Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
720/08.1TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ALBERGARIA-A-VELHA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 104º, DO R.G.I.T.
Sumário: Não é aplicável à fraude fiscal qualificada (mormente quando a execução do crime passa pela utilização de facturas falsas, cfr. n.º 2, do artigo 104.º), o limite de € 15.000,00 (valor da vantagem patrimonial ilegítima) previsto no n.º 2, do artigo 103º, do R.G.I.T. (Regime Geral das Infracções Tributárias).
Decisão Texto Integral:

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I. Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 720/08.1TACBR da Comarca do Baixo Vouga – Albergaria – A – Velha – Juízo de Instância Criminal, realizado o julgamento, por acórdão de 03.06.2011 decidiu o Tribunal Colectivo:

“a) absolver o arguido A... do crime de abuso de confiança de que vem pronunciado (p. e p. pelo artigo 205º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do C. Penal);
b) condenar os arguidos A..., B..., C..., D... e E... pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103º, nº 1, e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT (aprovado pela Lei 5/2001, de 05-06), o primeiro na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e cada um dos restantes na pena de 2 (dois) anos de prisão, todas suspensas na sua execução pelos períodos correspondentes de 1 (um) ano e 6 (seis) meses e de 2 (dois) anos, respectivamente (a contra do trânsito em julgado);
c) condenar as arguidas W... – Moldes, Lda, UU…, Lda, e ZZ…, pela prática, igualmente em co-autoria material de um crime de fraude fiscal qualificada previsto e punido pelos artigos 7º, nº 1, 103º, nº 1, e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT (aprovado pela Lei 5/2001, de 05-06), cada uma delas na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, sendo quanto à primeira da taxa diária de € 05,00, no total de € 2.000,00 (dois mil euros), e quanto à segunda e terceira à taxa diária de € 30,00, no total de € 12.000,00 (doze mil euros);
(…).”

2. Inconformado com o, assim, decidido recorreu o arguido E..., extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1. O douto acórdão não procedeu, como lhe está imposto ao exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, sendo certo que é desta correcta indicação que se entende qual o raciocínio lógico do tribunal para apurar os factos.
2. E, prescreve o artigo 379º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374º, n.º 2, do C.P.P., as quais respeitam ao teor da fundamentação da sentença, sendo a nulidade de conhecimento oficioso em sede de recurso.
3. Ora, no acórdão ora posto em crise, tendo como indicação “a formação da convicção do Tribunal Colectivo teve por base a análise global da prova produzida em audiência, em conjugação e confronto, analisada e valorada segundo as regras da experiência comum e a lógica das coisas …”.
4. Na verdade, do texto da douta decisão constam meras referências genéricas a cada um dos depoimentos, não sendo contudo “criticamente” valorados.
5. Bem como, não faz referência aos depoimentos de algumas testemunhas, não explicando o porque de não os ter valorado.
6. Além de que omite as declarações do arguido A..., não explicando igualmente o porque de não o ter valorado.
7. Não havendo qualquer fundamentação “critica” aos diversos relatórios mencionados, não sendo valorado o seu conteúdo e teor, logo, não aferindo a sua credibilidade.
8. Temos por claro que a fundamentação apresentada na douta decisão recorrida, ou melhor dizendo, a respectiva ausência, não satisfaz o dispositivo legal em análise (art. 374º, n.º 2 do C.P.P.), tal como temos por imprescindível, sobretudo o exame critico dos relatório, cuja análise nos parece susceptível de pôr em causa o nexo de causalidade entre as condutas alegadamente praticadas e o crime em causa, já que se constata a presença de um elemento influenciador ou potenciador, e ainda da prova que serviu de suporte ao elemento subjectivo do crime – o dolo, entendido como dolo directo.
9. O Tribunal a quo devia, nos termos da lei, ter ponderado toda a prova produzida, tê-la analisado e examinado criticamente e só depois desse exame podia, de forma coerente, lógica e sobretudo garantística dos direitos fundamentais do recorrente, formar a sua convicção, devidamente sustentada nos meios probatórios no seu todo, e não de forma selectiva e insuficiente.
10. Pelo que, e desde logo, ofendeu, de forma directa e intolerável os direitos e garantias do arguido, com consequente violação do art. 32º, nº. 1 da Constituição da República Portuguesa.
11. Para além de que, com tal simplista e insuficiente indicação, não cumpre o douto acórdão recorrido, o disposto no art. 374º, n.º 2 do C.P.P., enformando do vício constante no disposto no artigo 379, nº 1, al. a) do C.P.P.;
12. De acordo com a decisão condenatória os arguidos obtiveram uma vantagem patrimonial ilegítima de € 28.805,81, sendo deste valor € 23.25,05 a título de IRC.
13, Contudo, em momento algum é mencionado qual a forma como se chegou a este valor de vantagem patrimonial ilegítima.
14. Além de não referir qual a taxa, também não é possível com os elementos existentes no processo saber qual o ganho obtido pela arguida W..., com a inclusão das facturas falsas na sua contabilidade.
15. A prova pericial é a única admissível como meio de prova quando a percepção ou a apreciação dos factos exija especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, como é o presente caso.
16. Conforme tem vindo a ser entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, a violação da norma do artigo 163º do Código de Processo Penal é causa de anulação do julgamento.
17. Pelo exposto, deve ser anulado o julgamento para que, em novo julgamento, seja observado o disposto nos artigos 158º e 163º do C.P.P.
18. Daí que da conjugação do preceituado nos artigos 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2 do Código de Processo Penal e ao abrigo do preceituado no artigo 426º, nº 1, do mesmo Código haja lugar ao reenvio do processo para novo julgamento relativamente à questão concreta que deixamos referida.
19. Por assim ser, e entendendo o recorrente que este exame implícito do tribunal não é correcto mais recorre da matéria de facto, pelo que se passa a invocar e valorar criticamente tal prova.
20. Antes de mais cumpre referir que, nenhuma das testemunhas arroladas e ouvidas na audiência, presenciou a prática dos factos imputados ao arguido.
21. De todos os outros meio de prova invocados, nomeadamente depoimento de outras testemunhas e prova documental junta aos autos e valorada para o efeito, nada resultou que pudesse implicar o arguido nos factos, bem pelo contrário no que diz respeito ao depoimento da testemunha ..., conforme abaixo demonstraremos,
22. Salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” julgou incorrectamente os seguintes factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova. Senão vejamos,
23. O Tribunal deu como provado no ponto 7 e 8, que,
7) “No início de 1998, os arguidos E... e D..., encetaram contactos com a sociedade W... – Moldes, Lda., e seus gerentes, para fornecimento de aços comercializados pela UU… Portugal, que representavam o primeiro enquanto vendedor e o segundo enquanto gerente”; e
8) Na sequência desses contactos foi acordado entre os arguidos B..., A... e C..., em representação da W..., e os arguidos E... e D..., em representação da UU… Portugal que o aço a adquirir pela W..., seria facturado “seguindo a tabela de preços da ES” sendo a diferença devolvida após pagamento, sem registo contabilístico, através de cheque emitido pela empresa “mãe”, à ordem da W..., dos seus gerentes ou de pessoas da sua confiança, por forma a tais quantias não terem que ser declaradas, para efeitos fiscais, como proveitos ou ganhos desta sociedade e delas poderem fazer uso como entendessem”.
24. Acontece que, da análise da prova produzida resulta que não ficou demonstrado, nem sequer indiciariamente, que o recorrente tenha participado em alguma reunião que tivesse por fim o objectivo de utilizar um “esquema” para defraudar o Estado.
25. A verdade é que não esteve na reunião e não presenciou o que se terá passado na mesma, nem sequer se chegou a haver a dita reunião com esse objectivo.
26. Não se poderá dar como provado que foi nesta dita reunião que foi montado o tal “esquema”, dado que a testemunha ... afirmou que “não sabe o que lá se passou”.
27. Não se poderá dar como provado, conforme foi dado no ponto 8., que o recorrente tenha participado em alguma reunião com vista à elaboração do mencionado plano, e mesmo que se desse como provado que esteve presente numa reunião não se pode afirmar com toda a certeza o que lá foi tratado, e em que termos, quem propôs o quê, quem aceitou o quê …
28. Deste modo, não ficou provado que o recorrente tenha estado presente na reunião e muito menos que tenha sido esse o tema da referida reunião, dado que a testemunha não esteve presente na reunião, tendo-lhe sido unicamente dito, de forma indirecta, pelo único arguido que implica o recorrente nos factos, A… .
29. Pelo exposto, deveria ter sido considerado como provado que o recorrente não tinha participado em todas as vendas que eram feitas pela sua entidade patronal, isto é, havia negócios com a W... que não passavam pelas mãos do recorrente enquanto vendedor, sendo tratados directamente com a sede da entidade patronal.
30. Assim, dúvidas não existem que a haver algum “esquema” o recorrente não tinha qualquer responsabilidade no mesmo, já que ele até continuou a existir depois da sua saída da empresa.
31. Bem como segundo o depoimento da testemunha ... (depoimento prestado no dia 3 de Maio de 2011, conforme acta, (minuto 01.00 até 03.00 e 10.00 até 12.00), que afirmou ao Tribunal que “foi substituir o senhor E... no cargo de vendedora da UU….Potugal”, “não participava nas reuniões de gerência da UU... Portugal, nem tinha conhecimento do que se tratavam nessas reuniões”.
32. Isto é, a testemunha ocupou o lugar de vendedor do senhor E... na UU... Portugal, com as mesmas funções, sendo que esta confirma que nunca participou em nenhuma reunião de gerência nem tinha poderes de decisão.
33. Afirmou igualmente que “não sabia se eram pagas comissões à W...”, e “nunca lhe foi dito para incluir comissões nos negócios”, “sabia que havia cheques mas não sabia do que se tratavam”, “não sabe à ordem de quem vinham os cheques”, “os cheques vinham directamente da Alemanha, não passavam por mim”.
34. Não é plausível configurar que duas pessoas no mesmo cargo e com as mesmas funções e competências na mesma entidade patronal, possam ter responsabilidades diferentes perante os mesmos factos.
35. Assim, nunca se poderia ter dado como provado que a “responsabilidade do arguido E..., advém da sua intervenção em tais factos, em representação da UU... Portugal, na qualidade de vendedor, ou seja, na qualidade de representantes legais ou voluntários dessas empresas e no interesse destas”, tendo errado o Tribunal “a quo” na sua decisão.
36. Não resultou dos autos, nem da prova testemunhal e documental, produzida (quer globalmente considerada quer individualmente apreciada), matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente esteve presente na referida reunião e que mesmo que estivesse estado, qual teria sido o teor da mesma, se versou ou não sobre o “engendrar” do referido esquema para prejudicar as receitas fiscais.
37. Na prática baseou-se a condenação única e exclusivamente nas declarações do arguido A…, contudo, não se pode condenar um arguido apenas e só com o depoimento de outro que aliás não foi corroborado por mais nenhum meio de prova.
38. Estranhamente e de forma dolorosa para a defesa, nunca em momento algum o Tribunal valorou o facto do arguido ser um mero vendedor, sem qualquer poder de representação ou legitimidade para vincular a UU... Stahl, tal como não tinha esses poderes a vendedora que foi ocupar o seu lugar, testemunha ..., conforme foi confirmado pela mesma a Tribunal.
39. E, legitimamente, pergunta-se, sob uma perspectiva do homem comum: será assim tão difícil entender e aceitar, que alguém que é vendedor de uma empresa não tem poderes para representar a mesma, não tem que saber de todas as questões que se passam na mesma, que tenha que ter conhecimento de todas as vendas que são feitas pela sua entidade patronal …
40. Pelo que, a prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal “a quo” uma decisão oposta à que resulta do acórdão recorrido, considerando em suma “que o recorrente não esteve presente na dita reunião ou que mesmo que tenha estado presente não se provou qual ou quais os temas debatidos na mesma, muito menos se podendo considerar provado que tenha sido nessa reunião que teria sido “engendrado” o tal plano apto a lesar o património do Estado.”
41. Entende o recorrente que a matéria de facto foi incorrectamente julgada (art. 412º, nº 3 do C.P.P.).
42. Desta forma, o Tribunal “a quo” violou, entre outros o Art. 32º nº 2 da CRP e o Art. 97º, nº 4, 340º, 365, nº 3 e 374, nº 2 todos do CPP;
43. Salvo quando a lei dispuser diferentemente – diz o artigo 127º do Código de Processo Penal -, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente;
44. Uma das excepções àquela regra da livre apreciação da prova vem introduzida no artigo 151.º do Código de Processo Penal;
45. O tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do principio consignado no art. 127º do CPP, isto é, apreciou mal a prova;
46. Esta questão, leva-nos necessariamente à análise, atenta a estreita ligação, de duas outras, cuja violação se constata: o princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) e o princípio in dubio pro reo, e, bem, assim, o art. 32.º, n.º 2 da Lei fundamental;
47. Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende o recorrente que o princípio da presunção de inocência do arguido e o seu corolário in dubio pro reo demandavam condenação diversa, pelo que resultou o mesmo postergado;
48. O acórdão recorrido enferma dos vícios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410º do C.P.P., gerando, por isso, a nulidade da decisão em crise e determinando o consequente reenvio do processo, de harmonia com o disposto no art. 426º do mesmo diploma legal;
49. Não se conforma o recorrente com o sentido com que o Tribunal recorrido interpretou e aplicou as normas aos factos;
50. A prova produzida em sede de Julgamento, demandava solução diversa, em cumprimento do princípio da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art. 340º do C.P.P.;
51. De acordo com o explanado infra, aspectos relevantes da matéria de facto foram incorrectamente julgados, o que veio a redundar na condenação posta em crise, com a apresentação do presente recurso (artigo 412º, n.º 3, als. a e b) do C.P.P.;
52. O arguido foi condenado como co-autor material de um crime de fraude fiscal qualificada.
53. O nexo causal insere-se na tipicidade do facto. Portanto, há que analisar o processo causal na sua globalidade. A lei penal encara a causalidade como elemento do comportamento humano. É o homem que é louvado ou censurado pelas suas acções, todos os resultados dependentes da sua consciência e vontade são causados por ele e a eles imputados.
54. In casu, o recorrente nega a existência do nexo causal por falta de prova idónea.
55. O Tribunal da Relação pode, mesmo oficiosamente, verificar da existência dos vícios art. 410º, n.º 2 do CPP.
56. No douto acórdão é referido que “assim, e na concretização do plano, os aludidos gerentes da W..., durante os meses de Maio e Julho e de Agosto a Dezembro e de Janeiro a Julho de 2001, encomendaram quantidades diversificadas de aço à UU... Portugal, que os aludidos D... e E... satisfizeram, mandando debitar à W..., as respectivas facturas …”
57. Pergunta-se como se poderá ter chegado a esta conclusão dado que quer segundo o depoimento da Dra. ..., quer das funcionárias da UU... Portugal ouvidas em Tribunal na sessão da Audiência e Discussão e Julgamento do dia 3 de Maio de 2011, conforme acta, o senhor E... não acompanhava as vendas feitas à W..., nem sequer era ele que dava ordens para se emitirem facturas na UU... Portugal.
58. Há erro notório na apreciação da prova (que constitui o vício previsto na alínea c) do citado art. 410º, n.º 2), desde logo, quanto à dita questão da intenção criminosa do ora recorrente, que, aliás, constitui matéria de facto.
59. Para assim concluir, pode argumentar-se, aliás, de forma bem simples e até linear, já que muitas dúvidas quanto ao modo como se iniciou a factualidade descrita nos autos;
60. Os factos dados como provados não preenchem a previsão dos artigos 104º do RGIT, pelo que ao aplicá-los o acórdão recorrido violou a lei.
61. Pelo que, e face a tudo o exposto, entendemos que os doutos julgadores erraram na valoração da prova e na determinação das normas a aplicar ao caso “sub judice”.
62. O elemento subjectivo do tipo-de-ilicito imputado ao arguido na douta decisão recorrida, pressupõe a resolução de cometer uma infracção penal, ou seja, a vontade ou intenção de praticar um crime.
63. E agiria o arguido com dolo directo, se nas referidas circunstâncias de tempo, lugar e acção, se pudesse afirmar que representou um facto (a obtenção de uma vantagem patrimonial) que preenche um tipo de crime, e actuou com vontade de o realizar.
64. Logo, na factualidade descrita não está presente, não só o elemento intelectual ou cognitivo do dolo – traduzido na existência da representação do facto descrito no tipo legal de crime e no perfeito conhecimento da situação objectiva -, como também o não está o seu elemento volitivo – uma vez que o arguido não teve vontade, nem tão pouco previu ou realizou, atento estar unicamente a exercer a sua função de vendedor, de realizar o tipo objectivo, isto é, o facto que não constituiu o objecto da representação.
65. [Repetição do ponto 52.]
66. [Repetição do ponto 53.]
67. [Repetição do ponto 54.]
68. [Repetição do ponto 55.]
69. [Repetição do ponto 56.]
70. [Repetição do ponto 57.]
71. [Repetição do ponto 58.]
72. [Repetição do ponto 59.]
73. [Repetição do ponto 60.]
74. [Repetição do ponto 61.]
75. [Repetição do ponto 62.]
76. [Repetição do ponto 63.]
77. [Repetição do ponto 64.]
78. Dado que o aqui recorrente só foi constituído arguido em 2008, deverá o presente procedimento criminal relativo aos factos ocorridos em relação ao exercício de 2000 ser considerado extinto por prescrição, ao abrigo do disposto no art. 15º, nº 1 do RJIFNA.
79. [Repetição do ponto 78.]
80. Seguindo o exposto, o que está em causa, relativamente ao exercício de 2001, as vantagens patrimoniais indevidas são as que terão sido obtidas pela W..., com a contabilização na sua contabilidade das facturas nº 10088, 10126, 10189, 10541, 10614, 10715, 10972, 12026 e 12149, alegadamente debitadas em excesso.
81. O que terá provocado um acréscimo do valor facturado de € 12.467,34 (que deu origem à emissão do cheque recebido pela W... em Dezembro de 2001).
82. Ora nos termos do art. 103º, nº 2 do RGIT, “os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000,00.
83. O referido cheque de € 12.467,34, diz respeito a uma vantagem patrimonial que foi, alegadamente, obtida pela arguida W..., no exercício de 2001 (ano das referidas facturas falsas), uma vez que os custos respeitantes a essas facturas falsas, alegadamente em excesso, terão permitido à arguida W..., declarar e entregar ao Estado um IRC inferior ao devido, no valor do cheque.
84. Ora, analisada a factualidade dada como provada, concretamente no que contende com a que integra a vantagem patrimonial indevida, vemos que aí se imputa aos arguidos (utilizadores) em sede de IRC a quantia de € 12.467,34.
85. No caso, o valor da vantagem patrimonial obtida descrita para cada uma das declarações de IRC individualmente considerada em cada declaração apresentada é sempre inferior a 15.000 € e por isso actualmente não punível face ao que se expendeu, beneficiando, os arguidos, pelo menos quanto às declarações de IRC do ano de 2002 da aplicação da Lei Nova mais favorável (art. 2º, n.º 2 e 4 do Cód. Penal) com a entrada em vigor da alteração introduzida ao nº 3 do art. 105 do RGIT pela mencionada Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro e que alargou o âmbito da não punição da fraude fiscal àquelas cujo valor da vantagem patrimonial é superior a 15.000 €.
86. Face ao exposto, a ausência de preenchimento dos factos descritos que se reportam à prática por todos os arguidos dos crimes de fraude qualificada que lhes vêm imputados, implica que se tenham como não criminalizadas as condutas de que vêm acusados e impõem que, nesta parte se declare extinto o procedimento criminal contra todos eles.
87. Em conclusão e face a tudo quanto supra se expendeu, deverá se declarar extinto o procedimento criminal contra os arguidos, no que diz respeito à prática, em co-autoria material e em concurso real de um crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo artigo 104º, e nº 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pelo D.L. nº 15/2001 de 5 de Junho.

