Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
188/15.6GCSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Data do Acordão: 09/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE SANTA COMBA DÃO – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTS. 1.º, 3.º, 4.º E 108.º DO DL N.º 422/89
Sumário: Um jogo de uma máquina que, não fornecendo directamente prémios em fichas ou dinheiro, na sequência da jogada, desenvolve temas próprios de jogos de fortuna ou azar, à semelhança do que sucede com os jogos de roleta, apresentando como resultado pontuações de forma aleatória, susceptíveis de serem convertidas em dinheiro, cujo resultado depende exclusivamente da sorte, isto é, sem qualquer intervenção da habilidade ou perícia do jogador deve ser classificado como um jogo de fortuna ou azar.
Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

No processo supra identificado, foi julgado e condenado o arguido A... , filho de (...) e de (...), nascido a 26/05/1936, natural de (...), Carregal do Sal, casado, comerciante, titular do bilhete de identidade n.º e residente na Rua (...), Carregal do Sal, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 1º, 3º n.º 1, 4º n.º 1 al. g) e 108º n.º 1 todos do DL n.º 422/89, de 2/12, na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 10/95, de 19/1, tendo o tribunal a quo decido:

a) Aplicar a pena de 6 meses de prisão e 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,50.

b) Substituir a pena de prisão referida em a) por 140 dias de multa, à taxa diária de € 6,50.

c) Aplicar, em cúmulo material das penas de multa referidas em a) e b), a pena única de 260 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, no valor global de € 1.690,00.


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Da sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões:

«A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao Recorrente em sede de factualidade tida como provada, relativamente à exploração, criminalmente punível da máquina apreendida à ordem dos presentes autos, entende modestamente o Arguido que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa quanto a uma tal máquina.

B. A máquina em causa autos não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolve um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que, a única diferença substancial para a máquina objecto de fixação jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, prende-se com o modo de funcionamento, eléctrico ou mecânico, sendo os jogos substancialmente idênticos e em nada dependendo da perícia ou destreza, podendo os prémios a final serem eventualmente convertíveis em dinheiro.

C. Aquela jurisprudência fixada tem aplicação ao caso concreto nestes autos, porquanto, o que está em causa não é uma qualquer imposição de jurisprudência, por ser então igual à máquina em apreço (porque efectivamente não o é), mas sim, o espírito e pensamento por trás de tal jurisprudência, e o facto de tal permitir então a qualificação de máquinas como a dos autos como não sendo máquina destinada à prática de jogos de fortuna ou azar.

D. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente "pensava" o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita,

E. Ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem um qualquer pagamento directo de prémios e/ou atribuição de fichas, não é também possível acumular quaisquer créditos, dobrar apostas ou fazer escolhas de "números", logo, sem toda a "envolvência" dos denominados jogos de casino), a que acresce o facto de os valores despendidos com o mesmo serem de pouca relevância (apenas inserção de moedas) e não susceptíveis de lesarem uma qualquer família ou património.

F. Além do que, o mesmo não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta electrónica, pois que, para além do valor "apostado" não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas,

G. Sendo que, o valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas um "preço" da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e pré-determinado (Cfr. neste sentido, Acórdãos deste Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in WWW.dgsi.pt.e do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277).

H. Sendo que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n.º 4/2010 (proferido no Processo n.º 2485/08 e publicado na l.ª Série, N.º 46, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questiona o Recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico?

I. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt) e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela máquina ora em causa), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar, manifestando que «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.»

(negrito e sublinhado nosso).

J. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma "mera" contra-ordenação, conforme preceituado no art. 163.º da Lei do Jogo,

K. Pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República.».

L. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, e, bem assim, nos, doutos Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, douto Acórdão da Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011, douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, doutos Acórdãos desta Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015, está em crer modestamente o Recorrente que a máquina ora em causa nos presentes autos, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.

M. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às características da máquina em causa, não poderia o Digníssimo Tribunal “a quo" ter concluído pela subsunção da conduta do Recorrente à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição.

N. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos artigos l.º, 3.º, 4.º e 108.º da "Lei do Jogo",

O. Pois que, não obstante a técnica exemplificativa utilizada pelo nosso legislador no artigo 4.º da "Lei do Jogo", a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia, ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias actualmente em vigor (nºs 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados, e, em máquinas electrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, se poder concluir pela observância por parte do jogo da máquina dos autos das características dos denominados jogos de casino.

