Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
35/07.2JACBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: ADMISSÃO DO RECURSO
RECLAMAÇÃO
PRESIDENTE
TRIBUNAL “AD QUEM”
PRONÚNCIA
Data do Acordão: 09/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE – COMARCA DO BAIXO VOUGA – AVEIRO – JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 405.º DO CPP
Sumário: I - O recorrente apenas pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, do despacho que não admitir ou do que retiver o recurso. Não o pode fazer quando é fixado efeito diferente do pretendido.

II - Tendo sido admitido o recurso e fixada subida imediata, não se verifica nenhuma das circunstâncias que podiam servir de base à reclamação. O recurso foi admitido e não ficou retido.

III - Em processo penal, o efeito fixado no despacho que admite o recurso não vincula o tribunal superior, como preceitua o art. 414, n.º 3, do CPP.

IV - A reclamação, sendo apresentada perante o tribunal recorrido, é dirigida ao presidente do tribunal para onde se recorre, competindo a este qualquer decisão a incidir sobre a mesma, desde a inadmissibilidade até à procedência ou improcedência.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido despacho que indeferiu a reclamação (art. 405 do CPP) apresentada pela arguida A..., com o seguinte teor:

“Dispõe o artigo 405, n.º 1 do Código de Processo Penal que é admissível reclamação do despacho que não admitir ou que retiver o recurso. Como se pode constatar da análise do despacho supra proferido, o mesmo foi no sentido de admitir o recurso interposto, fixando o regime de subida imediata.

Assim, o mesmo despacho, tendo admitido e ordenado a subida imediata; não se enquadra no disposto no artigo 405 do Código de Processo Penal supra citado. Na verdade, como se pode aquilatar da leitura do n.º 3 do mesmo artigo 405, o mesmo faz referência a que no requerimento o reclamante tenha que expor as razões que justifiquem a admissão ou a subida imediata do recurso, sendo que disso não se trata na presente situação, uma vez que, por um lado o despacho admitiu o recurso interposto pela arguida e por outro lado ordenou que o mesmo tivesse subida imediata.

Face ao exposto, pelos fundamentos invocados, por inadmissibilidade legal nos termos do disposto no artigo 405 a contrario sensu do Código de Processo Penal se indefere a reclamação apresentada pela arguida.

***

Deste despacho interpôs recurso a arguida formulando as seguintes conclusões (olvidando que, nos termos do art. 412 do CPP, as conclusões servem para o recorrente resumir as razões do pedido), que delimitam o objeto:

1- Em 15.11.2013, foi a ora arguida notificada dos pedidos de indemnização civil formulados nos presentes autos e para quanto aos mesmos querendo deduzir a respetiva contestação, que foi apresentada e junta aos presentes autos pela arguida em 05.12.2013, nos termos da qual a ora arguida requereu ao Tribunal a Intervenção Provocada nos autos quer do Hospital B..., quer do Estado Português;

2- Em 10.12.2013, o tribunal a quo, proferiu o seguinte despacho "... Considerando o pedido de intervenção provocada formulado pela arguida, notifique o Ministério Público, bem como os demandantes civis para em dez dias, se pronunciarem";

3- Por despacho proferido em 19.02.2014, consta designadamente o seguinte: "Veio a arguida A ... requerer a intervenção provocada do Estado Português e, bem assim do Hospital B ..., alegando que, caso venha a ser condenada no pagamento de qualquer quantia, tem sempre o direito de regresso por esse pagamento, contra o Estado e contra o Hospital, entidades que beneficiaram desse alegado enriquecimento ilícito, injustificado e sem justa causa.

Notificados para se pronunciar o Ministério Público e os demandantes civis, apenas o Ministério Público se pronunciou no sentido de nada ter a opor quanto à intervenção provocada requerida e, por via dessa admissibilidade, entende ser de remeter as partes para os meios comuns para resolução da questão cível.

