Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
| ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Nº Convencional: | JTRC | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | OLGA MAURÍCIO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | SEGURANÇA PRIVADA | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 06/19/2013 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Tribunal Recurso: | JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | REENVIO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 2º Nº 1 A), 6º Nº 2, 10º, 32º-A NºS 1 E 2 E 32º-B DO DECRETO-LEI Nº 35/2004, DE 21/2 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Sumário: | 1.- Os vigilantes de segurança privada exercem, entre outras, as funções de controlo de entrada, presença e saída de pessoas nos locais de acesso vedado ou condicionado ao público, funções para cujo exercício é necessário cartão profissional emitido pela entidade competente; 2.- Incorre na prática crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, do art. 32º-A, nº 1, do Decreto-Lei nº 35/2004, de 21/2, o arguido que prestava serviços de segurança sem que possuísse o respetivo cartão profissional; 3.- Responsabilidade criminal recai igualmente sobre a pessoa singular que decidiu da utilização destes serviços, isto é, da prestação da atividade de segurança privada por quem não era detentor do cartão profissional , bem como sobre a pessoa coletiva onde esta atividade se desenrola, ou seja, a titular do edifício ou local de acesso condicionado cuja atividade de segurança esteja a ser levada a cabo por pessoa não titular do respetivo cartão profissional. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
RELATÓRIO
Nos presentes autos foram os arguidos A..., B...e “ C..., Lda” condenados, respetivamente, pelo exercício ilícito da atividade de segurança privada, do art. 32º-A, nº 1, do Decreto-Lei nº 35/2004, de 21/2, do art. 32º-A, nº 2, do mesmo diploma e, por fim, do art. 32º-B, nas penas de 50 dias de multa, à taxa diária de 5 €, 70 dias de multa, à taxa diária de 6 €, e 70 dias de multa, à taxa de 20 €.
2. Inconformados, os arguidos recorreram, retirando da motivação as seguintes conclusões:
Depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital – (minuto 2,38 a minuto 7,00 e minuto 20 a 23 do total do depoimento de 23,58) – Exa. sra. Procuradora-Adjunta: Isso era importante também ouvir, porque fala-se aqui de um I.... e a gente nem sabe quem é? (minuto 3,19s/23,58s) Testemunha F...: eu conheço-o porque ele foi das primeiras pessoas que começou aí na segurança privada e eu também sou o Agente mais antigo, que comecei a trabalhar ...sim… e então conheço o I..., eu acho que ele é I...…conhece-o …dada a minha atividade profissional (…) Exa. sra. Procuradora-Adjunta: Foi o senhor que depois fez a abordagem ao arguido A... (Imperceptível)? Testemunha F...: Fui, Fui. Exa. Sra. Procuradora-Adjunta: E então, o que é que ele tinha na mão, o que lhe entregou voluntariamente, como é apareceram os cartões que estão apreendidos, conte-nos lá bem isso. Testemunha F...: Um cartão foi pedido ao senhor, porque apanhei… Exa. Sra. Procuradora-Adjunta: Tinha vários na mão? Testemunha F...: Tinha vários… Exa. Sra. Procuradora-Adjunta: E não aprendeu tudo …porquê? Testemunha F...: Porque um chegava-nos… porque… aaahhh … era também para a contabilidade deles, porque era… se calhar iriam fazer a contabilidade deles… porque era… Exa. Sra. Procuradora-Adjunta: Ah…porque era a saída, por era controle. 14. Ora, o discurso vacilante, translucidamente periclitante desta testemunha é tudo menos credível, nomeadamente, quando diz em discurso corrido (antes de ser interrompido) o seguinte acerca dos cartões: “E apanhamos um ou dois que o I...” e de seguida, a instâncias da Exma. Sra. Procuradora, já admite que aprendeu um cartão ao arguido A... que lhe foi entregue voluntariamente. 15. Convém realçar, que no auto de notícia nada foi referido em relação a qualquer apreensão efetuada ao arguido A..., provando-se a inexistência da prática de quaisquer atos pelo recorrente, subsumíveis ao tipo legal de crime pelo qual foi condenado; 16. Em suma, como o tal individuo conhecido como I... deixou misteriosamente de ser arguido nos presentes autos, restava atribuir os factos respeitantes a cartões ao aqui arguido A...; 17. Ora, se os agentes referem a existência de uma pessoa a controlar a porta do estabelecimento e apontam essa pessoa como tendo cartões, teria o douto Tribunal a quo de equacionar a possibilidade de ser verdade a versão do arguido, A..., quando afirma que somente estava na porta do estabelecimento a fumar um cigarro; 18. Na verdade, nenhum depoimento foi esclarecedor quanto a facto de como apareceram os cartões no processo. O agente, L..., quando questionado diretamente pela Exma. Sra. Procuradora-adjunta, disse que um dos cartões foi apanhado do chão, mas que só o Agente que elaborou o Auto de Noticia é que podia explicar isso;
Depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital – (minuto 14,40 a minuto 20 do total do depoimento de 30,31) – 19. O agente, D..., quando questionado diretamente pela Exma. Sra. Procuradora-adjunta, disse não reconhecia nenhum dos arguidos como sendo uma das pessoas que estava na porta no dia dos factos e, pensa, que um dos cartões foi apanhado do chão e que outro foi cedido. Posteriormente, de modo sincero disse que tudo o que sabia provinha do facto de ter lido o auto de notícia; 20. Ora, estando três agentes a fazer a fiscalização, parece-nos que este agente foi de todos o mais credível, dado que, disse que havia duas pessoas á porta, uma refugiou-se para dentro do bar e outro aí permaneceu. No entanto, não reconheceu nenhum dos arguidos como sendo uma delas, acrescentando apenas, que não sabe quem identificou o arguido A... e que houve um cartão que caiu ao chão que não sabe quem o apanhou;
– (minuto 17,03 a minuto 19 do total do depoimento de 30,31) –
Advogado de defesa dos arguidos: Nestes factos, diz-se aqui que o seu irmão A...estava á frente do estabelecimento a fazer…, a dar os cartões…Que é que diz, nesse dia? Testemunha E...: Conforme está o A...estou lá eu, às vezes estou a falar com amigos, não é, e ainda aqui há dias estava a organizar um convívio, acho que era direito… acho que era direito …um convívio de direito, sou abordado por um Agente. Que é que o senhor… Advogado de defesa dos arguidos: Está a falar antes de ser Segurança? Testemunha E...: Antes de ser Segurança… Antes de ser Segurança… Estou a falar antes de ser Segurança… Testemunha E...: Vira-se para mim e o que é que você está aqui a fazer…Peço desculpa, mas quem é o senhor, eu sou Agente…então e eu não posso estar aqui fora a conversar…não sei quê…eu sou sócio do bar…está-me a mentir… Você quer, como é que chama, que lhe mostre o registo como sou sócio do bar… 30. Salvo devido respeito, do depoimento que se acabou de transcrever e que foi gravado através do sistema integrado de gravação digital – (minuto 7,10 a minuto 9 do total do depoimento de 9,32) nunca poderia o tribunal a quo tirar as ilações que tirou, nem tampouco inserir na motivação aquilo que se considera uma interpretação que, em si, é ela completamente deturpadora dos factos e, sendo assim, para não subsistam dúvidas aqui se reproduz integralmente: A testemunha E...prestou igualmente um depoimento que pareceu espontâneo e sincero, parecendo lógico e fazendo sentido, pelo que foi tido como credível. Esta testemunha afirmou que esteve no dia dos factos naquele estabelecimento e soube esclarecer a instâncias da defesa, quando confrontado com a pergunta de saber se no dia dos factos estava ou não o arguido A... na frente do estabelecimento a entregar cartões, a testemunha respondeu que “ conforme está o A..., estou lá eu e ás vezes estão amigos (…) isto antes de (ele próprio) ser lá segurança”. Tal afirmação contribui para corroborar o depoimento das testemunhas que afirmaram que viram o arguido A... na entrada do bar no dia dos factos, a receber cartões de consumo dos clientes que saíam do bar. (Negrito e sublinhado nosso). 31. Ora, o depoimento da testemunha é muito diferente do que é referido na motivação, onde o douto tribunal a quo interpreta que a testemunha tenha dito claramente que podem ser várias pessoas a dar os cartões. Efetivamente, analisando a expressões utilizadas pela testemunha situadas no seu devido contexto, fica claro que a testemunha E..., antes de mais, não disse a expressão “e às vezes estão amigos” mas sim algo bem diferente ou seja “às vezes estou a falar com amigos”; 32. Neste ponto, basta ouvir as gravações, aliás, após a expressão proferida, é descrita uma situação vivenciada por si numa abordagem feita por um Agente da PSP, somente por se encontrar na frente do estabelecimento; 33. Posto isto, a convicção do tribunal ao forma-se com base numa interpretação errada e literalmente diferente da proclamada, padece de vício que inquina todo o processo de condução à tomada da própria decisão. 