P. Por outro lado, sempre importará referir que, mesmo não tendo sido apurado concretamente apurada uma qualquer conversão dos pontos em numerário, mas antes por presunção, sempre se diga que a existir uma tal hipotética possibilidade de conversão, não poderá, por si só, fazer precludir a sua "integração" enquanto mera modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas tão só, poderá consubstanciar, ela própria, uma distinta contra-ordenação.

Q. Por fim, e porque no mesmo se aborda uma tal matéria por referência a uma máquina similar à dos presentes autos, sendo uma tal "abordagem" efectuada por referência àquilo que resulta e se "defende" no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 do STJ, sempre será ainda de referir o muito recente douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt).

R. No qual se conclui «constituir critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposte e pela certeza, pré-definida, dos prémios», com base no que, a final, se decide pela «irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime (jogo "colorama").» (negrito e sublinhado nossos)

S. Do exposto, de referir que temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos n.ºs 4.º, 108.º e 115.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de "prémios" a atribuir resultem da conversão dos pontos ganhos, cujas variáveis se encontram definidas desde ab initio e são do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,

T. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da "igualdade", da "liberdade individual" e da "proporcionalidade", designadamente, das normas constantes nos artigos 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da "legalidade", na vertente de "nullum crimen sine lege certa", logo, por violação do disposto no artigo 29.º da Constituição da República portuguesa (Neste sentido, cfr. Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. n.º 2492/08-1, e acessível in www.dgsLpt).

U. A douta Sentença sob recurso violou os arts. 1.º, 3.º, 4.º, 108.º e ss., e 159.º e ss., todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 13.º, 18.º e 29.º da Constituição da República Portuguesa.

SEM PRESCINDIR - DA MEDIDA DA PENA

I. Caso não se entenda nos termos supra expostos, o que não se concede, mas por mero dever legal de patrocínio se acautela, desde logo se diga que delimitando-se a pena a aplicar ao Recorrente na culpa deste, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma se poderá compreender e aceitar as penas aplicadas, na medida em que, extravasam claramente a culpa deste e as próprias necessidades de prevenção, e, não tem, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do mesmo Recorrente.

II. Ora, as penas aplicadas (de prisão e de multa) são de todo incompreensíveis, até porque, se trata apenas e só da exploração de uma única máquina (sendo então sobre essa exploração que impenderá a sua condenação), apenas apresentava a quantia de €0,50 (cinquenta cêntimos) no seu interior, sendo que a mesma permitia unicamente uma utilização através da inserção de um valor reduzido (moedas), facto que, naturalmente, sempre obstaria a um qualquer delapidar grave e sério do património dos potenciais seus utilizadores, e, bem assim, sempre limitaria quaisquer benefícios económicos que pudessem vir a resultar para o ora Recorrente de tal exploração (sem esquecer que se puniu um “acto ilícito" que divide por completo a nossa jurisprudência, conforme supra melhor se expôs, tanto mais no conhecimento de qualquer cidadão comum sem conhecimento técnico-jurídicos específicos).

III. Enaltecendo que o Arguido nasceu em 26-05-1936, seja, actualmente com 79 anos de idade, e não apresenta qualquer inscrição no seu registo criminal, quer por factos de igual natureza, quer por factos de diferente natureza, acrescendo que também não existe qualquer notícia posterior do cometimento de qualquer tipo de ilícito pela pessoa do ora Recorrente.

IV. Além do que, de forma alguma se compreende como se afigurou sustentável ao Digníssimo Tribunal "a quo" aplicar, numa moldura penal como as ora em causa, uma pena de 06 (seis) meses de prisão e de 120 (cento e vinte) dias de multa, pois que, por simples raciocínio comparativo, claramente nos apercebemos que, por contraposição entre as penas cumulativas aplicadas, e de modo absolutamente injustificado e infundado, foi aplicado ao Arguido uma pena de prisão acima de ¼ da pena global abstractamente aplicável e a pena de multa que ultrapassa o meio da pena abstractamente aplicável.

