Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/10.5TAMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÕES
Data do Acordão: 06/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INSTÂNCIA LOCAL DE CANTANHEDE – SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 51.º DO CPP
Sumário: I - Em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, se a ela se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento de uma determinada quantia indemnizatória, e que deve ser respeitada uma correlacionação entre o dever de indemnizar e o pedido de indemnização, quando foi formulado.

II - A suspensão da execução da pena não pode ficar dependente de uma condição fisicamente impossível, tal como não pode ficar dependente de uma condição absolutamente irrazoável.

III - No geral, nos crimes contra o património e a propriedade, a pena suspensa na execução é mais eficaz, melhor satisfazendo as exigências de prevenção quando não se apresenta sob a forma simples, mas condicionada ao pagamento de uma reparação ao ofendido.

IV - Tendo o arguido se apropriado de elevadas quantias monetárias dos ofendidos/demandantes através de erro e engano destes burlados, integrando-as o demandado no seu património, cremos ser por demais razoável, em termos genéricos, que se imponha ao mesmo, como forma de “consciencialização para a gravidade das suas condutas e de autorresponsabilização das mesmas” e satisfação, ainda, das exigências de prevenção geral, o pagamento a título de reparação dos danos sofridos, das quantias fixadas na douta sentença.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

     Relatório

Pela Comarca de Coimbra – Instância Local de Cantanhede , Secção Criminal – J 1, sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos

            A... , divorciado, filho de (...) e de (...) , nascido a 11/12/1961, residente na Rua (...) , (... ) Trouxemil, e

B... , solteiro, filho de (...) e de (...) , nascido a 23/11/1968, residente na Rua (...) , Casal Novo Rio,

imputando-se-lhes a prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e) do Código Penal, e de um crime continuado de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 1, e 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, no caso do arguido B... , e previsto e punido pelos artigos 30.º, n.º 1 e 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, no caso do arguido A... .



C... e D... deduziram pedido de indemnização cível contra os arguidos/demandados, propugnando pela condenação do demandado A... a pagar ao demandante C... a quantia de €2.750,00, a título individual; dos demandados A... e B... , solidariamente, a pagar ao demandante C... a quantia de €7.500,00, e, ainda, dos mesmos demandados, solidariamente, a pagar ao demandante D... a quantia de €7.500,00, tudo a título de danos patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal sobre aqueles montantes, desde a notificação do pedido até integral pagamento.

E... deduziu também pedido de indemnização cível contra os arguidos/demandados, propugnando pela condenação do demandado A... a pagar ao demandante a quantia de €1.750,00 e dos demandados A... e B... , solidariamente, a quantia de €7.500,00, a título de danos patrimoniais, acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal sobre aqueles montantes, desde a notificação do pedido até integral pagamento.



O “J... , S. A., Sociedade Aberta” deduziu igualmente pedido de indemnização cível contra os arguidos/demandados requerendo a condenação destes no pagamento, a título de danos não patrimoniais, da quantia de €2.000,00 e que deverá reverter para a instituição de solidariedade social “Liga Portuguesa contra o Cancro”.

Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual foi comunicada uma alteração da qualificação jurídica e alteração não substancial dos factos, nos termos previstos no artigo 358.º do Código de Processo Penal – o Tribunal Singular, por sentença proferida a 7 de abril de 2015, decidiu:

a) Condenar o arguido A... , pela prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de três crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 26.º, 217.º e 218.º, n.º1, todos do Código Penal e um crime de falsificação, previsto e punido pelos artigos 26.º e 256.º, n.º 1, als. a) e e), ambos do Código Penal, nas seguintes penas:

- um ano e seis meses de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, na pessoa de C... ;

- um ano e seis meses de prisão , pela prática de um crime de burla qualificada, na pessoa de E... ;

- um ano e três meses de prisão , pela prática de um crime de burla qualificada, na pessoa de D... ;

- dez meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento;

- operar o cúmulo jurídico destas penas parcelares de prisão e condenar o arguido A... na pena única de três anos de prisão; e

- suspender-lhe na sua execução, pelo período de três anos e com regime de prova, a pena única do concurso de três anos de prisão, sendo a suspensão subordinada ao dever de pagamento a C... da quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), a E... da quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) e a D... da quantia de €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), devendo 50% de cada uma destas quantias ser pago no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da presente sentença e os restantes 50% no prazo de um ano  e seis meses a contar do trânsito da presente sentença.

b) Condenar o arguido B... , pela prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de três crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos previstos e punidos pelos artigos 26.º, 217.º e 218.º, n.º1, todos do Código Penal e um crime de falsificação, previsto e punido pelos artigos 26.º e 256.º, n.º 1, als. a) e e), ambos do Código Penal, nas seguintes penas:

- duzentos dias de multa, pela prática de cada um dos três crimes de burla qualificada;

- cento e quarenta dias de multa, pela prática de um crime de falsificação de documento;

- operar o cúmulo jurídico destas penas parcelares de multa, e condenar o arguido B... na pena única de quatrocentos dias de multa, à taxa diária de cinco euros, perfazendo o montante global de dois mil euros.

 c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por C... e condenar o demandado A... a pagar, a título individual, a quantia de €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) e os demandados A... e B... , solidariamente, a pagar a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais, quantias acrescidas de juros legais, vencidos a partir da notificação para contestar o pedido de indemnização e vincendos até efectivo e integral pagamento – no demais absolvendo-se os demandados do peticionado pelo demandante C... .

 d) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por D... e condenar os demandados A... e B... , solidariamente, a pagar a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, vencidos a partir da notificação para contestar o pedido de indemnização e vincendos até efetivo e integral pagamento.

e) Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por E... e condenar o demandado A... a pagar, a título individual, a quantia de €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) e os demandados A... e B... , solidariamente, a pagar a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais, quantias acrescidas de juros legais, vencidos a partir da notificação para contestar o pedido de indemnização e vincendos até efetivo e integral pagamento.

f) Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante cível “ J... , S. A.” e, em consequência, absolver os demandados do pedido por esta formulado.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

I. O Arguido foi condenado nos presentes Autos pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de três crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 26.°, 217.° e 218.º/1 do Código Penal (doravante CP brevitatis causa) e um crime de falsificação, p. e p. pelos artigos 26.° e 256.º/1.° - a) e e), ambos do CP. Da aplicação das penas parcelares de prisão resultou um cúmulo jurídico na pena única do concurso de três anos de prisão. Pena de prisão de três anos suspensa na sua execução, pelo período também de três anos e com regime de prova, sendo a suspensão subordinada ao dever de pagamento a C... da quantia de € 5.500,00, a E... da quantia de € 5.500,00 e a D... da quantia de € 3.750,00, devendo 50% de cada uma destas quantias ser pago no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da sentença e os restantes 50% no prazo de um ano e seis meses a contar do trânsito da presente sentença. Não podendo o mesmo concordar com tal decisão na parte em que sujeita a suspensão da pena de prisão na sua execução à obrigação de pagamento aos ofendidos, num curto espaço de tempo, ano e meio, da quantia total de € 14.750,00.

