Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
112/16.9T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º-A A 17º-I, 195º E 215º DO CIRE.
Sumário: I – Da análise do regime legal consagrado nos artºs 17º-A a 17º-I do CIRE resulta estarmos perante um processo de negociação entre credores e devedor, mediado e participado pelo administrador judicial provisório nomeado (cf. n.º 9 do art.º 17.º-D), cabendo ao juiz, conhecido o resultado das negociações, nas quais não interfere, proferir decisão nos termos previstos no art.º 17.º-F.

II - Ocupa-se este último preceito das diligências subsequentes à aprovação de um plano de recuperação tendente à recuperação do devedor, distinguindo entre a aprovação unânime e aprovação sem unanimidade, sendo certo que em ambos os casos carece o mesmo de homologação judicial.

III - Enuncia o n.º 2 do preceito que concluídas as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, mas sem unanimidade - quando esta se verifique, rege o n.º 1 do preceito -, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal.

IV - Impõe o artº 215º do CIRE ao juiz que recuse a homologação do plano aprovado pelos credores sempre que ocorra “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza”, assim estando em causa tanto aspectos de procedimento como de substância, estes atinentes ao conteúdo do plano.

V - Claramente não negligenciável será a violação de norma imperativa que acarrete a produção de um resultado vedado por lei; inversamente, poderá ser menosprezada a infracção que atinja apenas regras de tutela particular, as quais podem ser afastadas com o consentimento do titular do interesse protegido.

VI - O que nos reconduz sempre e a final à prática de uma nulidade processual, numa orientação mais geral, devendo-se apelar ao critério geral consagrado no n.º 1 do art.º 195.º do CPC, tendo-se assim por desvio relevante aquele que afecta o exame e a boa decisão da causa.

Decisão Texto Integral:





I. Relatório

I..., Lda, com sede na Av.ª ..., instaurou o presente processo especial de revitalização, nos termos do disposto no art.º 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art.º 17.º-C, n.º 3, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

O Sr. Administrador juntou lista provisória de créditos que, não tendo sofrido qualquer impugnação, se converteu em definitiva.

Em 6.11.15 veio o Sr. Administrador Judicial Provisório dar conta de que o plano de recuperação tinha sido aprovado com 77,75% de votos favoráveis (correspondentes aos votos dos credores I..., SA; C...; Autoridade Tributária e Aduaneira; e S...) e 22,25% de votos contrários (credores Banco B..., SA; Banco C..., SA e Sociedade P...).

Não obstante a aprovação do plano, a Mm.ª juíza “a quo” veio a recusar a sua homologação, com base em dois fundamentos: considerou, por um lado, que do plano aprovado nada constava sobre a situação patrimonial, financeira e reditícia da devedora, não sendo descritas as medidas necessárias à execução do plano, o que constitui vício não negligenciável fundante da recusa de homologação; por outro lado, julgou verificada a violação do princípio da igualdade no tratamento dispensado aos credores comuns, sendo que o tratamento mais desfavorável não foi consentido pelo credor B..., SA afectado, o qual, de resto, se pronunciou expressamente contra a homologação do plano.

Inconformada, apelou a devedora requerente e, tendo desenvolvido em sede de alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:

...

Requer a final que, no provimento do recurso, seja revogada a decisão recorrida e homologado o plano apresentado pela devedora, já aprovado pela maioria dos credores.

Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, a única questão sujeita à apreciação deste Tribunal consiste em indagar se o plano apresentado e objecto de aprovação contém violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, no caso as normas dos art.ºs 194.º e 195.º, n.º 2 do CIRE.

II. Fundamentação

De facto:

Os factos a considerar, por assentes nos autos, são os seguintes:

...

De Direito

Como se vê do relato feito em I., para recusar a homologação do plano a Mm.ª juíza considerou que o mesmo não dava cumprimento às especificações impostas pelo n.º 2 do art.º 195.º do CIRE (diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção de origem) e, bem assim, continha violação do princípio da igualdade dos credores, por injustificado favorecimento do credor comum I..., SA.

É certo que o credor Banco B..., SA deduziu oposição ao plano e pugnou pela sua não homologação alegando, para além do mais, que a sua situação face ao plano era previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, fundamento previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 216.º. Todavia, conforme resulta claro da decisão apelada, tal fundamento nela não encontrou qualquer eco, tendo sido liminarmente afastado face à ausência de demonstração, pelo que aqui não cabe reapreciar tal questão.