… A este propósito, verificando-se que, a questão suscitada de intervenção provocada, inerente aos pedidos de indemnização civil formulados, poderia fazer atrasar, desde logo, o inicio do julgamento (agendado para o próximo dia 7 de Março de 2014), sendo que estamos perante factos que remontam já ao ano de 2007 conclui-se que tais situações, na fase processual em que a questão se colocou ao tribunal, provocam um retardamento intolerável do processo penal motivado pelas questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil - sendo hipoteticamente configuráveis situações de demora excessiva provocadas por estes incidentes, quer pela impossibilidade de citação antes da data designada para a realização do julgamento, quer pela possibilidade de oposição à intervenção provocada - pelo que se entende, nesta fase, que essa intervenção afetaria o direito da própria arguida a um julgamento célere e com garantias de defesa, nos termos constitucionalmente consagrados, pelo que se decide remeter as partes para os tribunais civis no que aos pedidos de indemnização civil diz respeito, nos termos do art. 82 nº 3 do Código de Processo Penal";

4- Na sequência de tal despacho, veio a ora arguida em 05.03.2014, interpor recurso do mesmo, tendo o Tribunal "a quo" apenas se pronunciado quanto à admissibilidade do mesmo na Audiência de Discussão e Julgamento agendada para dia 07.03.2014, cujos fundamentos constam da respetiva Ata, "... à cautela, por ter legitimidade e ser tempestivo admite-se o recurso de fls. 2692 a 2699, o qual sobe imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 399, 400 a contrario sensu, 401 nº 1 al. b), 406 nº 2, 407 nº 1, 408 a contrario sensu, 411 nº 1 e 3, 412, 414, 427, todos do Código de Processo Penal:

5- Na sequência de tal despacho, veio a ora arguida reclamar nos termos e ao abrigo do consignado no artigo 405 do Código de Processo Penal, quanto ao efeito meramente devolutivo atribuído pelo Tribunal a quo a tal recurso e não o efeito suspensivo do mesmo, como havia sido requerido pela arguida, cujos termos, fundamentos e razões aduzidas pela arguida, melhor constam do teor de tal Ata;

6- Em face da reclamação apresentada pela arguida, veio o Tribunal a quo pronunciar-se nos seguintes termos: "Face ao exposto, pelos fundamentos invocados, por inadmissibilidade legal nos termos do disposto no artigo 405 a contrario sensu do Código de Processo Penal se indefere a reclamação apresentada pela arguida.";

De facto,

7- O Tribunal a quo ao indeferir a reclamação apresentada pela arguida, proferiu um despacho, clara e manifestamente ilegal, e violador dos mais elementares Princípios de Direito Processual Penal constitucionalmente consagrados, o Tribunal a quo ao indeferir desde logo a reclamação apresentada pela arguida, nos termos e ao abrigo do consignado no artigo 405 do CPP, violou desde logo, o preceituado em tal dispositivo legal, na medida em que, o Tribunal a quo ao tomar tal decisão, sobrepôs-se ao Presidente do Tribunal superior, que era a quem competia aferir acerca da admissão ou retenção do recurso;

- DA RETENÇÃO DO RECURSO

8- Um juiz sabe que ao atribuir efeito devolutivo a um recurso e não efeito suspensivo, como havia sido requerido, está a dificultar/impedir a defesa do arguido, o que no caso concreto, representa uma diminuição das garantias de defesa da arguida, no presente caso concreto, a Senhora Juiz que é um ilustre e competente magistrado que leu e estudou o processo antes do início da audiência de julgamento, sabe e tem pleno conhecimento dos seguintes factos:

9- Porque consta clara e inequivocamente da acusação: "A arguida atuou com o propósito conseguido de levar o SNS e os subsistemas ADSE e ADMG, iludidos pela encenação realizada e convictos da autenticidade dos dados constantes do sistema informático, a pagar aqueles episódios como cirurgias com internamento, a fim de obter para o Hospital B ..., S.A. um enriquecimento ilegítimo, correspondente ao diferencial de valor existente entre os dois tipos de cirurgia, à custa do correspondente prejuízo patrimonial daquelas entidades";

10- Porque houve, e porque é admitido, na própria acusação, que houve um enriquecimento ilegítimo do Hospital B ..., a Senhora Juiz tem o dever, e tem pleno conhecimento, que é dever do Hospital B ... intervir nos presentes autos;

