Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
29358/16.8YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO ( PERSI)
CARTÃO DE CRÉDITO
Data do Acordão: 06/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - M.GRANDE - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 359/91 DE 21/9, DL Nº 227/2012 DE 25/10
Sumário:
1. - Com o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DLei n.º 227/2012, de 25-10) pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção.
2. - É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação.
3. - Enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à entidade de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito.
4. - No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à entidade de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação.
5. - Dada essa oportunidade, não pode a contraparte (devedor) demitir-se da necessária cooperação/colaboração com a entidade de crédito, devendo, ao invés, empenhar-se nos contactos e prestação de informações necessários, sem o que o credor não poderia levar a bom termo o cumprimento dos deveres a seu cargo.
6. - A falta dessa cooperação/colaboração é causa de extinção do PERSI pela entidade de crédito (por iniciativa desta).
7. - Em contrato de utilização de cartão de crédito celebrado em 18/11/1991 são aplicáveis as taxas de juros, designadamente moratórios, convencionadas pelas partes.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I – Relatório
U (…), S. A.”, com os sinais dos autos,
intentou (() Em 22/03/2016.) procedimento de injunção contra
M (…), também com os sinais dos autos,
pedindo que seja a demandada condenada a pagar-lhe a quantia de € 13.258,35, bem como juros de mora contratuais (“às sucessivas taxas praticadas pela instituição em conformidade com o estabelecido pelas instruções do Banco de Portugal de acordo com o previsto no Decreto-Lei 133/2009 de 02 de Junho”) sobre o montante de € 10.986,25, desde 22/03/2016 e até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado com a R. um contrato de crédito, com emissão de um cartão de crédito, o qual a Demandada veio a utilizar para aquisição de bens e serviços, sem, porém ter procedido ao pagamento dos montantes devidos, que ascendem àquele valor de capital de € 10.986,25, sendo que a Demandante procedeu à abertura de procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) em 02/09/2015, dando cumprimento, assim, ao disposto no DLei n.º 227/2012, de 25-10, procedimento esse que foi encerrado em 04/11/2015 (cfr., designadamente, pontos 10.º e seg. do requerimento de injunção).
Contestou a R., alegando, no essencial, a nulidade da citação, por efetuada apenas mediante a via postal simples com prova de depósito, a ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, e nulidade processual decorrente da falta de junção de documentos, bem como não dever o peticionado. Vincou desconhecer a abertura do PERSI, por nada ter recebido nesse sentido e não ter sido junto comprovativo respetivo (cfr. art.ºs 8.º a 10.º da oposição à injunção).
Face à oposição deduzida, os autos passaram a seguir termos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, em que se transmutaram.
Em observância do contraditório, a A. pronunciou-se sobre as exceções deduzidas na oposição, pugnando pela respetiva improcedência, âmbito em que insistiu na abertura e extinção do PERSI, só depois recorrendo ao procedimento de injunção.
Teve lugar audiência de julgamento, com produção de provas.
Na sentença, saneado o processo – âmbito em que foi julgada improcedente a arguição de nulidade da citação, bem como a exceção de ineptidão da petição inicial –, procedeu-se à decisão da matéria de facto, seguida de fundamentação de direito, culminada esta com o seguinte dispositivo:
«a) Julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a R. (…) a pagar à A. (…) o montante de € 10.986,25 (…), acrescido dos juros de mora vencidos até 22/03/2016, à taxa de 29,280%, no montante de € 1.877,19 (…), bem como dos juros que se vencerem até integral e efectivo pagamento;
b) No mais, julgar a acção improcedente, absolvendo a R. do restante pedido.».
Tendo a R. recorrido para esta Relação, foi aqui proferido acórdão, pelo qual se anulou oficiosamente a decisão apelada, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento.
Cumprido o assim determinado, com produção de prova, foi proferida nova sentença, com dispositivo em tudo semelhante ao da sentença anterior.