II. O Arguido, ora recorrente, não concorda com a condenação proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que foi dado como provado que:

“O arguido A... encontra-se desempregado e reside em casa da sua progenitora, tendo bom ambiente familiar. O Arguido A... é proprietário de um veículo automóvel com a matrícula (... ) BM. O arguido A... é proprietário dos prédios descritos sob os n.ºs 828 da freguesia de (... ) 497 da freguesia de (... ) , 780 e 782 da freguesia de (... ) , do concelho de Coimbra

III. Perante estes factos o Tribunal a quo tem presente a condição social do arguido, que está desempregado, a viver da ajuda da sua mãe com quem vive, tomando-se apodítica e desajustada a sujeição da suspensão da pena de prisão à obrigação de pagamento de um montante global de € 14.750,00 no prazo de ano e meio a contar desde o trânsito em julgado da sentença. Veja-se que, o Arguido para conseguir cumprir o que lhe foi imposto terá de mensalmente conseguir a módica quantia de € 819,44, valor este muito acima de um salário mínimo nacional e da média dos salários dos cidadãos comuns em Portugal.

IV. A defesa considera extremamente exagerada e violenta a aplicação da condicionante da suspensão da pena de prisão ao arguido sabendo que o mesmo está desempregado tem 55 anos e que dificilmente, ou mesmo impossível, conseguirá um emprego auferindo mensalmente uma quantia superior a € 1.000,00 mensais, suficientes para pagar em ano e meio as quantias ínsitas na decisão proferida pelo Tribunal a quo. Deste modo consideramos que se violou o princípio da proporcionalidade, da razoabilidade, condenando excessivamente o arguido na obrigação de pagar aos ofendidos no prazo de ano e meio a quantia de € 14.750,00 para que veja a sua pena de prisão suspensa na sua execução. Pelo que, requer-se a V/Venerandas Exas. que apliquem a suspensão de pena de prisão na sua execução pelo prazo de três anos na sua forma simples e não condicionada conforme decisão do Tribunal a quo.

V. Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Tribunal a quo violou princípios fundamentais, nomeadamente o da proporcionalidade colocando em causa direitos do arguido a uma sã convivência em sociedade, a uma reintegração social sem pressão constante de num curto espaço de tempo adquirir € 14.750,00 para ver a sua pena de prisão suspensa, na sua execução, verificando-se a violação dos artigos 13.º/1, 18.º/1, 25.º/1, 26.º/1 e 30.º/4 da CRP, também violou o previsto no artigo 410.º/2-c) do CPP

Doutamente supridos e nos mais de Direito, devem Vossas Excelências julgar procedente o presente Recurso, e proferir Douto Acórdão que altere a decisão do Tribunal a quo, para uma suspensão da execução da pena de prisão de três anos na sua forma simples de acordo com o previsto no artigo 50.º/1 e não condicionada ao pagamento aos ofendidos das quantias que constam do pedido de indemnização civil e que poderão, ou não, vir a ser objeto de Ação Executiva caso assim seja pretensão dos ofendidos, por respeito aos princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos na Constituição e na lei penal, assim se fazendo inteira Justiça!

O Ministério Público na Comarca de Coimbra, Instância Local de Cantanhede, respondeu ao recurso interposto pelo arguido A... , pugnando pela total improcedência do recurso.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida

é a seguinte:

            Factos provados

1) Em altura não concretamente apurada de Abril de 2009, os ofendidos E... e C... conheceram o arguido A... numa carpintaria sita em (... ) -Tocha, onde se cruzaram por acaso.

2) No decurso da conversa que os três encetaram, o arguido A... apresentou-se como sendo funcionário do Tribunal de Coimbra encarregue da realização de penhoras e perguntou aos ofendidos se estariam interessados na compra de um terreno sito na zona da Praia de Quiaios, que se encontrava penhorado e que, por isso, seria vendido por um preço muito bom.

3) Os ofendidos mostraram-se interessados, pelo que, em dia não concretamente apurado da semana seguinte, o arguido encontrou-se com os ofendidos em lugar não concretamente apurado, após o que se deslocaram à zona da Praia de Quiaios, onde o arguido mostrou aos ofendidos um terreno, que se encontrava apenas delimitado.

4) Referindo que era esse o terreno penhorado, o arguido informou os ofendidos que poderiam adquiri-lo em sede de venda judicial através do pagamento de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

5) O arguido disse ainda aos ofendidos que a aquisição só poderia ser feita se estes entregassem um sinal de €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) cada um, em dinheiro.

6) Os ofendidos deslocaram-se então com o arguido para a casa do ofendido C... , sita na Rua (... ) Mira, onde lhe entregaram, cada um, €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros) em dinheiro, fotocópia dos respectivos Bilhetes de Identidade, Cartão de Contribuinte e recibos de água.

7) Nessa altura, o arguido A... entregou ao ofendido C... um papel amarelo onde manuscreveu o seu nome, telemóvel e referência a “Tribunal Coimbra”.

8) Em altura não concretamente apurada, mas já depois da Páscoa de 2009 (12 de Abril), o arguido A... mostrou aos ofendidos um prédio sito na Rua (... ) , na localidade de Praia da Tocha, referindo-lhes que havia apartamentos que estavam na mesma situação do primeiro terreno, isto é, penhorados e prontos a serem vendidos em sede judicial.

9) Os ofendidos E... e C... mostraram-se interessados na eventual aquisição dos apartamentos.

10) No período que se seguiu até Junho ou Julho de 2009, o arguido A... encontrou-se várias vezes com os ofendidos, num número não concretamente apurado de vezes, nomeadamente para efeitos de discutir pormenores relativamente à aquisição daqueles apartamentos.

11) A partir de certa altura, o arguido A... passou a ser acompanhado nesses encontros pelo arguido B... , o qual era tratado pelo arguido A... como “Dr. B... ” e foi apresentado como sendo um solicitador que seria responsável por toda a documentação necessária à aquisição dos apartamentos, e por uma pessoa conhecida por “Dra. I... ”.