34. Exige-se, deste modo, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifica como incorretamente julgados, dado que, a mesma não têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, pelo que considera-se imporem uma decisão diversa. Devendo assim, o douto tribunal ad quem alterar a matéria de facto dada por provada enunciada nos artigos 1.º;3.º;6.º;9 e 12.º pelas razões enunciadas; 35. Analisando-se a motivação da sentença, resulta claro que o douto tribunal a quo formou a sua convicção com base em elementos de prova que, face às incongruências analisadas, vem desprovida de qualquer credibilidade. Sendo certo que, no tocante ao ponto 6 dos factos provados, trata-se de uma mera conclusão do julgador, que não vem alicerçada nem fundamentada em nenhuma prova existente nos presentes autos; 36. Sendo deveras precipitada e desapoiada de factos concretos, a utilização da livre convicção do tribunal, das regras da experiência comum, ou da normalidade dos comportamentos, para ter-se concluído que o arguido B... acordou com o arguido A... o exercício das funções referidas em 1 e 6 dos Factos dados como provados; 37. Imputa-se à decisão ora posta em crise um erro de julgamento, dado que, o douto tribunal a quo deu como provados os factos que se impugnaram sem que tenha sido feita prova nesse sentido e por outro lado, foi produzida prova suficiente para dar esses mesmos factos por não provados; 38. Destarte, o arguido A..., foi condenado mediante a produção de prova testemunhal deveras inverosímil e, com a convicção do tribunal, a formar-se numa interpretação errónea e literalmente diferente da proclamada, pelo que, terá obrigatoriamente de existir a prolação de nova sentença da qual resulte a absolvição deste arguido. Arguido B...– Inexistência da prática de quaisquer actos, subsumíveis ao tipo legal de crime pelo qual foi condenado: Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto «Artigo 32.º -A» Exercício ilícito da actividade de segurança privada 1 — Quem prestar serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância não sendo titular do cartão profissional é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 — Na mesma pena incorre quem utilizar os serviços da pessoa referida no número anterior, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará ou licença ou que as funções de vigilância não são exercidas por titular de cartão profissional. Artigo 32.º -B Responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas As pessoas colectivas e entidades equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelo crime previsto no n.º 1 do artigo anterior.» A..., pela prática de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo 32.º-A, n.º 1 do Decreto-Lei35/2004, de 21 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2008 de 8 de Agosto. B..., pela prática de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo 32.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei 35/2004, de 21 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2008 de 8 de Agosto. “ C..., Lda”, pela prática de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, p. e p. pelo artigo 32.º-B do Decreto-Lei 35/2004, de 21 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/2008 de 8 de Agosto. Lei n.º 38/2008 de 08 de Agosto «Artigo 32.º -A Exercício ilícito da actividade de segurança privada 1 — (…) 2 — Na mesma pena incorre quem utilizar os serviços da pessoa referida no número anterior, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará ou licença ou que as funções de vigilância não são exercidas por titular de cartão profissional. Violação do douto tribunal a quo o art.º 71.º, n.º 2, al. d), do Código penal: “Relativamente à sociedade arguida, ainda que não tenha sido possível apurar as condições financeiras da mesma, entende o tribunal adequado fixar-lhe a taxa diária em 20 € (vinte euros).”
3. O recurso foi admitido.
4. O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção do decidido, nomeadamente porque, diz, a prova foi corretamente avaliada.
5. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais. Realizada a conferência cumpre decidir.