A R., novamente inconformada, volta a interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes
Conclusões:
(…)
Na sua contra-alegação, a A. pugna, com acervo conclusivo, pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença impugnada.
***
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito determinados.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso
Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito (() Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.):
a) Se deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto (factos 6 e 7 dados como provados, a deverem ser julgados como não provados);
b) Se não foram observadas as exigências legais inerentes ao PERSI, designadamente quanto a notificação ao devedor e a prazos, determinando a inexigibilidade do crédito;
c) Se é excessiva/abusiva a taxa de juros.
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III – Fundamentação
A) Matéria de facto
É a seguinte a factualidade julgada provada pela 1.ª instância:
«1 – A A. é uma instituição financeira de crédito que se dedica ao financiamento de crédito e à gestão e emissão de cartões de crédito.
2 – Por acordo escrito subscrito pelas partes em 18 de Novembro de 1991 (cujas condições gerais constam dos docs. de fls. 46v e 47v, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido), a A. acordou com a R. emitir a favor desta um cartão de crédito, o que fez, passando a R. a ser titular do cartão cujo último emitido tem o número 4548986001724286.
3 – Mais acordaram que a A. procederia ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pela R. a terceiros, os quais seriam posteriormente debitados no extracto de conta da R. para pagamento.
4 – Através do cartão de crédito referido em 2), foi concedida à R. a possibilidade de esta adquirir bens e/ou serviços pelo montante acordado entre este e o vendedor, bem como efectuar operações de levantamento em numerário na rede de ATMs e aos balcões de bancos aderentes ao sistema Visa, tendo a mesma utilizado o cartão para o efeito.
5 – A A. emitiu e remeteu à R. extractos de conta do cartão, sendo o saldo de capital em dívida de € 10.986,25 (dez mil novecentos e oitenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos) e a data de vencimento em 22 de Agosto de 2015 (cfr. docs. de fls. 51 a 69, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).
6 – A A. procedeu à abertura do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento em 5 de Setembro de 2015, tendo dado conhecimento desse facto à R., por carta expedida nessa data (cfr. doc. de fls. 69v, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).
7 – O procedimento referido em 6) foi encerrado em 4 de Novembro de 2015, facto do qual a A. deu conhecimento à R. por carta expedida nessa data (cfr. doc. de fls. 70v, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).
8 – Em 2 de Janeiro de 2013, a A. comunicou à R. a alteração da taxa anual nominal para 27,350%, acrescida de imposto de selo, a partir de 1 de Março de 2013.» (() Quanto a matéria não provada, entendeu-se que não foram considerados provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, sendo que, por conterem matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, não se respondeu aos art.º 3, 12, 13, 15, 16 e 17 do requerimento de injunção, nem a quaisquer art.ºs da oposição, nem sequer aos art.sº 1 a 20, 23, 26 a 29, 35 a 40, 45 a 51 do requerimento de fls. 40, no qual a A. se pronunciou sobre as exceções deduzidas pela contraparte.).

B) Impugnação da decisão da matéria de facto
(…)
Sabido que a Relação apenas deve alterar a decisão de facto se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.), nada há a alterar, pois, à impugnada decisão da matéria de facto, improcedendo as conclusões da Recorrente em contrário.

C) Substância jurídica do recurso
1. - Da (in)observância das exigências legais do PERSI
Como visto, a primeira questão agora a enfrentar na decisão do recurso é a de saber se foram observadas as exigências legais inerentes ao PERSI, mormente quanto a notificação à devedora e a prazos, posto que foi, entretanto, ampliada, por determinação do Relação, a matéria de facto (quanto à questão da notificação, ou não, da abertura e do encerramento do PERSI).
Com efeito, foi a A. quem invocou, logo no requerimento de injunção – o que reforçou posteriormente –, ter procedido à abertura e encerramento de PERSI referente à R., assim cumprindo, na sua perspetiva, a legislação em vigor, na espécie o disposto no DLei n.º 227/2012, de 25-10.