Feita esta precisão, passemos a apreciar os fundamentos do recurso.

 Tal como sublinhou a Mm.ª juíza “a quo” e não sofre contestação, o processo especial de revitalização introduzido pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, regulado nos artigos 1.º, n.º 2, 17.º-A a 17.º-I, pretendeu “assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual” (Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII, de 30 de Dezembro de 2011).

A solução de evitamento da insolvência é assim suportada pelo acordo dos credores, impondo por isso a lei a respectiva aprovação por uma maioria qualificada dos créditos, em ordem a garantir a eficácia do plano aprovado que, deste modo, se torna vinculativo para os restantes.

Da análise do regime legal consagrado, resulta estarmos perante um processo de negociação entre credores e devedor, mediado e participado pelo administrador judicial provisório nomeado (cf. n.º 9 do art.º 17.º-D), cabendo ao juiz, conhecido o resultado das negociações, nas quais não interfere, proferir decisão nos termos previstos no art.º 17.º-F. Ocupa-se este último preceito das diligências subsequentes à aprovação de um plano de recuperação tendente à recuperação do devedor, distinguindo entre a aprovação unânime e aprovação sem unanimidade, sendo certo que em ambos os casos carece o mesmo de homologação judicial. Enuncia o n.º 2 do preceito que, concluídas as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, mas sem unanimidade -quando esta se verifique, rege o n.º 1 do preceito- o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal. E isso mesmo ocorreu no caso em apreço.

Todavia, mesmo não tendo sido objecto de rejeição nos termos do art.º 207.º e tendo sido aprovado pela maioria qualificada dos credores exigida pela lei, não está garantida a aprovação do plano, deferindo o art.º 215.º ao Tribunal “o cargo de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano”. Impõe este normativo ao juiz que recuse a homologação do plano aprovado pelos credores sempre que ocorra “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza”, assim estando em causa tanto aspectos de procedimento como de substância, estes atinentes ao conteúdo do plano. “Normas procedimentais serão assim todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, ao passo que normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as relativas à parte dispositiva do plano mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar”[1]. Mas, atente-se, não é qualquer desvio que implica a recusa de homologação, exigindo a lei que se trate de “violação não negligenciável”, deixando ao intérprete a difícil tarefa de concretização do conceito.

Pese embora a categorização dos vícios, porque submetidos ao mesmo regime, esbatido fica o relevo da distinção. Mas qual então o critério que permite a elevação de uma violação de lei à categoria de não negligenciável, permitindo a desconsideração de outra?

Primeiro aspecto a destacar face à literalidade da disposição legal, é que violações menores deverão ser desconsideradas.

Em contraponto, claramente não negligenciável será a violação de norma imperativa que acarrete a produção de um resultado vedado por lei; inversamente, poderá ser menosprezada a infracção que atinja apenas regras de tutela particular, as quais podem ser afastadas com o consentimento do titular do interesse protegido, critério avançado por Carvalho Fernandes e J. Labareda[2]. Todavia, reconhecendo os mesmos autores que a violação de lei, pressupondo a prática de acto não admitido ou omissão de formalidade imposta, se reconduz sempre e a final à prática de uma nulidade processual, numa orientação mais geral, defendem ser de apelar ao critério geral consagrado no n.º 1 do art.º 195.º do CPC, tendo-se assim por desvio relevante aquele que afecta o exame e a boa decisão da causa.

Dada a clara adequação do regime das nulidades à previsão normativa do art.º 215.º, aqui se acolhe o aludido critério, cumprindo pois indagar se se verificam no caso as apontadas violações e, na afirmativa, se assumem a relevância conducente à recusa de homologação do plano.

O plano a apresentar no âmbito do PER deverá obedecer aos requisitos prescritos no art.º 195.º, o que, ao que cremos sem dissêndio, vem sendo entendido. Decidiu o STJ que “Embora sejam realidades diversas, porque o Plano de Revitalização é uma démarche pré- insolvencial e o Plano de Insolvência insere-se já neste processo declarativo, não se anulam quer na forma, quer na substância, nem obedecem a um critério pré-definido, porque as situações variam, resultando daquele artigo 195º do CIRE a enunciação dos elementos que o «plano» deverá conter, por forma a elucidar todos os intervenientes, com vista à sua aprovação e subsequente homologação pelo juiz”[3].