* *
FACTOS PROVADOS
6. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: «1- Na noite de 15 para 16 de Dezembro de 2011, o arguido A... encontrava-se à porta do estabelecimento denominado “J...", sito na (...) em Coimbra, a exercer as funções de porteiro, recebendo os cartões referentes aos consumos dos clientes e verificando se os mesmos tinham procedido ao pagamento das bebidas consumidas. 2- O arguido não se encontrava credenciado e habilitado para o exercício dessa atividade. 3- O arguido sabia que não se encontrava habilitado para o exercício da atividade de segurança ou para exercer funções de vigilância e apesar disso desempenhava aquelas funções. 4- O arguido B...é o representante legal da sociedade arguida “ C..., Lda”. 5- O arguido B...no dia dos factos, agia em nome e no interesse da sociedade arguida. 6- O arguido B...no dia dos factos, não se absteve de acordar com o arguido A... o exercício das funções referidas em 1., dando-lhe ordens para exercer tal actividade. 7- A sociedade arguida “ C..., Lda” explora o estabelecimento comercial designado J...”, que tem uma estrutura familiar. 8- O arguido A... não é sócio da sociedade arguida. 9- Os arguidos agiram livre e conscientemente e sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas. 10- E...é sócio da sociedade arguida e há cerca de um mês e meio passou a exercer naquela funções de porteiro/segurança profissionalmente habilitado. Mais se provou que: 11- O arguido A... está desempregado, vive em casa dos pais, não tem filhos, nem outros encargos, não aufere quaisquer rendimentos. 12- O arguido B..., é sócio-gerente não remunerado, vive em casa arrendada pela qual paga 375€ mensais, paga uma prestação mensal de 160€, vive com a companheira e tem dois filhos de 19 e 15 anos de idade. 13- Do certificado de registo criminal dos arguidos nada consta».
7. E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente: «a) Que o arguido B...celebrou um contrato com o arguido A... para o exercício da actividade de segurança ou para exercer funções de vigilância. b) Que o arguido A... apenas estava a fumar um cigarro na noite dos factos referidos em 1., junto à entrada do estabelecimento. c) Que os cartões junto aos autos, tivessem deixado de ser utilizados no estabelecimento há mais de dois anos antes da data dos factos referidos em 1».
8. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos: * * DECISÃO
Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.
Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir: I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto II – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados III – Impugnação das penas aplicadas * I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Os arguidos começam por impugnar a decisão sobre a matéria de facto, no que aos factos constantes dos pontos 1, 3, 6 e 9 da matéria provada e alíneas b) e c) da matéria não provada respeita. É o seguinte o conteúdos dos pontos impugnados: «1- Na noite de 15 para 16 de Dezembro de 2011, o arguido A... encontrava-se à porta do estabelecimento denominado J...”, sito na (...)em Coimbra, a exercer as funções de porteiro, recebendo os cartões referentes aos consumos dos clientes e verificando se os mesmos tinham procedido ao pagamento das bebidas consumidas. 3- O arguido sabia que não se encontrava habilitado para o exercício da atividade de segurança ou para exercer funções de vigilância e apesar disso desempenhava aquelas funções. 6- O arguido B...no dia dos factos, não se absteve de acordar com o arguido A... o exercício das funções referidas em 1., dando-lhe ordens para exercer tal actividade. 9- Os arguidos agiram livre e conscientemente e sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas. Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que: b) Que o arguido A... apenas estava a fumar um cigarro na noite dos factos referidos em 1., junto à entrada do estabelecimento. c) Que os cartões junto aos autos, tivessem deixado de ser utilizados no estabelecimento há mais de dois anos antes da data dos factos referidos em 1». Para prova dos alegados erros de julgamento cometidos os arguidos indicam o conteúdo do auto de notícia, e o que nele foi relatado pela testemunha F..., e os depoimentos prestados pelos agentes da autoridade F..., L.... e D... e da testemunha de defesa E....
Estando cumprido o formalismo legal de que depende o conhecimento da conformidade entre a decisão e a prova produzida, tal como está delineado no art. 412º, nº 3 e 4, do C.P.P., passemos, então, à decisão desta questão.