O que a R., por sua vez, impugnou – motivadamente –, afirmando desconhecer totalmente a abertura/existência desse procedimento extrajudicial prévio, de que, segundo alegou, nunca foi notificada.
Na sentença, após repetição parcial do julgamento, foi dado como provado – julgamento que se mantém –, neste âmbito, que:
a) A A. procedeu à abertura do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento em 05/09/2015, tendo dado conhecimento desse facto à R., por carta expedida nessa data [facto 6];
b) Esse procedimento foi encerrado em 04/11/2015, do que a A. deu conhecimento à R. por carta expedida nessa data [facto 7].
Como já se escreveu no anterior acórdão desta Relação proferido nestes autos, está em causa o invocado PERSI e sua disciplina legal, fixada pelo DLei n.º 227/2012, de 25-10, em cujo preâmbulo pode ler-se que visa «promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários», sendo que no âmbito do PERSI «as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor» (itálico aditado).
Quer dizer, pressupondo reais “assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito”, que importa compensar/superar, de molde a recuperar o equilíbrio de posições entre as partes, tutelando o interesse da parte considerada frágil na relação creditícia (os devedores/consumidores em dificuldades financeiras), o legislador veio implementar medidas tendentes à “prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada (() Como também claramente se refere no art.º 1.º, n.º 1, do dito diploma legal, este “estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito:
a) No acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento; e
b) Na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte” (itálico aditado).).
Um dos princípios consagrados apresenta a seguinte formulação (art.º 4.º, n.º 1):
«No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa» (itálico aditado) (() Promovendo, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 2, “sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento”.).
Bem se compreende, pois, nesta perspetiva, que a tais instituições de crédito caibam deveres de avaliação e apresentação de propostas (art.º 10.º), tendentes a, nas situações legalmente previstas (quando ocorram indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário ou este mostre risco de incumprimento), desenvolver “as diligências necessárias para avaliar esses indícios, tendo em vista aferir da existência de risco efetivo de incumprimento e da respetiva extensão”.
Assim, quando verifique, em resultado da avaliação referida, “que o cliente bancário dispõe de capacidade financeira para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito, nomeadamente através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, a instituição de crédito apresenta-lhe uma ou mais propostas que se revelem adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades” (n.º 4 do art.º 10.º), o que deve fazer (n.º 5) “ao cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro” (() Por «Suporte duradouro» entende-se “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas” [art.º 3.º, al.ª h)].) e com observância dos “deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.
Cabe, então, às instituições de crédito promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, como impõe o art.º 12.º, começando – preliminarmente –, verificada a mora, por informar, em prazo, o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento (art.º 13.º).
Se o “incumprimento” persistir, o cliente é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cfr. art.º 14.º).
Segue-se a importante “Fase de avaliação e proposta”, a que se reporta o art.º 15.º:
«1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento (…) se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir (…).
2 - (…) a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário
(…)
4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:
a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, (…) sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou
b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.
5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.
Passa-se depois para a “Fase de negociação” (art.º 16.º), podendo o cliente bancário recusar as propostas apresentadas ou propor alterações, cabendo à instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas, apresentar nova proposta ou aceitar ou recusar as alterações, sendo-lhe lícito apresentar nova proposta, tudo em prazos legalmente estabelecidos.
São causas de extinção do PERSI (art.º 17.º, n.º 1): o pagamento integral, o acordo entre as partes para regularização da situação de incumprimento, o decurso do prazo de noventa dias subsequentes à data de integração do cliente bancário neste procedimento (salvo acordo escrito no sentido da sua prorrogação) e a declaração de insolvência do cliente bancário.
Acresce que a entidade de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI se: a) for realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor; b) for proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório; c) concluir, em resultado da avaliação desenvolvida, que o cliente não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento; d) este não colaborar, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados, ou na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas; e) praticar atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito; f) recusar a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; g) o credor recusar as alterações à sua proposta sugeridas pelo cliente (n.º 2).
