Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO RESERVA DE PROPRIEDADE PROVIDÊNCIA CAUTELAR CADUCIDADE INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE | ||
Data do Acordão: | 07/05/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.289, 291, 406, 409, 435, 879, 892, 1311 CC, 351, 357, 358, 389 CPC | ||
Sumário: | I. Os embargos de terceiro, que o verdadeiro proprietário tenha deduzido contra a entrega do bem, não passam a ser inúteis pelo facto de aquele a quem foi entregue o bem alegar que entretanto vendeu o bem a outrem (para mais se nem sequer alega que lhe transferiu a posse). II. Actualmente não é unânime o entendimento de que uma providência cautelar se extingue (ou caduca) pelo facto de haver uma decisão no mesmo sentido na acção principal. III. A pretensão da declaração de propriedade e de restituição do bem não tem de ser intentada contra o possuidor ou detentor do bem e contra aquele que alegadamente lhe tenha vendido o bem, mas apenas contra o possuidor ou detentor do bem. IV. O terceiro adquirente que está em causa no art. 435º do CC é apenas aquele que esteja numa cadeia de negócios com origem no verdadeiro proprietário. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
A Caixa (…) - instituição financeira de crédito, SA, intentou em 28/01/2009 um providência cautelar contra a D (…), Lda, pedindo a restituição provisória de uma linha de envernizamento, providência que teve êxito, tendo-lhe a linha sido restituída por auto de entrega de 08/09/2009. Ao saber disto, a M (…) SA, deduziu, em 28/09/2009, os presentes embargos contra a Caixa e contra a agora Massa Insolvente da D (…), pedindo que os mesmos fossem recebidos com todas as consequências legais, desde logo a suspensão dos termos do procedimento cautelar e a restituição provisória a ela, M (…), da linha em causa, e, a final, julgados provados e procedentes, alegando que a linha lhe pertencia por a ter vendido, em Maio de 2003, com reserva de propriedade, à D (…), que apenas tinha, por isso, a posse do bem em nome da M (…) (na réplica vem a invocar neste sentido o ac. do TRP de 19/05/1981, CJ81, III, págs. 127/128). Estes embargos foram recebidos em 25/03/2010, tendo sido ordenada a restituição provisória da posse da linha à M (…)e a suspensão dos termos da providência cautelar. Em 17/05/2010, a Caixa veio contestar os embargos impugnando a afirmação da M (…) de que era proprietária da linha, dizendo a Caixa que a linha era sua por a ter comprado, em Outubro de 2005, à D (…) que se intitulou como sua proprietária, desconhecendo a Caixa, sem obrigação de conhecer, a existência – se existir - da reserva da propriedade a favor da M (…) tanto mais que se trata de um bem móvel não sujeito a registo. E acrescenta que em 30/09/2009 vendeu os bens à M (…), juntando a fls. 121 cópia da nota de débito/recibo. A M (…)replicou, impugnando, por desconhecimento, o contrato entre a D (…) e a Caixa; refere-se, por outro lado, no art. 6, à alegada venda que a Caixa terá feito a Ma (…), dizendo, entre o mais, que a mesma é ineficaz e inoponível à M (…) proprietária da linha, uma vez que se trata de uma venda de coisa alheia (a non domino) – invoca uma anotação neste sentido de Antunes Varela, ambos publicados na RLJ 122, págs. 246 e 251 a 255 (pontos 5 e 10/12), o ac. do STJ de 11/04/2002 (02B416), e a anotação de Antunes Varela e Pires de Lima, no CC anotado, vol. II, 3ª ed., pág. 189, ao artigo 892 do CC. Entretanto, em Out2009, a Caixa tinha intentado a acção principal contra a D (…), a pedir a condenação desta na entrega definitiva da linha à Caixa, a qual veio a ser julgada procedente por sentença proferida em 19/11/2010, transitada em julgado. Em 10/02/2011 foi então proferido despacho, declarando, ao abrigo do art. 287º/e) do CPC extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, com os seguintes fundamentos: A M (…) recorre deste despacho, para que seja revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos ulteriores termos dos embargos de terceiro (seguindo-se o ritualismo do processo ordinário de declaração nos termos do art. 357º/1 do CPC) com conclusões que serão apreciadas abaixo e que têm a ver com o seguinte: os embargos