12) A pessoa que ambos os arguidos tratavam como “Dra. I... ” foi apresentada como sendo funcionária do Tribunal de Coimbra responsável pela abertura das cartas com as propostas de compra dos prédios penhorados.

13) De igual modo, a partir de certa altura, D... e K... passaram a comparecer nesses encontros e a participar na aquisição dos apartamentos, depois do ofendido C... , pai do primeiro e pai da namorada do segundo, ter partilhado com estes os pormenores do negócio.

14) Segundo aquilo que os arguidos A... e B... referiram várias vezes a todos os ofendidos, os apartamentos encontravam-se penhorados e a sua aquisição em sede de venda judicial importaria o pagamento de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) pelos dois.

15) Os arguidos explicaram ainda que, de forma a poderem outorgar as respectivas escrituras de compra e venda, os ofendidos deveriam entregar antecipadamente um sinal de 10% do respectivo valor, em dinheiro.

16) Os arguidos mostraram aos ofendidos diversas fotografias da fachada e número da porta do respectivo prédio e do interior desses apartamentos, que se apresentavam devolutos.

17) Depois dos ofendidos manifestarem a sua vontade em participar no negócio, o arguido B... apresentou-lhes vários documentos com o timbre de um Tribunal de Coimbra e com a identificação dos apartamentos.

18) Segundo o arguido B... , os documentos serviriam como propostas de compra de apartamentos que depois iria remeter, por carta fechada, ao Tribunal de Coimbra.

19) Assim, convencidos da bondade do negócio, em momentos distintos não concretamente apurados de Maio de 2009, em casa do ofendido C... , os ofendidos entregaram ao arguido A... :

- o ofendido D... , o montante de €7.500,00 correspondente aos sinais de €3.750,00 por cada um dos apartamentos;

- o ofendido E... , o montante de €3.750,00 correspondente ao sinal de um dos apartamentos;

- e o ofendido C... , o montante de €7.500,00, correspondente aos sinais de €3.750,00 por cada um dos apartamentos.

20) Com o pagamento daquelas quantias e em alturas distintas, o arguido B... entregou aos ofendidos os documentos juntos a fls. 180, 182, 183, 185 e 186, cujos termos aqui se reproduzem, que serviriam como comprovativos desses pagamentos.

21) O arguido B... entregou um documento por cada sinal entregue pelos ofendidos e referido em 19): um documento ao ofendido E... e dois documentos ao ofendido D... e outros dois ao ofendido C... .

22) Os documentos são todos datados de 17 de Julho de 2009, intitulam-se de “Documento comprovativo de investimento a 18 meses – de médio a longo prazo”, e contêm os seguintes dizeres: “CATEGORIA – Sujeito Passivo: Cat. B Rendimento Empresariais e Profissionais”; “ANO DE INVESTIMENTO: 2009; o NIF do ofendido em causa no documento; a quantia de €3.750,00.

23) Os documentos têm aposto no canto superior esquerdo a referência a “ J... , Soc. Aberta, NIPC (...) , com sede na Praça (...) , Porto, Matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º (...) ” e no canto inferior a mesma referência, com uma assinatura aposta sobre a mesma. No canto superior direito dos documentos, refere-se “Declaração de IRS”.

24) Este documento nunca foi emitido ou assinado pelo J... ou por qualquer representante da instituição e retrata uma realidade que não se verificou – a realização de um investimento por parte dos ofendidos com relevância fiscal.

25) Aproveitando-se da relação de confiança criada, o arguido A... , em altura não concretamente apurada de Junho ou Julho de 2009, pediu emprestado ao ofendido C... a quantia de €1.000,00, comprometendo-se a devolvê-la em dois a três dias. No entanto, a partir dessa altura, os arguidos deixaram de contactar com os ofendidos e não apareceram mais na zona de Mira.

26) Relativamente aos factos referidos em 1), o arguido A... agiu com o propósito concretizado de obter para si um enriquecimento que sabia ser ilegítimo, fazendo crer aos ofendidos, como conseguiu, que era funcionário judicial encarregue da realização de penhoras, que o terreno encontrava-se penhorado e, por isso, poderia ser comprado por um bom preço em venda judicial, e que essa aquisição carecia da entrega ao arguido, em dinheiro, de um sinal de €1.750,00 por cada um dos ofendidos.

27) Dessa forma, o arguido A... conseguiu, como queria, determinar os ofendidos à entrega de €3.500,00

28) Relativamente aos restantes factos, referidos em 8) a 23), mediante um plano previamente acordado entre si e com a intenção comum e concretizada de obterem para si um enriquecimento que sabiam ser ilegítimo, os arguidos agiram de forma concertada, com o propósito concretizado de fazer crer aos ofendidos que:

- o arguido A... era funcionário judicial encarregue da realização de penhoras, o arguido B... Solicitador e a pessoa identificada como “Dra. I... ” funcionária judicial encarregue da abertura de propostas de compra de prédios penhorados;

- os prédios identificados em 8) encontravam-se penhorados e, por isso, poderiam ser comprados por um bom preço em venda judicial;

- e que essa aquisição carecia da entrega aos arguidos, em dinheiro, do respectivo sinal.

29) Dessa forma, os arguidos conseguiram, como queriam, determinar os ofendidos à entrega das quantias em dinheiro acima identificadas.

30) Os arguidos agiram ainda com o propósito concretizado de fabricar os documentos acima identificados e de, entregando-os aos ofendidos, fazer-lhes crer que os mesmos tinham sido emitidos pela instituição então conhecida por “ J... ” e que eram relevantes em termos fiscais, por forma a manter os ofendidos no engano de que pagavam efectivamente um sinal legítimo e relevante para a compra dos apartamentos, como conseguiram.

31) Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, apesar de saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas penalmente.

                   Mais resultou provado que:

32) O ofendido E... entregou ao arguido A... , numas bombas de combustível, em Oleiras, a quantia de €3.750,00, correspondente ao sinal de um dos apartamentos, não lhe tendo sido entregue o documento por esse sinal idêntico aos mencionados em 20) a 23).

33) Até à presente data, as quantias referidas em 6), 19) e 32) ainda não foram devolvidas aos ofendidos C... , D... e E... , causando-lhes prejuízos monetários.

34) O arguido B... não tem antecedentes criminais.

35) O arguido A... foi condenado em 8 de Fevereiro de 2007, pela prática, em 18 de Julho de 2005, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00, pena esta já declarada extinta.

36) O arguido A... foi condenado em 2 de Fevereiro de 2010, pela prática, em 15 de Fevereiro de 2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de €5,00.