Nestes termos e nos mais de direito que doutamente serão supridos, deverá este ser admitido e ser revogada a decisão ora em crise, assim se fazendo inteira e sã justiça.

3. Ao recurso respondeu na 1.ª instância o Ministério Público, concluindo:

1ª – O Tribunal recorrido julgou como provados os factos constantes sob nº 7 e 8 do douto Acórdão e o recorrente, na sua globalidade considera-os incorrectamente julgados.
2ª – Porém, o recorrente foi co-autor das fraudes fiscais com facturas falsas, pois, como vendedor da empresa participava no esquema em que era prometido aos clientes que o preço que pagariam era depois reduzido, com a devolução de “comissões” por parte da UU... alemã, tendo inclusive participado na reunião na sede da W..., onde este artifício foi combinado.
3ª - O Tribunal motivou a sua convicção, apoiando-se nos depoimentos de várias testemunhas inquiridas, nomeadamente dos Inspectores da Judiciária, das Finanças, da testemunha ... e nas declarações do co-arguido A..., que confessou os factos constantes da acusação.
4ª – Estes elementos de prova, apreciados livremente, segundo as regras da experiência e conjugados com os restantes documentos juntos aos autos, levaram o Tribunal, e bem, a formar convicção probatória destes factos, concluindo que o recorrente teve uma participação decisiva na consumação do ilícito por que foi condenado.
5ª – O crime de fraude fiscal qualificada é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos e os factos ocorreram, conforme se refere na matéria de facto dada como provada de Maio a Dezembro de 2000 e os cheques foram emitidos em 20/04/2001 e 07/12/2001.
6ª – O crime de fraude fiscal consuma-se no momento em que ocorre a entrega à Administração Fiscal das respectivas declarações, onde se incluíam os elementos falsos da respectiva facturação.
7ª – Ou seja, e como se refere na matéria de facto, foi em 31/05/2002, relativamente à declaração IRC referente ao ano de 2001, que os arguidos omitiram as importâncias recebidas e tituladas pelos referidos cheques, que deveriam ser contabilizados pela arguida W..., como proveitos do exercício de 2001.
(Neste sentido, quanto ao momento da consumação do crime de fraude fiscal, veja-se o Ac. do TRP de 19/03/2003, proferido no P. 0210683, in www.dgsi.pt).
8ª – Dispõe o art. 21 nº 1 e 2 do RGIT, que o prazo de prescrição nos crimes tributários é de 5 anos, mas aplicam-se as regras do CP, quando o limite da pena de prisão for igual ou superior a 5 anos.
No caso, o limite máximo da pena de prisão é de 5 anos, pelo que nos termos do art. 118 – nº 1 – al. b) CP, o prazo de prescrição é de 10 anos.
9ª – Atenta a data da consumação, ainda não decorreu sequer este prazo, a que há que acrescer os períodos de suspensão e interrupção da prescrição, como seja a data da constituição como arguido, que no caso do recorrente E..., ocorreu em 07/02/2008 – cf. fls. 143.
10ª – A questão da despenalização pelo valor, quando se trata de crime de fraude fiscal qualificado p. e p. pelo art. 104 nº 1 do RGIT:
A norma do art. 103 – nº 2 do RGIT é muito clara: os factos previstos nos números anteriores não são puníveis, se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 15.000€.
11ª – Pela letra de norma, torna-se evidente que só se pretende abarcar nesta despenalização o crime de fraude fiscal simples p. e p. pelo art. 103.
O crime p. e p. no art. 104 (fraude fiscal qualificada) é um novo ilícito penal e aí não vem previsto nenhum número idêntico ao do nº 2 do art. 103: logo, o valor da vantagem patrimonial não releva para efeitos de despenalização, quando se trata de fraude fiscal qualificada.
12ª – Quando o legislador pretende desqualificar um crime ou despenalizar uma conduta, esclarece-o expressamente, como o faz, quanto à desqualificação prevista no art. 204 – nº 4 do Código Penal.
13ª – Neste sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 18/05/2009, proferido no P. 352/02.8IDBRG-G1, in www.dgsi.pt:
“São realidades de gravidade distintas: uma coisa é a fraude consistir unicamente na comunicação da existência de um negócio simulado. Outra, bem mais grave, é forjar documentos para convencer que o negócio efectivamente existiu, tornando mais difícil a descoberta do crime. Foi apenas o primeiro comportamento que o legislador pretendeu beneficiar com a norma do art. 103 – nº 2 do RGIT”.
14ª – Em sentido contrário, vai o Acórdão da Relação do Porto de 23/03/2011, proferido no P. 70/05.5IDAVR.P1, in www.dgsi.pt, sendo que a interpretação da norma vertida no Acórdão do TRG nos parece a que melhor respeita o espírito e a própria letra da lei.