de terceiro não visavam, essencialmente, neutralizar os efeitos da providência cautelar de entrega judicial; não se verifica a hipótese da inutilidade superveniente da lide; a providência cautelar não se extingue com o trânsito em julgado da decisão proferida nos autos principais e os embargos continuam a ter interesse para a embargante; a M (…) impugnou a venda e o documento que a titularia; a Caixa não invocou a transferência da posse para a Ma (…) pelo que não há razão para se dizer que é necessário demandar esta; não se verifica uma situação de litisconsórcio necessário passivo. As embargadas não contra-alegaram. * Questões que cumpre solucionar: se os embargos se tornaram supervenientemente inúteis com o fundamento do facto invocado no despacho recorrido (venda, pela embargada Caixa, do bem à Ma (…)). * Dos factos: Os factos que estão provados são os que constam dos parágrafos que antecedem, tendo sido alterado, neste acórdão, o facto que se refere à réplica da M (…), pois que o despacho recorrido colocava no facto a interpretação que faz da réplica (dizendo que a M (…) não impugna a venda nem o aludido documento), e no parágrafo correspondente que consta acima o que se faz é só resumir a posição da M (…), sem nele incluir a qualificação jurídica da réplica desta. I Diz a M (…) que: A primeira parte desta argumentação da recorrente pressupõe a identificação da afirmação do despacho recorrido, na parte em que fala da neutralização dos efeitos da providência, com o entendimento de que se está perante embargos preventivos. Mas não há razões para considerar que o despacho qualificou os presentes embargos como preventivos, apenas com base na expressão “neutralizar os efeitos”, para mais no contexto em que o despacho recorrido a utilizou. Apesar disto, o resto da argumentação da recorrente é perfeitamente pertinente, como aliás o revelam as citações feitas: os presentes embargos, repressivos, que não se fundavam apenas na invocação da posse do bem pela M (…), não visavam “apenas” neutralizar os efeitos da providência, visavam também, necessariamente, e para além do mais, a declaração de propriedade do bem em causa nestes autos com trânsito em julgado (arts. 357/2 e 358, ambos do CPC). II Diz depois a M (…): E também aqui a recorrente tem razão (com excepção da qualificação da M (…) como legítima proprietária pois que isso ainda não está decidido). Visto que o fim dos embargos não era apenas o invocado na decisão recorrida, falece a razão invocada para a inutilidade da lide. E se esta visava, também, para além do mais, a declaração de propriedade do bem, é evidente que a instância não se tornou inútil quanto a esta questão. Aliás, ver-se-á mais abaixo, a questão principal que o despacho recorrido levanta é a da eventual ilegitimidade passiva das embargadas, por preterição de litisconsórcio necessário, para discutirem a questão da propriedade e restituição, o que só por si demonstra que estes embargos não se tornaram inúteis, já que a falta do pressuposto em causa não tem a ver com a perda da utilidade da acção, mas sim com o facto de ela não poder produzir todo o efeito útil que visa. III Continua a recorrente dizendo que: Isto tem a ver com a afirmação do despacho recorrido de que “com o trânsito em julgado da decisão proferida nos autos principais, a providência cautelar extinguiu-se e, como tal, os presentes embargos de terceiro perderam a sua utilidade.” De novo tem razão a recorrente, já que com o trânsito em julgado da decisão da acção principal, dando razão àquele que foi o requerente da providência, a providência não se extingue. Nem o despacho recorrido invoca qualquer norma que fale na extinção da providência nesse caso, nem a norma do art. 389 do CPC inclui tal situação como uma das que dá origem à caducidade da providência. O que se pode dizer é que o efeito útil da providência é consumido, absorvido, consolidado ou ratificado material-mente pela decisão [ou melhor, pela execução da decisão] procedente da ac-ção principal. Mas isto nada tem a ver com a extinção da providência, muito pelo contrário. Como diz Rui Pinto, A questão de mérito na tutela cautelar, a obrigação genérica de não ingerência e os limites