Nos termos prescritos pelo art.º 195.º, e para o que aqui releva,

“O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:

a) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor;

b) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através da liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade;

c) No caso de se prever a manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respectivos rendimentos, plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, e balanço pró-forma, em que os elementos do activo e passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respectivos valores;

d) Impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência;

e) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação” (vide n.º 2 do preceito).

Em anotação a este artigo 195.º, e quanto ao alcance das diversas alíneas do transcrito n.º 2, advertem os autores que vimos citando[4], que a utilização do advérbio de modo “designadamente” no proémio do preceito mostra, em termos inequívocos, o carácter meramente enunciativo da enumeração. Por outro lado, o motivo é sempre o de facultar aos credores a exacta percepção da situação, para poderem actuar esclarecidamente, a que acresce a avaliação do tribunal acerca da verificação dos requisitos que legitimam a homologação da decisão. Por assim ser, a elaboração do plano não tem de obedecer a um modelo estereotipado, comum a todas as situações. Deve é ser preparado em termos de, conforme os casos e as circunstâncias, contemplar a análise dos diversos aspectos considerados na lei, exactamente porque se supõe que isso é necessário para permitir a cabal compreensão das respectivas propostas”.

A exacta compreensão da exigência legal adquire sem dúvida particular relevância quando, como é o caso dos autos, o colectivo de credores aprovou o plano, vindo a Mm.ª juiz a recusar a sua homologação por considerar que o mesmo não foi elaborado em conformidade com os ditames do preceito. Decerto que tal faculdade se encontra, por lei, reconhecida ao juiz, ainda nos casos em que o plano foi objecto de deliberação favorável da assembleia de credores[5], mas - e é este o ponto que cumpre destacar - apenas quando se trate, para utilizar as palavras da lei, de uma violação não negligenciável. Dito de outro modo, eventuais falhas do plano não terão todas a mesma relevância, só podendo fundamentar a recusa de homologação quando da sua existência resultarem prejudicadas a exacta percepção da situação da devedora e a análise dos requisitos necessários à homologação e isto, repete-se, ainda quando os credores assim o não tiverem considerado.

No caso dos autos, destacou a Mm.ª juíza que o plano apresentado (e aprovado) é omisso quanto à situação patrimonial, financeira e reditícia da devedora, dele não constando as medidas necessárias à execução do plano.

A este respeito observa-se que, efectivamente, tendo dado início aos presentes autos em Junho de 2015, a requerente limitou-se a juntar as declarações modelo 22 relativas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, as quais prestam escassa informação sobre a actividade desenvolvida pela requerente e a sua situação financeira. Todavia, da sua análise é possível surpreender como nota dominante a progressiva redução do total de rendimentos, reflectindo a redução do volume de negócios. E a este respeito, tal como a Mm.ª juíza destacou, o plano absolutamente nada informa.

Depois, anunciando-se no plano a futura “satisfação dos credores pela recuperação da revitalizada, permitindo que o pagamento aos credores seja efectuado à custa dos rendimentos gerados”, nada se diz quanto às medidas a implementar para a realização de tal objectivo.

Como se referiu já, dentre outras possibilidades que aqui não relevam, prevê o CIRE que a satisfação dos credores seja alcançada com a manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor, com pagamentos aos credores à custa dos respectivos rendimentos, com perdão ou redução do valor dos créditos, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, e com a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas (cf. art.ºs 195.º e 196.º). Necessário é que no plano que irá ser sujeito a aprovação e homologação se descrevam com clareza, conforme exige a lei, a situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor e as medidas necessárias à sua execução, suportadas nos elementos referidos, sem o que, nem os credores nem o Tribunal se encontrarão habilitados a emitir um juízo fundamentado sobre a viabilidade do plano. Tal é certamente o caso dos autos.

Note-se que a requerente, tendo sido constituída no ano de 2009, tinha acumulado, tendo por referência a data do início deste processo, Junho de 2015, um passivo superior a €50.000,00, encontrando-se em incumprimento generalizado, tendo acumulado dívidas provenientes de rendas, aluguer do único veículo, salários a trabalhadoras que entretanto resolveram os respectivos contratos, a fornecedores, à banca e à administração tributária, estando também em dívida quotizações à S.S.. Neste cenário, e nada se dizendo no plano quanto ao modo como, continuando a desenvolver a sua actividade aparentemente nos mesmos moldes em que a vinha desenvolvendo até aqui, conseguiria a devedora libertar meios para pagar aos credores -sendo certo que está previsto o pagamento, na maioria dos casos repartido por 24 meses, de créditos reconhecidos no valor global de €38.620,28 - e gerar rendimentos para ir igualmente fazendo face às obrigações com rendas, alugueres, fornecedores, segurança social e impostos que se fossem vencendo, não pode, em bom rigor, formular-se qualquer juízo sobre a possibilidade de revitalização da requerente e adequação das medidas previstas no plano (que medidas?) para a concretização desse fundamental objectivo. E tal era o que, salvo o devido respeito pela opinião expendida pela recorrente, era necessário que o plano apresentado evidenciasse, o que não ocorre.