V. No caso presente, e por de aplicação ao mesmo, atenta a problemática em apreço, deverá relevar-se tudo quanto vem vertido no recente douto Acórdão desta Relação do Porto, de 18/09/2013 (proferido pela 4ª Secção no âmbito do Proc. N.º 311/10.7EAPRT.Pl), que nos refere estarmos perante o «domínio das denominadas "bagatelas penais"», com um pequeno grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social.

VI. Ainda completa e absolutamente incompreensível é o quantitativo diário de €: 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos) da pena de multa que o Digníssimo Tribunal “a quo" julgou por adequado ao caso presente, merece a total reprovação por parte do Recorrente, isto porque, e conforme resulta da factualidade tida como provada, nomeadamente no ponto 9, l0, 11, 12 e 13 da matéria de facto dada como provada, e ainda que o Arguido não viva num estado de indigência, também não vive de forma folgada que lhe permita criar aforro após o contraposição entre o rendimento auferido e as despesas que tem de suportar quotidianamente, sem nunca descurar, ainda que de tal não resulte da matéria de facto dada como provada, que como qualquer pessoa no mundo, a arguida apresenta despesas correntes mensais, como alimentação, saneamento, electricidade, gás e vestuário e todas aquelas extraordinárias que surgem no quotidiano normativo, nomeadamente ao nível de saúde.

VII. Donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de penas substancialmente inferiores, na medida em que, da mesma sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, bem assim, seja o quantitativo diário reduzido para o respectivo mínimo legal.

VIII. Por todo o supra exposto, a douta Sentença sob recurso violou os artigos 40.º, 41.º, 43.º, 47.º e 71.º, todos do Código Penal, os artigos 1.º, 3.º, 4.º, 108.º e 159.º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro e 13.º, 18.º, 29.º e 32.º da CRP.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.as Ex.as, sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra decisão que absolva o Recorrente da prática do crime de exploração ilícita de jogo pelo qual foi condenado, ou caso assim não se entenda, que sejam reduzidas as penas aplicadas (de prisão e de multa), bem como o respectivo quantitativo diário, por se revelarem como desadequadas, desajustadas e desproporcionais, com o que, modestamente se entende, V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA».


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Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância ao recurso interposto, nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, pugnando pela sua improcedência, por a sentença recorrida, não merecer qualquer reparo quanto ao enquadramento jurídico-penal e considerar ser adequada a pena aplicada, face às elevadas exigências de prevenção geral e principalmente de prevenção especial.

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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex. mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, seguiu de perto os trilhos da contra-alegação em 1.ª instância emitindo douto parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.

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Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, respondeu o arguido o qual em síntese reafirma os argumentos vertidos na motivação de recurso e uma vez colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

Factos provados:

«1. O arguido explora o estabelecimento comercial denominado “Café x... ”, sito na Rua (...), Carregal do Sal, o qual não se encontra licenciado para a exploração de jogos de fortuna ou azar.

2. No âmbito das suas funções de gerente do referido estabelecimento, competia ao arguido, adquirir os equipamentos de diversão utilizados no estabelecimento, supervisionar o seu funcionamento e exploração, bem como diligenciar pela obtenção das respectivas licenças.

3. Desde data que não foi possível determinar, até ao dia 23-10-2015, no interior do referido “Café x... ”, encontrava-se exposta ao público uma máquina, com as designações “Promoção de bebidas” e “Uma forma de promover bebidas neste estabelecimento”, sem qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante, número de fabrico ou série.

4. Tal máquina apresenta as seguintes características:

a) é constituída por um móvel de um só corpo, de estrutura em madeira cinzenta;

b) ao centro do painel frontal situa-se um mostrador circular, dividido em 64 led’s (díodo emissor de luz) que, depois de energizados, emitem luz visível;

c) 8 desses led’s estão identificados no painel com as 1 (Café), 2 (Garrafas de água), 5 (Coca-Cola), 10 (Martini), 20 (Favaios), 50 (Cálices de vinho do Porto), 100 (Sagres mini) e 200 (Super Bock média);

d) 2 desses led’s estão identificados no painel com dois pontos de interrogação;

e) do lado direito e em cima do painel situa-se um visor que regista os créditos introduzidos pelo jogador e acumulados nas jogadas efectuadas;