da responsabilidade civil, Coimbra Editora, Maio de 2009, págs. 700 e 701: E antes (pág. 700): É certo, no entanto, que a visão do despacho recorrido está de acordo com o entendimento tradicional da questão que é o do que: Visão tradicional refutada pelo autor citado, por assentar em pressupostos teóricos que põe em crise (págs. 698/699). Seja como for, o que de novo importa é que como o objecto dos embargos era, como já foi dito, também a questão do direito de propriedade do bem (para além da restituição do mesmo), não se vê qual a ligação que possa haver entre a eventual extinção, ou melhor, caducidade da providência (segundo o entendimento tradicional) e a inutilidade dos embargos para discussão da questão da propriedade e restituição. Compreende-se, assim, que a recorrente conclua: IV Continua a recorrente: De novo tem razão a recorrente, como resulta já do relatório deste acórdão e do parágrafo dedicado aos factos, pois que a referência à alegada venda que terá sido feita, corresponde, naturalmente, não se tratando de facto pessoal da M (…), à afirmação de que não se sabe se determinado facto é real pelo que equivale a impugnação (art. 490º/3 do CPC, parte final). Para além disso, a M (…), ao referir-se a tal contrato, admitiu-o apenas em termos hipotéticos (terá feito…) apenas para a poder impugnar de direito (art. 487/2 do CPC), ou seja, para dizer que, existindo, não poderia produzir o efeito jurídico pretendido pela Caixa, por ser ineficaz e inoponível à M (…). Pelo que, é precisamente a venda que é pressuposta pelo despacho recorrido como não impugnada, que foi expressamente impugnada pela M (…) porque para ela não existe como venda válida, mesmo que exista – a existir - um contrato dito de “venda”. V Continua a M (…): Pode-se ver esta questão deste modo: A Ma (…), alegando ser proprietária do bem pode reivindicá-lo (ou embargar, alegando ser proprietária e pedindo a restituição) de qualquer pessoa (arts. 1311 do CC e 351 do CPC), mas tem de o fazer contra quem esteja na posse do bem. O despacho recorrido estará implicitamente a dizer, na perspectiva da M (…) que como o bem está na posse da Ma (…), por o ter recebido por contrato celebrado com a Caixa, a M (…) teria que discutir a questão também com a Ma (…), já que a Ma (..) poderá invocar um título, derivado da Caixa, que legitima a sua posse da coisa. Como o despacho recorrido não diz porque é que a questão também tem que ser discutida com a Ma (…) o que é o mesmo que falar em litisconsórcio necessário, esta construção jurídica feita pela M (…) é uma das construções possíveis para a justificação de tal necessidade. Só que se for esta a justificação do despacho recorrido, a recorrente tem razão, pois que a Caixa na contestação não alega ter entregue a coisa, pelo que a posse não se pode dizer ter sido transferida para a Ma (…) [arts. 879/c) e 1263/b), ambos do CC] e se não se pode falar na posse desta, não tem sentido invocar a necessidade desta estar na acção. VI Para além disso, ainda fica por justificar a posição teórica implícita no despacho recorrido: a acção em que se pretenda discutir a propriedade e a posse do bem, tem que ser proposta contra o possuidor (no caso a Ma (…)) e a pessoa que alegadamente lhe terá vendido o bem (a Caixa)? Não é assim e não há doutrina nenhuma a defender a necessidade de litisconsórcio necessário passivo na acção de reivindicação. A legitimidade passiva da acção de reivindicação pertence apenas ao possuidor ou detentor da coisa (art. 1311º/1 do CC). VII Então poderia o despacho recorrido dizer, tal como de facto também pode ser lido implicitamente no mesmo: mas tem que ser proposta contra o possuidor (a Ma (…)) e não contra o alegado vendedor (Caixa), pelo que a acção intentada contra este, que já não é o possuidor, perde utilidade. Mas, primeiro, isto demonstra, desde logo, que o despacho recorrido está a invocar duas justificações que se acabam por revelar contraditórias, pois que, afinal, a inutilidade derivaria de se ter intentado a acção contra C quando deveria ter sido intentada contra D, e não de se dever intentar a acção contra C e D. Depois, porque se o proprietário intenta a acção contra C e, antes da citação (como seria o caso dos autos – se fosse depois, colocava-se em jogo o disposto no art. 271 do CPC), C “transfere” a posse da coisa para D, a acção não perde interesse para o proprietário pois que poderá deixar definido, entre ele e C que C não era proprietário da coisa e que não a podia ter vendido e transferido a posse para D, o que lhe poderá servir para base de uma eventual acção de indemnização pela prática do facto ilícito da venda de bem que era dele e não de C. Por fim, e volta-se ao início, pressupõe-se que a Ma (…) é possuidora, o que, como já foi visto, não poderá ser o caso (por nada ter sido alegado a esse respeito). Como a Caixa só alega ter vendido o bem, se perder o litígio, ficará definido que a propriedade pertence à M (…) e esta poderá pedir-lhe a sua restituição (porque nada nestes autos diz que a posse não esteja com a Caixa…). VIII Diz por fim a recorrente: Tudo isto já acabou de ser visto, numa outra perspectiva, mas justifica-se que a recorrente coloque agora a questão de outra forma, porque o despacho recorrido não justifica a afirmação da necessidade da acção ser também intentada contra a Ma (…). Ou seja, estas considerações da recorrente levantam, agora, a necessidade de ver de uma outra forma a mesma questão da posse ou da justificação da decisão recorrida. A decisão recorrida entende que para que a M (…)obtenha uma decisão que lhe permita ter título executivo para a entrega do bem (é este o efeito útil normal da pretensão de declaração de propriedade e de restituição do bem deduzida nos embargos em que se alegue a propriedade do bem), teria que intentar uma acção contra a Caixa e a Ma (…), terceira adquirente. Não diz porquê. Já se viu um dos caminhos possíveis. Passa agora a ver-se um outro, fazendo a reconstrução da tese que estará na base do despacho recorrido, aparentemente desenvolvida a partir da tese apresentada, em termos muito vagos, pela Caixa no artigo 51 da sua contestação: “não pode a M (…)vir exigir a restituição da posse, por não poder opor à Caixa, terceira de boa fé, o alegado incumprimento por parte da D (…)”. A tese subjacente ao despacho recorrido será então esta: a M (…) alega ser proprietária do bem, por o ter vendido com reserva de propriedade a favor da D (…). Como esta não cumpriu a sua obrigação, a M (…)resolveu o contrato e quer a restituição do bem. Mas entretanto a Caixa adquiriu o bem e transmitiu-o a terceiro – um sub-adquirente - que o tem na sua posse. Ora, se as coisas forem assim, o terceiro poderá recusar a restituição (art. 435/1 do CC). Para se discutir isto seria necessária uma acção contra a Caixa e a Ma (…). Mas também por aqui o despacho recorrido não tem razão. Repare-se desde logo que, se as coisas forem como alegado, a M (…) nunca vendeu o bem. O contrato que celebrou foi um contrato de compra e venda com reserva de propriedade. A propriedade do bem, por isso, não deixou de pertencer à M (…) (art. 409/1 do CC). E esta cláusula de reserva de propriedade é oponível a terceiros (no caso à Caixa e à M (…)), como resulta do nº. 2 do art. 409 do CC, como explicam Antunes Varela e Pires de Lima (CC anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 357, anotação 3 ao art. 409): “Tratando-se de coisa móvel não sujeita a registo, o pacto vale em relação a terceiro, sem necessidade de qualquer formalidade especial, uma vez que não vigora, quanto às próprias coisas móveis, o princípio segundo o qual a posse vale título”. Não se trata pois de uma venda do bem com transferência da propriedade para a D (…). Por isso, esta não era proprietária do bem e não o podia transferir para a Caixa (art. 892 do CC). Esta não é, nem nunca foi, por isso, proprietária do bem e por isso não o pode ter transferido para a Ma (…). Em consequência não se está perante a hipótese da regra do art. 435/1 do CC que está implícita na defesa da Caixa e no despacho recorrido pois que ela tem como pressuposto estar-se perante um adquirente de um bem. Dito de outro modo, a regra do art. 435º/1 do CC, tal com as dos arts. 289º/2 e 291 do CC, pressupõe que na origem da cadeia de negócios esteja um verdadeiro proprietário (neste sentido, para o caso do art. 291 do CC, veja-se Maria Clara