Acresce ainda que a “instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento” (n.º 3, com itálico aditado), extinção que (cfr. n.º 4) “só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior” (exceto se o fundamento de extinção for o previsto na al.ª b) do n.º 1).
Por fim, o art.º 18.º (“Garantias do cliente bancário”) deixa claro que, no “período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
(…)” (n.º 1).
E o art.º 19.º (quanto a “Deveres procedimentais”) obriga o credor a elaborar um documento interno que descreva, em linguagem simples e clara, os procedimentos adotados no âmbito da implementação do PERSI, especificando, designadamente: a) os procedimentos para o contacto com os clientes bancários nas várias fases do PERSI; b) os procedimentos para a recolha, tratamento e análise da informação referente aos clientes bancários; c) as soluções suscetíveis de serem propostas aos clientes bancários em incumprimento.
Sem esquecer que as “instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos”, conservando “os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI” (cfr. art.º 20.º).
É certo que a R. requereu, em sede de oposição e como salientado nas suas conclusões recursórias, que a A. procedesse à junção de “cópias das notificações (…) da abertura do PERSI e com prova de receção” pela destinatária (cfr. requerimento probatório de fls. 11 e v.º).
Porém, com referência a tal PERSI, a A. apenas complementou ter aberto esse procedimento, “o qual acabou por ser extinto, a 04/11/2015 (cfr. Doc n.º 29 e 30 que ora se junta)” (() Cfr. art.º 34.º do articulado de “resposta às exceções” de fls. 40 e segs. dos autos em suporte de papel.), tratando-se dos já referidos documentos de fls. 69 v.º a 70 v.º.
Sobre a matéria tem elaborado a jurisprudência dos Tribunais superiores.
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) já tomou posição (() Cfr. Ac. de 09/02/2017, Proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 (Rel. Fernanda Isabel Pereira) e respetivo sumário, em www.dgsi.pt.) no sentido de o PERSI, em vigor desde 01/01/2013 e aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, constituir uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14.º a 17.º do referido diploma legal). Por isso, durante «o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito» [art. 18.º, n.º 1, al.ª b)].
Com efeito, como consta da fundamentação do mesmo Ac. do STJ, o legislador quis, quanto às instituições de crédito, «introduzir na nossa ordem jurídica princípios e regras a observar por aquelas instituições na prevenção e na regularização das situações de falta de cumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários que se integrem no referido conceito de consumidor e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações».
Assim, o propósito de legislador é o “de obviar a que as instituições bancárias, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de «consumidor»”, salvaguardando “a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente, numa época de acentuada crise económica e financeira”.
Por isso, as “instituições de crédito passaram a ter de promover um conjunto de diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado” PERSI, em cuja “fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa».
Veja-se ainda o Ac. TRE de 06/10/2016 (() Proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1 (Rel. José Tomé de Carvalho), em www.dgsi.pt.), com o seguinte sumário:
I- A integração do cliente bancário (…) no PERSI (…) é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, pelo que a acção executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento.
II- Existe aqui uma falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias.
III- A não verificação desta condição não é sanável”.
E também o Ac. do mesmo TRE de 27/04/2017 (() Proc. 37/15.5T8ODM-A.E1 (Rel. Maria João Sousa e Faro), em www.dgsi.pt.), podendo ler-se no respetivo sumário: «I- No artº 14º nº4 do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II- O significado de tal expressão “suporte duradouro” é dado no artigo 3.º, alínea h) do citado diploma: “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”. III- Por conseguinte, e exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação em suporte duradouro” ou seja a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artº 362º do Cód. Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes) – cfr. artº 364º nº2 do Cód. Civil. IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artº 224º nº1 -1ª parte do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária/embargada que recaía o ónus de o provar (artº 342º nº1 do mesmo código).».