f) ao centro do círculo de led’s situa-se um segundo visor que regista os pontos obtidos em jogadas premiadas;

g) na parede lateral esquerda superior/frente situam-se dois parafusos metálicos que permitem fazer o reset (apagar) aos créditos acumulados por um jogador no decurso das jogadas, mediante o contacto de um objecto metálico (por exemplo uma moeda);

h) na parede lateral esquerda inferior/trás situam-se outros dois parafusos que permitem jogar as pontuações obtidas no decurso de jogadas premiadas através da aproximação de um objecto metálico;

i) na parede lateral direita encontra-se o componente exterior para introdução de moedas e a porta de acesso ao cofre.

5. O sistema de funcionamento da máquina, bem como o desenvolvimento do jogo, processam-se da seguinte forma:

a) após a introdução de uma moeda de € 0,50 (permite uma jogada), começam de imediato a ser iluminados os led’s, até que sem qualquer intervenção por parte do jogador, as luzes se fixam num deles;

b) quando o ponto luminoso se imobiliza num dos 8 led’s assinalados em 4.c), é registado no visor a pontuação obtida;

c) quando o ponto luminoso se imobiliza num dos led’s identificados com pontos de interrogação a máquina aleatoriamente atribui pontos que também são registados no visor;

d) caso o ponto luminoso pare num dos restantes led’s, o jogador nada ganha e terá de tentar a sorte outra vez;

e) se o jogador pretender utilizar os pontos ganhos nas jogadas efectuadas, basta aproximar um objecto metálico dos parafusos identificados em 4.h);

f) por cada ponto (unidade) assinalado no visor a máquina permite efectuar duas jogadas.

6. O arguido pagava aos utilizadores da referida máquina prémios pecuniários à razão de € 1,00, por cada ponto/prémio acumulado.

7. O arguido não possuía nenhuma licença ou autorização que lhes permitisse a exploração do referido jogo.

8. O arguido sabia das características da máquina de jogo, agindo com a intenção de retirar proveitos económicos da mesma, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

9. O arguido tem a 4ª classe de escolaridade, é casado e tem dois filhos maiores de idade.

10. O arguido vive em casa própria.

11. Por conta da exploração do café mencionado supra o arguido recebe cerca de € 900,00 brutos, com os quais faz face às despesas de tal estabelecimento.

12. O arguido é reformado, recebendo uma reforma de França e uma de Portugal, a primeira no valor de cerca de € 400,00 mensais e a última no valor de € 280,00 mensais.

13. O arguido não tem antecedentes criminais.


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Factos não provados:

O modo de funcionamento da máquina de jogo é semelhante ao específico modo de operação das roletas existentes nos casinos».


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Convicção do Tribunal:

Consigna-se desde já que o arguido, exercendo um direito, se recusou a falar sobre os factos, apenas tendo respondido acerca da sua situação pessoal, o que fez de forma que nos mereceu credibilidade.

Sem prejuízo de tal a verdade é que das suas respostas resultou demonstrado que o mesmo, nas suas palavras, tem uma porta aberta, um café, reportando-se ao estabelecimento destes autos donde retira, em média e como disse, € 900,00 brutos, com os quais paga todas as despesas do mesmo café. Aliado este segmento das suas respostas ao declarado pela testemunha B... , militar da GNR que procedeu à acção de fiscalização que deu origem aos presentes autos, na parte em que disse que no dia em que efectuou tal fiscalização se encontravam no interior do café, ao balcão, o aqui arguido e sua esposa, mais tendo dito que foi o arguido quem o acompanhou aquando do momento em que verificou a forma de funcionamento da máquina apreendida, ao que acresce a circunstância de também ter sido o arguido quem entregou, como disse a testemunha, a chave do moedeiro da máquina – moedeiro esse que foi posteriormente aberto com tal chave e que continha no seu interior € 0,50 – e por fim a circunstância da aqui testemunha já se ter deslocado anteriormente, e em virtude de outros factos, ao local dos autos onde sempre viu o arguido ao balcão e de, nessas vezes, já ter visionado o alvará de exploração em nome do arguido (ainda que desconheça, como disse, se sofreu alterações) entendemos nenhumas dúvidas existirem acerca da identidade do explorador do estabelecimento a que estes autos se reportam – que considerámos ser o arguido –, bem como das concretas funções que o aqui arguido aí exerce.