F..., agente da PSP, declarou que no dia dos factos ele e os colegas desceram a (...), estacionaram a viatura no parque de estacionamento existente em frente ao bar, estiveram entre 10 a 20 minutos a ver os procedimentos adotados na porta do estabelecimento e verificaram que estavam dois senhores na porta, um que entregava cartões a quem entrava no bar e o outro que recebia os cartões de quem saía. Perguntado qual dos arguidos recebia e qual deles entregava os cartões, referiu que o arguido A...(que identificou apontando para ele) recebia os cartões e que do lado esquerdo da porta estava um indivíduo de nome I..., que entregava cartões a quem entrava. Este indivíduo, quando se apercebeu da aproximação dos agentes da autoridade, fugiu para o interior do estabelecimento. Disse que ainda entraram no bar à procura do indivíduo, mas não o conseguiram encontrar, dado o elevado número de clientes que lá se encontrava. Sobre o mais sucedido, declarou que o arguido A...tinha vários daqueles cartões na mão. Apenas apreenderam um dos cartões, por bastar para o levantamento do auto e porque eles também precisavam deles para a contabilidade. Perguntado qual tinha sido a reação do arguido A...quando foi abordado respondeu que o arguido disse que não estava a controlar, que apenas estava a distribuir cartões. Relativamente ao outro indivíduo, esse entregava os cartões a quem entrava, tendo acrescentado que não viu ninguém recusar o recebimento do cartão que ele entregava. Disse, também, que não se apercebeu de ele barrar a entrada a clientes. Repetiu que os seus colegas entraram no bar para procurarem o referido I..., mas não o encontraram. O depoente disse que também entrou no bar para tentar identificar a pessoa que estava a dirigir o bar naquele dia e quem exercia essas funções era o arguido B.... Quando falou com ele informou-o que estavam a exercer funções de segurança privada. Disse que não lhe pediu o alvará porque já sabia antecipadamente que o estabelecimento não dispunha nem de alvará, nem de licença. Sabia porque a Direção Nacional manda informação de quem tem alvará de auto proteção e aquele estabelecimento não constava dessa lista. Também lhe perguntou pelo I... ele disse que não sabia.
Entretanto, resulta que nesta altura se procedeu à leitura do auto de notícia de fls. 3, elaborado pela testemunha.
L... agente da PSP, declarou que, como é prática comum nestes casos, antes de intervirem fizeram uma espécie de vigilância. Assim, estiveram na zona do parque de estacionamento, situado em frente ao bar, cerca de 15 minutos e verificaram que havia dois senhores na porta - um dos quais o arguido A..., que identificou apontando -, que entregavam e recebiam os cartões a quem entrava e saia do estabelecimento. Quanto ao outro arguido, ele era o responsável pelo estabelecimento. O arguido A...estava na entrada a controlar as pessoas que saíam e fazia-o vendo o cartão de consumo, para verificar se dele constava que o consumo havia sido pago. O outro indivíduo entregava os cartões a quem entrava e só permitia a entrada a quem recebia o cartão: quem não queria receber o cartão não era deixado entrar. Este indivíduo quando viu o depoente e os colegas fugiu para o interior do estabelecimento. Ainda entraram para o procurar, mas dado o número de pessoas que havia no interior não o conseguiram encontrar. Continuou dizendo que depois abordou o arguido A...e que lhe pediu a identificação. Referiu que havendo pessoas no controle de entrada e saída de pessoas a lei obriga a empresa a ter um vigilante ou, então, a empresa teria que ter licença de auto proteção, para cuja atribuição os funcionários têm que ter formação específica. Depois pediu ao arguido B... o alvará de auto proteção, mas ele disse que não tinha e acrescentou que não estavam a fazer qualquer tipo de controlo às entradas. Referiu, ainda, que foram recolhidos dois destes cartões, um dos quais do chão.