37) O arguido A... foi condenado em 25 de Janeiro de 2010, pela prática, em 13 de Janeiro de 2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de €5,00.

38) O arguido A... foi condenado em 21 de Abril de 2010, pela prática, em 24 de Setembro de 2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de €6,00.

39) O arguido A... foi condenado em 16 de Junho de 2011, em cúmulo jurídico, englobando os processos referidos em 34) e 35), pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €7,00.

40) O arguido A... foi condenado em 3 de Outubro de 2012, pela prática em 27 de Agosto de 2010 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão suspensa pelo período de um ano, pena esta já declarada extinta.

41) O arguido A... foi condenado em 5 de Dezembro de 2012, pela prática em 22 de Dezembro de 2008, de um crime de burla qualificada na pena de 260 dias de multa, à taxa diária de €6,50.

42) O arguido B... auferiu de última remuneração em Julho de 2008 o valor de €227.2. O arguido B... é proprietário de um veículo automóvel com a matrícula UB (...) , estando registada reserva a favor de “W....”.

43) O arguido A... encontra-se desempregado e reside em casa da sua progenitora, tendo bom ambiente familiar. O arguido A... é proprietário de um veículo automóvel com a matrícula (... ) BM. O arguido A... é proprietário dos prédios descritos sob os n.ºs 828 da freguesia de (... ) 497 da freguesia de (... ) , 780 e 782 da freguesia de (... ) , do concelho de Coimbra.

44) No âmbito do processo referido em 41) resultaram provados, com relevo para a decisão dos presentes autos, os seguintes factos:

«1) O arguido A... e L... mantiveram uma relação análoga à dos cônjuges, que se iniciou no mês de Dezembro de 2008 e durou alguns meses.

2) O arguido apresentou-se à referida L... , que desempenha funções de auxiliar de serviços gerais num lar de idosos, como funcionário do Tribunal de Coimbra.

3) No decurso desse relacionamento a ofendida L... manifestou o desejo de adquirir um apartamento na Figueira da Foz, ao que o arguido A... disse-lhe ter conhecimento da existência de um apartamento junto do E-Leclerc desta cidade, pelo preço de €50.000,00, que tinha sido penhorado à ordem de um processo judicial e que, se a mesma quisesse, a ajudaria na sua aquisição, dada a sua qualidade de funcionário judicial, ao que a ofendida acedeu.

4) Para assegurar a aquisição do dito apartamento, o arguido disse à ofendida que lhe teria de entregar 15% do preço.

5) Para o efeito:

a. No dia 22 de Dezembro de 2008 a ofendida deslocou-se a uma agência do Banco Popular, sita na Praceta (...) , desta cidade, e procedeu ao levantamento da quantia de €1.500,00 da sua conta (…), quantia que entregou de imediato ao arguido.

b. No dia 2 de Janeiro de 2009 a ofendida procedeu ao levantamento da quantia de €700,00 da sua conta (…), quantia que entregou de imediato ao arguido.

c. No dia 17 de Fevereiro de 2009, a ofendida procedeu ao levantamento da quantia de €5.000,00 da conta (…), quantia que entregou de imediato ao arguido.

6) Não obstante as insistências da ofendida o arguido nunca lhe entregou qualquer documento que titulasse aquelas entregas monetárias, bem como nunca lhe indicou a localização exacta do apartamento em questão.

7) Mais tarde a ofendida veio a saber que o arguido não era funcionário judicial e que não existia qualquer apartamento à venda na zona do E-Leclerc, nas condições que lhe tinham sido referidas pelo arguido.

8) O arguido agiu de forma livre, com o propósito concretizado de determinar a ofendida a entregar-lhe as quantias supra referidas, na convicção de que o mesmo era funcionário judicial e que o negócio se celebraria nas condições descritas pelo mesmo, apropriando-se desta forma de tais montantes, a que não tinha direito, causando prejuízo à ofendida, resultado que representou. (…)».

                   Factos Não Provados

                   Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos para além dos que, nessa qualidade, se descreveram supra, designadamente não se provando que:

a) O terreno identificado em 2) iria ser brevemente penhorado.

b)  Aquando dos factos referidos em 3) o arguido A... encontrou-se com os ofendidos C... e E... em casa deste.

c) A imagem e bom nome da demandante civil “ J... , S. A.”, associados à falsificação de documentos nunca por esta emitidos, foram afectados pela conduta dos demandados civis, causando prejuízos.

                   Motivação da Matéria de Facto

                   A convicção do Tribunal quanto à factualidade apurada radicou na análise e conjugação dos diversos meios de prova, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas ouvidas e a prova documental junta aos autos, incluindo, os documentos de fls. 77, 180, 182, 183, 185 e 186, o auto de reconhecimento pessoal de fls. 235 e ss e CRC’s dos arguidos juntos aos autos.

                   Tais elementos de prova foram apreciados à luz do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, já que este é livre de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, tendo sempre em mente a capacidade crítica, o distanciamento e ponderação que se impõem.

                   Com efeito, quando estejam em causa depoimentos ou declarações, deverá o Tribunal formular um juízo de veracidade e autenticidade do declarado, o qual depende do contacto oral e directo com os declarantes e da forma como estes transmitem a sua versão dos factos, ou seja, postura e comportamento, características de personalidade reveladas, carácter e probidade.

                   Acresce, ainda, que, a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais se pode basear na absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade e o afastamento de uma situação de dúvida razoável.

                   Resumidamente, poder-se-á afirmar que foi deste conjunto de vectores e da essência deste processo, sempre complexo, de apreciação e valoração da prova produzida que resultou ou não comprovada a factualidade descrita em sede de decisão de pronúncia.

                   Concretizando.

                   Os arguidos foram julgados na ausência, tendo ambos faltado à audiência de discussão e julgamento e não tendo sido reputada de indispensável a presença dos mesmos naquela, pelo que foi inexistente o contributo dos mesmos para a descoberta da verdade; razão pela qual, para prova da factualidade apurada valorou-se o depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento e a prova documental junta.

                   Para prova do vertido em 1) a 7) valoraram-se as declarações dos demandantes cíveis C... e E... , conjugadas com o teor do documento de fls. 77 e o auto de reconhecimento pessoal de fls. 235 e ss.

O demandante cível C... , declarando de forma que se nos afigurou séria, coerente e credível, relatou ao tribunal a forma como conheceu o arguido A... , juntamente com o demandante cível E... , numa carpintaria, tendo-se o arguido apresentado como funcionário do Tribunal de Coimbra encarregue da realização de penhoras, e aí tendo falado aos ofendidos da existência de um terreno penhorado que iria ser vendido por um bom preço.