Do exposto já resulta que cabia à aqui A./Apelada o ónus da alegação e prova de ter procedido às legais comunicações à contraparte devedora, em observância dos seus deveres de informação e até proteção do devedor/cliente/consumidor, o que sempre teria de passar, para além do mais, pela demonstração da notificação da R. quanto às invocadas abertura e encerramento do PERSI.
Se este visa proteger a devedora cliente/consumidora – e não restam dúvidas de assim ser –, então não bastaria dar como provado que a credora procedeu à sua abertura e ao seu encerramento (do PERSI referente à R.), antes se impondo que a Demandante fizesse a prova de ter expedido, de modo a terem chegado ao poder da R. (e, consequentemente, ao seu conhecimento), as mencionadas cartas de fls. 69 v.º a 70 v.º. (declarações recetícias, face aos legais deveres de informação e proteção a cargo da entidade de crédito/financeira).
Era, assim, incontornável, desde logo em termos probatórios – e, depois, em termos de aplicação do direito –, a matéria referente à notificação, ou não, da Demandada (() Que esta, em modo impugnatório, recusa ter ocorrido, consabido que o ónus da prova impende, neste âmbito, sobre a contraparte (cfr. o alagado sob os art.ºs 8.º a 10.º da oposição e 34.º e seg. da resposta respetiva).), quanto ao PERSI, sua abertura e seu encerramento.
Pois que tal é essencial para aferição do cumprimento dos deveres legais da A. e até para verificação da admissibilidade da ação de cumprimento, iniciada como procedimento de injunção, visto só após a extinção do PERSI – obviamente, com notificação dessa extinção ao devedor/cliente – poder a instituição de crédito intentar ações judiciais com a finalidade de obter a sua satisfação creditícia (mencionado art.º 18.º, n.º 1, al.ª b), do DLei citado).
Ora, como visto, resulta agora provado o factualismo alegado referente à abertura e ao encerramento do PERSI, do que foi dado conhecimento, por cartas, à R./Apelante.
Donde, pois, a improcedência das conclusões da Apelante no sentido de não ter chegado ao seu conhecimento a abertura e o encerramento do PERSI que lhe respeitava.
Questão diversa, também suscitada no recurso, é a de saber se a integração no PERSI ocorreu dentro do prazo legal – entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação (aludido art.º 14.º).
Vejamos.
Do ponto 5 da factualidade provada retira-se um saldo acumulado de capital em dívida de € 10.986,25, com data de vencimento de 22/08/2015, conforme documentos de fls. 51 a 69, cujo teor foi dado “por integralmente reproduzido” na parte fáctica da sentença.
Compulsando, então, fls. 51 a 69, temos que o primeiro extrato de conta junto, com data de emissão de 02/03/2014, aludia a um “saldo anterior” de € 8.805,67, um “saldo actual” de € 8.989,29, uma indicação de “valor total a pagar” de € 8.989,29, um “valor mínimo a pagar” de € 467,19 e a menção “Agradecemos que efectue o pagamento até ao dia 2014.03.22” (cfr. fls. 51).
Seguidamente, mostram-se juntos extratos mensais, com datas de emissão desde 02/04/2014 a 02/03/2016, este último aludindo já a um saldo em dívida anterior de € 10.986,25, um saldo em dívida atual de € 13.105,35 e uma indicação de “data limite de pagamento” de “2016.03.22” (cfr. fls. 69).
Assim sendo, desde 2014 até ao tempo da abertura do PERSI ocorreu o vencimento mensal de montantes considerados em dívida – vencimento mensal que continuou posteriormente a ocorrer –, pelo que não poderá ter-se como inobservado, ante tais vencimentos mensais reiterados/persistentes, o prazo do aludido art.º 14.º (() A própria Recorrente não mostra incumprimento do prazo legal, apenas concluindo que a integração em prazo “alegadamente nunca terá acontecido” (cfr. ponto 15.º da alegação recursiva). Por sua vez, a contraparte invoca que, aquando da integração no PERSI, “conforme resulta de fls. 46v a 50 e 51 a 69, a Apelante encontrava-se já em mora, relativamente ao pagamento pelo valor mínimo do extracto emitido em 02/08/2015 (…)” (cfr. pontos 15) e seg. das conclusões da Apelada e documento de fls. 65 v.º).).