Nestes termos, improcedendo sempre o recurso quanto ao erro de julgamento dos factos dados como provados, sob nº 7 e 8, bem como quanto às questões de direito suscitadas, será feita JUSTIÇA!

4. Admitido o recurso, fixado o respectivo efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 2079].

5. Na Relação, o Ilustre Procurador – Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 2094 a 2096, no qual, acompanhando, no essencial, a argumentação expendida na 1.ª instância pelo Ministério Público, se pronunciou no sentido de o recurso não merecer provimento.

6. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, reagiu o arguido B..., referindo, no essencial, mostrar-se extinto por prescrição o procedimento criminal, o que fez sem embargo de estar, por certo ciente, de se tratar de questão já por si suscitada e decidida, conforme resulta da acta de fls. 1649 a 1655, de 03.02.2011.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do CPP, e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, só sendo permitido ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas sem prejuízo das que importe, oficiosamente, conhecer, como são os vícios do artigo 410º do CPP, ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR. I. Série – A, de 28.12.1995].
A propósito da necessária correlação entre a motivação e as conclusões escreve Germano Marques da Silva: As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão. As conclusões resumem a motivação e, por isso, que todas as conclusões devem ser antes objecto de motivação. É frequente, na prática o desfasamento entre a motivação e as correspondentes conclusões ou porque as conclusões vão além da motivação ou ficam aquém. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal só poderá considerar as conclusões: se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta falta[cf. “Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2009, pág. 347].

Tendo em conta o supra enunciado, são as seguintes as questões suscitadas:

- Nulidade do acórdão, por violação do artigo 374º, n.º 2 do CPP;
- Violação dos artigos 151.º e ss. do CPP;
- Impugnação da matéria de facto/vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP/violação do princípio in dubio pro reo/ violação do artigo 127º do CPP;
- Violação do artigo 340º do CPP;
- Errado enquadramento jurídico – penal dos factos;
- Prescrição do procedimento criminal;
- Aplicação ao crime de fraude fiscal qualificada [artigo 104º do RGIT] do disposto no artigo 103º, nº 2 do RGIT.

2. O acórdão recorrido

No acórdão recorrido ficaram consignados como provados os seguintes factos (transcrição parcial):
A

1) A arguida “W... – MOLDES, LDA”, é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … , que tinha por objecto a fabricação de moldes para a indústria de plásticos e se encontrava enquadrada, para efeitos de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no regime geral.
2) Os arguidos A... e B... foram gerentes da “W...” desde a sua constituição, no ano de 1998, e o arguido C... foi gerente da “W...” desde 1998 a 09 de Julho de 2003, cabendo-lhes, nos períodos referidos, decidir, conjuntamente, relativamente às formas de pagamento aos fornecedores, à venda e aquisição de mercadorias, bens e serviços, gerir as contas bancárias e dar instruções relativamente à execução da documentação comercial e fiscal.
3) A arguida “UU...-PORTUGAL, LDA”, é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … , com capital social de € 1449 400,00, que tem por objecto o comércio de aços e acessórios para a industria metalomecânica e afins, sendo que até 1993 tinha a denominação de “ … ”.
4) O arguido D... foi gerente da “UU...- PORTUGAL” desde a sua constituição, em 1990, até 20 de Dezembro de 2002.
5) A arguida “ZZ...”, é uma sociedade em comandita, com sede na Alemanha, em …. Detém, desde 1992, duas quotas da “UU...- PORTUGAL”, à data no valor de 25.411.000$00 e de 11.589.000$00, respectivamente, e actualmente, após entradas em dinheiro realizadas no ano de 2005, no valor de € 1.113.415,00 e de € 57.806,00.
6) O arguido E... foi vendedor da “UU...- PORTUGAL”, desde o ano de 1988 até cerca de meados do ano de 2002.
7) No início do ano de 1998, os arguidos E... e D... encetaram contactos com a sociedade “W... – MOLDES, LDA”, e seus gerentes, para fornecimento de aços comercializados pela “UU...- PORTUGAL”, que representavam, o primeiro enquanto vendedor e o segundo enquanto gerente.
8) Na sequência de tais contactos, foi acordado entre os arguidos B..., A... e C..., em representação da “W...”, e os arguidos E... e D..., em representação da “UU...- PORTUGAL”, que o aço a adquirir pela “W...” seria facturado (seguindo a “Tabela de Facturação” da UU...-), a preço superiores aos constantes da “Tabela de Preços” da “UU...-”, sendo a diferença devolvida, após pagamento, sem registo contabilístico, através de cheque emitido pela empresa “mãe” “ZZ “ à ordem da “W...”, dos gerentes ou de pessoas da sua confiança, por forma a tais quantias não terem que ser declaradas, para efeitos fiscais, como proveitos ou ganhos desta sociedade e delas poderem fazer uso como entendessem.
Assim:
9) Tal como constituía prática comercial entre as sociedades em causa, de Maio a Julho de 2000, os arguidos B..., A... e C..., por algum deles ou alguém a mando, encomendaram à “UU...- PORTUGAL” aço de diversos tipos, que o arguido D..., em execução do acordo celebrado, mandou debitar à “W...”, a preços superiores aos devidos, nas facturas nºs 1411, 1489, 1542, 1594, 1658, 1697, 1794, 1838, 1938, 2044, 2091, 2132, 2279, 2437 e 2473.
10) Recebida a mercadoria, os arguidos B..., A... e C...mandaram lançar as facturas supra identificadas na contabilidade da “W...” e proceder ao seu pagamento, pelos exactos montantes debitados.
11) Aceitando o acordado, em Abril de 2001, os representantes legais da arguida “ZZ...”, não concretamente identificados, conscientes do fim por aqueles visado, mandaram emitir, da conta n.º … , do Deutsche Bank, titulada por aquela sociedade alemã, em nome dos arguidos C..., A... E B... os cheques nºs … , datados de 20-04-2001, todos do valor de DM 36.039,00 (equivalente a € 18.426,45), para reembolso do acréscimo facturado e pago, nos termos descritos, de Maio a Julho de 2000.
12) Ainda no mês de Abril de 2001, foram entregues nas instalações da “W...”, ou para aí remetidos, os aludidos cheques, que os arguidos B..., A... E C...não mandaram lançar, como deviam, na contabilidade daquela sociedade e, de comum acordo, depositaram-nos ou mandaram-nos depositar na conta do BCP (antes BPSM), com o nº 063/08/544989, pelos três titulada, por forma a poderem usar aquelas quantias monetárias no pagamento de despesas não documentadas da arguida “W...”.
13) De Agosto de Dezembro a 2000, os arguidos B..., A... E C..., por si ou por alguém a seu mando, encomendaram à “UU...- PORTUGAL” aço de diversos tipos, que o arguido D..., em execução do acordo celebrado, mandou debitar à “W...”, a preços superiores aos devidos, nas facturas nºs 2857, 2937, 3185, 3237, 3369, 3522, 3627, 3855, 3983, 4007, 4022 e 4143.
14) De Janeiro a Julho de 2001, os arguidos B..., A... e C..., por algum deles ou alguém a mando, voltaram a encomendar à “UU...-PORTUGAL” aço de diversos tipos, que o arguido D..., em execução do acordo celebrado, novamente mandou debitar à “W...”, a preços superiores aos devidos, nas facturas nºs 10088, 10126, 10189, 10541, 10597, 10614, 10715, 10972, 12026 e 12149.
15) Recebida a mercadoria, os arguidos B..., A... e C...mandaram lançar as facturas supra identificadas na contabilidade da “W...” e proceder ao seu pagamento, pelos exactos montantes debitados.
16) Cumprindo o acordado, em Dezembro de 2001, os representantes legais da arguida “ZZ...”, não concretamente identificados, mandaram emitir, da conta n.º … , do Deutsche Bank, titulada por aquela sociedade alemã, em nome do arguido A..., os cheques nºs … , datados de 07-12-2001, nos valores de DM 9.572,00 (equivalente a € 4.894,09) e de DM 24.384,00 (equivalente a € 12.467,34), para reembolso do acréscimo facturado e pago, nos termos descritos, de Agosto a Dezembro de 2000 e de Janeiro a Julho de 2001.
17) No inicio do mês de Dezembro de 2001, tais cheques foram remetidos às instalações da “W...” ou aí entregues por pessoa não concretamente identificada.
18) Tal como das outras vezes, seguindo o planeado entre todos, os cheques nºs … não foram lançados na contabilidade da “W...”.
19) Porém, ao invés de os depositar na conta aberta em nome dos três sócios, o arguido A..., aproveitando a ausência de registo contabilísticos dos mesmos, decidiu depositar os cheques mencionados, que se destinavam à “W...” (apesar de emitidos em seu nome), em contas bancárias que titulava individualmente.
20) Assim, depositou, em 11 de Dezembro de 2001, na sua conta da Caixa Geral de Depósitos, com o nº … , o cheque nº … , no valor de DM 24.384,00, e, em 13 de Dezembro de 2001, na sua conta do BCP, com o nº … o cheque nº … , no valor de DM 9.572,00, gastando em seu proveito exclusivo tais montantes logo que a entidade bancária os disponibilizou.
21) Em 31 de Maio de 2002, com o propósito de pagar ao Estado IRC em montante inferior ao devido, a “W...”, através dos arguidos B..., A... E C..., ou de alguém a seu mando, entregou na 1.ª Repartição de Finanças de … a Declaração de Modelo 22 de IRC , respeitante ao ano de 2001, a qual não revelava, nem a anterior, como proveitos daquele exercício, os montantes de DM 36.030,00, DM 36.030,00, DM 36.039,00, DM 9.572,00 e DM 24.384,00, reembolsados pela “ZZ...”, apesar de, nessa mesma Declaração de Rendimentos, bem como na Declaração de Modelo 22 de IRC do exercício de 2000, entregue na mesma Repartição em 31 de Maio de 2001, terem declarado como custos os montantes totais debitados nas facturas atrás identificadas, emitidas pela “UU...- PORTUGAL”.
22) De igual forma, o arguido A... omitiu os valores referidos, no montante global de € 72.640,78, na Declaração de Modelo 3 de IRS que entregou, em 12 de Abril de 2002, na Repartição de Finanças de … , ou em qualquer outra Declaração de IRS.
23) Da forma descrita, conseguiram todos os arguidos, no exercício de 2001, para a sociedade “W... - MOLDES, LDA”, vantagem patrimonial no montante de € 25.569,55 (vinte e cinco mil quinhentos e sessenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos), correspondente ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e Derrama que deixou de entregar ao Estado pela não inclusão, na Declaração de Modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2001, de proveitos obtidos no montante global de DM 142.046,00 (equivalente a € 72.640,78).
24) Conseguiram, ainda, os arguidos “UU... –PORTUGAL”, “ZZ...”, D..., E..., “W...” e A... o não pagamento de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no mesmo ano de 2001, por parte deste último, no montante de € 3.236,26 (três mil duzentos e trinta e seis euros e vinte e seis cêntimos), resultante da não inclusão na Declaração de Modelo 3 de IRS, que apresentou, dos fundos que através dos reembolsos obteve e depositou na sua conta particular.
Concretizando o exposto:
ANO IRC DERRAMA IRS TOTAL
2001 € 23.245,05 € 2.324,40 € 3.236,26 € 28.805,81
25) Em Setembro de 2005, no decurso de procedimento inspectivo da Direcção de Finanças de Aveiro, desencadeado pela investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária nos autos de Inquérito nº 109/03.9JAAVR:
- a arguida “W...” entregou, à Direcção Geral de Impostos, Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição, respeitante ao exercício de 2001, onde fez acrescer ao lucro tributário o montante de 5 72.640,78 e procedeu ao pagamento da coima respectiva;
- o arguido A... entregou, na Repartição de Finanças de Oliveira de Azeméis 1, Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS de substituição, referente ao ano de 2001, onde fez constar os montantes que recebeu.
26) Os arguidos “UU... –PORTUGAL”, “ZZ..., D..., E..., “W...”, A..., B... e C..., sendo as sociedades através dos seus representantes, agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intenções.
27) Bem sabiam tais arguidos que as transacções comerciais referidas nas facturas supra descritas haviam ocorrido por montante inferior ao facturado. Ainda assim, em execução de um plano conjunto, visando a devolução do excesso facturado sem registo contabilístico, por forma a tais quantias não terem que ser declaradas, para efeitos fiscais, procederam à emissão e lançamento, respectivamente, de tais facturas na contabilidade da sociedade “W...”.
28. Ao preencherem ou porem em circulação, em conjugação de esforços e intenções, as facturas atrás indicadas, faltando à verdade sobre factos que bem conheciam, sabiam os arguidos que colocavam em crise a credibilidade que os documentos merecem para a generalidade das pessoas, bem como o interesse que o Estado tem em que os documentos, designadamente os contabilísticos, façam fé, retratando verdadeiras situações comerciais.
29. Quiseram e conseguiram, com a simulação dos preços do aço e a omissão de proveitos (derivados da devolução do excesso facturado), obter para a “W...” e seus representantes, vantagem patrimonial indevida, decorrente de terem de entregar e/ou pagar ao Estado menos prestações tributárias (IRC e IRS) do que, na realidade, deviam.
30. Os arguidos D..., E..., A..., B... e C..., bem como o representante da arguida “ZZ...”, actuaram, em nome e no interesse das sociedades que geriam ou para as quais trabalhavam, com o propósito de enganarem a administração fiscal e prejudicarem o Estado, o que lograram fazer.
31. Bem sabiam todos os arguidos que os actos que praticavam eram proibidos e punidos como crime.
B