                   Tal factualidade foi ainda confirmada pelo demandante cível E... que, de forma que se nos afigurou séria, espontânea e credível, aludiu igualmente às circunstâncias em que conheceram o arguido A... e à forma como este se apresentou aos ofendidos.

                   Relataram ainda os demandantes cíveis, C... e E... , que o arguido A... foi ganhando a confiança daqueles, passou a frequentar a casa do demandante C... , almoçava e jantava com os demandantes, conquistando a “simpatia” destes; mais referindo que o arguido se apresentava de forma arranjada, como “bem falante” e aparentando ser uma “pessoa de bem”.

                   Quanto ao negócio do terreno propriamente dito, referiram os demandantes que a compra lhes parecia um “bom negócio”, pretendendo adquirir o terreno a meias, tendo de pagar cada um deles o sinal de €1.750,00, aludindo o demandante E... ao valor de €25.000,00 pelo qual iria ser adquirido o terreno em sede de venda judicial.

                   Mais aludiram ao facto de o arguido lhes ter transmitido que a venda seria feita judicialmente, existindo no tribunal uma senhora, apelidada de “Dra. I... ”, encarregue de abrir as propostas e de colocar as deles, demandantes, “à frente” de quaisquer outras propostas; tendo os demandantes confiado no arguido e acreditado nos termos em que o negócio iria ser feito.

                   Foi ainda referido pelos demandantes cíveis terem entregue as aludidas quantias de €1.750,00, cada, ao arguido, em casa de C... , depois de terem ido ver o terreno a Quiaios, delimitado com estacas, tendo o arguido, por sua vez, entregue ao ofendido C... um papel amarelo com o seu nome, telemóvel e referência a “Tribunal de Coimbra”, conforme resulta de fls. 77.

                   A restante factualidade vertida em 8) a 25) resultou apurada através da análise das declarações dos demandantes cíveis, C... , E... e D... , conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas, designadamente F... – advogado, que trabalha para o demandante cível J... - e H... , e com a prova documental junta de fls. 180, 182, 183, 185 e 186, e reconhecimento pessoal do arguido A... .

                   Importa começar por referir que os demandantes cíveis já mencionados, C... e E... , aludiram igualmente, de forma que se nos afigurou séria, coerente e credível, ao negócio proposto pelo arguido quanto à compra dos apartamentos de um prédio que estaria penhorado, ou seja, nas mesmas condições do terreno, sendo vendidos dois apartamentos por andar, pelo preço global de €75.000,00, razão pela qual teriam os ofendidos que despender a quantia de €3.750,00, a título de sinal, por cada um dos apartamentos.

                   No âmbito desse negócio é que começou a ser falado, e a aparecer juntamente com o arguido A... e a tal “Dra. I... ”, o arguido B... , que fora apresentado aos ofendidos como o “Dr. B... ”, um solicitador, responsável pela documentação necessária à aquisição dos apartamentos, sendo estes quem mostrou as fotografias dos mesmos aos ofendidos, mantendo a mencionada “Dra. I... ” o papel já mencionado supra (de abertura das cartas de propostas no tribunal).

                   Ora, também o demandante cível D... – filho de C... – declarando de forma que se nos afigurou espontânea, coerente e credível, aludiu à conversa que teve com o seu pai C... , dando-lhe conta do negócio dos apartamentos, tendo este ficado interessado nos mesmos, por entender estarem a um bom preço.

                   A este propósito referiu não estar bem ciente da forma como se processavam as compras dos apartamentos, apenas sabendo que seriam vendidos pelo banco – J... , mercê dos documentos que lhes foram entregues pelo arguido B... , com o carimbo do banco – através do Tribunal, que tinham de pagar um valor de entrada e que a “Dra. I... ” seria a pessoa encarregue de abrir as propostas no Tribunal; mais referiu ter ido ver o prédio, aparentando estar abandonado/devoluto, o que fez com que acreditasse na seriedade do negócio.

                   Aludiu também ao facto de ter pago o valor de €.7.500,00 como sinal pelos apartamentos (€3.750,00 por cada um), em dinheiro – já que o arguido A... não aceitava cheques – e em casa do pai, C... .

                   Quanto ao pagamento pelos demais ofendidos do sinal pelos apartamentos, valoraram-se, ainda, os depoimentos dos mesmos, C... e E... , que relataram ter pago, em dinheiro, o valor do sinal de cada um dos apartamentos; sendo que, quanto ao ofendido E... , pelo mesmo foi dito ter pago o valor total de €7.500,00, a título de sinal, pelos apartamentos, porém, fê-lo em momentos distintos, em casa do ofendido C... (aí pagando ao arguido A... o valor de €3.750,00 por um dos apartamentos) e em Oleiras, numas bombas aonde foram almoçar, daí ter resultado provado o vertido em 32).

                   De referir, quanto às entregas de dinheiro pelos ofendidos ao arguido A... que, pese embora a maior parte das mesmas não tenham sido visualizadas por todos os ofendidos – o que não é de estranhar, já que foi dito pelos mesmos, que o arguido A... só aceitava pagamentos em dinheiro, os quais não eram feitos à frente uns dos outros – o tribunal não duvida que os pagamentos tenham sido feitos, ante a forma, séria e credível, como declararam os demandantes cíveis ouvidos.

                   Acresce que, foi ainda referido pelos ofendidos que após os pagamentos das quantias referentes aos sinais dos apartamentos, pelo arguido B... foram entregues aos ofendidos os documentos juntos a fls. 180, 182, 183, 185 e 186, que serviam como comprovativo da entrega das quantias referidas em 19), sendo que, quanto ao ofendido E... , não lhe foi entregue qualquer documento, idêntico ao que lhe havia sido entregue e que consta de fls. 180, aquando do pagamento da quantia referida em 32).

                   Os ofendidos ouvidos relataram ainda que a entrega dos mencionados documentos, com os dizeres do banco “ J... ” fez com que não suspeitassem da seriedade do negócio, acreditando na realização do mesmo, não duvidando dos termos deste, por se tratar de documento supostamente emitido por um banco.

                    Acresce que, apenas começaram a “desconfiar” da suposta compra, ante o tardar da realização da venda judicial, começando a indagar o arguido A... sobre a celebração daquela, o qual ia dizendo que “estava para breve”, conforme aludiu o demandante D... ; mais referindo que, após os pagamentos, os arguidos foram-se afastando dos ofendidos, deixando de aceder aos convites destes, designadamente para o aniversário da mãe de D... , o que começou a causar alguma desconfiança, já que antes estavam muito próximos.