Esgrime ainda a Recorrente que a contraparte não observou as fases da avaliação e proposta do PERSI, o qual deu por extinto antes do final do prazo legal (art.ºs 15.º, 16.º e 17.º, al.ª c), do DLei aludido).
Porém, a parte demandante invoca a “ausência de cooperação com a instituição” como causa de extinção do PERSI, permitindo a lei, como visto, tal extinção – anteriormente ao prazo legal comum (90 dias) – no caso de o devedor “não colaborar, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados”.
Perante tal fundamento de extinção (ausência de cooperação/colaboração com a A.), a R./Apelante não o contraria, no plano recursório, não alegando de modo a mostrar cooperação (ou sequer algum contacto) da sua parte, mormente na sequência da comunicação de abertura do PERSI – que apelava ao contacto da devedora, para que fosse “encontrada uma solução de regularização da dívida existente”, com indicação pela A. de contacto e disponibilidade para o efeito, designadamente com vista a, “em conjunto, analisarmos uma solução alternativa …” (cfr. fls. 69 v.º).
Donde que não se mostre descabida, ante o fundamento invocado – este não abalado –, a extinção do PERSI anteriormente ao dito prazo de 90 dias.
O que, por outro lado, justifica, que se veja, por via da dita ausência de cooperação/colaboração com a A., que esta não tenha investido mais, in casu, nas fases da avaliação e proposta do PERSI, as quais não dependiam só de si, posto que implicavam o comprometimento também da R./Apelante, visto que só esta poderia facultar determinadas informações específicas (de cariz pessoal/patrimonial) imprescindíveis à avaliação da sua situação e capacidade patrimonial, sem o que não seria viável a apresentação de qualquer proposta realista.
Não se demonstra, por isso, inobservância pela A. de normas reguladoras do PERSI, designadamente uma atuação à margem dos padrões exigíveis de diligência e lealdade (() Quanto à imputada não junção de elementos documentais referentes ao PERSI, também a mesma não parece poder proceder, ante a documentação junta de fls. 47 a 70 v.º dos autos em suporte de papel.), o que afasta a conclusão de inexigibilidade do crédito [cfr. conclusão v)].
2. - Do caráter abusivo da pretendida taxa de juros
Por fim, a Apelante insurge-se contra a taxa de juros fixada na sentença, considerando-a abusiva.
Em tal sentença pode ler-se:
«(…) ao contrário do pretendido pela R., nada obsta à aplicação da taxa de juro invocada pela A., posto que foi a convencionada pelas partes.
A este propósito, dispõe o artigo 1146.º do Código Civil, sob a epígrafe “usura”, que:
(…).
Sucede que, conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, “o mútuo concedido por instituição bancária, ainda que garantido por hipoteca, está sujeito à disciplina, não do artigo 1146.º do Código Civil, mas da legislação aplicável às operações de crédito activas efectuadas por essas instituições de crédito” (in Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 4.ª Edição, pág. 771).
Com efeito, conforme igualmente aponta Menezes Cordeiro, a propósito do n.º 2 do Aviso n.º 3/93, de 20 de Maio de 1993, as taxas de juros bancários estão praticamente liberalizadas, uma vez que, nos termos do referido normativo, “são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal” (in Manual de Direito Bancário, Almedina, 2.ª Edição, 2001, pág. 582).
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/10/2002, no qual se referiu que “quanto à questão dos juros é sabido que o crédito bancário e para-bancário está submetido a legislação especial, na qual se atribuem, no que respeita à fixação de juros, elevados poderes ao Banco de Portugal que, qualquer que seja a natureza e forma de titulação do respectivo crédito, não conhece limites nessa fixação, designadamente os próprios do direito privado e do art. 1146 do C.C., como observa Simões Patrício, in R.T. - ano 95 – 341” (in www.dgsi.pt).