11- A Senhora Juiz, como conhecedora de direito, tem o pleno conhecimento que um responsável civil a quem seja exigido o pagamento de uma indemnização, se não provocar a intervenção nos autos da pessoa contra quem tem direito de regresso, terá em processo autónoma que venha a instaurar, para exercer esse direito de regresso, terá que provar que empregou todos os meios de defesa ao seu alcance, inclusivamente aqueles que seriam empregues, por quem agora é exigido o direito de regresso, se tivesse intervindo na ação, facto que por si só, poderá levar, como a Senhora Juiz tem perfeito conhecimento, a arguida ser condenada neste processo crime, e no processo cível que posteriormente venha a interpor, para exercício do direito de regresso, o Hospital B ... vir a ser absolvido, com o fundamento de não ter existido nenhum enriquecimento ilícito para o Hospital;

12- Perante estes dados, e porque nos termos do artigo 217 do Código Penal, o enriquecimento ilegítimo e o prejuízo patrimonial correspondente são requisitos essenciais e substanciais para a existência do crime de burla, poderemos estar perante uma situação em que no tribunal criminal a arguida seja condenada pelo crime de burla, porque causou um prejuízo e um enriquecimento a terceiras pessoas, e no tribunal cível vir a concluir-se que nunca houve nenhum enriquecimento ilegítimo, nem nenhum empobrecimento patrimonial;

Ou seja,

13- A Senhora Juiz ao atribuir o efeito devolutivo ao recurso interposto pela arguida A ..., e ao saber que a acusação diz expressamente que a existir enriquecimento ilegítimo, tal enriquecimento foi do Hospital B ..., e ao saber que nos termos do artigo 217 do Código Penal, (descartada que está pela acusação qualquer intenção de obtenção de beneficio para si próprio por parte da arguida) e, sendo o Estado o único acionista do Hospital B ..., conforme se alcança pela Ata n.º 3, junta a folhas 2301 dos autos, bem como pelo consignado na alínea c) do n.º 1 do artigo 2, e artigo 19 da Lei 27/2002 de 8 de Novembro;

14- A Senhora Juiz sabe e tem pleno conhecimento e consciência, que mesmo que se prove qualquer prejuízo do Estado, a existir tal prejuízo, existiu igual enriquecimento por parte do Estado, estando-se nos presentes autos perante a figura jurídica da "Confusão", prevista nos artigos 868 do Código Civil, ora, conforme resulta dos presentes autos, se na mesma pessoa - Estado, se reúne a qualidade de credor e devedor da mesma obrigação, extinguindo-se a divida, tal facto, implica necessária e forçosamente a inexistência do respetivo crime de burla nos presentes autos, e o Tribunal a quo ao atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso interposto, sabe perfeitamente que o está a reter o recurso e sabe que vai julgar e pode condenar a arguida por um crime que não existe, em clara, frontal e ostensiva violação dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, que não pode ser tolerado por qualquer cidadão comum, como é o caso da arguida nos presentes autos;

15- O tribunal a quo, ao não permitir a intervenção provocada nos presentes autos quer do Hospital B ..., quer do Estado Português, está clara e manifestamente a praticar um ato de denegação da justiça.

16- O crime de burla e o crime de falsidade informática de que a ora reclamante recorrente está a ser acusada nos presentes autos, recai sobre factos ocorridos num hospital distrital com centenas de funcionários, com estruturas hierárquicas perfeitamente definidas, respetivos departamentos - administrativo, contabilístico, financeiro, informático, e demais valências, não se trata por isso, de um crime cometido "no café da aldeia", ora na normalidade da vivência social, não faz o menor sentido, que aparece uma simples médica de um hospital desta envergadura, a ser acusada de ter removido ou alterado dados do sistema informático deste hospital, sistema este, que é objeto de constantes fiscalizações e auditorias por parte do IGIF, dos respetivos técnicos de informática, sendo que a arguida nada percebe, nem é sua obrigação, acerca do funcionamento do sistema informático daquele hospital, enquanto diretora clínica do serviço de gestão de doentes, as suas funções esgotam-se numa espécie de "relações públicas, ou moderadora", entre as várias valências daquele hospital.