32. Os arguidos A..., B... e C...decidiram receber aqueles valores para criar “fundo de maneio” na sociedade “W...”, por forma a pagar horas extra-ordinárias que os trabalhadores desta faziam, pagamentos que eram efectuados sem qualquer recibo.
33) Os montantes dos cheques depositados em contas do arguido A... haviam sido por este adiantados, de comum acordo com os arguidos B... e C..., para esse mesmo fim.
34) O arguido A... pagou os montantes dos impostos apurados e respectivas coimas, nada devendo à Administração Fiscal.
C

35) A arguida “W...” foi, entretanto, declarada insolvente, tendo sido já concluída a liquidação do activo.
(…)
51) O arguido E... é sócio e gerente de uma empresa de moldes, auferindo o vencimento mensal de cerca de € 1.000,00, trabalhando a sua mulher também na empresa e auferindo o vencimento de cerca de € 500,00 mensais.
52) Têm um filho de 30 anos de idade, já autónomo, e vivem em casa própria.
53) Concluiu o 9º ano de escolaridade.
D

54) A nenhum dos arguidos não são conhecidas condenações criminais.

No que concerne à matéria de facto não provada, ficou a constar:

Mais nenhum outro se provou, nomeadamente os seguintes (não se fazendo referência expressa ao mais alegado nas contestações, ou porque já foi apreciado ou trata-se de questões de direito ou de matéria meramente conclusiva):
a) Que o arguido E... exerceu as funções referidas em 6) supra até Novembro/Dezembro de 2002;
b) Que a entrega dos cheques referida 12) supra foi feita, em mão, pelos arguidos E... e D...;
c) Que a entrega referida em 17) supra foi feita pelos arguidos E... e D..., nas instalações da “W...”, ao arguido A...;
d) Que o arguido A... procedeu nos termos referidos em 19) supra sem conhecimento e contra vontade dos gerentes B... e C...e usou as verbas respectivas em proveito próprio;
e) Que o arguido A... procedeu nos termos aludidos em 22) supra com a intenção de pagar ao Estado IRS em montante inferior;
f) Que o referido em 24) supra se traduziu numa vantagem patrimonial pessoal, no montante de € 3.236,26, para o arguido A...;
g) Que tudo o descrito em A supra se passou à revelia e sem o conhecimento do arguido C..., o qual nunca exerceu funções de gerência da sociedade “W...”;
h) Que o arguido C...não geria e não estava à frente, nem detinha, nem exercia qualquer poder sobre o curso dos negócios sociais, não praticando actos de administração e de decisão da sociedade “W...”;
i) Que os gerentes de facto da sociedade “W...” eram apenas os arguidos A... e B..., pois eram apenas eles que representavam a sociedade em todos os seus actos e perante todas as instituições;
j) Que o arguido C...nunca negociou com fornecedores ou clientes da sociedade, nunca efectuou compras para esta, nunca efectuou vendas na sociedade, nunca celebrou quaisquer contratos em nome da sociedade e nunca foi reconhecido, pelos clientes, como dono e nunca assumiu, mesmo que pontualmente, funções directivas ou de representação da sociedade “W...”;
l) Que o arguido C..., porque trabalhava na área da produção, não tinha conhecimento da gestão dos negócios sociais e os outros sócios nada lhe diziam relativamente à gerência da sociedade;
m) Que só com a dedução da acusação o arguido C...teve conhecimento dos factos descritos em A supra;
n) Que o aço era, efectivamente, vendido à sociedade arguida “W...” sempre pelos valores constantes das facturas que se encontram juntas aos autos, correspondendo os valores facturados exactamente aos valores das compras e vendas que aquelas facturas titulam;
o) Que esses valores correspondiam ao que, em cada momento, era negociado pelas partes, no âmbito da sua relação comercial (no sentido de que era negociado cada fornecimento, individualmente).

Em sede de fundamentação da decisão de facto ficou exarado:

A formação da convicção do Tribunal Colectivo teve por base a análise global da prova produzida em audiência, em conjugação e confronto, analisada e valorada segundo as regras da experiência comum e a lógica das coisas, particularmente os elementos seguintes:
- quanto aos factos descritos em A supra, foram valoradas, desde logo, as declarações do arguido A..., que confessou tais factos, nesses termos, assumindo a sua intervenção nos mesmos e aludindo também à dos arguidos B... e C..., enquanto também gerentes da “W...”, e dos arguidos D... e E..., como gerente e vendedor da “UU... Portugal”, respectivamente, descrevendo como tudo se passou, desde o acordo estabelecido com estes até à forma como se processava a facturação e recebimento dos cheques da “ZZ...”, empresa alemã, dizendo qual a finalidade e destino dado a tais valores, sem os fazerem constar das declarações fiscais, tudo isso sendo do conhecimento e vontade de todos, além de aludir à voluntariedade e consciência da ilicitude de tais factos, revelando-se tais declarações coerentes e credíveis, em face das demais provas produzidas, que nelas têm apoio (como se dirá infra). Mais foram valorados os depoimentos seguintes: da testemunha …. (que disse ser Inspector da PJ), o qual referiu as circunstâncias em que foi detectada esta situação e também as buscas efectuadas na “UU... Portugal” (fls. 24 a 29, que confirmou), dizendo o que aí foi localizado com relevo, confirmando tais elementos as suspeitas iniciais quanto aos negócios celebrados entre essa empresa e a “W...”, com o posterior envio de cheques pela empresa alemã “UU...”, elaborando depois o relatório junto (fls. 33 e 34); da testemunha … (que disse ser Especialista da PJ), o qual referiu a sua participação nas referidas buscas na “UU... Portugal” e o que aí foi localizado, conforme autos respectivos (fls. 24 a 29), que confirmavam as suspeitas originais, tendo ele depois efectuado a análise e confronto de tais elementos e elaborado o relatório junto, cujas conclusões extraídas aí fez constar (fls. 53 a 56), tudo isso descrevendo, desde a sobre-facturação ao envio de cheques da empresa alemã para a “W...” e às “notas de débito” para a “UU... Portugal”, com os inerentes benefícios para cada uma das empresas envolvidas, dizendo que isso implicava necessariamente a intervenção dos seus representantes, tendo ainda confirmado o relatório pericial depois elaborado e respectivos elementos de suporte (fls. 2 a 48 do Apenso I); da testemunha … (que disse ser Inspector Tributário), o qual descreveu as diligências realizadas, elementos examinados e factos apurados, descrevendo com as transacções do aço se processavam (nos termos dados como provados supra) e confirmando os relatórios que elaborou, que relatam tal situação (fls. 4 a 7 e 19 a 22, que confirmou), além da “folha de cálculo”, relativa aos cheques (fls. 66, que confirmou); da testemunha … (que disse ser Inspectora Tributária), a qual mencionou a sua participação na busca na “UU... Portugal”, juntamente com os Inspectores da PJ, mencionando o que aí foi encontrado, com relevo para o caso, e em que se traduzia o “esquema” entre tais empresas, bem como os seus reflexos em termos fiscais, examinando e confirmando vários dos documentos juntos aos autos, por si elaborados ou que objectivamente comprovam tais factos (fls. 120 a 121, referindo ter elaborado esta relação final; fls. 64, 68, 108, 112, 117 e 117 a 119, 147 e 152 do Apenso III, referindo serem cheques da empresa alemã para a “W...”; fls. 154 também do Apenso III, que foi apreendido na “UU...”, tudo igualmente valorado), além de ter ainda exibido três outros documentos em audiência, relativos às transacções em causa, que foram explicados pela mesma e depois juntos aos autos, os quais se reportam aos cheques emitidos relativamente às “comissões” (cfr. fls. 1803 a 1805 e 1811); da testemunha … (que também disse ser Inspector Tributário), o qual mencionou a diligência junto da “W...” e contacto com o arguido A..., cuja situação assumiu e depois foi regularizada, confirmando os relatórios que elaborou e documentos e declarações fiscais em anexo, referindo os valores apurados e sua regularização (fls. 228 a 257, 300 a 317, 324 a 342 e 595 a 608, igualmente valorados), descrevendo os reflexos daquelas operações em termos fiscais. Foi também valorado, de forma muito relevante, o depoimento da testemunha ... (que disse ser TOC e ter trabalhado na “W...” entre 1998 e 2007), a qual disse conhecer todos os arguidos pessoas singulares e referiu as suas funções na empresa “W...”, descrevendo como se processavam as coisas internamente ao nível da gerência e relação entre os três sócios e gerentes (A..., B...e Manuel), aludindo ao “esquema” feito entre aquela sociedade e a “UU... Portugal” e em que o mesmo se traduzia, sendo de todos conhecido, aludindo ainda à abertura da conta bancária pelos três gerentes, dizendo que ela própria depositou aí alguns cheques, explicando também a razão de outros irem para a conta pessoal do A... e a relevância do documento junto aos autos pelo arguido A... na sessão de 01-04-2011 (fls. 1806, que examinou), dizendo mesmo que chegou a haver uma reunião lá na “W...” com os arguidos D...e E... relativamente a este assunto, aludindo ainda às tabelas de preço apresentadas (fls. 130, que confirmou ser uma delas), bem como às facturas recebidas (fls. 81 e 82 do Apenso III, que examinou e confirmou, a título de exemplo), estando os três gerentes a par de tudo o que passava, além de confirmar os elementos relativos à conta bancária conjunta (fls. 590 e 591, que examinou) e alguns dos cheques recebidos, em nome de um ou outro dos sócios (fls. 243 a 245, a título de exemplo), dizendo que o arguido D...chegou a entregar cheques, em mão, na “W...”, vindos da empresa alemã, revelando-se tal depoimento coerente, seguro e credível, dando consistência às demais provas, designadamente às declarações do arguido A.... Além dessas declarações e depoimentos, foram ainda valorados os documentos juntos aos autos (susceptíveis de valoração), concretamente os autos e relatórios acima enunciados, elaborados pelas ditas testemunhas, que relataram os resultados e conclusões alcançadas, bem como os seguintes: as certidões e elementos relativos às arguidas sociedades (fls. 226 e 227, 10 e 11, 74 a 93, 495 a 498 e 580 a 588); a relação de cheques das “comissões” e dos “extractos bancários” (fls. 42 a 47, 66 e 67); o relatório da inspecção tributária à “W...”, com os respectivos anexos, incluindo cheques da arguida alemã, a favor de cada um dos três sócios e gerentes, o que sustenta o conhecimento e intervenção de todos eles nestes factos (fls. 228 a 257, maxime fls. 243 a 249 quanto aos cheques); as declarações fiscais de substituição (fls. 250 a 257, 318 a 323 e 358 a 366); as informações e movimentos bancários dos valores dos cheques, que confirma também o endosso dos mesmos por cada um dos referidos gerentes da “W...” (fls. 396 a 469, concretamente fls. 411 a 423); a lista e de facturação e facturas da “UU... Portugal” à “W...”, que comprovam as relações comerciais entre as duas empresas, incluindo as referidas nos autos (fls. 516 a 567); a ficha de abertura da conta no BPSM, pelos três gerentes da “W...” (fls. 590); o parecer tributário e declarações fiscais relativamente aos arguidos “W...” e A... (fls. 594 a 608) e as comunicações escritas entre as empresas “UU...” portuguesa e alemã e elementos acompanhantes, que evidenciam as relações comerciais em causa nestes autos (fls. 3 a 19 do Apenso II). Todos esses elementos conjugados, quer pela objectividade do que resulta dos documentos, designadamente facturas e cheques relativos a essas transacções, quer pelos depoimentos das aludidas testemunhas, cuja razão de ciência invocada confere consistência a tais relatos, tudo isso dando suporte às declarações do arguido A..., o Tribunal Colectivo criou a convicção segura de que as coisas ocorreram dessa maneira, com intervenção dos arguidos nos termos mencionados, o que tem apoio nas regras da experiência comum, não sendo minimamente lógico que um gerente não participe na gestão da empresa, quando mais estando diariamente na mesma, e muito menos que nada saiba do que se passa ao nível da gestão, concretamente dos negócios celebrados, como quis fazer crer o arguido C...(mas sem convencer com os seus argumentos, que, aliás, nem tiveram o devido eco nas testemunhas que ele próprio arrolou, ouvidas em audiência), pelo que este e o arguido B..., participaram também, com maior ou menor grau de intervenção, em toda a situação e dela tinham conhecimento (como foi confirmado pela testemunha ..., sendo até um dado indubitável o facto de alguns cheques virem em seu nome e terem os três aberto uma conta bancária para movimentar esses dinheiros). Por outro lado, a intervenção dos arguidos D... e E..., em representação da “UU... Portugal”, o primeiro como gerente e o segundo como vendedor, resultou não só das declarações do arguido A..., mas também do depoimento da referida ..., que confirmaram os contactos havidos e deslocações destes à “W...”, sendo que estes, perante tais provas, nada disseram que pudesse criar qualquer dúvida a esse respeito. Por fim, ainda que ninguém tenha referido a existência de contactos directos com os responsáveis da “ZZ... ” (empresa alemã), a verdade é que a emissão de cheques a favor da “W...”, sem que a esta tivesse adquirido qualquer mercadoria, pressupõe, necessariamente, o conhecimento e adesão a todo o “esquema” por parte dos seus representantes, sabendo do destino desses valores, designadamente que os mesmos não eram levados à contabilidade desta sociedade, como não foram (se o fossem não havia qualquer interesse em criar esse “circuito”de meios financeiros, não fazendo sentido em facturar por valor superior ao realmente pretendido, já que seria imediatamente “anulado” esse beneficio se depois declarasse o valor dos cheques para efeitos de IRC), sendo que o facto de não estar provado quem foi o legal representante da empresa alemã que decidiu tal procedimento não tem aqui relevo, já que nenhum deles está agora a ser julgado, mas apenas a ser apreciada a responsabilidade da sociedade (que é uma questão diferente). Finalmente, das declarações do arguido A... sobre os factos, não só quanto à sua participação mas também relativamente à dos demais, além do que foi dito pelas testemunhas que com eles tinham relações e contactos, bem como da postura de cada um deles em audiência, resulta que todos eles são pessoas capazes e responsáveis pelos seus actos, donde se extraia a voluntariedade e consciência da ilicitude de todas aquelas condutas;
- quanto aos factos descritos em B supra, foram igualmente valoradas as declarações do arguido A..., que referiu o destino dos montantes recebidos através desses cheques e a razão de alguns deles serem depositados em contas suas, sendo que o pagamento das quantias apuradas em termos fiscais foi comprovado pelo documento junto (fls. 1527), e ainda o depoimento da testemunha … (já referida), que referiu essa liquidação e em que termos foi feita, além de que também a testemunha ... (já referida) explicou a finalidade desses valores constantes dos cheques recebidos da Alemanha e a razão de alguns irem para a conta pessoa do arguido A..., aludindo igualmente ao trabalho extra-ordinário, remunerado à margem do recibo de vencimento, isto também confirmado pelas testemunhas … e … (ambos funcionários da “W...”), todos com conhecimento directo desses factos, em face da razão de ciência invocada;
- quanto aos factos descritos em C supra, foi valorada a certidão junta quanto à insolvência da “W...” (fls. 1725 e 1726) e consideradas as declarações dos arguidos A..., C..., D... e E..., os quais refeeriram a sua situação pessoal, laboral e familiar nesses termos, tendo a situação das arguidas “UU... Portugal” e “ZZ... GMBH” sido referida pela sua representante … , além de que quanto à situação do arguido B... foi tida em conta a exposição que o mesmo juntou aos autos (fls. 1807) e a personalidade do arguido A... foi mencionada pelas testemunhas ………(conhecido daquele há vários anos);
- quanto aos factos aludidos em D supra, foram considerados os CRC juntos aos autos (fls. 1582, 1564, 1565, 1583, 1568, 1579 e 1580);
- quanto ao facto não provado , enunciados em a) a o) supra, tal foi consequência da ausência de prova bastante da sua veracidade, quer porque não resultaram das declarações , depoimentos e outros elementos de prova, com suficiente consistência, ou mesmo porque foi dita coisa diferente e que se deu como provada (como é o caso da participação do arguido E...na gestão da “W...”). Refira-se que o referido pelas testemunhas … (mulher do arguido C...),(ex-funcionário da “W...”),(igualmente ex-funcionário da “W...”), ... (vendedora da “UU... Portugal” desde Outubro de 2002),(assistente comercial da “UU... Portugal” desde há cerca de 17 anos) e … (escriturária da “UU... Portugal” desde há cerca de 23 anos) não abala a consistência daqueles elementos probatórios invocados supra, concretamente quanto à intervenção do arguido C...na gestão corrente da empresa “W...”, designadamente quanto ao que está em causa nestes autos, independentemente de o arguido A... poder ter maior protagonismo em algumas questões, bem como relativamente à intervenção das empresas “UU...” portuguesa e alemã em toda esta situação (repare-se que a aludida ...Peralta até referiu saber que “vinham cheques da Alemanha”).

3. Apreciando

Invocando o recorrente a prescrição do procedimento criminal, dever-se-ia iniciar pelo conhecimento da dita excepção, não fora o caso de vir “impugnada” a matéria de facto – em que termos, pronunciar-nos-emos no momento próprio – e, bem assim, questionada a subsunção dos factos num único crime de fraude fiscal qualificada, preconizando, antes, a sua integração em dois crimes distintos.
Como tal, porque, eventualmente, dependente da solução que vier a ser encontrada em resposta às ditas questões, relega-se a sua apreciação para momento ulterior.

a.