Idêntica posição foi perfilada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/05/2007, no qual se decidiu que “no âmbito de contrato de crédito ao consumo com inclusão de cláusulas contratuais gerais, celebrado por instituição de crédito, não desrespeita o disposto no artigo 1146.ºdo Código Civil a estipulação de uma taxa de juro de 26,03% pois a lei admite que os limites contemplados naquele artigo 1146.º do Código Civil sejam afastados tratando-se de operações de crédito celebradas por instituições de crédito ou parabancárias (artigos 5.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 344/78, de 17 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.º 83/86, de 6 de Maio e 204/87, de 16 de Maio em conjugação com o Aviso do Banco de Portugal 3/93” (disponível na mesma base de dados).
Nesta conformidade, verifica-se que as taxas de juro aplicáveis às operações bancárias não estão sujeitas à disciplina prevista no artigo 1146.º do Código Civil (que rege quanto aos negócios usurários), mas sim à legislação aplicável às operações efectuadas por instituições de crédito, nos termos da qual tais instituições estabelecem livremente as taxas de juro das suas operações, pelo que também por esta via improcede a pretensão da R..».
Contrapõe a Apelante que esta interpretação viola disposições legais, afirmando que a taxa de juro de 27,35% é manifestamente abusiva e violadora do estatuído no DLei n.º 113/2009, de 02/06, com as alterações introduzidas pelo DLei n.º 42-A/2013, de 28/03, que estabeleceu um regime de taxas máximas, definidas mediante aviso do Banco de Portugal [conclusão x)].
E responde a Apelada, na sua contra-alegação, que:
«33) Também a Apelante não tem razão quanto à alegada violação das taxas máximas fixadas pelo Banco de Portugal ao abrigo do Decreto-Lei 133/2009, de 2 de Junho.
34) É que por via do referido diploma, a fixação de taxas máximas que as instituições financeiras devem respeitar refere-se aos novos contratos de crédito por este abrangidos.
35) É o que resulta expressamente do n.º 7 do artigo 28º, de tal diploma legal, sob a epígrafe “Usura”, bem como do artigo 34º que prevê: “1 - Aos contratos de crédito concluídos antes da data da entrada em vigor do presente decreto-lei aplica-se o regime jurídico vigente ao tempo da sua celebração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Os artigos 14.º, 15.º, 16.º, 19.º e 21.º, o segundo período do n.º 1 do artigo 23.º e o n.º 3 do artigo 23.º aplicam-se aos contratos de crédito por período indeterminado vigentes à data de entrada em vigor do presente decreto-lei.”
36) Dúvidas não restam que, face à prova documental e testemunhal produzida nos autos – e exclusivamente carreada pela Autora/Apelada – o Tribunal a quo deu, e bem, como provado que efectivamente não só foi dado cumprimento ao procedimento a que se refere o DL 227/2012, de 25 de Outubro, bem como a convenção entre as partes da taxa de juro de 29,280%.».
Cabe dizer que ao contrato de crédito ao consumo em causa, por ter sido celebrado em 18/11/1991 (cfr. facto 2), e ao decorrente enquadramento jurídico do cartão de crédito, era aplicável o DLei n.º 359/91, de 21/09, então vigente, diploma legal que, embora depois revogado pelo DLei n.º 133/2009, de 2/06, contém regime jurídico que abrange o convencionado entre as aqui A. e R..
E, como explicitado no recente Ac. TRP de 11/04/2018 (() Proc. 67150/16.7YIPRT.P1 (Rel. Maria Cecília Agante), disponível em www.dgsi.pt (aresto que, remetendo também para outra jurisprudência, se cita aqui longamente, por pertinente e esclarecedor).):
«No tocante aos juros moratórios, (…) o contrato de atribuição de cartão de crédito a que a Recorrente se vinculou foi reduzido a escrito e é expresso quanto à taxa de juro convencionada, pelo que é essa a aplicável.