D..., agente da PSP, declarou que no dia em causa fiscalizou o bar J..., com os colegas F... e L.... Naquele diz, como fazem sempre em situações daquela natureza, antes de abordarem os arguidos estiveram durante algum tempo a observar o comportamento. Depois, quando já não restarem dúvidas que as pessoas estavam a exercer funções de segurança privada, atuam. Foi o que sucedeu naquele dia. Estiveram uns minutos junto a umas árvores situadas no parque de estacionamento e viram dois indivíduos na entrada do estabelecimento, um a entregar cartões e um a receber cartões. Um deles foi identificado e o outro não foi, porque quando se apercebeu do depoente e colegas fugiu para o interior do estabelecimento. Perguntado como é que obtiveram os cartões que estão no processo disse que, tanto quanto se lembra, um deles foi entregue pela pessoa que estava à porta e que foi abordada e o outro foi apanhado do chão. Entrou no estabelecimento para tentar encontrar o outro indivíduo que estava à porta, mas não o encontrou. Depois contactaram com o senhor B..., responsável pelo estabelecimento. Disse saber que o estabelecimento não tinha licença de auto proteção e que as pessoas que estavam na porta não eram vigilantes: a pessoa que foi identificada não tinha licença de vigilante e nenhum deles estava uniformizado.
E..., irmão dos arguidos, declarou também é sócio do estabelecimento e que, agora, exerce as funções de segurança. Enquanto sócio disse que passava, e passa, frequentemente pelo bar para ajudar. Sobre os factos disse que no dia em causa passou no estabelecimento e nesse dia o sistema era de pré-pagamento: «havia um convívio e estava em pré-pagamento». Havia dias de pré-pagamento e havia dias de controlo de consumo: nos dias em que havia convívios o sistema era de pré-pagamento e nos dias mais fracos havia controlo de consumo, através de cartão, que era pedido ao fundo do estabelecimento. Nos dias em que havia controlo de consumo o cartão era dado dentro do bar, porque não havia ninguém a controlar. Atualmente a porta está fechada e as pessoas para entrarem pagam 1 € ou 2 € de consumo mínimo. Antigamente era porta aberta. Declarou que agora, e depois de ter tirado um curso profissional, é o depoente que está na porta do estabelecimento. Perguntado se no dia dos factos o seu irmão D...estava na porta do bar a dar cartões, respondeu: «conforme está o A..., estou lá eu …». Perguntado se nesse dia o irmão B... foi abordado respondeu «não me lembro de nada, o B... está sempre da parte de dentro do balcão».
Conforme resulta da motivação da decisão, a convicção do tribunal recorrido resultou, precisamente, do depoimento destas quatro testemunhas. E sobre estes depoimentos diz a sentença: «… desde logo, as aqui três primeiras testemunhas, demonstraram ter conhecimento direto dos factos, são os agentes policiais que participaram numa operação de fiscalização à sociedade arguida e prestaram depoimentos coerentes, espontâneos, sem incongruências e que fizeram sentido, relataram aquilo que viram no dia dos factos, o que se considerou credível …». E o essencial do depoimento destas testemunhas é a afirmação da certeza de que no dia em causa se desenrolavam atos de segurança privada à porta do estabelecimento. Concluiram isto porque antes de intervirem estiveram entre 10 a 20 minutos a verificar como é que se desenrolavam os procedimentos de entrada e saída de clientes e nessa verificação viram que havia duas pessoas na porta de acesso, uma entregando cartões de consumo a cada cliente que entrava e a outra recebendo os cartões de consumo dos clientes que saíam: o arguido A...controlava as pessoas que saiam e fazia-o vendo o cartão de consumo, para ver se dele constava que o consumo havia sido pago; o outro indivíduo entregava os cartões a quem entrava e só permitia a entrada a quem recebia o cartão e quem não queria receber o cartão não era deixado entrar. Esta é a essencialidade dos depoimentos, já que as discrepâncias apontadas no recurso são pontos secundários sem virtualidade para por em causa o essencial. E no essencial tratou-se, tal como o tribunal recorrido concluiu, de depoimentos coerentes, espontâneos, sem incongruências e que retrataram de forma cabal como se desenrolava a entrada e saída de pessoas na porta do estabelecimento J...” na noite de 15 para 16 de Dezembro de 2011. Dos depoimentos resultou, ainda, que era o arguido B... quem era o responsável pelo estabelecimento.
Do exposto resulta a inexistência de qualquer erro de julgamento quanto à decisão de dar como provados e não provados os factos impugnados no recurso.