De forma ponderada com as declarações da indicada testemunha veja-se também o auto de abertura de fls. 25, concretamente a parte onde se exara que o aqui arguido facultou a chave do moedeiro, constatando-se que no seu interior existia € 0,50.

Para efeitos de demonstrar o local e data em que a máquina apreendida se encontrava na data da sua apreensão o Tribunal atentou nas declarações da B... , valoradas de forma conjugadas com o auto de apreensão de fls. 26 (concretamente a parte onde se identifica o local onde foi efectuada a apreensão, bem como a data dessa apreensão), bem como o mencionado auto de abertura de fls. 25.

A máquina apreendida, suas concretas características e componentes, tiveram por base o relatório fotográfico de fls. 8 a 12 e respectivas legendagens.

O jogo desenvolvido na máquina apreendida à ordem dos autos, sua definição, concretas características e modo de funcionamento, teve respaldo no relatório pericial de fls. 59 e 60 e o que da sua literalidade resulta.

As razões pelas quais considerámos demonstrado que o arguido pagava aos utilizadores prémios à razão de € 1,00 teve respaldo no relatório pericial de fls. 59 e 60, valorado de forma conjugado com as regras da lógica e experiência comum, pois que segundo tais regras, como bem se escreve a fls. 3 de tal relatório (fls. 60 dos autos) neste tipo de jogos os pontos/prémios são usualmente convertidos em dinheiro à razão de € 1,00 por cada ponto/prémio, sendo o valor moeda usualmente substituído por uma qualquer outra designação em virtude de a generalidade da população associar a ilicitude do jogo ao facto de os prémios serem descritos em dinheiro.

Nenhuma prova foi produzida no sentido de demonstrar que o jogo é semelhante ao específico modo de operação das roletas existentes nos casinos, razão pela qual foi tal facto considerado não provado.

A ausência de antecedentes criminais assentou no CRC de fls. 34.

Em conformidade os factos provados e não provados».


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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

a) Enquadramento jurídico-penal dos factos.

b) Medida concreta da pena e respectiva taxa diária da multa.

Apreciando:

a) Enquadramento jurídico-penal dos factos.

O arguido foi condenado por um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 1.º, 3.º n.º 1, 4.º n.º 1 al. g) e 108.º n.º 1 todos do DL n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo DL n.º 10/95, de 19/1 (Lei do Jogo), diploma do qual farão parte os artigos sem menção de origem.

Na motivação de recurso o recorrente sustenta que a factualidade dada como demonstrada não integra os elementos típicos do crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar e que a constituir ilícito será mera contra-ordenação do art. 163.º.

Para tal apoia-se no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 4/2010 - Processo n.º 2485/08 e publicado na l.ª Série, N.º 46, do DR de 8 de Março de 2010alegando designadamente, em síntese, o seguinte:

- O arguido não pagava directamente prémios em fichas ou moedas;

- Não se trata de máquina de fortuna ou azar;

- Não permite apostas;

- O valor pago não é aposta, mas um “preço” da jogada sem possibilidade de multiplicar-se e o prémio é fixo e pré-determinado.

Refere ainda como seguindo a tese sustentada, entre outros, os Ac. do TRP de 14/7/1999 – Proc. 9910385, in www.dgsi.pt; Ac. do TRE, de 6/11/1990, in CJ., XV, T.V, pg. 277; Ac. do TRC de 2/2/2011 – Proc. 21/08.5FDCBR.C2 e de 18/3/2015 – Proc. 27/10.4EASTR.C1, in www.dgsi.pt.

Vejamos pois então face à matéria de facto que concretamente consta dos presentes autos, qual o enquadramento jurídico-penal adequado, sendo certo que há uma gama elevada de situações de máquinas de jogo, que não coincidem com a que aqui nos cabe analisar.

E para concluirmos se a conduta do arguido é ou não punível, ou, sendo-o, se é a título de crime ou contra-ordenação, importa atentar no tipo de jogo que está em causa, as características da máquina, bem como o funcionamento da máquina e desenvolvimento do próprio jogo.

Só feita esta análise, face à Lei do Jogo é que se poderá extrair a conclusão quanto à classificação da conduta do arguido.