O regime jurídico do crédito ao consumo não prevê qualquer taxa para os juros contratuais, remuneratórios ou moratórios, e nem sequer uma taxa máxima, deixando à liberdade contratual das partes a sua fixação. Posição que a jurisprudência vem adotando nos casos em que o concedente do crédito é uma instituição de crédito ou sociedade financeira, sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, no entendimento de que se encontram liberalizadas as taxas de juro nas operações ativas daquelas entidades, pelo menos desde 1993, face ao disposto no Aviso do Banco de Portugal n.º 3/1993, de 20 de maio. Efetivamente, o crédito bancário e para-bancário está submetido a legislação especial, com a concessão ao Banco de Portugal de latos poderes na fixação das taxas de juros, qualquer que seja a natureza e a forma de titulação do crédito, não conhecendo limites, designadamente os derivados do artigo 1146º do Código Civil. Asserção que enjeita o aduzido argumento do limite derivado desse preceito, por força da sua imperatividade, e que, a ser assim, limitaria gravosamente o funcionamento do mercado bancário. Numa economia de mercado, como a nossa, as taxas de juros bancárias estão liberalizadas, tal como o evidencia o nº. 2 do referido Aviso 3/93 do Banco de Portugal, ao dispor que “são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal”.
(…) Inexistindo normas específicas sobre a taxa aplicável aos juros, remuneratórios ou moratórios, a mesma fica na disponibilidade das próprias partes, numa manifestação natural decorrente do amplo princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade. A Ré aceitou as condições de utilização e pagamento do saldo do cartão de crédito, efetuou com ele compras de bens e serviços em estabelecimentos comerciais, suportados pela Autora, e não procedeu ao pagamento convencionado.
Ademais, o Banco de Portugal tem reconhecimento constitucional (artigo 102.º da CRP) e cabe-lhe exercer a supervisão dos comportamentos e práticas das instituições de crédito e sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de moeda eletrónica, incluindo estabelecendo regras de conduta no relacionamento destas com os clientes. É nesse contexto que o Banco de Portugal está legitimado a emitir regras, apresentadas sob a forma de avisos publicados na II Série do Diário da República, e que contêm normas jurídicas que se impõem às instituições financeiras em geral.
Do expendido resulta que a demandante estava legitimada a contratualizar os juros à taxa convencionada, sendo a Recorrente responsável pelo pagamento dos juros convencionados. Vinculou-se ao pagamento da quantia do saldo devedor até certa data limite (…), e o não o tendo feito, são devidos desde então juros moratórios à taxa convencionada [artigo 805º/1 e 2, a), do Código Civil].
Consabido que a fixação de uma taxa de juro muito elevada é tradicionalmente tratada em sede de usura, o Aviso n.º 3/93 não impede a convocação dos artigos 282.º a 284.º do Código Civil, quando se verifiquem os respetivos requisitos.
O decreto-lei n.º 133/2009, de 2 de junho, regulou a matéria da usura no contrato de crédito ao consumo (artigo 28º) e o decreto-lei n.º 42-A/2013, de 28 de março, introduziu profunda alteração nesse regime, consagrando um duplo limite, bastando que um dos valores máximos relativos à taxa de juro seja ultrapassado para se considerar o contrato de crédito como usurário (artigo 28º). Não foi, no entanto, alegada e provada matéria de facto reconduzível à usura.».
Assim, aderindo a esta jurisprudência – tal como à demais já citada na sentença recorrida, bem como à doutrina ali mencionada, no mesmo sentido (cfr. fls. 169 e seg.) –, é de concluir pela admissibilidade da taxa de juro peticionada, por se encontrar no âmbito do convencionado entre as partes e não ofender preceito legal de ordem imperativa.
Donde a improcedência do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.
***
IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
(...)
***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a apelação improcedente, manter a decisão recorrida.
Custas da ação e na fase recursiva pela R./Apelante.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.


Coimbra, 19/06/2018

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro