Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO MIRA | ||
Descritores: | ESCUSA FIGURA PÚBLICA SUCESSÃO NO CARGO DE VEREADOR | ||
Data do Acordão: | 02/09/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 43º CPP | ||
Sumário: | 1. O motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, há-de resultar da valoração objectiva das concretas circunstâncias invocadas, a partir do senso e experiência do homem médio pressuposto pelo direito. 2. O facto do arguido ser figura pública profusamente conhecida, e ter sucedido no cargo de vereador de Câmara Municipal, mãe da requerente, não constituem, para um observador comum e desinteressado, motivos de desconfiança na capacidade do juiz em se manter fiel à imparcialidade que o seu estatuto lhe impõe. | ||
Decisão Texto Integral: | I. MF…, Juíza de Direito, actualmente colocada como auxiliar no Tribunal Judicial da FGF..., deduziu, ao abrigo do disposto no art. 43.º, n.ºs 1 e 4 do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CP), escusa nos autos de instrução registados sob o n.º 932/08.8TAFIG, do 2.º Juízo daquele Tribunal, invocando, para o efeito, os seguintes (transcritos) fundamentos: - Corre termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da FGF... uns autos de instrução registados sob o n.º 932/08.8TAFIG, no âmbito do qual foram deduzidas, além do mais, acusações particulares pelos assistentes “FI…, S.A.”, J... e A... contra os arguidos P..., T... e L..., pela prática dos crimes de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1 e art. 183.º, n.º 1, al. a) e b) do CP, de difamação, p. e p. pelo art. 180.º, n.º 1 e art. 182.º, n.ºs 1, als. a) e b), do CP, e de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo art. 187.º, n.º 1 e art. 183.º, n.º 1, als. a) e b), do CP; - Tal acusação não veio, porém, a ser acompanhada pelo Ministério Público, conforme decorre do teor do despacho proferido a fls. 685 e 686 dos referidos autos; - Inconformado com o teor das acusações particulares deduzidas, veio o arguido T... requerer a abertura da instrução, nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento de fls. 726 a 730, que ora se dá por integralmente reproduzido; - Por despacho proferido a fls. 754 e 755, datado de 03-12-2010, foi admitido tal requerimento e declarada aberta a fase da instrução, tendo ainda sido designada data para realização das diligências instrutórias requeridas e consideradas pertinentes; - Ora, por força de redistribuição de serviço em vigor desde 4 de Janeiro de 2011 (cfr. teor do despacho exarado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice Presidente do Conselho Superior da Magistratura datado de 22-12-2010 e informação anexa de que se junta cópia), foram-me afectos todos os actos que competem ao juiz de instrução e bem ainda a tramitação da totalidade dos processos de instrução já distribuídos ou a distribuir ao 2.º Juízo, no qual se incluem os epigrafados autos; - Sucede, porém, que antes da minha primeira intervenção processual no âmbito de tais autos, e no momento em que procedia ao estudo do processo com vista à preparação da realização das diligências instrutórias designadas, pude perceber que o arguido T…, figura pública profusamente conhecida, sucedeu no cargo de vereador da Câmara Municipal do PTO... a MJ…, mãe da ora signatária; - Na verdade, MJ…, foi eleita vereadora à Câmara Municipal do PTO..., pelo Partido X..., para 2 mandatos consecutivos, que terminaram em Dezembro de 2001. Durante esses mandatos foi responsável pela Habitação e Acção Social e Presidente da Fundação para o Desenvolvimento do Vale de ZZZ..., entre outras competências. O ora arguido e requerente da abertura da instrução T..., viria a ser eleito vereador do Partido Y..., nas eleições subsequentes (2002-2005), tendo-lhe sido confiadas, entre outras competências, justamente o pelouro de Habitação e Acção Social e a presidência da Fundação para o Desenvolvimento do Vale de ZZZ... - Considerando o exercício político de tal cargo, nomeadamente por uma pessoa que me é próxima e com vínculo familiar directo, nas mesmas áreas que viriam a ser assumidas, posteriormente, pelo referido arguido e requerente da instrução, tratando-se de pessoas com filiações partidárias distintas, e que o processo judicial em que ora sou chamada a decidir é pautado por uma vincada componente política, e que, por isso, foi amplamente divulgado pelos órgãos de comunicação social, tudo conjugado, poderá dar azo a futuras conjecturas públicas e interpretações distorcidas, no sentido de falta de independência e isenção na tomada da decisão que por mim viesse a ser adoptada, quer esta fosse no sentido da pronúncia, quer o inverso. - É, assim, a exponente do entendimento que tais factos podem tomar, em concreto, a sua intervenção suspeita, e gerar desconfiança aos olhos do cidadão médio sobre a sua imparcialidade e rectidão de avaliação, julgamento e decisão, sendo pertinente, in casu, invocar o aforismo que “à mulher de César não basta sê-lo, é preciso parecê-lo”, mesmo que para a signatária os fundamentos atrás expostos não impeçam que estejam garantidas, íntima e subjectivamente, essa imparcialidade e o distanciamento que é exigível ao exercício das suas funções. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 43.º e ss. do Código de Processo Penal, requer a V. Ex.ª se digne dispensar a impetrante de intervir no sobredito processo, em qualquer fase em que o mesmo se encontre. * A) No âmbito do inquérito n.º 932/08.8TAFIG, os assistentes FI…, S.A. e J..., deduziram, ao abrigo do disposto pelo artigo 285.º do CPP, acusação particular contra P..., T... e L..., com base nos factos descritos a fls. 13/34 deste incidente, imputando aos arguidos a prática dos crimes de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1 e art. 183.º, n.º 1, al. a) e b) do CP, de difamação, p. e p. pelo art. 180.º, n.º 1 e art. 182.º, n.ºs 1, als. a) e b), do CP, e de um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo art. 187.º, n.º 1 e art. 183.º, n.º 1, als. a) e b), do CP; B) No domínio do mesmos autos de inquérito, também A... formulou acusação particular contra os arguidos individualizados em A), imputando-lhes a prática, em co-autoria de material e em concurso real, de três crimes de difamação agravada com publicidade, p. e p. pela conjugação dos artigos 180.º e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CP (cfr. fls. 45/53 v.º) do presente incidente; C) Os factos descritos numa e noutra das acusações particulares supra referidas ocorreram na área territorial da Comarca da FGF..., estão relacionados com uma reunião/manifestação pública ocorrida em 31-05-2008, convocada pelos arguidos, por si e em representação do denominado “Movimento de Defesa do Desenvolvimento Sustentável do VG...”, e põem em causa, essencialmente, em traços largos, o processo que determinou a edificação de um empreendimento imobiliário no referido VG... pela assistente “FI…, S.A.”; D) Segundo as referidas acusações, os assistentes J... e A... são administradores da sociedade, também assistente, “FI…, S.A.”; E) Por requerimento apresentado em 18-02-2010, o arguido T… requereu a abertura da instrução, nos termos de fls. 58/62, tendo em vista a prolação de despacho de não pronúncia; F) Por despacho proferido em 03-09-2010, foi declarada aberta a fase da instrução e determinada a inquirição da testemunha B... (cfr. fls. 64 destes autos); G) Por força de redistribuição de serviço em vigor desde 04-01-2011 (cfr. despacho exarado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice Presidente do Conselho Superior da Magistratura datado de 22-12-2010), foram afectos à Sr.ª Juíza requerente todos os actos que competem ao Juiz de Instrução e bem ainda a tramitação da totalidade dos processos de instrução já então distribuídos ou a distribuir ao 2.º Juízo do Tribunal Judicial da FGF..., no qual se inclui o processo em causa, n.º 932/08.8TAFIG (cfr. documentos a fls. 65/69); H) A requerente é filha de MJ… (cfr. documento certificado a fls. 70); I) MJ… foi eleita vereadora à Câmara Municipal do PTO..., pelas listas do Partido X..., para 2 mandatos consecutivos, que findaram em Dezembro de 2001; J) Durante esses mandatos, a vereadora MJ… foi responsável pela Habitação e Acção Social e Presidente da Fundação para o Desenvolvimento do Vale de ZZZ.... K) Por sua vez, o arguido e requerente da abertura da instrução, T..., foi eleito vereador, pelas listas do Partido Y…, nas eleições subsequentes (2002-2005), tendo-lhe sido confiadas, inter alia, justamente o pelouro de Habitação de Acção Social e a Presidência da referida Fundação para o Desenvolvimento do Vale de ZZZ.... * Estatui o art. 43.º, n.ºs 1 e 4 do CPP:«1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir um motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. (....) Porém, para se afirmar a ausência de qualquer preconceito em relação ao thema decidendum ou às pessoas afectadas pela decisão, não basta a visão subjectiva, sendo também imprescindível, como tem sido realçado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, relativamente à imparcialidade garantida no art. 6.º, § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma apreciação objectiva, alicerçada em garantias bastantes de a intervenção do juiz não gerar qualquer dúvida legítima. * III. Posto o que precede, acordam os Juízes, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar a escusa pedida pela Sr.ª Juíza MF… .Sem custas. * Alberto Mira (RELATOR)Elisa Sales |