Nas conclusões da motivação, que delimitam o objecto do recurso, de forma sistemática, alude o recorrente à violação do artigo 374º, n.º 2 do CPP, invocando a nulidade do acórdão decorrente da alínea a), do nº 1, do artigo 379º do mesmo diploma legal, não deixando de - presume-se, numa postura de colaboração - relembrar o tribunal de que se trata de questão de conhecimento oficioso [cf. pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 18., 42. das conclusões].
A ordenação lógica das matérias que submete à apreciação deste tribunal leva, pela consequência que daí pode advir, a que nos detenhamos em primeiro lugar sobre a arguida nulidade, até porque se tem vindo, efectivamente, a entender constituir matéria de conhecimento oficioso – [cf. neste sentido vg. os acórdãos do STJ de 22.03.2001 (proc. n.º 353/01 – 5.ª), 18.11.2004 (proc. n.º 3272/04 – 5.ª), 21.12.2005 (proc. n.º 4642/03 – 3ª), 04.01.2006 (proc. n.º 3801/05 – 3ª), 14.03.2007 (proc. 617/07- 3.ª].
Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira … o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso [cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 2º vol., 3.ª edição, Coimbra Editora].
Conforme decorre da lei, o dever constitucional de fundamentação da sentença, basta-se com a exposição dos motivos de facto e de direito que suportam a decisão, bem como com o exame crítico das provas de que o tribunal se socorreu para formar a sua convicção, incluindo os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios de lógica, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formasse em determinado sentido, ou a que o julgador valorasse de determinada forma os diversos meios de prova produzidos e analisados em audiência – [cf. acórdão do STJ de 14.06.2007, proc. n.º 1387/07 – 5.ª].
Na verdade, apesar do valor dos meios de prova não estar legalmente pré – definido, devendo o tribunal valorá-los de acordo com a experiência comum e com a concorrência de critérios objectivos – [cf. artigo 127º do CPP], o facto é que a garantia da legalidade da “livre convicção” exige a explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova (…)[cf. acórdão do STJ de 11.11.2004, proc. n.º 04P3182].
Ora, atentando nas conclusões do recurso constata-se que, no essencial, a violação do artigo 374º, n.º 2 do CPP vem ancorada na ausência de exame critico da prova, sobretudo, mas não só, no que concerne à prova documental e, de passagem, na circunstância de o acórdão não fazer referência aos depoimento de algumas testemunhas - as quais, contudo, não identifica – assim como às declarações do arguido A....
Pois bem, como referido no acórdão do STJ de 19.05.2010, Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico – formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, o que no caso concreto sucede já que o Colectivo indicou as provas, esclarecendo os aspectos que teve por essenciais e, por consequência, o modo como formou o juízo da sua veracidade.
De qualquer modo, sempre se dirá que o tribunal não deixou de fazer referência às declarações do arguido C..., explicitando a razão porque não relevaram na formação da sua convicção [cf. a seguinte passagem da fundamentação de facto: “Todos esses elementos conjugados, quer pela objectividade do que resulta dos documentos, designadamente facturas e cheques relativos a essas transacções, quer pelos depoimentos das aludidas testemunhas, cuja razão de ciência invocada confere consistência a tais relatos, tudo isso dando suporte às declarações do arguido A..., O tribunal Colectivo criou a convicção segura de que as coisas ocorreram dessa maneira, com intervenção dos arguidos nos termos mencionados, o que tem apoio nas regras da experiência comum, não sendo minimamente lógico que um gerente não participe na gestão da empresa, quando mais estando diariamente na mesma, e muito menos que nada saiba do que se passa ao nível da gestão, concretamente dos negócios celebrados, como quis fazer crer o arguido C...(mas sem convencer com os seus argumentos, que, aliás, nem tiveram eco nas testemunhas que ele próprio arrolou, ouvidas em audiência), pelo que este e o arguido B..., participaram também, com maior ou menor grau de intervenção, em toda a situação e dela tinham conhecimento (como foi confirmado pela testemunha ..., sendo até um dado indubitável o facto de alguns cheques virem em seu nome e terem os três aberto uma conta bancária para movimentar esses dinheiros)”], não se vislumbrando, por outro lado, qualquer omissão, relevante, às testemunhas que depuseram no decurso da audiência de julgamento, todas elas identificadas na fundamentação e a todas elas fazendo referência o acórdão, mais que não seja para adiantar que o respectivo depoimento não se apresentou por forma a abalar a consistência dos elementos probatórios anteriormente escalpelizados, os quais foram considerados, a todos os títulos, credíveis.
Também, carece de fundamento estribar o aludido vício na ausência de análise crítica dos documentos que serviram de suporte à decisão, porquanto foram os mesmos individualizados, as mais das vezes em conjugação com o teor do depoimento das testemunhas, as quais pela qualidade profissional de Inspectores Tributários, Inspector Técnico [a prestar serviço na Secção de Inspecção Financeira da Policia Judiciária] e mesmo TOC, sobre eles se debruçaram, resultando claro da decisão em que medida e porque motivo foram considerados.
É quanto basta para responder satisfatoriamente ao comando legal em apreço.
Por fim, quanto à questão do dolo [elemento insusceptível de directa apreensão, não obstante, capaz de ser captado através de factos materiais comuns associados às, neste como noutros domínios consentidas, presunções naturais] - não deixou o Colectivo de se pronunciar, como decorre da leitura da fundamentação [cf. vg. as seguintes passagens: “quanto aos factos descritos em A supra, foram valoradas, desde logo, as declarações do arguido A..., que confessou tais factos, nesses termos, assumindo a sua intervenção nos mesmos e aludindo também à dos arguidos B... e C..., enquanto também gerentes da “W...”, e dos arguidos D... e E..., como gerente e vendedor da “UU... Portugal”, respectivamente, descrevendo como tudo se passou, desde o acordo estabelecido com estes até à forma como se processava a facturação e recebimento dos cheques da “UU... GMBH”, dizendo qual a finalidade e destino dado a tais valores, sem os fazerem constar das declarações fiscais, tudo isso sendo do conhecimento e vontade de todos, além de aludir à voluntariedade e consciência da ilicitude de tais factos, revelando-se tais declarações coerentes e credíveis, em face das demais provas produzidas, que nelas têm apoio …” e “Finalmente, das declarações do arguido A... sobre os factos, não só quanto à sua participação mas também relativamente à dos demais, além do que foi dito pelas testemunhas que com eles tinham relações e contactos, bem como a postura de cada um deles em audiência, resulta que todos eles são pessoas capazes e responsáveis pelos seus actos, donde se extraia a voluntariedade e consciência da ilicitude de todas aquelas condutas”].
Sempre se dirá que, no caso, tendo o ora recorrente feito uso do seu direito ao silêncio, não permitiu que o Colectivo, de alguma forma, estribasse a sua convicção nas respectivas declarações, com as quais poderia ter dado o seu contributo no sentido do esclarecimento dos factos.
Em suma:
Não se detectando dificuldade por parte do recorrente na “compreensão” da decisão, nos seus aspectos relevantes – pelo contrário, a preconizada “impugnação” da matéria de facto e, principalmente, as razões que a alicerçam, conjugada com a argumentação expendida a propósito da alegada violação do artigo 127º do CPP, do principio in dubio pro reo e do artigo 32º da CRP, dão bem nota de que, embora discordando, alcançou perfeitamente o respectivo sentido – tão pouco se crendo que os demais sujeitos processuais ou mesmo terceiros, estranhos ao processo, a não entendam, conclui-se por ter o acórdão recorrido cumprido cabalmente o dever de fundamentação com referência aos factos [provados e não provados] essenciais à caracterização do crime imputado e suas circunstâncias juridicamente relevantes, resultando suficientemente esclarecido o processo seguido na apreciação da prova e respectiva valoração.
Não ocorre, pois, a arguida nulidade, não se mostrando, em consequência violados os artigos 374º, n.º 2 do CPP, 32º e 205º da CRP.

b.

Intimamente relacionado com o que se vem de dizer, surge a invocada violação do artigo 163º do CPP, a qual, com o devido respeito, não tem razão de ser porquanto no caso dos autos não há que falar em verdadeira prova pericial à luz do artigo 151º e ss. do CPP, só ao valor dessa se reportando o mencionado preceito.
Por outro lado, não procede a argumentação quanto à necessidade de ter sido ordenada e realizada “perícia” nos termos supra referidos [artigo 151º e ss.], já que quer os relatórios pertinentes aos factos, quer os depoimentos que versaram sobre os mesmos tiveram “origem” em técnicos financeiros e tributários, portanto testemunhas, para o efeito, “qualificadas”, com conhecimentos na área - os quais, naturalmente, vão bem além dos do comum cidadão -, circunstância que na situação em apreço se afigura responder satisfatoriamente às exigências do processo, não colhendo fundamento as objecções do recorrente, as quais ou encontram resposta no texto da decisão, ou não assumem relevância para o crime em questão ou decorrem directamente na lei e, assim sendo, foram indevidamente convocadas [cf. os pontos 12., 13., 14., 15., 16. 17. 44. das conclusões].
De resto, como adiante se verá, a inconformidade do recorrente no que à matéria de facto concerne entronca em aspectos que se situam a montante dos valores em causa, assunto que só vem a retomar a propósito da questão jurídica, sem que evidencie, nessa ocasião, qualquer dificuldade.
Conclui-se, assim, no sentido de não haver sido violado nenhum dos referidos preceitos - [artigos 151º, 158º e 163º, todos do CPP].

c.

1.

Insurge-se o recorrente contra a matéria de facto, e ao assim proceder do mesmo passo que convoca os vícios – todos – do n.º 2 do artigo 410º, do CPP [cf. pontos 48., 55., 58., 59., das conclusões], enuncia dois itens dos factos provados que considera incorrectamente julgados [cf. pontos 23., 35. das conclusões]
Em crise estariam os pontos 7. e 8. [factos provados], do seguinte teor, respectivamente:
“7. No inicio do ano de 1998, os arguidos E... e D...… encetaram contactos com a sociedade “W... – MOLDES, LDA”, e seus gerentes, para fornecimento de aços comercializados pela “UU...- PORTUGAL”, que representavam, o primeiro enquanto vendedor e o segundo enquanto gerente”; e
“8. Na sequência de tais contactos, foi acordado entre os arguidos B..., A... e C..., em representação da “W...”, e os arguidos E... e D..., em representação da “UU...- PORTUGAL”, que o aço a adquirir pela “W...” seria facturado (seguindo a “Tabela de Facturação” da UU...-STAHL), a preços superiores aos constantes da “Tabela de Preços” da “UU...-STAHL”, sendo a diferença devolvida, após pagamento, sem registo contabilístico, através de cheque emitido pela empresa “mãe” “ZZ...”, à ordem da “W...”, dos gerentes ou de pessoas da sua confiança, por forma a tais quantias não terem que ser declaradas, para efeitos fiscais, como proveitos ou ganhos desta sociedade e delas poderem fazer uso como entendessem”.

Não obstante, conforme resulta dos pontos 24., 25., 26., 27., 28. das conclusões, acaba o recorrente por colocar em causa aspecto não versado em qualquer dos aludidos itens [7. e 8.], na medida em que nenhum deles se refere à dita “reunião” – da qual se pretenderia ver excluído, avançando, contudo, que ainda que na mesma houvesse participado não seria possível saber o que lá foi tratado, e em que termos, quem propôs o quê, quem aceitou o quê …
O equívoco, reside na circunstância de querendo, embora, impugnar os factos, acabar por impugnar a motivação e respectiva análise crítica da prova!
Na verdade, resulta à saciedade das conclusões, pretender o mesmo demarcar-se da “representação” e do “acordo”, descrito em 7. e 8. dos factos provados [cf., para além dos acima enunciados, os pontos 29., 30., 35., 40.], socorrendo-se, para o efeito, não do procedimento previsto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP – apesar de ao mesmo fazer referência [cf. ponto 41. das conclusões] -, na medida em que não cumpre os ónus ali impostos para atingir tal desiderato, mas atacando a convicção do Colectivo, à qual, manifestamente, pretende sobrepor a sua, enveredando, com o devido respeito, por um caminho errático. Com efeito, tanto refere que o tribunal Enfatizou e mal interpretou as declarações do Arguido A...[cf. a motivação], como aduz Na prática baseou-se a condenação única e exclusivamente nas declarações do arguido A…, contudo, não se pode condenar um arguido apenas e tão só com o depoimento de outro que aliás não foi corroborado por mais nenhum meio de prova [ponto 37. das conclusões], para concluir As declarações do arguido A...e da testemunha ..., não deveriam ter sido valoradas como foram pelo Tribunal “a quo”, dado que os mesmos enfermam de muitas dúvidas e incertezas, além de muitas inverdades ... [cf. a motivação].
Neste quadro é bom de ver que, os segmentos que transcreve, quer das declarações do arguido A..., quer do depoimento da testemunha ... – os quais foram, de facto, determinantes no processo de formação da convicção do Colectivo, como resulta claro da fundamentação/análise critica da prova - não são de modo algum adequados a “impor” decisão diversa da recorrida, mormente quanto aos aludidos pontos da matéria de facto, que tem por incorrectamente julgados [sem olvidar que, como já o dissemos, a impugnação surge dirigida à motivação], aspecto do qual, certamente, estará ciente, pois só assim se compreende que a propósito dos mesmos teça considerações tão dispares como as acima assinaladas, ora para desvalorizá-los, ora para concluir por ter o tribunal procedido a uma incorrecta interpretação dos mesmos, ora para dizer que não merecem credibilidade.
Por outro lado, o recurso que faz ao depoimento da testemunha ... surge, claramente, como ressalta dos pontos 31, 32. e 33. das conclusões, com o propósito de colocar em crise a intima convicção e valoração da prova por parte do Colectivo e não já como meio idóneo a “impor”, relativamente aos aspectos que anuncia impugnar, decisão diversa.
Como assim, pese embora a documentação da prova, que possibilitaria a este tribunal de recurso conhecer, em termos amplos, da matéria de facto [artigos 363º, 428º e 431º do CPP] é manifesto, no caso, não poder a mesma ser sindicada à luz do artigo 412º do CPP, por não virem cumpridos pelo recorrente – nem na motivação, nem em sede de conclusões – os respectivos pressupostos, o que desloca a apreciação da “questão de facto” para os demais “vícios” assacados à decisão.

2.

Numa outra frente de batalha, vem invocados os vícios – todos – do n.º 2 do artigo 410º do CPP – [cf. pontos 48., 55., 58., 59.].
Como decorre expressamente da letra da lei, os referidos vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, salientando-se, ainda, que as regras da experiência comum «não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece» - [cf. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2000, Vol. III, 338/339].
Trata-se, por conseguinte, «de vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão» [cf. acórdão do STJ de 07.12.2005, CJ, ASTJ, T. III, 2005, pág. 224].
Ora, perscrutada a decisão de facto não resulta faltarem elementos que, podendo e devendo ser descritos impossibilitem, por ausência, um juízo seguro de condenação ou de não condenação – [cf., por todos, o acórdão do STJ de 14.03.2002, proc. n.º 3261/01 – 5].
Acresce que o recorrente, para além das invocadas “deficiências” já tratadas quando nos debruçamos sobre a preconizada nulidade do acórdão - para concluir no sentido de não se verificarem - e da tónica colocada na insuficiência da prova para a decisão – realidade insusceptível de ser confundida com o vício da al. a), do n.º 2, do artigo 410º do CPP – nada, de relevante, alega nesta sede.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques «há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente» - [cf. “Recursos em Processo Penal,”, 2007, págs. 71/72].
Neste domínio diz o recorrente: Resulta do texto da douta decisão recorrida contradição entre os factos provados e a fundamentação, pois que, se por um lado dá como provado que: “12) Ainda no mês de Abril de 2001, foram entregues nas instalações da W... – Moldes, Lda., ou para aí remetidos, os aludidos cheques que os arguidos B..., A... e C...…”, e 17) No início do mês de Dezembro de 2001, tais cheques foram remetidos às instalações da W..., ou aí entregues por pessoa não concretamente apurada”.
Por outro lado, se dá como não provado que, entre outra, a seguinte matéria de facto:
b) “Que a entrega de cheques referida em 12) supra foi feita, em mão, pelos arguidos E...…”;
c) “Que a entrega referida em 17) supra foi feita pelos arguidos E...…”
Assim, sendo da conjugação destes pontos, prova-se que o Sr. E... não entregou os cheques na W..., conforme vinha plasmado na acusação, deste modo, outros dos pontos que eram imputados ao arguido terá que falecer”.
Que dizer?
Para além de que não se verifica sombra de “contradição” entre os aludidos pontos, acrescentar, tão só, que da simples “não prova” de um facto não decorre a “prova” do que quer que seja!