Acresce que,

17- a ora reclamante/recorrente, a ter cometido os crimes pelos quais vem acusada nos presentes autos, fê-lo apenas e tão somente como autora moral, e nessa medida teria para que os crimes objeto dos presentes autos se consumassem, de existir o(s) respetivo(s) autor(es) materiais, o que não se vislumbra minimamente na acusação, sendo que, perante tal cenário, outra coisa não nos resta concluir, senão que estamos perante uma ficção de crime - alguém é acusado de ter ordenado a prática de atos que conduzem a um crime, mas não se sabe a quem, e esse alguém, que não figura sequer na acusação, nunca denunciou ou reclamou tal situação aos respetivos superiores hierárquicos.

Sem prescindir,

18- Consagra o n.º 1 do artigo 407 do Código Penal. "Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis", por sua vez, o n.º 3 do artigo 408 consagra o seguinte: "Os recursos previstos no n.º 1 do artigo anterior têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos atos subsequentes, suspendendo a decisão recorrida nos restantes casos", ora, aquando da apresentação do recurso a Senhora Juiz admitiu o mesmo com subida imediata e em separado, tendo no entanto lhe atribuído efeito meramente devolutivo, em clara e manifesta violação ao consignado no n.º 3 do artigo 408 do C.P., pois, resulta clara e inequivocamente de tal preceito legal que os recursos previstos no n.º l do artigo anterior - 407°/1, têm efeito suspensivo do processo quando deles depender a validade ou a eficácia dos atos subsequentes, facto que se verifica nos presentes autos, na medida em que o prosseguimento dos autos, sem a prévia apreciação do recurso interposto, com vista a aferir da intervenção provocada nos presentes autos do Estado Português e do Hospital B ..., poderá implicar, em função da decisão a proferir em tal recurso, a nulidade e ineficácia de todas as diligências processuais realizadas em momento posterior ao mesmo nos presentes autos, designadamente a audiência de discussão e julgamento, com todos os constrangimentos que lhe são inerentes;

Acresce que,

19- Salvo o devido respeito, o despacho de 19.02.2014 revela-se num flagrante e inadmissível atentado contra os mais elementares direitos de defesa da arguida constitucionalmente consagrados;

Senão veja-se:

20- A ora recorrente, à data dos factos objeto dos presentes autos, para além do cargo de Diretora clínica do Serviço de Gestão de Doentes no Hospital B ..., sito em Aveiro, era médica no serviço de Ortopedia, a função de diretora clínica do serviço de gestão de doentes, é uma função gratuita de nomeação do Conselho de Administração, feita para efeitos de coordenação dos serviços, e para essa função, o Conselho de Administração escolhe o médico competente e respeitado pelos demais colegas e pelos funcionários por forma a esbater o mais possível quaisquer atritos que surjam na interligação entre as várias áreas clínicas e o funcionamento normal do hospital, a recorrente, nenhuma interferência, nem interesse tinha, teve ou tem nos resultados económicos, financeiros ou administrativos do Hospital B ..., facto a que foi totalmente alheia, e o único objetivo que tinha e tem num hospital é os doentes serem o mais bem tratados possível, e obter bons resultados clínicos, mais nada;

21- De facto, é totalmente falso que a recorrente tenha alguma vez dado ordens a quem quer que fosse para converter episódios de doentes operados em regime ambulatório, para episódios de internamento;