                   Também o demandante cível E... aludiu ao facto de o arguido A... , à medida que foi ganhando a confiança dos ofendidos, “pressionava” para irem almoçar e jantar, antes destes lhes fazerem as aludidas entregas de dinheiro, o que começou a desvanecer com o pagamento das quantias mencionadas em 19).

                   Acresce que, foi igualmente referido pelos demandantes cíveis que foi K... – namorado da filha de C... e interessado no negócio, o qual, apesar das diligências levadas a cabo para ser inquirido, não foi ouvido por se encontrar no estrangeiro – quem tomou a iniciativa de ir ao banco “ J... ” indagar sobre o suposto negócio, por não obterem respostas por parte dos arguidos, aí descobrindo ter-se tratado de uma “farsa”, designadamente sendo falso o próprio documento que lhes havia sido entregue pelo arguido B... , já que não tinha o papel timbrado do banco.

                   Valoraram-se ainda as declarações do demandante C... , quanto ao empréstimo de €1.000,00 ao arguido A... , o qual ocorreu sem a presença dos demais ofendidos, referindo o ofendido tê-lo feito porque considerava o arguido um amigo, confiando nele, tendo o arguido solicitado tal empréstimo numa das últimas vezes que foi a casa daquele.

                   De salientar ainda que, o tribunal não ficou indiferente à forma como declararam os demandantes cíveis ouvidos, os quais, sendo pessoas simples – dois padeiros ( C... e D... ) e um peixeiro ( E... ) – pouco habituados às compras em hasta pública, acreditaram que estariam a fazer um bom negócio, já que, sendo vendas judiciais de bens penhorados, seriam vendidos a um preço inferior ao de mercado.

                   Para além disso, foi unanimemente referido pelos ofendidos que também o arguido B... se apresentava bem vestido, como bem-falante, tendo sido este quem mostrou as fotografias dos apartamentos e quem entregou as “declarações” juntas aos autos e vertidas em 20).

                   Acresce que, afigurou-se-nos igualmente verosímil o relatado pelos mesmos, quanto às compras supra referidas, ante a forma como depuseram, demonstrando algumas dificuldades na explanação dos termos do negócio e em compreender a forma como se processam as vendas judiciais, chegando o demandante cível D... a referir que desconfiaram do negócio quando viram gente no interior do prédio habitado que, segundo o arguido A... , seriam arrendatários dos apartamentos, o que D... não compreendeu já que, segundo o mesmo, um prédio penhorado não pode ser arrendado.

                   O tribunal valorou ainda os depoimentos das testemunhas F... e G... – bancária e funcionária do J... – que, de forma que se nos afigurou séria, coerente e credível, aludiram ao facto de os documentos de fls. 180, 182, 183, 185 e 186 não serem documentos emitidos pelo banco, pese embora os dizeres “ J... ” apostos nos mesmos, sendo certo que nem o papel é timbrado - como o seria de um documento “verdadeiro” do banco - nem o número de identificação de pessoa colectiva é o correcto, dúvidas não existindo de que tais documentos não foram emitidos pelo banco.

                   A testemunha H... – proprietária de um dos apartamentos do prédio em causa nos autos, desde 1991 – aludiu, de forma espontânea e objectiva, ao facto de o mesmo nunca ter estado à venda, nem penhorado.

                   Em face do exposto, não ficou o tribunal com dúvidas quanto ao apurado em 1) a 25).

                   No que concerne à factualidade vertida em 26) a 31), valorou-se a factualidade objectiva dada como provada, conjugada com as regras de experiência comum e os depoimentos dos demandantes cíveis C... , D... , E... e das testemunhas F... e G... .

                   Com efeito, os ofendidos C... e E... confirmaram que o arguido A... , fazendo-se passar por funcionário judicial encarregue de penhoras, fez acreditar aqueles que existia um terreno penhorado e que seria vendido, em hasta pública, por um bom preço, pelo que, para o adquirirem, teriam de entregar ao arguido, cada um deles, a quantia de €1.750,00, o que conseguiu.

                   Mais tendo sido aludido por estes e por D... que os arguidos, A... e B... , fizeram crer que os apartamentos em causa nos autos se encontravam penhorados e, por isso, seriam comprados a um bom preço, carecendo tal aquisição da entrega aos arguidos, em dinheiro, do respectivo sinal, fazendo o arguido A... passar-se por funcionário judicial e o arguido B... por solicitador, ficando a aludida “Dra. I... ” encarregue da abertura de propostas no tribunal, determinando os ofendidos à entrega de quantias monetárias (€7.500,00 cada), o que conseguiram.

                   Acresce que, no que concerne à factualidade vertida em 30), valorou-se igualmente a factualidade objectiva dada como provada, conjugada com as regras de experiência comum, as declarações dos demandantes C... , D... , E... e os depoimentos das testemunhas F... e G... , dúvidas não existindo de que os documentos identificados em 20) a 24) foram fabricados pelos arguidos e entregues aos ofendidos, fazendo-lhes crer que os mesmos tinham sido emitidos pela instituição bancária “ J... ”, por forma a enganarem os ofendidos de que pagavam um sinal legítimo e relevante para a compra dos apartamentos, o que conseguiram.

                   Quanto ao vertido em 33) valoraram-se, de forma conjugada, as declarações dos demandantes cíveis, que de forma que se nos afigurou séria e credível, aludiram ao facto de ainda não terem sido ressarcidos das quantias entregues aos arguidos.

                   Para prova dos antecedentes criminais dos arguidos, valoraram-se os respectivos Certificados de Registo Criminal juntos aos autos de fls. 677 a 682.

                   O vertido em 42) a 43) resultou apurado através da análise dos documentos juntos aos autos a fls. 721 a 728, 741 a 754, 762 a 764, 767 a 768, e 773 a 774.

                   Para prova do vertido em 44) valorou-se a certidão judicial junta aos autos pelo Processo n.º 381/09.0PBFIG do Tribunal Judicial da Figueira da Foz.

                   O constante em a) a b) resultou não provado atenta a ausência de prova no sentido vertido na acusação pública.

                   No que concerne à factualidade não provada, cumpre referir, desde logo, que o vertido em c) resultou infirmado pelas próprias declarações dos demandantes cíveis que, de forma peremptória e unânime, aludiram ao facto de, em momento algum, terem desconfiado do banco ou sentiram-se enganados pelo mesmo, mais tendo sido aludido pela própria testemunha G... – funcionária do banco – não saber se a pessoa que se dirigiu ao banco para saber se a declaração (idêntica às de fls. 180 e ss.) era verdadeira, se sentia enganada pelo mesmo.