Por fim, ocorre erro notório na apreciação da prova «quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis» - [cf. Leal Henriques e Simas Santos, ob. cit., pág. 74].
A propósito, aduz o recorrente Há erro notório na apreciação da prova …, desde logo, quanto à dita questão da intenção criminosa do ora recorrente, que, aliás, constitui matéria de facto, prosseguindo Para assim concluir, pode argumentar-se, aliás, de forma bem simples e até linear, já que muitas dúvidas quanto ao modo como se iniciou a factualidade descrita nos autos [cf. pontos 58. e 59. das conclusões].
De tal fórmula, malgrado a dificuldade no alcance do seu exacto sentido, nada mais se retira senão a sua inconformidade relativamente à matéria de facto – [circunstância que encontra apoio na motivação - cf. vg. a seguinte passagem: Talvez falha nossa, mas não vislumbramos de onde, de qual meio de prova produzido, documental ou testemunhalmente, possa o Tribunal “a quo” concluir que o recorrente tenha participado activamente em tal tramóia contra o Estado] - sem que, contudo, transpareça do texto da decisão, uma apreciação manifestamente ilógica, insustentável em si mesma, evidente para o comum do homem médio, em desrespeito pelos momentos estritamente vinculados da prova, violadora das regras da experiência.
Como assim, claro está que não ocorre o sobredito vício.

3.

Aduz o recorrente ter sido desrespeitado o artigo 127º do CPP, pretendendo fazer crer haver o Colectivo extraído conclusões sem assento razoável nem lógico na prova efectivamente produzida, o que teria redundado em violação do princípio constitucional in dubio pro reo [cf. pontos 43., 45., 46., 47. das conclusões].
Sobre o princípio da livre apreciação da prova, apoiando-se em Castanheira Neves, escreve Germano Marques da Silva «o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.)» - [Curso de Processo Penal, I, pág. 85].
Tal princípio, reflectido no artigo 127º do CPP, nos próprios termos da lei, assenta nas regras da experiência e em critérios lógicos, de modo que a convicção de quem aprecia livremente a prova se apresente racional, não arbitrária nem meramente subjectiva.
De acordo com Figueiredo Dias, o princípio possui um duplo significado: um negativo, traduzido na «ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova»; outro positivo, como querendo significar «liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo …» - [cf. Direito Processual Penal, I Vol., págs. 202 e 203].
Isto dito, o que cumpre questionar é se transparece da decisão uma postura arbitrária do Colectivo, de ignorância das provas produzidas, de violação dos seus momentos estritamente vinculados, com recurso não consentido a presunções, em clara violação do que são as regras da experiência comum?
Com o devido respeito, afigura-se-nos, inequívoco, que não!
A decisão encontra-se, repete-se, devidamente fundamentada; na formação da convicção socorreu-se o Colectivo de prova documental suficientemente identificada e individualizada, em conjugação, as mais das vezes, com o depoimento das testemunhas – considerados credíveis –, tendo, ainda, relevado para a determinação dos factos relativos à participação do recorrente as declarações do arguido A...Moreira, aspecto consentido pelo artigo 345.º, nº 4 do CPP, uma vez que não resulta, designadamente das actas de julgamento, nem o recorrente o invoca, ter-se verificado a situação no mesmo descrita, circunstância que desde logo, legitima a respectiva valoração [cf. o acórdão do TC n.º 133/2010, o qual “Não julga inconstitucional a norma do artigo 345º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo.” e, bem assim, o acórdão do STJ de 12.03.2008, proc. n.º 08P694, no qual ficou consignado: “O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silencio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14.07.2007, DR, II Série, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229) … E é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art. 345.º do CPP quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forma feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso. .. Tal como quando é exercido o direito ao silêncio, as declarações incriminadoras de co-arguido continuam a valer como prova quando o incriminado está ausente …”] -, as quais ganharam consistência à luz do que resulta ter sido o depoimento da testemunha ....
É que nem a circunstância do recorrente ter à data a qualidade de vendedor da “UU…Portugal”, nem o facto da testemunha ..., que lhe sucedeu, em idênticas funções, não participar em reuniões de gerência nem ter poderes de decisão, suporta o juízo de “apreciação arbitrária”, contrária às regras da experiência ou com recurso abusivo a presunções, sobretudo, quando, como no caso e a contra-gosto do recorrente, a factualidade apurada encontra suporte noutros meios de prova.
Ou será que, como preconiza o recorrente, um “vendedor” não pode mostrar-se mandatado para “acordar” em representação da “empresa”? E, bem assim, que quem sucede a outrem no “cargo” tem, necessariamente, de assumir todas as “funções” que cabiam ao antecessor?
O que ditam, a propósito, as regras da experiência?
Nada de definitivo, apenas que depende, variando muito de caso para caso, desde logo porque nem todos são credores da mesma “confiança” e, não raras vezes, divergem ao nível de “desempenho”!
E outra sorte não tem a alegação relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência, pela simples razão de que não decorre da decisão que se tenha, ou devesse ter, instalado no espírito dos julgadores qualquer dúvida acerca dos factos referentes ao objecto do processo, que vieram a resultar provados, muito concretamente os relacionados com o envolvimento do recorrente – [cf. a propósito vg. os acórdãos do STJ de 03.03.1999, proc. 98P930, TRP de 11.01.2006, proc. n.º 0516343, TRG de 27.04.2006, proc. n.º 625/06].
Uma observação para frisar que a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados ou então quando afronte, de forma manifesta e inequívoca, as regras da experiência comum – [cf. vg. o acórdão TRC de 06.03.2002, CJ, Ano XXVII, T. II, pág. 44 “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum” e por bem elucidativo o acórdão do TRP de 05.06.2002, proc. n.º 0210320 “a actividade judiciária na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência,, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimelhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem … as coincidências, as contradições … e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade … não raras vezes o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da da conjugação lógica de outros elementos probatórios que tenham merecido a confiança do tribunal …”] -, o que, pese embora o esforço, reflectido no requerimento recursivo, em nenhuma frente – e foram muitas as por si encetadas – resulta ter ocorrido.
Também, e ao invés do que parece sugerir o recorrente, não está vedada em processo penal a prova por presunções, nem a mesma ofende o princípio in dubio pro reo [cf. vg. Acs. do STJ de 11.11.2004, de 07.01.2004 e de 15.02.2007].

Por fim, não tem pertinência a invocada violação do artigo 340º do CPP, pois que não resulta que o Colectivo haja omitido, com vista à descoberta da verdade material, qualquer diligência de prova, sendo certo que não decorre, igualmente dos autos que, o ora, recorrente, em tempo oportuno, as tivesse, como podia, requerido – [cf. n.º 1 do artigo 340.º do CPP].
Não obstante, sempre se dirá que caso ocorresse violação do citado preceito – a qual não se detecta – sempre a mesma, por não constituir nulidade insanável, se mostraria sanada – [cf. artigo 120.º, n.sº 2, al. d) e 3, al. a) do CPP].

Em suma, não ocorrendo qualquer dos invocados vícios – ao nível da lógica jurídica da confecção técnica da matéria de facto, a denunciar incoerência interna da decisão - tão pouco se detectando violação dos princípios da livre apreciação da prova e/ou do in dubio pro reo, não procedendo a preconizada impugnação da matéria de facto, tem-se esta, tal como vem assente no acórdão recorrido, por definitivamente fixada.

d.

No ponto 60. das conclusões diz o recorrente que os factos “dados como provados” não preenchem a previsão do artigo 104º do RGIT, “pelo que ao aplicá-lo o acórdão recorrido violou a lei”.
Contudo, nem das conclusões, nem da motivação resulta, pelo menos com clareza, o fundamento da asserção, o que não surpreende dada a ausência de metodologia na alegação, que surge com repetições atrás de repetições, sem arrumação dos aspectos a tratar, avançando dos factos para o direito e recuando do direito para os factos, enfim, tudo aquilo que dificulta a imediata percepção das questões a abordar.
Mas, ainda assim, vejamos o que nesta sede ficou consignado no acórdão.
Depois de transcrever, na parte relevante para o caso em apreço, os artigos 103º e 104º do RGIT, respeitantes, respectivamente à “Fraude” e à “Fraude qualificada”, prossegue “No que respeita à responsabilidade das pessoas colectivas e dos seus legais representantes neste tipo de ilícitos, o artigo , nº 1, do mesmo RGIT, que tem por epígrafe “Actuação em nome de outrem”, estabelece a responsabilidade penal de “titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva”, designadamente de “sociedade”.
E acrescenta o nº 1 do artigo do RGIT que “As pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fisicamente equiparadas, são responsáveis pelas infracções previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em nome e no interesse colectivo.”
Em todo o caso, a responsabilidade criminal destas entidades “não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes” (n.º 3 desse preceito).
Tal como resulta destas normas, trata-se de um crime doloso, podendo aparecer sob todas as formas desta categoria da culpa (dolo directo, dolo necessário ou dolo eventual), não se exigindo, contudo, qualquer dolo específico (cfr. Ac. da RC de 11-06-2008 – nº Convencional JTRC e Proc. 53/06.8IDAVR., in www.dgsi.pt).
Ademais, para que o crime se considere consumado, não se exigirá que o agente represente, com exactidão, o montante da vantagem ou do benefício patrimonial indevido, bastando a representação genérica da consequência da diminuição da receita fiscal e do benefício indevido correspectivo que se visa alcançar. Por outro lado, o crime consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando que as condutas típicas “visem” ou sejam pré-ordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais “susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias”, tratando-se, por isso, de um crime de perigo ou de aptidão. Ou seja, a eventual verificação do resultado lesivo apenas será relevante em sede de medida da pena (cfr. Tolda Pinto e Reis Bravo, Regime Geral das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais, Anotados, Coimbra Editora, 2002, págs. 310, 311 e 313).
Assim, a fraude fiscal pressupõe “apenas” as condutas ilegítimas que “visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais, susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias” (citado art. 103º nº 1 do RGIT).
E ela pode ocorrer pela utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes, ou ainda por valores diferentes dos das operações subjacentes. Ou seja, a fraude pode ocorrer por “facturas falsas”, designadamente por “simulação” quanto ao valor. Por outro lado, tendo ocorrido um negócio simulado, quanto ao valor, entre duas entidades, tendo em vista diminuir a prestação do imposto, há co-autoria na prática do crime de fraude fiscal, ainda que apenas um dos intervenientes seja o sujeito passivo da relação tributária, não sendo relevante o facto de os outros não tirarem vantagem patrimonial desse acto (neste sentido pode ver-se o Ac. da RC de 11-06-2008, Proc. 53/06.8IDAVR – nº Convencional JTRC, in www.dgsi.pt).
A jurisprudência tem vindo a reafirmar a natureza de crime de perigo por parte da fraude fiscal, na medida em que não se exige a efectiva obtenção de vantagem patrimonial, em prejuízo da administração fiscal, mas apenas a conduta que vise essa vantagem, consumando-se ainda que nehuma vantagem venha a ocorrer (cfr. os Acs. da RC de 09-05-2007, Proc. 11/04.7IDCBR – nº Convencional JTRC, e do STJ de 27-11-2007, Proc. 07P3324 – n.º Convencional JSTJ000, in www.dgsi.pt )”.