Na verdade,

22- Não existe nos presentes autos, nenhum elemento que diga que, a Drª A ... tinha acesso aos computadores ou conhecimentos informáticos para fazer a alteração/remoção de dados, não existe nos autos nenhum elemento que diga que a reclamante/recorrente tenha pessoalmente feito qualquer alteração, não existe nos autos, qualquer informação donde resulte que haja ou tenha havido uma pessoa concreta que tenha feito alterações por ordem ou instruções da Dra A ..., nada consta nos autos que diga clara e inequivocamente que a Dra. A ... era superiora hierárquica de quaisquer trabalhadores daquele hospital, não consta dos autos nenhum documento que diga que tenha havido alguma ordem verbal sobre qualquer trabalhador, nem nenhuma informação que diga que um trabalhador alterou os dados informáticos por ordem ou a pedido da Dra. A ..., não existe nos autos, nenhum documento donde qualquer trabalhador, tenha ao respetivo superior hierárquico solicitado informação ou explicação dos procedimentos a ter decorrentes de qualquer ordem da Dra. A ..., não existe nos autos qualquer informação, que os órgãos ou entidades fiscalizadoras tenham feito das entidades que supervisionam e fiscalizam o sistema informático da existência de qualquer intervenção abusiva desse sistema com vista à alteração de dados ou elementos processuais, clínicos ou financeiros;

De facto,

23 - A reclamante/recorrente é acusada de ter ordenado a remoção e consequente conversão em internamento, dos episódios cirúrgicos constantes do documento de fls. 7 dos autos, tendo sido acusada da autoria dos dizeres manuscritos em tal documento, no entanto, e desde logo requerida uma perícia à letra constantes de tal documento com exceção da data e assinatura nele aposta, pois esses a arguida nunca questionou serem da sua autoria, quanto aos demais, o resultado do exame pericial, constante de fls. 2097 dos autos, é inequívoco: "... que é provável que não sejam da autoria da autografada".

24 - Consta ainda, da perícia realizada ao sistema informático daquele hospital, documentos juntos a fls. 2433 e seguintes e 2464 e seguintes dos autos, que os dados uma vez inseridos na aplicação GDH daquele hospital, já não poderão ser removidos, ora como poderia então, ao contrário daquilo que quer fazer crer a testemunha C... ouvida em sede de inquérito, ter a arguida dado ordens para remover os episódios constantes de fls.7 dos autos do sistema informático do hospital - GDH e posteriormente reintroduzir tais dados/intervenções como tendo sido realizadas em regime de internamento cirúrgico, se o próprio programa informático do hospital não permite efetuar tal operação;

25 - Resulta ainda do n.º 2 da cláusula 22ª do Contrato Programa celebrado em 2004 entre o Ministério da Saúde e o Hospital B ..., junto a fls.956 dos autos o seguinte: "O Hospital deverá apresentar ao IGIF, até dia 21 de cada mês, uma fatura com a descrição e valorização das prestações de saúde realizadas no mês anterior", ora, da análise do documento constante de fls. 7 dos autos, o mesmo tem nele aposto a data de 26.10.2004, sendo as intervenções cirúrgicas constantes em tal documento datadas entre 01.09.2004 e 13.10.2004, como poderiam os dados referentes a tais intervenções cirúrgicas serem removidos, alterados ou reintroduzidos no sistema informático daquele hospital, se ao abrigo da referida cláusula 22ª, tais intervenções, pelo menos as referentes ao mês de Setembro 2004, em 26.10.2004, já teriam sido comunicadas ao IGIF;

Acresce que,

26 - Na data de 31 de Dezembro de 2005, o Hospital B ..., transformou-se em Entidade Pública Empresarial, antes dessa data o Hospital B ... era uma sociedade anónima com um único acionista que era o Estado, conforme se alcança pela Lei 27/2002 de 8 de Novembro - alínea c) do n. o 1 do artigo 20 e artigo 190;

24 (repetida e sem ordenação)- Por sua vez, o artigo 10 sob a epigrafe "Natureza", do Decreto Lei n.º 11/93 de 15 de Janeiro, que aprova o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, consagra o seguinte: "O Serviço Nacional de Saúde, adiante designados por SNS, é um conjunto ordenado e hierarquizado de instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, funcionando sob a superintendência ou a tutela do Ministro da Saúde ":