Não se duvida, dada a inexistência de bens da devedora, da alta probabilidade de, uma vez decretada a insolvência, os credores não virem a satisfazer os seus créditos, quiçá nem na reduzida percentagem prevista no plano no que respeita aos créditos comuns. Tal circunstância, porém, não contende com o aspecto ora em apreciação, e a verdade é que sempre se evitará o avolumar de dívidas que o prolongamento de uma exploração deficitária necessariamente acarreta.

Em todo o caso, e para o que releva, tal como a Mm.ª juiz considerou, estamos perante violação não negligenciável de normas atinentes ao conteúdo do plano, no caso, o citado n.º 2 do art.º 195.º, a fundamentar a sua rejeição, conforme foi decidido.

Aqui chegados, tanto bastaria para que a decisão recorrida fosse confirmada.

Todavia, tendo a Mm.ª juíza invocado um outro fundamento, também aqui posto em causa, por respeito às conclusões do recurso, abordar-se-á brevemente a questão.

Considerou-se na sentença que ocorreu igualmente violação do princípio da igualdade face ao injustificado favorecimento do credor I..., SA face aos demais credores comuns.

Não se questiona que o plano de recuperação conducente à revitalização do devedor há-de observar o princípio da igualdade dos credores, por força do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 194.º do CIRE, ex vi do art.º 17-F, n.º 5. A observância de tal princípio não obsta, no entanto, ao tratamento desfavorável de um credor em relação ao outro, ainda quando titulares de créditos da mesma natureza, afora as situações de consentimento, tácito ou expresso, do(s) credor(es) afectados, quando o desigual tratamento encontre o seu fundamento em justificadas razões objectivas[6].

No caso em apreço, o credor objecto do tratamento mais favorável é a I..., SA, com quem a devedora celebrou contrato de locação tendo por objecto o único veículo ao seu serviço.

É certo que só agora, nas alegações de recurso, a autora justificou a absoluta necessidade do veículo com a intenção de promover consultas ao domicílio, facto esse que naturalmente não poderá ser relevado.

Todavia, mesmo desconsiderando tal novidade, agora introduzida, não custa aceitar o tratamento privilegiado deste credor se considerarmos que face ao incumprimento do contrato, que já se verifica, lhe assiste fundamento resolutivo do mesmo, tanto bastando para que recuperasse o veículo. E a necessidade de uma viatura, ainda que de um pequeno utilitário se trate, como é o caso, afigura-se essencial ao desenvolvimento de uma actividade que, relembre-se, contemplava também a comercialização de brinquedos, livros e instrumentos de avaliação psicológica, bem como a formação profissional, com a consequente necessidade de deslocação do psicólogo às empresas onde a mesma viesse a ser ministrada.

Deste modo, e conforme deflui do que vem de se dizer, encontrando-se a prevista manutenção da actividade da devedora também dependente da utilização do veículo, não custa entender as razões da consagração do tratamento diferenciado deste credor que, para além de objectivas, se afiguram igualmente suficientemente justificativas.

Daí que, nesta parte e quanto a este específico fundamento, se não concorde com a sentença recorrida, sem que tal discordância, todavia, prejudique a confirmação do decidido.

III. Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da 3.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.

              

Relatora:

Maria Domingas Simões

Adjuntos:

1º - Jaime Ferreira

2º - Jorge Arcanjo


***


[1] Carvalho Fernandes/João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª edição, pág. 826.
[2] Ob. e loc. citados.

[3] Acórdão do STJ de 25-11-2014, acessível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/processoinsolvenciasaccoesconexas.pdf.
[4] Ob. cit., pág. 757.
[5] Chamando a atenção para este aspecto, os autores citados, pág. 757.
[6]Neste sentido, o acórdão do TRG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 3695/12.9TBBRG.G1, acessível em www.dgsi.pt.