Sobre a contradição invocada pelos arguidos – consistente no facto de na matéria assente não se aludir aos cartões constantes do processo nem se dar como provados que estes cartões estivessem a ser usados, por um lado, e, no entanto, na al. c) dos factos não provados se dizer que não se provou que os cartões juntos ao processo tivessem deixado de ser utilizados no estabelecimento há mais de dois anos -, há que recordar que do ponto 1 da matéria provada consta que «na noite de 15 para 16 de Dezembro de 2011, o arguido A... encontrava-se à porta do estabelecimento … a exercer as funções de porteiro, recebendo os cartões referentes aos consumos dos clientes e verificando se os mesmos tinham procedido ao pagamento das bebidas consumidas». Quais eram estes cartões? Os cartões que juntos aos autos, claro está, e que integram o processo desde o seu início, pois que acompanharam o auto de notícia que foi levantado no dia dos factos. Relevando, para a formação da convicção do tribunal, o auto de notícia - tal como expressamente refere a motivação -, e sendo que os cartões recolhidos no dia integram o auto de notícia, então temos por cabalmente demonstrado que os cartões que no dia estavam a ser utilizados são aqueles mesmos que são referidos no auto de notícia e que o acompanharam na apresentação dos factos ao Ministério Público.
Na conclusão 34. (que integra o ponto 60 da motivação) os arguidos concluem que, para além dos pontos 1, 3, 6 e 9 da matéria provada, também deve ser alterada a matéria de facto dada como provada no ponto 12, do qual consta que «o arguido B..., é sócio-gerente não remunerado, vive em casa arrendada pela qual paga 375€ mensais, paga uma prestação mensal de 160€, vive com a companheira e tem dois filhos de 19 e 15 anos de idade». Ora, esta matéria não está abordada em parte alguma da motivação e sendo a motivação que suporta as conclusões, não merece acolhimento o que quer que seja referido na motivação se não estiver, previamente, analisado e desenvolvido na motivação. Se é certo que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões, é igualmente certo que as conclusões apenas resumem as razões do pedido, razões estas que têm que estar expostas na motivação, sob pena de não serem conhecidas. Assim o diz o nº 1 do art. 412º do C.P.P.
* II – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados
Os arguidos impugnam, também, a condenação do arguido B... dizendo que a sentença não contém factos suficientes para que fosse tomada uma tal decisão.
Recordando, este arguido foi condenado pela prática de um crime de exercício ilícito de atividade de segurança privada, do art. 32º-A, nº 2, do Decreto-Lei nº 35/2004, de 21/2, com as alterações introduzidas pela Lei nº 38/2008, de 8/8.
Nos termos do art. 2º, nº 1, al. a), do diploma, cuja epígrafe é “serviços de segurança privada”, esta atividade de segurança privada compreende, além do mais, o controlo de entrada, presença e saída de pessoas no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público, designadamente estabelecimentos, certames, espectáculos e convenções. Depois, dispõe o art. 6º, nº 2, que os vigilantes de segurança privada exercem, entre outras, as funções de controlo de entrada, presença e saída de pessoas nos locais de acesso vedado ou condicionado ao público, funções para cujo exercício é necessário cartão profissional emitido pela entidade competente, tal como impõe o art. 10º.
Depois, e no capítulo relativo às disposições sancionatórias, preceitua o nº 1 do art. 32º-A que «quem prestar serviços de segurança sem o necessário alvará ou licença ou exercer funções de vigilância não sendo titular do cartão profissional é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal». Conforme se provou, no dia dos factos o arguido A...prestava serviços de segurança sem que possuísse as necessárias habilitações. Daí o cometimento deste crime.
Acrescenta o nº 2 da norma que incorre na pena do nº 1 «… quem utilizar os serviços da pessoa referida no número anterior, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará ou licença ou que as funções de vigilância não são exercidas por titular de cartão profissional». Temos, ainda, o art. 32º-B, respeitante à responsabilidade criminal das pessoas coletivas, que diz que estas são responsáveis, nos termos gerais, pelo crime previsto no nº 1 do art. 32º-A.