                   Certo é que, pese embora o relatado a este propósito pela testemunha G... e F... , quanto ao facto de, segundo a experiência havida no ramo, as pessoas se sentiram desconfiadas da instituição financeira ao verem um documento “falso” com o nome da mesma, a verdade é que, no caso dos autos, importava apurar se aqueles que contactaram com o mencionado documento forjado – in casu, os demandantes cíveis – se sentiram, ou não, com desconfiança do banco, pondo em causa o bom nome e a imagem do banco, sendo que tal, como vimos, não se verificou.


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                                                   O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A... , a questão a decidir é a seguinte:

- se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 18.,º n.º 1, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 30.º, n.º 4 da C.R.P., e 410.º, n.º 2, alínea c) do C.P.P., ao condicionar a suspensão da pena de prisão pelo prazo de três anos ao pagamento aos ofendidos de quantias que constam do pedido de indemnização cível.


-

          Passemos ao conhecimento da questão.                                                                                            

          O recorrente A... defende que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 18.,º n.º 1, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 30.º, n.º 4 da C.R.P, e 410.º, n.º 2, alínea c) do C.P.P., ao condicionar a suspensão da pena de prisão pelo prazo de três anos ao pagamento aos ofendidos de quantias que constam do pedido de indemnização cível, alegando para o efeito, em síntese, que resulta do ponto n.º 43 dos factos dados como provados na sentença recorrida que tem 55 anos, está desempregado, a viver da ajuda da sua mãe com quem vive, pelo que é difícil ou mesmo impossível conseguir um emprego que lhe permita pagar em ano e meio a quantia de € 14.750,00, ao qual é condicionada a suspensão da pena, pois para cumprir esta obrigação o recorrente teria conseguir mensalmente a quantia de € 819,44.

Não tendo condições económicas para cumprir a condição da suspensão da pena, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade e os direitos do arguido a uma sã convivência em sociedade e à sua reintegração social sem pressão constante de num curto espaço de tempo adquirir a quantia € 14.750,00, deveriam ter levado o Tribunal a quo a aplicar a suspensão da execução da pena de prisão na sua forma simples.

Decidindo          

A suspensão da execução da pena de prisão, prevista no art.50.º do Código Penal, tem como pressuposto material de aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, que conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.

A finalidade desta pena de substituição, é o afastamento do arguido, no futuro, da prática de novos crimes.

O Código Penal possibilita ao Tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres (art.51.º) ou à observância de regras de conduta (art.52.º), ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, que assenta num plano de reinserção social do condenado (art.53.º).

A propósito dos “deveres” que podem condicionar a suspensão, o art.51.º do Código Penal, estabelece, nomeadamente:

     « 1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:

          a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea; (…).

     2 - Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.

     3 - Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.

     4 – (…).».

A indemnização ou compensação a que alude este art.51.º, n.º 1, al. a) do Código Penal cumpre uma função adjuvante da realização da finalidade da punição, onde, desde logo avulta como traço diferenciador o facto de ela não ser exigível pelo lesado.

Assim o decidiu, entre muitos outros acórdãos do STJ, o proferido em 11 de Junho de 1997 , ao consignar que « (...) a quantia cujo pagamento pelo arguido ao lesado é condição da suspensão da pena não constitui aqui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.

Por isso a modificabilidade do quantum arbitrado se tal vier a justificar-se – conf. Art. 49º - 3 do CP82 (art. 510º-3 do CP95).

E por isso também que o montante assim arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação de indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar (arts. 483º e segs. e 562º e segs. do Cód. Civil).».[4]

No entanto, parece razoável defender, com o Prof. Figueiredo Dias, que o dever de indemnizar, havendo pedido de indemnização, “… terá de limitar-se, em toda a medida possível ( quer no seu «se», quer no seu «como», quer no seu «quanto»), aos pressupostos do pedido, podendo ficar aquém dele – sem por isso pôr em causa a validade jurídica da indemnização que venha a ser fixada -, mas não ultrapassá-lo;…”.[5]   

Assente que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, se a ela se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento de uma determinada quantia indemnizatória, e que deve ser respeitada uma correlacionação entre o dever de indemnizar e o pedido de indemnização, quando foi formulado, importa ainda tecer algumas considerações sobre os limites dessa reparação ou indemnização, tendo em conta que nos termos do  n.º 2 do art.51.º do Código Penal não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir

Salta à vista que a suspensão da execução da pena não pode ficar dependente de uma condição fisicamente impossível, tal como não pode ficar dependente de uma condição absolutamente irrazoável.

A respeito da razoabilidade dos deveres que podem ser impostos com a suspensão da execução da pena, ensina o Prof. Figueiredo Dias que o atual n.º 2 do art.51.º do Código Penal, tem o mérito de “ apontar para uma dupla limitação que forçosamente há-se sofrer a imposição de deveres e regras de conduta: a de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que além disso o seu cumprimento seja exigível no caso concreto.”.[6]

No caso em apreciação, o recorrente embora não suscitando a inconstitucionalidade de qualquer norma penal interpretada num determinado sentido na douta sentença recorrida, invoca a violação pela decisão recorrida de determinados princípios constitucionais, que tocam os direitos fundamentais.

Constituindo as normas constitucionais, particularmente em matéria penal, verdadeiros comandos, com relevante impacto na solução dos casos concretos, passamos a apurar, de modo sucinto, o significado dos princípios constitucionais alegadamente violados pela decisão recorrida quando determinou a suspensão da execução da pena condicionada ao pagamento de indemnização aos ofendidos.

O princípio da igualdade, estabelecido no art.13.º da Constituição da República Portuguesa,  dispõe que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Interpretando este preceito, referem os Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira, que o seu âmbito de proteção abrange as seguintes dimensões:« a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes , quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de descriminação, não sendo legitimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias ( cfr. n.º 2, onde se faz expressa menção de categorias subjetivas que historicamente fundamentaram discriminações ; c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades , o que pressupõe  a eliminação , pelos poderes públicos , de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural ( cfr., por ex., arts. 9.º/d e f, 58.º-2/b e 74.º-1)».[7]

Para a decisão da questão em apreciação, impõe-se realçar que o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais, designadamente em função da situação económica do arguido.

Outro dos princípios invocados pelo recorrente, como violados na decisão recorrida, é o da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso), que respeitando ao chamado regime específico dos “direitos, liberdades e garantias” é diretamente aplicável e vincula todas as entidades, públicas e privadas ( art.18.º, n.ºs 1 e 2 da C.R.P.).