E para tal importa definir e compreender e recortar os conceitos que interessa trazer à colação para depois proceder ao enquadramento legal.

O art. 108.º, define o crime de exploração ilícita de jogo, nos seguintes termos:

«1 - Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.

2 - Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora». 

O art. 1.º, diz que jogos de fortuna ou azar «são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». 

Sendo importante o local onde se desenvolve o jogo para tipificar a conduta, quanto a um dos elementos objectivos, a lei delimita a prática do jogo a determinados locais, considerando o art. 3.º, como zonas de jogo o seguinte:

«1 - A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6.º a 8.º

2 - Para efeitos de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar, haverá zonas de jogo nos Açores, no Algarve, em Espinho, no Estoril, na Figueira da Foz, no Funchal, em Porto Santo, na Póvoa de Varzim, em Tróia e em Vidago-Pedras Salgadas.

3 - A distância mínima de protecção concorrencial entre casinos de zonas de jogo será estabelecida, caso a caso, no decreto regulamentar que determinar as condições de adjudicação de cada concessão.

4 - Mediante autorização do membro do Governo da tutela, ouvida a Inspecção-Geral de Jogos, poderão as concessionárias das zonas de jogo optar pela exploração do jogo do bingo em salas com os requisitos regulamentares, em regime igual ao dos casinos, mas fora destes, desde que sejam situadas na área do município em que estes se achem localizados». 

Por sua vez o art. 4.º, n.º 1, define os diversos tipos de jogos de fortuna ou azar, sendo autorizada a exploração, nomeadamente, dos tipos de jogos de fortuna ou azar referidos nas al. a) a g), estipulando a lei nesta última alínea como tipo de jogo:

«(…)

g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

(…)». 

Ora atentemos na situação dos autos face à matéria dada como provada, para daí extrairmos a conclusão no sentido de sabermos se a conduta do arguido é ou não ilícita e no caso afirmativo se é subsumível à prática de crime ou contra-ordenação.

Para tal importa saber as características da máquina, bem como compreender o sistema de funcionamento da mesma e o desenvolvimento do próprio jogo.

Como resulta dos autos o arguido explora o estabelecimento comercial denominado “Café x... ”, o qual não se encontra licenciado para a exploração de jogos de fortuna ou azar.

No interior do referido café, encontrava-se exposta ao público uma máquina, com as designações “Promoção de bebidas” e “Uma forma de promover bebidas neste estabelecimento”, sem qualquer referência exterior quanto à origem, fabricante, número de fabrico ou série.

Vejamos a factualidade dos pontos 4 a 8 dos factos dados como provados para apurar se estamos ou não perante um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar.

 A máquina em causa dispõe de painel frontal com um mostrador circular, dividido em 64 led’s que, depois de energizados, emitem luz visível, sendo que 8 desses led’s estão identificados no painel com as 1 (Café), 2 (Garrafas de água), 5 (Coca-Cola), 10 (Martini), 20 (Favaios), 50 (Cálices de vinho do Porto), 100 (Sagres mini) e 200 (Super Bock média) e 2 desses led’s estão identificados no painel com dois pontos de interrogação.

Dispõe de um visor que regista os créditos introduzidos pelo jogador e acumulados nas jogadas efectuadas e no centro do círculo de led’s situa-se um segundo visor que regista os pontos obtidos em jogadas premiadas.

O funcionamento da máquina, bem como o desenvolvimento do jogo, processam-se através da introdução de uma moeda de € 0,50, por jogada, começando de imediato a ser iluminados os led’s, até que sem qualquer intervenção por parte do jogador, as luzes se fixam num deles;

Quando o ponto luminoso se imobiliza num dos 8 led’s, correspondentes aos produtos que se pretende promover no estabelecimento e assinalados no ponto 4.c), dos factos provados, é registado no visor a pontuação obtida correspondente. 

Quando o ponto luminoso se imobiliza num dos led’s identificados com pontos de interrogação (2) a máquina aleatoriamente atribui pontos que também são registados no visor.

Dos 64 led`s apenas quando o ponto luminoso se imobiliza nestes 10 há atribuição de pontos, nada ganhando o jogador quando o ponto luminoso pare num dos restantes 54 led’s e terá de tentar a sorte outra vez.