Das normas citadas temos que o nº 1 do art. 32º-A refere-se à pessoa que exerce as funções de segurança privada sem que tenha o necessário cartão profissional. Já o nº 2 do art. 32º-A respeita à pessoa singular que decidiu da utilização destes serviços, isto é, da prestação da atividade de segurança privada por quem não era detentor do cartão profissional. Finalmente, temos a responsabilidade da pessoa coletiva. E de quem é que se trata aqui, de que pessoa coletiva estamos a falar? Como vimos, os serviços de segurança privada compreendem, além do mais, o controlo de entrada, presença e saída de pessoas no interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público. Daqui resulta que uma das condutas abrangidas no nº 1 do art. 32º-A é, precisamente, o controlo de entrada, presença e saída de pessoas do interior de edifícios ou locais de acesso vedado ou condicionado ao público por pessoa não titular de cartão profissional. Assim, a pessoa coletiva de que fala o art. 32º-B é aquela onde esta atividade se desenrola, ou seja, a titular do edifício ou local de acesso condicionado cuja atividade de segurança esteja a ser levada a cabo por pessoa não titular do respetivo cartão profissional.
Ora, conforme se provou - ponto 6 dos factos assentes -, o arguido B... deu ordens ao arguido A...para este controlar o acesso das pessoas ao estabelecimento. Depois, também se provou - ponto 9 -, que o arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida. São estes os factos que estão na base da condenação do arguido B... e não a circunstância de ele ser o responsável pelo estabelecimento. Portanto, temos a atuação do arguido A..., que estava a desempenhar as funções de segurança, a do arguido B..., que decidiu que o arguido A...desempenhasse aquelas funções, e, finalmente, a pessoa coletiva, que também é responsável [1]. É que o âmbito de aplicação das normas citadas são, como se vê, diferentes.
* III – Impugnação das penas aplicadas
Finalmente os arguidos impugnam a pena aplicada à arguida C..., Ldª. Alegam que nada constando sobre a situação económica da arguida, a aplicação da taxa diária de 20 € surge como discricionária, por não se alicerçar em nenhum facto.
Dada a técnica usada pelo nosso legislador num primeiro momento de fixação da pena encontramos os dias de multa adequados ao caso, e apurados segundo os critérios estabelecidos no art. 71º, e só depois se procede à fixação da respectiva taxa diária. O legislador nada diz sobre os critérios de determinação desta taxa diária, pelo que se entende que isto só poderá significar oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de factores relevantes. No entanto há dados aos quais não se pode fugir nesta operação: há que atender à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte, assim como há que lhes deduzir determinadas despesas, essenciais à vida diária [2]. Quando a condenada seja uma pessoa coletiva, o raciocínio a fazer é semelhante. No entanto a pena de multa não tem que se cingir ao rendimento disponível do condenado, isto é, se a pena de multa não quer ficar-se por um simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável, não tendo que se restringir ao excedente [3].
Ora, no que respeita à arguida, da matéria provada nada consta sobre a situação económica e financeira desta, o que significa que faltam factos essenciais à decisão. O tribunal ao não se debruçar sobre esta vertente da vida da arguida não esclareceu um ponto crucial da matéria de facto, abrangido no thema probandum, e ficou aquém do que devia, pois não esgotou o tema, por cujo apuramento estava incumbido [4]. Esta omissão gera o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, do art. 410º, nº 2, al. a), do C.P.P., pois que desta não constam todos os elementos que, podendo e devendo ser indagados, são essenciais à sua prolação [5]. Este vício inviabiliza a decisão da causa por parte deste tribunal, no que a este aspeto respeita, por absoluta falta de elementos relativos às condições económicas do arguida, tendo o processo que regressar à 1ª instância, ao abrigo do nº 1 do art. 426º do C.P.P., para apurar a matéria em falta.
* * DISPOSITIVO
Pelos fundamentos expostos determina-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos dos art. 426º, nº 1, e 426º-A, nº 1, ambos do C.P.P., restrito à averiguação dos elementos necessários à fixação da taxa da multa aplicada à arguida.
Sem custas.
Olga Maurício (Relatora) Luís Teixeira
[1] Vide o acórdão da Relação do Porto de 16-11-2011, processo 26/08.6PEVRL.P1, relatado pelo sr. desembargador Augusto Lourenço. |