27 - Nos termos do Código das Sociedades Comerciais, uma sociedade anónima, cujas ações tenham um único titular é uma sociedade de domínio total titulado pelo seu acionista no caso concreto o Estado, estabelecendo-se entre eles uma relação de grupo, assim, nos termos do artigo 501 de CSC o Estado é responsável por todas as obrigações do Hospital B ... nos anos de 2004/2005 por força do domínio total que vigorava, assim como, nos termos do artigo 502 do CSC o Hospital B ... nos anos de 2004/2005, tinha o direito de exigir que o Estado o compensasse de quaisquer perdas que por qualquer razão se verificassem na sua administração;

28 - Igualmente qualquer credor do Hospital B ... tinha o direito nos anos de 2004/2005 de exigir do Estado o pagamento integral dos seus créditos;

29 - O Serviço Nacional de Saúde é uma entidade diretamente dependente do Estado, sendo o Estado igualmente responsável integralmente por todos os créditos e débitos do SNS, bem como dos seus subsistemas ADSE e ADMG, significa isto que, quer os doentes estivessem em regime ambulatório ou em regime de internamento o custo de tais doentes e as receitas decorrentes desses custos, tanto para o Hospital B ..., como para qualquer entidade decorrente do Ministério da Saúde, sempre eram neutros, pois sempre o Estado era simultaneamente credor e devedor de toda e qualquer quantia, significa também isto que, nunca a recorrente tinha a possibilidade legal de beneficiar o Hospital B ..., mesmo que o quisesse (e nunca o quis, nem nunca teve consciência de praticar qualquer ato que beneficiasse ou prejudicasse alguém, quer o Estado ou qualquer subsistema de saúde, quer o Hospital B ...), pois em qualquer uma das entidades referidas era sempre o Estado que era simultaneamente o beneficiário e pagador;

30 - Na situação concreta, sendo o Hospital B ... à data dos factos uma sociedade anónima detida na sua totalidade por capitais públicos, os créditos e débitos dessa Unidade Hospitalar consolidam-se na mesma entidade - Estado, ou seja, o Estado é simultaneamente o pagador desses débitos, através do Ministério da Saúde - Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, e credor na medida em que é o único acionista do Hospital B ...;

31 - Bastariam os factos atrás descritos para por si só tomarem impossível a prática do crime de burla, pois pelos motivos expostos, há desde logo e liminarmente a falta de um requisito essencial, para que se verifique a prática de tal crime, a saber "Quem com intenção de obter ... para terceiro um enriquecimento ilegítimo", ou seja, na situação concreta, objeto dos presentes autos, inexiste o "beneficio desse terceiro", e consequentemente, não se encontram preenchidos os elementos típicos para que possamos estar perante o preenchimento do tipo legal do crime de burla, de facto, não se percebe a que titulo é que a arguida ia querer beneficiar o Hospital B ... em que quer que seja, nem se percebe, em que é que o Estado seria beneficiado ou prejudicado, pois qualquer divergência de valores que existissem sempre teriam que ser pagos pelo próprio Estado ou através de pagamentos feitos ao hospital, ou através de pagamentos feitos ao Serviço Nacional de Saúde ou aos subsistemas de saúde, nomeadamente ADSE e ADMG, ou seja, estaríamos perante uma situação em que o Estado era simultaneamente credor e devedor, não existindo autonomia jurídica e autonomia judiciária, do Hospital B ..., relativamente ao Estado;

De facto,

32 - Os demandantes dos Pedidos de Indemnização Civil, são órgãos que fazem parte do Estado no seu todo, pelo que a situação ora em apreço nunca poderá ser tratada numa relação de beneficio/prejuízo, porque no caso em concreto, (a terem ocorrido os factos, que não ocorreram), existe a confusão na mesma entidade que é o Estado, da sua qualidade de beneficiário e prejudicado, e nessa medida, não ocorre a situação de enriquecimento injustificado, pois a mesma entidade, que é o Estado, a terem ocorrido os factos, é simultaneamente o beneficiário e o prejudicado em iguais montantes ou valores, pois pela acusação é confessado (o que se aceita porque é verdade), que a arguida não obteve nenhum beneficio de nenhuma das situações;