Traçado o quadro legal, debruçou-se o Colectivo sobre o caso concreto, tecendo, então, as seguintes considerações:
“… resultou provado que os arguidos …., em representação da arguida “W...”, de que eram gerentes, e os arguidos D... e E..., representado a arguida “UU... Portugal”, de que eram gerente e vendedor, respectivamente, acordaram, em inícios do ano de 1998, que esta forneceria aços àquela, sendo o mesmo facturado a preços superiores aos da tabela de preços da vendedora, sendo depois, após pagamento das facturas, devolvida a diferença, sem registo contabilístico, através de cheque emitido pela arguida “ZZ... Gmbh”, à ordem da “W...”, dos seus gerentes ou de pessoas da sua confiança, por forma a tais quantias não terem de ser declaradas, para efeitos fiscais, como proveitos da sociedade e poderem aqueles afectá-las aos fins que entendessem. Assim, na concretização desse plano, os aludidos gerentes da “W...”, durante os meses de Maio a Julho e de Agosto a Dezembro de 2000 e de Janeiro a Julho de 2001, encomendaram quantidades diversificadas de aço à “UU... Portugal”, que os aludidos D... e E... satisfizeram, mandando debitar à “W...” as respectivas facturas, acima enunciadas, tendo os aludidos representantes legais desta mandado lançar as mesmas na respectiva contabilidade e proceder ao seu pagamento pelos exactos montantes delas constantes. Seguidamente, os representantes da arguida “ZZ...”, não concretamente identificados, conscientes do fim visado, mandaram emitir e remeteram à mesma “W...” vários cheques, sobre conta bancária daquela, para reembolso do acréscimo facturado e pago, vindo tais cheques a ser depositados em conta titulada pelos três gerentes desta ou mesmo individual do arguido A...…, assim “desviando”tais montantes da contabilidade da sociedade que representavam, usando essas quantias no pagamento de despesas não documentadas da empresa. E como era propósito de todos, a arguida “W...” e o arguido A...… omitiram os valores titulados por tais cheques nas respectivas declarações fiscais de IRC e IRS, respectivamente, que apresentaram em 2002 (ou mesmo em 2001), assim pagando menos impostos, conseguindo dessa forma, todos os arguidos, uma vantagem patrimonial para a “W...” no valor de € 25.569,55 (reportada a proveitos obtidos e não declarados no montante de € 72.640,78) e para o arguido A... no valor de € 3.236,26, sendo que todos os envolvidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intenções, sabendo da ilicitude penal de tais actos …”

Depois de concluir pela verificação dos elementos objectivos e subjectivos do crime de fraude fiscal qualificada imputado na pronúncia, relativamente à responsabilidade dos arguidos, ficou a constar:
“A responsabilidades dos arguidos B..., A..., C…, D... e E... advém da sua intervenção em tais factos, em representação das aludidas sociedades, respectivamente as arguidas “W...” (os três primeiros) e “UU... Portugal” ( os dois últimos), como gerentes e vendedor respectivamente, ou seja na qualidade de representantes legais ou voluntários dessas empresas e no interesse destas, tal como resulta do artigo 6º, nº 1 do RGIT.
(…)
Por fim, ainda que alguns dos intervenientes não tivessem a qualidade de sujeitos passivos, para efeitos fiscais, naquelas transacções e, consequentemente, a obrigação de pagar os impostos em causa, a ilicitude nessa comparticipação advém-lhes por força da cláusula de extensão de punibilidade prevista no artigo 28º, nº 1, do Código Penal, aplicável por remissão do RGIT. A verdade é que todos eles, por acordo e de forma concertada, cada um com os actos concretos que praticou com vista ao resultado final, actuaram em conjunto, pelo que se mostram verificados os requisitos da co – autoria (cfr. art. 26º do C. Penal).
Efectivamente, apesar de alguns deles não terem intervenção directa em alguns casos, como seja a eleaboração e apresentação das declarações fiscais onde aqueles valores foram omitidos, o comparticipante não tem que praticar todos os factos que integram a conduta delituosa, bastando que a sua participação se ajuste à dos restantes, de forma co-decisiva, para produzir o resultado que a norma incriminadora quer evitar (cfr. Ac. do STJ de 07-05-2009, CJ STJ II, págs. 193 a 203)”.

Logo, mostrando-se reunidos os elementos tipicos – objectivo e subjectivo [bastando-se este último com o dolo em qualquer das suas modalidades: directo; necessário ou eventual] - do crime em referência, não merece censura a condenação sofrida pelo recorrente, como co-autor, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, n.º 1 e 104º, n.ºs 1 e 2 do RGIT, pois que dúvida, também, não subsiste, sobre a utilização e relevância determinante no iter criminis das facturas falsas – no que respeita, naturalmente, ao respectivo valor.

E destacamos um crime, pois que, malgrado a pretensão do recorrente – defende, por razões que à frente melhor se entenderão, que se considerem dois crimes -, em face dos factos apurados outro não poderia ter sido o entendimento do Colectivo.
Como no acórdão do STJ de 26.10.2011 “Perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções. Existe unidade de resolução criminosa, quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação. Por outro lado, desde que haja uma única resolução a presidir a toda esta actuação, não existe crime continuado, mas um só crime” – [cf. Proc. n.º 1441/07.8JDLSB.L1], o que significa que, estando em causa uma actividade que, tendo, embora, perdurado no tempo, “entroncou” numa única e inicial resolução criminosa que foi sendo concretizada em vários actos, tal como previamente gizado e acordado entre os seus agentes, nenhum reparo, também no que a tal concerne, merece a decisão.

e.

Estamos, pois, em condições de enfrentar a questão da prescrição do procedimento criminal, adiantando, desde já, não assistir razão ao recorrente.
Com efeito, considerando toda a actividade, ab início gizada, para ser desenvolvida, como o veio a ser, através de sucessivos actos criminosos e o objectivo último preconizado, entende-se que a consumação do [único] crime só cessou em 31.05.2002, data em que foi entregue na Repartição de Finanças a declaração modelo 22 IRC respeitante ao exercício do ano de 2001, não revelando o valor dos cheques, melhor identificados na matéria de facto provada, todos de 2001, destinados ao reembolso à W... da diferença entre o valor correspondente ao real custo das mercadorias adquiridas e o valor [superior] facturado [falso quanto ao respectivo montante] efectivamente contabilizado e pago pela W....
Donde, tratando-se de crime permanente, o prazo de prescrição só se ter iniciado em tal data, dia em que cessou a sua consumação – cf. artigo 119.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código Penal.
Por isso, não faz sentido chamar à colação o RJIFNA, pois que à data da consumação do crime já se encontrava em plena vigência o RGIT não havendo, assim, lugar à aplicação do artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal.
Na verdade, aqui, tal como no crime continuado, aplica-se sempre a lei nova, ainda que mais severa, desde que a execução tenha cessado ou o último acto tenha sido praticado no dominio da lei nova, não chegando a colocar-se qualquer questão de sucessão relevante de leis no tempo quando o último facto que integra a actuação criminosa do agente já se processou no dominio da lei nova - [cf. vg. os acórdãos do STJ de 18.02.2010, proc. n.º 432/09.9YFLSB, e de 31.05.2006, proc. 06P1294].
Logo, considerando a moldura penal correspondente ao crime – prisão de 1 a 5 anos - o disposto no artigo 118.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, ex vi do artigo 21.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT, o prazo normal de prescrição a atender, no caso, é de 10 anos – relevando, ainda, os efeitos das causas de suspensão e de interrupção que se foram verificando ao longo do processo, previstos, respectivamente, nos artigos 120.º e 121º do Código Penal, no acréscimo desse mesmo prazo, sendo manifesto que havendo o recorrente e demais arguidos sido constituídos nessa qualidade nos anos de 2007/2008, não se mostrava à data e não se mostra presentemente, extinto, por prescrição, o procedimento criminal.


f.

Defende o recorrente a aplicação do n.º 2, do artigo 103º do RGIT ao crime de fraude qualificada.
Tratando-se de um único crime, cujo último acto de execução ocorreu com a entrega, em 31 de Maio de 2002, na Repartição de Finanças da Declaração de Modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício do ano anterior – a qual não revelava como proveitos os montantes reembolsados em 2001 – corporizados nos cheques [todos de 2001] referidos nos pontos 11. e 16. dos factos provados – não se vê, na situação concreta, que tenha cabimento convocar as várias declarações, com referência aos exercícios correspondentes à data da respectiva facturação.
De facto, o plano gizado e posto em prática não foi linear, envolvendo, antes, num primeiro momento, a emissão de facturas falsas - na medida em que os montantes facturados, efectivamente pagos e contabilizados, eram/foram superiores ao custo dos materiais transaccionados – passando, numa segunda fase, pelo reembolso do acréscimo facturado, o qual, só viria a ter lugar, como, efectivamente, aconteceu por intermédio dos ditos cheques – todos, repete-se, do ano de 2001 - cujo montante [não contabilizado] não foi traduzido na aludida declaração.
Por isso, independentemente da posição que se perfilhe relativamente à aplicação, ou não, à fraude fiscal qualificada, prevista e punida no n.º 2 do artigo 104º do RGIT, do disposto no nº 2 do artigo 103º do mesmo diploma legal, o facto é que tendo em conta o montante da vantagem patrimonial ilegítima relativa ao exercício de 2001, constante do ponto 23. dos factos provados, se mostra destituída de interesse a questão colocada.
Mas, não desconhecendo, embora, a problemática gerada em torno da aplicação, ou não, do n.º 2, do artigo 103.º do RGIT ao crime de fraude qualificada, não queremos deixar, muito suncitamente, de dizer que perfilhamos a tese – ao que tudo indica, minoritária, mesmo à luz da doutrina conhecida - dos que defendem não ser aplicável à fraude fiscal qualificada, mormente quando a execução do crime passa pela utilização de facturas falsas – n.º 2 do artigo 104.º-, o limite de € 15.000,00 previsto no citado artigo 103º.
Os dados da questão estão lançados e tem sido objecto de decisões divergentes, designadamente por parte dos tribunais, aspecto do qual, aliás, o recorrente dá bem nota estar ciente.
Só acrescentaremos que continuamos a adoptar o entendimento vertido no acórdão do TRG de 18.05.2009 [proc. n.º 352/02.8IDBRG.G1, Rel. Fernando Monterroso], o qual pela singeleza que encerra, na parte agora pertinente, pedindo vénia, se transcreve:
A técnica legislativa é bem clara.
Os recorrentes não praticaram apenas factos previstos em “números anteriores” do art. 103 nº 2. Praticaram esses e mais outros, que qualificam o crime (utilizaram facturas falsas – art. 104 nº 2). Os factos não puníveis são apenas os previstos nos “números anteriores”, não existindo nenhuma razão, literal ou outra, para suspeitar que o legislador quis também abranger os factos previstos nos «artigos seguintes».
São realidades de gravidades distintas. Uma coisa é a fraude consistir unicamente na comunicação da existência de um negócio simulado. Outra, bem mais grave, é forjar documentos para convencer que o negócio efectivamente existiu, tornando mais dificil a descoberta do crime. Foi apenas o primeiro comportamento que o legislador pretendeu beneficiar com a norma do art. 103 nº 2 do RGIT.
Também por aqui, tendo sido este o entendimento do Colectivo, nenhuma censura merece o acórdão recorrido.

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente em 4 [quatro] Ucs de taxa de justiça

Coimbra, , de , de
[Processado informaticamente e revisto pela relatora]


(Maria José Nogueira)


(Isabel Valongo)