O jogador pode utilizar os pontos ganhos nas jogadas efectuadas, sendo que por cada ponto assinalado no visor a máquina permite efectuar duas jogadas.

O arguido pagava aos utilizadores da referida máquina prémios pecuniários à razão de € 1,00, por cada ponto/prémio acumulado (facto 6 provado).

Ora, é claro que estamos perante um jogo de uma máquina que, não fornecendo directamente prémios em fichas ou dinheiro, na sequência da jogada, desenvolve temas próprios de jogos de fortuna ou azar, à semelhança do que sucede com os jogos de roleta, apresentando como resultado pontuações de forma aleatória, susceptíveis de serem convertidas em dinheiro, cujo resultado depende exclusivamente da sorte, isto é, sem qualquer intervenção da habilidade ou perícia do jogador e por isso deve ser classificado como um jogo de fortuna ou azar, constituindo a conduta do arguido a prática de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 1.º, 3.º n.º 1, 4.º n.º 1 al. g) e 108.º n.º 1, do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro.

Neste sentido, de que estamos perante jogo de fortuna ou azar, subsumível ao crime de exploração ilícita de jogo, sempre que se verifiquem aquelas circunstâncias, concordamos com a posição da decisão recorrida, que tem apoio na maioria da jurisprudência recente dos tribunais superiores (Ac.do TRG de 2/11/2015; Ac. TRP de 19/10/2011; Ac. TRP de 25/05/2011; Ac. TRL de 5/04/2011; Ac. TRE de 2/07/2013; Ac. TRC de 1/07/2015, in www.dgsi.pgdlisboa.pt).

Em sentido contrário podemos ver o Ac. TRP de 11/12/2013, in www.dgsi.pgdlisboa.pt, que, salvo o devido respeito pela opinião contrária não nos parece ser o sentido da lei em punir a situação dos autos como contra-ordenação.

Pese embora o esforço do recorrente, salvo melhor opinião, entendemos não ter aqui aplicação o Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, DR, I Série de 8-03-2010, o qual dispõe o seguinte:

«Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público».

 O art. 159.º, n.º 1, da Lei do Jogo define como modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo, não integradas no art. 4.º as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.

Depois o n.º 2 esclarece que são abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.

Estamos perante situações bem diferentes e por isso puníveis como contra-ordenação, segundo o art. 163.º, as situações previstas nos art. 160.º a 162.º.

O jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou electrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão (uma moeda de 0,50€) e o prémio a que se habilita está logo à partida predeterminado, deve ser qualificado como modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, podendo constituir uma contra-ordenação, conforme se decidiu no Ac. do TRE de 31/05/2011, in www.dgsi.pgdlisboa.pt).

Não é a situação dos autos, em que o prémio não está previamente determinado, em que o jogador arrisca a obtenção de pontos, cuja jogada decorre de forma absolutamente aleatória e sem intervenção da habilidade ou perícia do mesmo, podendo fazer uso dos próprios pontos para novas jogadas e depois é-lhe paga uma quantia monetária em função dos pontos obtidos.

Em conclusão, diremos que bem andou o tribunal a quo, ao enquadrar a conduta do arguido como crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, p. e p. pelos art. 1.º, 3.º n.º 1, 4.º n.º 1 al. g) e 108.º n.º 1, do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro e não como mera contra-ordenação.


*

b) Medida concreta da pena e respectiva taxa diária da multa.

Segundo dispõe o art. 108.º, n.º 1, o crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, é punível com pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias.

O tribunal recorrido aplicou a pena de 6 meses de prisão, que substituiu por 140 dias de multa e 120 dias de multa complementar, perfazendo a multa global de 260 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, no valor total de € 1.690,00.

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

Assim, há que atender às seguintes circunstâncias constantes dos pontos 6 a 12 dos factos provados:

- O grau de ilicitude do facto, modo da sua execução e a gravidade das suas consequências são reduzidos;

- A intensidade do dolo é diminuta;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os motivos que o determinaram, advém de pretender proventos económicos, embora de reduzido valor, cujos prémios monetários correspondiam a 1,00€ por cada ponto acumulado;

- Quanto às condições pessoais do agente e a sua condição económica importa registar o seguinte:

. O arguido tem a 4ª classe de escolaridade, é casado e tem dois filhos maiores de idade.

. O arguido vive em casa própria.

. Por conta da exploração do café mencionado supra o arguido recebe cerca de € 900,00 brutos, com os quais faz face às despesas de tal estabelecimento.

. O arguido é reformado, recebendo uma reforma de França e uma de Portugal, a primeira no valor de cerca de € 400,00 mensais e a última no valor de € 280,00 mensais.

. O arguido não tem antecedentes criminais.

No caso dos autos, estamos perante um caso de “bagatela penal”, pelo que face aos critérios apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, a pena fixada, salvo o devido respeito, tanto na prisão, substituída por multa, como na pena de multa complementar não se mostra justa e adequada, face à modalidade do jogo e pequenos montantes envolvidos, cujo jogo se desenvolvia num pequeno estabelecimento comercial de café onde se desenvolvia o jogo e atentas as condições pessoais, sociais e económicas do arguido.

É uma situação que embora caracterizada como crime nada tem a ver com as situações como seja a exploração de jogo em modos idênticos ao dos casinos.

E para evitar que tudo caísse no mesmo caldeirão do art. 4.º, da Lei do Jogo, impunha-se que o legislador tivesse previsto um subtipo de crime para situações como esta.

Ora, não havendo tratamento diferenciado em termos de prisão abstracta, impõe-se que seja o juiz a aferir a gravidade e em função dar-lhe o devido tratamento, distinguindo as “bagatelas penais” de situações de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, em circunstâncias idênticas à dos casinos.

O tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada, sem fundamentos que o justifiquem e com desvios aos citérios legalmente apontados pelos art. 40.º, 47.º e 71.º, do CP.

É manifestamente o caso, em que pena se deve ser substancialmente reduzida.

Nesta conformidade, face à moldura penal abstracta e atentas as circunstâncias que depõem a favor do arguido, sem que haja circunstâncias agravantes a registar, entendemos por justa e adequado fixar a seguinte pena:

- 3 meses de prisão, a qual se substitui por 90 dias de multa e na multa complementar de 60 dias, o que perfaz a multa global de 150 dias.

Porém, entendemos que não deve ser questionada a taxa diária da multa, uma vez que foi fixada próximo do limite mínimo e se mostra determinada com observância dos critérios legalmente apontados.

Nos termos do art.47.º, n.º 2 do Código Penal, «Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5 e €500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.».

Efectivamente, a pena de multa é uma verdadeira pena, que tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.

Apenas em situações de pobreza ou indigência poderá o quantitativo diário da multa aproximar-se do limite mínimo legal de € 5,00, sob pena de ser violada a finalidade da punição e o princípio da igualdade.

No caso em apreciação o Tribunal a quo deu como provado, no que respeita à situação económica e financeira e seus encargos pessoais, que o arguido vive em casa própria, auferindo, com a exploração do café referido nos autos cerca de €900,00 brutos, com os quais faz face às despesas de tal estabelecimento.

O arguido é reformado, recebendo uma reforma de França e uma de Portugal, a primeira no valor de cerca de € 400,00 mensais e a última no valor de € 280,00 mensais.

Tendo a pena de multa de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, atentos os critérios supra enunciados que se retiram do art.47.º, n.º do CP, entendemos como equilibrada e adequada à situação económica do arguido, a taxa diária de multa de 6,50€ fixada na sentença recorrida.


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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... :

a) Manter o enquadramento jurídico-penal dos factos como crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, p. e p. pelos arts. 1.º, 3.º n.º 1, 4.º n.º 1 al. g) e 108.º n.º 1, do DL n.º 422/89, de 2/12, na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 10/95, de 19/1

b) Reduzir a pena fixada na sentença recorrida e consequentemente se condena o arguido na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 (noventa) dias de multa e na multa complementar de 60 (sessenta) dias, o que perfaz a multa global de 150 (cento e cinquenta) dias, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos), o que corresponde à quantia total de 975,00€ (novecentos e setenta e cinco euros).


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Sem custas, nos termos do art. 513.º, n.º 1, do CPP. 

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 28 de Setembro de 2016



(Inácio Monteiro - Relator)


(Alice Santos - Adjunta)