Mais,

33 - Conforme se alcança do preceituado na Cláusula Décima Oitava do Contrato Programa celebrado no ano de 2005 entre o Hospital B ... e o Ministério da Saúde - Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, LP.: "3. O IGIF tem o direito de auditar todos e quaisquer aspetos relacionados com os sistemas de informação, nomeadamente os procedimentos envolvidos na recolha, registo, tratamento e transmissão de informação, tendo em vista verificar a veracidade, consistência e fiabilidade da informação registada e transmitida'', ora, perante tal dispositivo, a serem verdade os factos pelos quais a ora recorrente está a ser acusada, o que só por mera hipótese se admite, tais factos sempre seriam e deveriam ter sido "detetados" pelo Estado - Ministério da Saúde (IGIF), e a haver irregularidades, deveriam apurados os seus responsáveis ter sido punidos disciplinarmente, o que nunca sucedeu na presente situação;

Acresce que,

34 - O Decreto-Lei 558/99 de 17 de Dezembro, tem por objeto estabelecer o regime do sector empresarial do Estado, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas do Estado, da análise dos artigos 10 e 12 de tal dispositivo legal, somos necessária e forçosamente levados uma vez mais a concluir que, os demandantes do Pedido de Indemnização Civil, ao serem órgãos que fazem parte do Estado no seu todo, a situação ora em apreço nunca poderá ser tratada numa relação de beneficio/prejuízo, porque no caso em concreto, (a terem ocorrido os factos, que não ocorreram), existe a confusão na mesma entidade que é o Estado, da sua qualidade de beneficiário e prejudicado, e nessa medida, não ocorre a situação de enriquecimento injustificado, pois a mesma entidade, que é o Estado, a terem ocorrido os factos, é simultaneamente o beneficiário e o prejudicado em iguais montantes ou valores;

35- É totalmente falso, que a Dra. A ..., constatando que as cirurgias com internamento eram pagas a um preço substancialmente mais elevado do que as cirurgias em ambulatório, tenha formulado o propósito de converter para efeitos administrativos as intervenções realizadas em ambulatório em intervenções com internamento e de assim as faturar ao SNS e aos subsistemas de saúde ADSE e ADMG, com o intuito de obter maiores proveitos para o Hospital;

DA INTERVENÇÃO PROVOCADA - cfr. Artigo 317 CPC

36 - Na própria acusação, diz-se que existe um enriquecimento ilegítimo por parte do Hospital B ... no montante de 145.837,93 € (cento e quarenta e cinco mil, oitocentos e trinta e sete euros e noventa e três cêntimos);

37 - No caso da arguida ser condenada no pagamento de qualquer quantia, tem sempre o direito de regresso por esse pagamento, contra o Estado e contra o Hospital B ..., entidades que beneficiaram desse acusatório enriquecimento ilícito, injustificado e sem justa causa, na verdade, a existir algum beneficio, que não existiu, quem beneficiou das alegadas quantias monetárias indevidas objeto dos pedidos de indemnização civil formulados nos presentes autos, foi única e exclusivamente o Estado e aquele hospital, não tendo a ora arguida retirado qualquer contrapartida financeira em termos pessoais resultante da divergência nos montantes pagos;

38 - Nessa medida, sempre deverá ser requerida a intervenção provocada nos presentes autos do Estado Português e do Hospital B ..., nos termos consignados na lei processual civil, tendo cm conta que se algum benefício indevido houve, sempre foi o Estado e o Hospital B ... quem logrou do mesmo, e consequentemente a haver direito de regresso, sempre deverão ser estas entidades a prestá-lo;

Acresce que,

39 - Os pedidos de indemnização civil foram formulados nos presentes autos, foram liminarmente aceites, nunca tendo antes o Tribunal a quo, remetido os demandantes civis para os meios processuais comuns, para eventualmente serem ressarcidos, das quantias por estes indevidamente pagas, sendo que, a ora recorrente apenas tomou conhecimento da existência de tais pedidos de indemnização civil nos presentes autos, conjuntamente com a notificação de 14.11.2013, constante a fls... dos autos, da marcação da audiência de julgamento, e para querendo apresentar contestação à acusação formulada nos autos, e aos respetivos pedidos de indemnização civil formulados;