Sottomayor, Invalidade e Registo, A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa Fé, Almedina, Teses de Doutoramento, Junho de 2010, por exemplo nas págs. 481, na nota 1333, págs. 329 e 330, págs. 881 a 884 e conclusão 30, pág. 923), o que não é o caso da Dias & Silva. Mas a A (= M (…)) no caso dos autos, não está incluída na cadeia de negócios. A (= M (…)) não transferiu a propriedade para B (= D (…)). B vendeu a C (= Caixa) sem que antes tivesse adquirido a propriedade da coisa. A nulidade das vendas de B a C e de C a D (= Ma (…)) existe desde sempre e elas são ineficazes desde sempre em relação a A. A situação não é: A => B => C => D (significando o => a transferência da propriedade). Mas sim: A => B (significando o =>, aqui, apenas um contrato, sem transferência de propriedade) e B => C => D (significando o =>, aqui, a venda de coisa alheia). Dito ainda de outro modo: em relação à Caixa, a M (…) não está a exercer o direito à restituição da coisa por resolução do contrato (arts. 433º e 289º/1 do CC), mas a exigir a restituição da coisa por ser ela, M (…), a proprietária do bem (art. 1311º do CC) e a Caixa não lhe pode opor a venda que lhe foi feita pela D (…) por se tratar, desde o início, da venda de uma coisa alheia (art. 892 do CC). Daí que, por exemplo, Maria Clara Sottomayor, obra citada, pág. 307, quando fala na norma do art. 435º/1 do CC pressuponha a validade do negócio com o qual o terceiro adquiriu o bem (“porque terá querido, então, a lei, na resolução do negócio, que fosse o vendedor a suportar os riscos do incumprimento do contrato e de insolvência do comprador, ficando sem o direito de propriedade do bem, se o comprador, entretanto, já o tiver alienado a um terceiro, através de um negócio válido?). Ou, nos termos da anotação de Antunes Varela, citada pela recorrente, as vendas celebradas entre a D (…) e a Caixa e entre esta e a Ma (…) são ineficazes em relação ao verdadeiro proprietário (a M (…)) e por isso não lhe podem ser opostas (RLJ 122, págs. 246 e 251 a 255 (pontos 5 e 10 a 12). A M (…) não precisa nem pode requerer a declaração de nulidade desses contratos para obter a restituição da coisa. E, por isso, não é necessária qualquer acção em que se esteja a discutir a nulidade do contrato com a presença dos dois contraentes. Ou, nos termos do acórdão citado pela recorrente, de 11/04/2002 (02B416 da base de dados do ITIJ): I - O verdadeiro proprietário, de uma coisa móvel, penhorada e vendida em processo executivo, pode reivindicá-la de um terceiro, a quem foi adjudicada nesse processo, ou a quem o adjudicatário a transmitir logo após a adjudicação. II - A natureza da propriedade, como direito real tipificado, permite ao seu titular seguir a coisa, independentemente da esfera jurídica em que se encontre. Em suma, esta eventual justificação do despacho recorrido, de que a Caixa ou a M (…) podem opor à M (…) a compra que fizeram do bem para recusar a restituição, está também errada. * Pelo que, como resulta do que antecede, não se justifica a afirmação da inutilidade superveniente da lide. * Sumário: I. Os embargos de terceiro que o verdadeiro proprietário tenha deduzido contra a entrega do bem, não passam a ser inúteis pelo facto de aquele a quem foi entregue o bem alegar que entretanto vendeu o bem a outrem (para mais se nem sequer alega que lhe transferiu a posse). II. Actualmente não é unânime o entendimento de que uma providência cautelar se extingue (ou caduca) pelo facto de haver uma decisão no mesmo sentido na acção principal. III. A pretensão da declaração de propriedade e de restituição do bem não tem de ser intentada contra o possuidor ou detentor do bem e contra aquele que alegadamente lhe tenha vendido o bem, mas apenas contra o possuidor ou detentor do bem. IV. O terceiro adquirente que está em causa no art. 435º do CC é apenas aquele que esteja numa cadeia de negócios com origem no verdadeiro proprietário. * Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se que se prossigam os ulteriores termos dos embargos. Custas pela parte que for vencida a final.
Pedro Martins ( Relator ) Virgílio Mateus António Carvalho Martins
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