizava sem o necessário alvará” dado que, o estabelecimento é propriedade de uma sociedade comercial;
45. Fundamentando esta posição, temos o facto de a sociedade comercial, proprietária do espaço e em tese a pessoa coletiva com capacidade de utilizar os serviços de segurança, acusada por, alegadamente, ter utilizado uma pessoa ao seu serviço sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância;
46. Neste particular, para uma mais fácil compreensão, transcreve-se as normas que aqui estão em discussão no caso sub-judice;

Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto

«Artigo 32.º -A» Exercício ilícito da actividade de segurança privada

1 — Quem prestar serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância não sendo titular do cartão profissional é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 — Na mesma pena incorre quem utilizar os serviços da pessoa referida no número anterior, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará ou licença ou que as funções de vigilância não são exercidas por titular de cartão profissional.

Artigo 32.º -B

Responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas

As pessoas colectivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelo crime previsto no n.º 1 do artigo anterior.»
47. Ademais, isto é deveras surpreendente, dado que, a acusação tem isso em conta e, por isso, sabendo que o estabelecimento é explorado pela empresa acusa-a nos termos do n.º 2 do art.º 32.º-A, da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto, por alegadamente utilizar os serviços do arguido A...;
48. Nos termos da acusação/pronuncia, temos dois agentes a praticar o mesmo crime e, alegadamente, pelos mesmos factos, isto é, a empresa e o seu gerente. Ora, isto é inconcebível, dado que, gerou duas condenações;
49. Os arguidos, aqui recorrentes, entendem que o legislador pretendeu sancionar dois tipos de condutas:
a. Quem preste serviços de segurança sem estar habilitado para tal.
b. Quem usufrui desses serviços, isto é, quem retira da infração um benefício económico (quem preste serviços de segurança sem estar habilitado para tal e, consequentemente Analisando o Capitulo VI- Disposições sancionatórias, do Decreto-lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro, (1ª Versão) conjugada a redação do Decreto -Lei n.º 35/2004, de 8 de Agosto, verificamos que a conduta deixou de ser contraordenação e passou a ser crime. No entanto, o benefício que se retira desta infração sempre foi considerado);
50. Logo, no art.º 32.º-A, n.º 2 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto, visa-se punir o utilizador dos serviços, aquele que, retira benefício da infração. O que, em abstrato, seria sempre atribuível à arguida C..., Limitada, isto é, a pessoa coletiva que utilizaria os serviços;
51. Todavia, no despacho de pronúncia, a Meritíssima Juiz de instrução entendeu que o legislador equacionou uma previsão normativa separada, no que concerne ao ilícito criminal em questão, englobando três tipos de agentes que poderão incorrer na prática do crime:
a) Quem prestar serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância não sendo titular do cartão profissional;
b) Quem utilizar os serviços de segurança, sabendo que a pessoa que efetua a prestação de serviços de segurança, a realiza sem o necessário alvará ou licença;
c) E, autonomamente, as pessoas coletivas e entidades equiparadas, nos termos gerais, pelo crime previsto no n.º 1 art.º 32.º-A, n.º 1 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto.
52. Resumindo, o douto tribunal a quo validou o entendimento jurídico propugnado pela Meritíssima Juiz de Instrução contrariamente ao entendimento dos ora recorrentes e, diga-se, de outras decisões veiculadas pelo DIAP de Coimbra, validando a pronúncia, decidiu que havia previsão legal e elementos de prova que permitiam condenar o arguido B...;
53. Presentemente, temos três arguidos condenados nestes termos:

A..., pela prática de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo 32.º-A, n.º 1 do Decreto-Lei35/2004, de 21 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2008 de 8 de Agosto.

B..., pela prática de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo 32.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei 35/2004, de 21 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2008 de 8 de Agosto.

“ C..., Lda”, pela prática de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo 32.º-B do Decreto-Lei 35/2004, de 21 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2008 de 8 de Agosto.
54. Todavia, a previsão autónoma do art.º 32.º-B (Responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas) visa abranger as empresas de segurança e não a sociedades como a aqui arguida;
55. Vejamos, refere-se claramente nesse preceito legal, que as pessoas coletivas e entidades equiparadas, nos termos gerais, respondem pelo crime previsto no n.º 1 art.º 32.º-A, n.º 1 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto;
56. Ora, o n.º 1 art.º 32.º-A, n.º 1 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto, refere-se a quem prestar serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância não sendo titular do cartão profissional, pelo que, as pessoas coletivas cujo objeto social seja a prestação de serviços de segurança, cometem o mesmo crime que as pessoas singulares (Segurança) quando exercem essa atividade sem o necessário alvará ou licença (alvará no caso de pessoas coletivas);
57. A previsão autónoma do art.º Artigo 32.º-B visa abranger as empresas prestadoras desses serviços, ao remeter para a norma do número um do artigo anterior, e não as empresas utilizadoras desses serviços. Por outro lado, corroborando a tese defendida, no art.º 32.º-A, n.º 2 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto, visando punir o utilizador desses serviços efetuados ilegalmente, o legislador aí não se discrimina se o agente susceptível de praticar o crime é uma pessoa singular ou coletiva;
58. Inequivocamente, apenas constavam na acusação factos que, a provarem-se, poderiam ser subsumidos nas normas enunciadas no que respeita aos arguidos A... e C..., Limitada. Um por ter alegadamente desempenhado funções previstas no n.º 1 do art.º 32.º-A, da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto e outro (pessoa coletiva) por ter alegadamente utilizado os serviços, sabendo que as funções de vigilância não eram exercidas por titular de cartão profissional.
59. Na verdade, analisando, o teor do art.º art.º 32.º-A, n.º 2 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto, não se vislumbra como é que é possível enquadrar factos e subsumi-los nessa norma, no que respeita ao arguido B...;

Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto

«Artigo 32.º -A

Exercício ilícito da actividade de segurança privada

1 — (…)

2 — Na mesma pena incorre quem utilizar os serviços da pessoa referida no número anterior, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará ou licença ou que as funções de vigilância não são exercidas por titular de cartão profissional.
60. Salvo devido respeito, atenta a norma incriminatória utilizada na condenação do arguido B..., não se percebe como é que os serviços de segurança, prestados num estabelecimento comercial de uma sociedade, (também arguida neste processo) têm como utilizador dos mesmos o seu gerente. Depreendendo-se, por esse entendimento, que não existe para o douto tribunal a quo qualquer diferença entre a pessoa coletiva e o seu gerente no que toca á capacidade de utilizar os serviços, ambos são utilizadores dos alegados serviços (funções) que constam do n.º 1 dos factos provados;
61. Ora, equacionando por mera hipótese académica que foi essa a ideia do legislador, o que não se concebe, sempre se dirá que, se o alegado utilizador dos serviços é o arguido B..., então a sociedade arguida C..., Limitada devia ser absolvida do ponto de vista jurídico defendido pelo tribunal a quo. Tanto assim é, que não faz por outro lado qualquer sentido que a sociedade arguida tenha sido condenada como se de uma empresa de segurança se tratasse, dado que, na previsão autónoma do art.º 32.º -B do diploma em questão refere-se claramente, que as pessoas coletivas e entidades equiparadas, nos termos gerais, respondem pelo crime previsto no n.º 1 art.º 32.º-A, n.º 1 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto. Ora, o n.º 1 art.º 32.º-A, n.º 1 da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto, diz respeito a quem prestar serviços de segurança sem o necessário alvará;
62. Entendendo-se que, do ponto de vista jurídico, a empresa C..., Limitada somente tem, em tese, possibilidade de cometer o crime que se enquadrada na norma incriminatória do art.º 32.º-A, n.º 2, da Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto, isto é, enquanto entidade contratante/utilizadora dos serviços e nunca como entidade prestadora;
63. Por último, resta referir que, a respaldar a posição ora defendida, está o facto de o arguido B... ter recebido nestes autos uma sentença condenatória e noutros autos a decorrer paralelamente no mesmo juízo criminal por factos de igual natureza, o mesmo, apenas ter assumido a qualidade de testemunha;
64. Porquanto, face á violação das normas postuladas, deve ser corrigida a sentença ora posta em crise e, consequentemente ser o arguido B... absolvido;

Violação do douto tribunal a quo o art.º 71.º, n.º 2, al. d), do Código penal:
65. No que se refere à materialidade das infrações, parece-nos que o tribunal investigou toda a matéria que havia a investigar. Porém, já o mesmo não aconteceu no que se refere à situação económica e social dos arguidos, Isto é, se em relação aos arguidos (pessoas humanas) o tribunal a quo considerou, na falta de outros elementos, as suas declarações, em relação à arguida C..., Limitada, não foram investigados factos essenciais para a determinação do “quantum” da pena, conforme advém do art.º 71.º, n.º 2, al. d), do Código penal;
66. Com efeito, nada ficou provado acerca da situação económica da arguida C..., Limitada, e, em processo penal, nada tinha esta que provar já que sobre ela não recai qualquer ónus de prova, sendo que, o douto tribunal a quo na própria sentença reflete o que ora se alega:

“Relativamente à sociedade arguida, ainda que não tenha sido possível apurar as condições financeiras da mesma, entende o tribunal adequado fixar-lhe a taxa diária em 20 € (vinte euros).”
67. Ora, esta decisão é discricionária e não se encontra alicerçada em nenhum facto provado, pelo que, resultando numa condenação pecuniária de mil e quatrocentos euros cuja fundamentação não existe, violou-se o disposto no art.º 71.º, n.º 2, al. d), do Código penal;
68. Sabendo-se de antemão, que um dos princípios estruturantes do nosso processo penal é o princípio da investigação, segundo o qual é ao tribunal que cumpre Investigar todos os factos sujeitos a julgamento, cabia ao tribunal a quo diligenciar no sentido de obter os elementos essenciais à determinação da medida da sanção a aplicar, nomeadamente, através dos meios previstos nos art.ºs 370.º e 371.º do Código de Processo Penal;
69. Assim, porque o tribunal a quo não procedeu à investigação necessária à determinação da situação económica da arguida C..., Limitada, a sentença padece também, nesta parte, do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão;
70. O aludido vício, considerando o preceituado nos art.ºs 410.º n.º 2, 426º e 426º-A, todos do Código de processo penal, determina o reenvio do processo para novo julgamento, com vista à averiguação da referida questão.

3.

O recurso foi admitido.

4.

O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido, nomeadamente porque, diz, a prova foi corretamente avaliada.

5.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

 


*

*


FACTOS PROVADOS

6.

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

«1- Na noite de 15 para 16 de Dezembro de 2011, o arguido A... encontrava-se à porta do estabelecimento denominado “J...", sito na (...) em Coimbra, a exercer as funções de porteiro, recebendo os cartões referentes aos consumos dos clientes e verificando se os mesmos tinham procedido ao pagamento das bebidas consumidas.

2- O arguido não se encontrava credenciado e habilitado para o exercício dessa atividade.

3- O arguido sabia que não se encontrava habilitado para o exercício da atividade de segurança ou para exercer funções de vigilância e apesar disso desempenhava aquelas funções. 

4- O arguido B...é o representante legal da sociedade arguida “ C..., Lda”.

5- O arguido B...no dia dos factos, agia em nome e no interesse da sociedade arguida.

6- O arguido B...no dia dos factos, não se absteve de acordar com o arguido A... o exercício das funções referidas em 1., dando-lhe ordens para exercer tal actividade.

7- A sociedade arguida “ C..., Lda” explora o estabelecimento comercial designado J...”, que tem uma estrutura familiar. 

8- O arguido A... não é sócio da sociedade arguida.

9- Os arguidos agiram livre e conscientemente e sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas.

10- E...é sócio da sociedade arguida e há cerca de um mês e meio passou a exercer naquela funções de porteiro/segurança profissionalmente habilitado.

Mais se provou que:

11- O arguido A... está desempregado, vive em casa dos pais, não tem filhos, nem outros encargos, não aufere quaisquer rendimentos.

12- O arguido B..., é sócio-gerente não remunerado, vive em casa arrendada pela qual paga 375€ mensais, paga uma prestação mensal de 160€, vive com a companheira e tem dois filhos de 19 e 15 anos de idade.

13- Do certificado de registo criminal dos arguidos nada consta».

7.

E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente:

«a) Que o arguido B...celebrou um contrato com o arguido A... para o exercício da actividade de segurança ou para exercer funções de vigilância.

b) Que o arguido A... apenas estava a fumar um cigarro na noite dos factos referidos em 1., junto à entrada do estabelecimento.

c) Que os cartões junto aos autos, tivessem deixado de ser utilizados no estabelecimento há mais de dois anos antes da data dos factos referidos em 1».

8.

O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«Para a formação da convicção do tribunal quanto à factualidade provada e não provada, analisou-se crítica e conjuntamente a prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador.
A convicção do tribunal formou-se com base na conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas L... F..., D... e E..., que se cruzaram com alguns esclarecimentos prestados pelos arguidos, bem como, foi tida em conta demais prova documental existente nos autos. Foi dada mais relevância aos depoimentos destas testemunhas em detrimento das restantes testemunhas de defesa, porquanto desde logo, as aqui três primeiras testemunhas, demonstraram ter conhecimento direto dos factos, são os agentes policiais que participaram numa operação de fiscalização à sociedade arguida e prestaram depoimentos coerentes, espontâneos, sem incongruências e que fizeram sentido, relataram aquilo que viram no dia dos factos, o que se considerou credível. A testemunha E...prestou igualmente um depoimento que pareceu espontâneo e sincero, parecendo lógico e fazendo sentido, pelo que foi tido como credível. Esta testemunha afirmou que esteve no dia dos factos naquele estabelecimento e soube esclarecer a instâncias da defesa, quando confrontado com a pergunta de saber se no dia dos factos estava ou não o arguido A... na frente do estabelecimento a entregar cartões, a testemunha respondeu que “conforme está o A..., estou lá eu e ás vezes estão amigos (…) isto antes de (ele próprio) ser lá segurança”. Tal afirmação contribui para corroborar o depoimento das testemunhas que afirmaram que viram o arguido A... na entrada do bar no dia dos factos, a receber cartões de consumo dos clientes que saíam do bar.    
Relativamente às restantes testemunhas, importa referir que afirmaram nunca ter visto nenhum porteiro à entrada do estabelecimento, nem o próprio arguido A.... Contudo, a testemunha M....disse não saber se se encontrava no dito bar, no dia dos factos; a testemunha N... começou por relatar uma outra ocorrência que nada tinha a ver com os factos que aqui estão em causa, levando o tribunal a concluir que o mesmo não tinha a certeza do que se passou no dia dos factos. Esta testemunha ainda acrescentou porém, que “tinha um cartãozinho (de consumo) como tem sempre” e ainda mencionou não ter visto quaisquer agentes policiais no estabelecimento; a testemunha O... afirmou que é um bar que frequenta muito e apenas esclareceu que provavelmente teria estado nele, no dia dos factos, não sabendo precisar o dia. Ainda assim admitiu que entrou e recebeu um cartão de controle, que há dias que o recebe e outros que não. Os depoimentos destas testemunhas, prestados na primeira sessão de julgamento, em nada infirmaram o que se apurou pelos depoimentos dos três agentes policiais, e corroboram que é usual existirem cartões de consumo que são entregues aos clientes no dito bar. Considerou o Tribunal que estas testemunhas não prestaram depoimentos convincentes desde logo, por não se recordarem com alguma precisão se tinham estado ou não, no do dia dos factos, no estabelecimento referido. Por outro lado, estas testemunhas apenas souberam relatar em termos genéricos os procedimentos que costumam ver no dito bar mas nada concretizaram que se mostrasse relevante quanto aos factos referidos em 1.
Na segunda sessão de julgamento foram ouvidas, entre outras, a testemunha P..., que mencionou não se ter apercebido de qualquer fiscalização policial no dia dos factos, nem nunca ter visto o arguido A... no estabelecimento. O depoimento desta testemunha foi o que se mostrou mais impreciso, com várias contradições e hesitações, pelo que não foi credível. A testemunha, aos costumes respondeu só conhecer o arguido B... por ser cliente do bar desde que este abriu. Depois, a instâncias da defesa admitiu já ter prestado serviços como empregada de bar uma ou duas noites no mesmo estabelecimento e ter a certeza de uma dessas noites ter sido a noite dos factos. Porém quando confrontada para esclarecer porquê que teria tanta certeza de ter estado a servir ao balcão nesse estabelecimento no dia dos factos, respondeu de forma vaga sem aduzir qualquer razão em particular e não se recordando se nesse mesmo mês prestou mais alguma noite os mesmos serviços de empregada de bar, e em que data os teria deixado de prestar. Ainda acrescentou ter servido ao balcão no dito estabelecimento durante alturas de festas, não sabendo precisar se seria há dois anos ou há um ano atrás, mas estar segura de que na data dos factos estaria a fazê-lo, estando no bar apenas, “só” ela própria e o Sr. B.... Depois quando relembrada pela defesa, admitiu que também lá estaria a testemunha H...a servir ao balcão. Também nesta parte a testemunha não se considerou credível, porquanto a testemunha H...referiu apenas estar ele próprio e o Sr. B..., seu irmão, no balcão no dia dos factos, nada tendo dito sobre a testemunha P... lá se encontrar. Nenhuma outra testemunha referiu ter visto alguma vez a testemunha P... ao balcão, em qualquer altura ou sequer no dia dos factos. Ademais esta testemunha afirmou que se recordava exatamente do dia dos factos ser uma noite em que o acesso ao estabelecimento era livre, mas não sabia precisar se havia convívio ou não no bar, tendo a dada altura dito “o estabelecimento estava a funcionar com pré-pagamento, pagávamos no balcão”. Desde logo, pelo uso de tal expressão e se a testemunha diz que se encontrava a trabalhar ao balcão nesse dia, estranha-se que efectuasse consumos em simultâneo. Por outro lado, nas suas declarações o arguido A... admitiu que no dia dos factos referido em 1., encontrava-se junto à porta do estabelecimento J... a fumar um cigarro e que antes disso tinha estado dentro do bar, pelo que mais uma vez não se crê no depoimento da testemunha P... que parece fazer crer que o arguido nem teria estado no estabelecimento nessa noite de 15 para 16 de Dezembro.    
A testemunha G.... nada soube dizer sobre os factos. E por fim, a testemunha H... , afirmou estar a servir ao balcão no dia dos factos referidos em 1. junto ao seu irmão B..., afirmou que era uma noite de pré-pagamento com a porta aberta, mas por outro lado adianta que não viu o irmão ser abordado pelos agentes policiais, nem soube de nada dos factos descritos nessa noite, por só lhe terem contado no dia seguinte. O depoimento desta testemunha não foi esclarecedor quanto aos factos referidos em 1., até porque a testemunha pareceu não se recordar ou não se ter apercebido do que efectivamente se passou na noite referida, uma vez que nada mais soube relatar da mesma.
Deste modo pareceram mais consentâneos os depoimentos dos três agentes da PSP, L... F... e D.... Estes foram unânimes em afirmar que estiveram entre 10 a 15 minutos a observar a entrada do estabelecimento J... no dia dos factos referidos em 1., e nesse período de tempo viram duas pessoas, sendo uma delas o arguido A... junto à porta do estabelecimento, este a receber cartões de consumo dos clientes que saiam do interior do dito bar, só após tal constatação decidiram abordar o arguido A.... Acrescentaram que o mesmo tinha cartões de consumo nas mãos, tendo a testemunha F... referido que o arguido lhe entregou um voluntariamente, que apreendeu, constando o mesmo dos autos a fls.11. Adiantou a testemunha que confrontou o arguido A... com o facto do mesmo não possuir credenciais de vigilante ou porteiro e por tal razão não poder estar a fazer um controle à entrada do dito bar, tendo aquele negado que o estivesse a fazer.
As testemunhas L... e F... identificaram no dia dos factos o sócio-gerente Sr. B...que se encontrava atrás do balcão no interior do bar e que lhes foi indicado pelo arguido A... como sendo o responsável pelo funcionamento do estabelecimento. Tratando-se aquele arguido do único gerente e estando ele sempre presente no bar, como afirmaram as testemunhas de defesa que o conheciam, crê-se que o mesmo orientava as funções desempenhadas pelos restantes familiares e trabalhadores do bar, uma vez que em regra, é função dos gerentes fazê-lo.
Pelo exposto, atenta a prova produzida em audiência consideraram-se provados os factos dos pontos 1. a 6. e o facto referido em 10..
Os factos provados nos pontos 7. e 8. foram admitidos por confissão, na contestação dos arguidos. Quanto ao facto referido em 9., assim foi considerado tendo em conta os restantes factos provados, em conjugação com as regras de experiência comum.
Os factos dos pontos 11. e 12., resultaram provados tendo por base as declarações dos arguidos quanto às suas condições económicas, que se consideraram credíveis, não sendo postas em causa.
Relativamente aos factos não provados das alíneas a) a c), nenhuma prova se fez quanto aos mesmos que permitisse afirmar o seu contrário.
Relativamente ao facto não provado em c), importa referir que nenhuma testemunha de defesa soube precisar que cor ou modelo teriam os cartões utilizados no bar dois anos antes da data dos factos, nem mesmo foram convincentes as testemunhas que negaram existir cartões de consumo na noite em questão. Pelo que não foi possível ao Tribunal formar convicção contrária em relação ao testemunho dos três agentes policiais que afirmaram ter visto e recolhido dois cartões de consumo na noite dos factos descritos.
Foi tido em conta o auto de notícia de fls. 10 e 11.
Foi ainda considerada a certidão de matrícula da sociedade “ C..., Lda” a fls.42 a 44.
Quanto à ausência de antecedentes criminais dos arguidos teve-se em conta o teor dos certificados de registo criminal, junto aos autos, a fls. 228,229 e 230».


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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:

I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

II – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados

III – Impugnação das penas aplicadas


*


I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

            Os arguidos começam por impugnar a decisão sobre a matéria de facto, no que aos factos constantes dos pontos 1, 3, 6 e 9 da matéria provada e alíneas b) e c) da matéria não provada respeita.

            É o seguinte o conteúdos dos pontos impugnados:

«1- Na noite de 15 para 16 de Dezembro de 2011, o arguido A... encontrava-se à porta do estabelecimento denominado J...”, sito na (...)em Coimbra, a exercer as funções de porteiro, recebendo os cartões referentes aos consumos dos clientes e verificando se os mesmos tinham procedido ao pagamento das bebidas consumidas.

3- O arguido sabia que não se encontrava habilitado para o exercício da atividade de segurança ou para exercer funções de vigilância e apesar disso desempenhava aquelas funções. 

6- O arguido B...no dia dos factos, não se absteve de acordar com o arguido A... o exercício das funções referidas em 1., dando-lhe ordens para exercer tal actividade.

9- Os arguidos agiram livre e conscientemente e sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas.

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que:

b) Que o arguido A... apenas estava a fumar um cigarro na noite dos factos referidos em 1., junto à entrada do estabelecimento.

c) Que os cartões junto aos autos, tivessem deixado de ser utilizados no estabelecimento há mais de dois anos antes da data dos factos referidos em 1».

            Para prova dos alegados erros de julgamento cometidos os arguidos indicam o conteúdo do auto de notícia, e o que nele foi relatado pela testemunha F..., e os depoimentos prestados pelos agentes da autoridade F..., L.... e D... e da testemunha de defesa E....

            Estando cumprido o formalismo legal de que depende o conhecimento da conformidade entre a decisão e a prova produzida, tal como está delineado no art. 412º, nº 3 e 4, do C.P.P., passemos, então, à decisão desta questão.

F..., agente da PSP, declarou que no dia dos factos ele e os colegas desceram a (...), estacionaram a viatura no parque de estacionamento existente em frente ao bar, estiveram entre 10 a 20 minutos a ver os procedimentos adotados na porta do estabelecimento e verificaram que estavam dois senhores na porta, um que entregava cartões a quem entrava no bar e o outro que recebia os cartões de quem saía.

Perguntado qual dos arguidos recebia e qual deles entregava os cartões, referiu que o arguido A...(que identificou apontando para ele) recebia os cartões e que do lado esquerdo da porta estava um indivíduo de nome I..., que entregava cartões a quem entrava.

Este indivíduo, quando se apercebeu da aproximação dos agentes da autoridade, fugiu para o interior do estabelecimento. Disse que ainda entraram no bar à procura do indivíduo, mas não o conseguiram encontrar, dado o elevado número de clientes que lá se encontrava.

Sobre o mais sucedido, declarou que o arguido A...tinha vários daqueles cartões na mão. Apenas apreenderam um dos cartões, por bastar para o levantamento do auto e porque eles também precisavam deles para a contabilidade.

Perguntado qual tinha sido a reação do arguido A...quando foi abordado respondeu que o arguido disse que não estava a controlar, que apenas estava a distribuir cartões. Relativamente ao outro indivíduo, esse entregava os cartões a quem entrava, tendo acrescentado que não viu ninguém recusar o recebimento do cartão que ele entregava. Disse, também, que não se apercebeu de ele barrar a entrada a clientes.

Repetiu que os seus colegas entraram no bar para procurarem o referido I..., mas não o encontraram. O depoente disse que também entrou no bar para tentar identificar a pessoa que estava a dirigir o bar naquele dia e quem exercia essas funções era o arguido B....

Quando falou com ele informou-o que estavam a exercer funções de segurança privada. Disse que não lhe pediu o alvará porque já sabia antecipadamente que o estabelecimento não dispunha nem de alvará, nem de licença. Sabia porque a Direção Nacional manda informação de quem tem alvará de auto proteção e aquele estabelecimento não constava dessa lista.

Também lhe perguntou pelo I... ele disse que não sabia.

Entretanto, resulta que nesta altura se procedeu à leitura do auto de notícia de fls. 3, elaborado pela testemunha.

L... agente da PSP, declarou que, como é prática comum nestes casos, antes de intervirem fizeram uma espécie de vigilância.

Assim, estiveram na zona do parque de estacionamento, situado em frente ao bar, cerca de 15 minutos e verificaram que havia dois senhores na porta - um dos quais o arguido A..., que identificou apontando -, que entregavam e recebiam os cartões a quem entrava e saia do estabelecimento.

Quanto ao outro arguido, ele era o responsável pelo estabelecimento.

O arguido A...estava na entrada a controlar as pessoas que saíam e fazia-o vendo o cartão de consumo, para verificar se dele constava que o consumo havia sido pago. O outro indivíduo entregava os cartões a quem entrava e só permitia a entrada a quem recebia o cartão: quem não queria receber o cartão não era deixado entrar.

Este indivíduo quando viu o depoente e os colegas fugiu para o interior do estabelecimento. Ainda entraram para o procurar, mas dado o número de pessoas que havia no interior não o conseguiram encontrar.

            Continuou dizendo que depois abordou o arguido A...e que lhe pediu a identificação.

Referiu que havendo pessoas no controle de entrada e saída de pessoas a lei obriga a empresa a ter um vigilante ou, então, a empresa teria que ter licença de auto proteção, para cuja atribuição os funcionários têm que ter formação específica.

            Depois pediu ao arguido B... o alvará de auto proteção, mas ele disse que não tinha e acrescentou que não estavam a fazer qualquer tipo de controlo às entradas.

            Referiu, ainda, que foram recolhidos dois destes cartões, um dos quais do chão.

D..., agente da PSP, declarou que no dia em causa fiscalizou o bar J..., com os colegas F... e L....

Naquele diz, como fazem sempre em situações daquela natureza, antes de abordarem os arguidos estiveram durante algum tempo a observar o comportamento. Depois, quando já não restarem dúvidas que as pessoas estavam a exercer funções de segurança privada, atuam. Foi o que sucedeu naquele dia.

Estiveram uns minutos junto a umas árvores situadas no parque de estacionamento e viram dois indivíduos na entrada do estabelecimento, um a entregar cartões e um a receber cartões. Um deles foi identificado e o outro não foi, porque quando se apercebeu do depoente e colegas fugiu para o interior do estabelecimento.

Perguntado como é que obtiveram os cartões que estão no processo disse que, tanto quanto se lembra, um deles foi entregue pela pessoa que estava à porta e que foi abordada e o outro foi apanhado do chão.

Entrou no estabelecimento para tentar encontrar o outro indivíduo que estava à porta, mas não o encontrou.

Depois contactaram com o senhor B..., responsável pelo estabelecimento. Disse saber que o estabelecimento não tinha licença de auto proteção e que as pessoas que estavam na porta não eram vigilantes: a pessoa que foi identificada não tinha licença de vigilante e nenhum deles estava uniformizado.

            E..., irmão dos arguidos, declarou também é sócio do estabelecimento e que, agora, exerce as funções de segurança.

            Enquanto sócio disse que passava, e passa, frequentemente pelo bar para ajudar.

Sobre os factos disse que no dia em causa passou no estabelecimento e nesse dia o sistema era de pré-pagamento: «havia um convívio e estava em pré-pagamento».

            Havia dias de pré-pagamento e havia dias de controlo de consumo: nos dias em que havia convívios o sistema era de pré-pagamento e nos dias mais fracos havia controlo de consumo, através de cartão, que era pedido ao fundo do estabelecimento.

Nos dias em que havia controlo de consumo o cartão era dado dentro do bar, porque não havia ninguém a controlar.

Atualmente a porta está fechada e as pessoas para entrarem pagam 1 € ou 2 € de consumo mínimo. Antigamente era porta aberta.

Declarou que agora, e depois de ter tirado um curso profissional, é o depoente que está na porta do estabelecimento.

Perguntado se no dia dos factos o seu irmão D...estava na porta do bar a dar cartões, respondeu: «conforme está o A..., estou lá eu …».

            Perguntado se nesse dia o irmão B... foi abordado respondeu «não me lembro de nada, o B... está sempre da parte de dentro do balcão».

            Conforme resulta da motivação da decisão, a convicção do tribunal recorrido resultou, precisamente, do depoimento destas quatro testemunhas.

            E sobre estes depoimentos diz a sentença: «desde logo, as aqui três primeiras testemunhas, demonstraram ter conhecimento direto dos factos, são os agentes policiais que participaram numa operação de fiscalização à sociedade arguida e prestaram depoimentos coerentes, espontâneos, sem incongruências e que fizeram sentido, relataram aquilo que viram no dia dos factos, o que se considerou credível …».

            E o essencial do depoimento destas testemunhas é a afirmação da certeza de que no dia em causa se desenrolavam atos de segurança privada à porta do estabelecimento. Concluiram isto porque antes de intervirem estiveram entre 10 a 20 minutos a verificar como é que se desenrolavam os procedimentos de entrada e saída de clientes e nessa verificação viram que havia duas pessoas na porta de acesso, uma entregando cartões de consumo a cada cliente que entrava e a outra recebendo os cartões de consumo dos clientes que saíam: o arguido A...controlava as pessoas que saiam e fazia-o vendo o cartão de consumo, para ver se dele constava que o consumo havia sido pago; o outro indivíduo entregava os cartões a quem entrava e só permitia a entrada a quem recebia o cartão e quem não queria receber o cartão não era deixado entrar.

            Esta é a essencialidade dos depoimentos, já que as discrepâncias apontadas no recurso são pontos secundários sem virtualidade para por em causa o essencial.

            E no essencial tratou-se, tal como o tribunal recorrido concluiu, de depoimentos coerentes, espontâneos, sem incongruências e que retrataram de forma cabal como se desenrolava a entrada e saída de pessoas na porta do estabelecimento J...” na noite de 15 para 16 de Dezembro de 2011.

            Dos depoimentos resultou, ainda, que era o arguido B... quem era o responsável pelo estabelecimento.

Do exposto resulta a inexistência de qualquer erro de julgamento quanto à decisão de dar como provados e não provados os factos impugnados no recurso.

Sobre a contradição invocada pelos arguidos – consistente no facto de na matéria assente não se aludir aos cartões constantes do processo nem se dar como provados que estes cartões estivessem a ser usados, por um lado, e, no entanto, na al. c) dos factos não provados se dizer que não se provou que os cartões juntos ao processo tivessem deixado de ser utilizados no estabelecimento há mais de dois anos -, há que recordar que do ponto 1 da matéria provada consta que «na noite de 15 para 16 de Dezembro de 2011, o arguido A... encontrava-se à porta do estabelecimento … a exercer as funções de porteiro, recebendo os cartões referentes aos consumos dos clientes e verificando se os mesmos tinham procedido ao pagamento das bebidas consumidas».

            Quais eram estes cartões?

Os cartões que juntos aos autos, claro está, e que integram o processo desde o seu início, pois que acompanharam o auto de notícia que foi levantado no dia dos factos.

Relevando, para a formação da convicção do tribunal, o auto de notícia - tal como expressamente refere a motivação -, e sendo que os cartões recolhidos no dia integram o auto de notícia, então temos por cabalmente demonstrado que os cartões que no dia estavam a ser utilizados são aqueles mesmos que são referidos no auto de notícia e que o acompanharam na apresentação dos factos ao Ministério Público.

            Na conclusão 34. (que integra o ponto 60 da motivação) os arguidos concluem que, para além dos pontos 1, 3, 6 e 9 da matéria provada, também deve ser alterada a matéria de facto dada como provada no ponto 12, do qual consta que «o arguido B..., é sócio-gerente não remunerado, vive em casa arrendada pela qual paga 375€ mensais, paga uma prestação mensal de 160€, vive com a companheira e tem dois filhos de 19 e 15 anos de idade».

Ora, esta matéria não está abordada em parte alguma da motivação e sendo a motivação que suporta as conclusões, não merece acolhimento o que quer que seja referido na motivação se não estiver, previamente, analisado e desenvolvido na motivação.

Se é certo que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, é igualmente certo que as conclusões apenas resumem as razões do pedido, razões estas que têm que estar expostas na motivação, sob pena de não serem conhecidas. Assim o diz o nº 1 do art. 412º do C.P.P.


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II – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados

            Os arguidos impugnam, também, a condenação do arguido B... dizendo que a sentença não contém factos suficientes para que fosse tomada uma tal decisão.

            Recordando, este arguido foi condenado pela prática de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, do art. 32º-A, nº 2, do Decreto-Lei nº 35/2004, de 21/2, com as alterações introduzidas pela Lei nº 38/2008, de 8/8.

            Nos termos do art. 2º, nº 1, al. a), do diploma, cuja epígrafe é “serviços de segurança privada”, esta atividade de segurança privada compreende, além do mais, o controlo de entrada, presença e saída de pessoas no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espectáculos e convenções.

            Depois, dispõe o art. 6º, nº 2, que os vigilantes de segurança privada exercem, entre outras, as funções de controlo de entrada, presença e saída de pessoas nos locais de acesso vedado ou condicionado ao público, funções para cujo exercício é necessário cartão profissional emitido pela entidade competente, tal como impõe o art. 10º.

            Depois, e no capítulo relativo às disposições sancionatórias, preceitua o nº 1 do art. 32º-A que «quem prestar serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância não sendo titular do cartão profissional é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».

            Conforme se provou, no dia dos factos o arguido A...prestava serviços de segurança sem que possuísse as necessárias habilitações. Daí o cometimento deste crime.

            Acrescenta o nº 2 da norma que incorre na pena do nº 1 «… quem utilizar os serviços da pessoa referida no número anterior, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará ou licença ou que as funções de vigilância não são exercidas por titular de cartão profissional».

            Temos, ainda, o art. 32º-B, respeitante à responsabilidade criminal das pessoas coletivas, que diz que estas são responsáveis, nos termos gerais, pelo crime previsto no nº 1 do art. 32º-A.

            Das normas citadas temos que o nº 1 do art. 32º-A refere-se à pessoa que exerce as funções de segurança privada sem que tenha o necessário cartão profissional.

            Já o nº 2 do art. 32º-A respeita à pessoa singular que decidiu da utilização destes serviços, isto é, da prestação da atividade de segurança privada por quem não era detentor do cartão profissional.

            Finalmente, temos a responsabilidade da pessoa coletiva.

E de quem é que se trata aqui, de que pessoa coletiva estamos a falar?

Como vimos, os serviços de segurança privada compreendem, além do mais, o controlo de entrada, presença e saída de pessoas no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público.

Daqui resulta que uma das condutas abrangidas no nº 1 do art. 32º-A é, precisamente, o controlo de entrada, presença e saída de pessoas do interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público por pessoa não titular de cartão profissional.

            Assim, a pessoa coletiva de que fala o art. 32º-B é aquela onde esta atividade se desenrola, ou seja, a titular do edifício ou local de acesso condicionado cuja atividade de segurança esteja a ser levada a cabo por pessoa não titular do respetivo cartão profissional.

            Ora, conforme se provou - ponto 6 dos factos assentes -, o arguido B... deu ordens ao arguido A...para este controlar o acesso das pessoas ao estabelecimento.

Depois, também se provou - ponto 9 -, que o arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida.

            São estes os factos que estão na base da condenação do arguido B... e não a circunstância de ele ser o responsável pelo estabelecimento.

            Portanto, temos a atuação do arguido A..., que estava a desempenhar as funções de segurança, a do arguido B..., que decidiu que o arguido A...desempenhasse aquelas funções, e, finalmente, a pessoa coletiva, que também é responsável [1].

            É que o âmbito de aplicação das normas citadas são, como se vê, diferentes.


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III – Impugnação das penas aplicadas

            Finalmente os arguidos impugnam a pena aplicada à arguida C..., Ldª.

Alegam que nada constando sobre a situação económica da arguida, a aplicação da taxa diária de 20 € surge como discricionária, por não se alicerçar em nenhum facto.

Dada a técnica usada pelo nosso legislador num primeiro momento de fixação da pena encontramos os dias de multa adequados ao caso, e apurados segundo os critérios estabelecidos no art. 71º, e só depois se procede à fixação da respectiva taxa diária.

O legislador nada diz sobre os critérios de determinação desta taxa diária, pelo que se entende que isto só poderá significar oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de factores relevantes.

No entanto há dados aos quais não se pode fugir nesta operação: há que atender à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte, assim como há que lhes deduzir determinadas despesas, essenciais à vida diária [2].

Quando a condenada seja uma pessoa coletiva, o raciocínio a fazer é semelhante.

No entanto a pena de multa não tem que se cingir ao rendimento disponível do condenado, isto é, se a pena de multa não quer ficar-se por um simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável, não tendo que se restringir ao excedente [3].

Ora, no que respeita à arguida, da matéria provada nada consta sobre a situação económica e financeira desta, o que significa que faltam factos essenciais à decisão.

O tribunal ao não se debruçar sobre esta vertente da vida da arguida não esclareceu um ponto crucial da matéria de facto, abrangido no thema probandum, e ficou aquém do que devia, pois não esgotou o tema, por cujo apuramento estava incumbido [4].

Esta omissão gera o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, do art. 410º, nº 2, al. a), do C.P.P., pois que desta não constam todos os elementos que, podendo e devendo ser indagados, são essenciais à sua prolação [5].

Este vício inviabiliza a decisão da causa por parte deste tribunal, no que a este aspeto respeita, por absoluta falta de elementos relativos às condições económicas do arguida, tendo o processo que regressar à 1ª instância, ao abrigo do nº 1 do art. 426º do C.P.P., para apurar a matéria em falta.


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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos determina-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos dos art. 426º, nº 1, e 426º-A, nº 1, ambos do C.P.P., restrito à averiguação dos elementos necessários à fixação da taxa da multa aplicada à arguida.

Sem custas.

Olga Maurício (Relatora)

Luís Teixeira

[1] Vide o acórdão da Relação do Porto de 16-11-2011, processo 26/08.6PEVRL.P1, relatado pelo sr. desembargador Augusto Lourenço.
2 Figueiredo Dias, Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime, II, pág. 129.
3 Acórdão do S.T.J. de 3-6-2004, processo 04P1266.
4 Acórdãos do S.T.J. de 6-11-2003, processo 03P3370, e de 2-7-2008, processo 07P3861.




[5] Vide, entre muitos outros, os acórdãos do S.T.J. de 11-1-2006, processo 3461/05, de 30-11-2006, processo 3675/06, e de 5-9-2007, processo 06P4798.