Ainda na lição dos Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: «… (a) princípio da adequação (também diretamente aplicável e que vinculam tanto designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias;

(c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas, desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos».[8]

Estará em causa, se bem percebemos o recorrente, o princípio da proporcionalidade na perspetiva da não razoabilidade de se impor ao arguido/condenado o pagamento de indemnizações, como condição de suspensão da pena, quando o Tribunal a quo sabe de antemão que o arguido não tem meios económicos para satisfazer esse dever.

Já a alegada violação dos art.25.º, n.º1 e 26.º da C.R.P. -  que consagram, respetivamente, o direito à integridade pessoal, que considera inviolável, e o reconhecimento do direito à proteção legal dos outros direitos pessoais, em que se incluem o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade , à capacidade civil, à cidadania , ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida pessoal e familiar e contra quaisquer formas de discriminação -, torna-se mais difícil de apurar, mas cremos que surge ligado à ideia dos direitos do arguido a uma sã convivência em sociedade e à sua reintegração social sem pressão constante de num curto espaço de tempo adquirir a quantia € 14.750,00.

Por fim, o art.30.º, n.º 4 da C.R.P. estabelece a proibição do chamado efeito automático das penas, ao consignar que « nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.».

No caso, embora mais uma vez o recorrente nada refira em concreto sobre qual o direito perdido como efeito necessário da suspensão da execução da pena sujeita ao de pagamento de uma indemnização aos ofendidos, cremos que o mesmo terá interpretado a norma constitucional no sentido de que a suspensão da pena não envolve necessariamente a sujeição à condição de pagamento de uma indemnização aos ofendidos.

Retomemos o caso concreto.

Os ofendidos C... , E... e D... deduziram pedidos de indemnização civil contra o arguido e ora recorrente A... , e correlacionando os pedidos com o dever de indemnizar fixado na douta sentença como condição de suspensão da pena, verificamos que a reparação não ultrapassa a medida dos seus pedidos.

A suspensão da execução da pena de prisão é associada na douta sentença recorrida, e bem, à reparação dos danos provocados aos lesados como forma adequada e suficiente à satisfação das finalidades da punição, pois o arguido A... na sequência de manobras fraudulentas, no âmbito de várias burlas qualificadas e falsificação de documentos, apropriou-se de quantias em dinheiro que os demandantes lhe entregaram.

Tendo o arguido A... se apropriado de elevadas quantias monetárias dos ofendidos/demandantes através de erro e engano destes burlados, integrando-as o demandado no seu património, cremos ser por demais razoável, em termos genéricos, que se imponha ao mesmo, como forma de “consciencialização para a gravidade das suas condutas e de autorresponsabilização das mesmas” e satisfação, ainda, das exigências de prevenção geral, o pagamento a título de reparação dos danos sofridos, das quantias fixadas na douta sentença.

Perguntamos agora se a condição fixada, nos termos concretos da sentença recorrida, é impossível de cumprir, não sendo consequentemente razoável a sua imposição.

Dos factos dados como provados resulta que o arguido A... se apropriou das quantias que são condição da suspensão da execução da pena de prisão.

Alem desses factos, consta do ponto n.º 43 da factualidade provada, que se  se encontra desempregado, reside em casa da sua progenitora, é proprietário de um veículo automóvel com a matrícula (... ) BM e, ainda, de 4 prédios, descritos sob os n.ºs 828 da freguesia de (... ) 497 da freguesia de (... ) , e 780 e 782 da freguesia de (... ) , do concelho de Coimbra.

Da factualidade provada não consta que o ora recorrente vive da ajuda da sua mãe, mas apenas que reside em casa da sua progenitora.

Da factualidade descrita retira-se que o arguido A... não devolveu ou fez menção de devolver aos ofendidos/burlados as quantias de que desapossou os ofendidos, pois se tal tivesse acontecido constava dos factos provados.

Se o arguido A... deu já algum destino às quantias de que se apropriou impossibilitando a sua devolução aos ofendidos a título de reparação, é algo que também não consta da factualidade dada como provada, pelo que não existem razões para concluirmos que o mesmo está impossibilitado de as devolver.

Se o arguido está desempregado deve fazer todas as diligências para se empregar e, assim, obter os rendimentos necessários a pagar a indemnização fixada na douta sentença recorrida e demonstrar que as finalidades que estão na base da suspensão da execução da pena não se frustraram.  

Embora se admita que poderá não ser fácil, não está demonstrado que pelo facto de ter 55 anos de idade é impossível conseguir um emprego que lhe permita pagar em ano e meio a quantia de € 14.750,00 de que se apossou fraudulentamente.

Por outro lado, o arguido A... é proprietário de algum património móvel e imóvel e mesmo que onerado – como resulta das certidões prediais –, não se pode concluir desde já da factualidade dada como provada, que poderá servir para satisfazer alguma parte da indemnização aos lesados.

A pressão a que o arguido fica sujeito, para satisfazer a condição da suspensão da pena no período fixado na douta sentença, condicionará certamente a sua vida em sociedade, causando pressão sobre a mesma, mas essa é uma consequência inerente às exigências de prevenção, especial e geral, que não viola qualquer dos princípios constitucionais invocados pelo recorrente.

No geral, nos crimes contra o património e a propriedade, a pena suspensa na execução é mais eficaz, melhor satisfazendo as exigências de prevenção quando não se apresenta sob a forma simples, mas condicionada ao pagamento de uma reparação ao ofendido.

Não resultando provado que o arguido A... não tem condições económicas para pagar 50% de cada uma das quantias atribuídas aos lesados no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da presente sentença e os restantes 50% no prazo de um ano e seis meses a contar do trânsito da mesma sentença, não se pode concluir, como pretende o recorrente, que a fixação da condição viola o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade ou outros direitos constitucionalmente consagrados nas normas que indica.

Deste modo, e uma vez que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A... só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição associada à reparação dos danos causados aos ofendidos/lesados nos termos que constam fixados no dispositivo da sentença recorrida, improcede o recurso.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a douta sentença recorrida.

             Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                                                *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                                 *

Coimbra, 29-06-2016

(Orlando Gonçalves – relator)ao

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] In, CJ, ASTJ, ano V, tomo II, pág. 226 e segs.


[5] In “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, edição 1993, páginas 352 e 353.

[6] In obra citada, pág.350.
 

[7]  “Constituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 339.      

[8] Obra citada, páginas 392-393.