40 - Pelo que, a este respeito o despacho recorrido quando refere: “conclui-se que tais situações, na fase processual em que a questão se colocou ao tribunal, provocam um retardamento intolerável do processo penal motivado pelas questões suscitadas pelo pedido indemnização civil", não assenta em pressupostos válidos, na medida em que, ao contrário daquilo que se quer fazer crer em tal despacho, a ora recorrente quando tomou conhecimento de tais Pedidos de Indemnização Civil, desde logo e na contestação que quanto aos mesmos deduziu, requereu a intervenção dos únicos a reais beneficiários do eventual enriquecimento ilícito, pelo que e no que a este argumento se refere, não poderá, salvo melhor opinião, o despacho recorrido proceder;

Mais,

41- Os Pedidos de Indemnização Civil formulados nos presentes autos, e a eventual prática dos ilícitos criminais, constantes dos autos, encontram-se intrinsecamente ligados, não se podendo falar, nem fazendo sentido falar autonomamente de ambos, pois um é decorrência direta do outro, sendo que, e por tudo quanto já se expôs, a discussão apenas da parte criminal dos autos, desprovida da parte cível e dos seus intervenientes - demandantes, e demandados cuja intervenção se requereu, viola os mais elementares princípios de direito constitucionalmente consagrados, como poderemos querer analisar/julgar um processo à luz dos mais elementares princípios de um Estado de Direito Democrático, quando impedimos que no mesmo intervenham, os verdadeiros e reais beneficiários da prática dos alegados crimes? Onde estão as garantias de defesa da arguida no presente processo, se o tribunal a quo lhe impede sem mais argumentos, que os beneficiários do crime que lhe acusam ter cometido, "são convidados a sair de cena" sem qualquer razão ou fundamento;

42- Os presentes autos quando devidamente analisados, resulta clara e inequivocamente, que julgar a parte criminal desprovida da parte cível, estaremos antes a pôr em perigo nas palavras de Maia Gonçalves "uma decisão rigorosa" do pleito a que qualquer arguido tem direito;

43 - É certo que o artigo 32, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, consagra: "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa", consagrando ainda o n.º l de tal dispositivo o seguinte: "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” ora da análise de ambos os preceitos constitucionais, resulta claramente que se é certo que todo o arguido tem direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, não é menos certo que, em nome da celeridade processual, se possa pôr em causa tais garantias de defesa do arguido;

44 - Não poderemos querer sobrepor uma atempada realização e conclusão da audiência de julgamento e consequente decisão final, aos direitos de defesa que assistem ao arguido na realização da tal audiência, sob pena de estarmos então a violar o Principio do Contraditório, constitucionalmente consagrado, principio ao qual emerge enquanto corolário das garantias de defesa do arguido, o Principio da Adesão, segundo o qual existindo uma dependência funcional e intrínseca entre ambos, tal questão só faz sentido quando apreciada no seu todo;

Acresce que,

45 - O tribunal a quo, ao impedir os autores dos pedidos de indemnização civil, de intervirem nos presentes autos, viola uma vez mais um dispositivo constitucionalmente consagrado, na medida em que os impede enquanto eventuais prejudicados pela conduta da arguida, de participarem na audiência de julgamento na qual será determinada ou não a autoria da arguida pela prática de tais factos e nessa medida a procedência ou não dos pedidos de indemnização que os ofendidos querem ver assegurados;

Sem prescindir,

46 - Como consta da própria acusação, da alegada conduta ilícita da arguida, resultou um enriquecimento ilegítimo para o Hospital B ..., e consequentemente para o Estado Português, pelas razões já supra explanadas, ora perante tais factos era dever do Ministério Público formular também a acusação e respetivo pedido de indemnização civil, contra o Hospital B ..., e consequentemente contra o Estado Português, na medida em que e como aliás é pelo mesmo expressamente reconhecido, foram estes os únicos beneficiários da alegada prática do crime;

47 - Estando-se aqui claramente perante o instituto do "Enriquecimento sem Causa", consagrado nos artigos 473 e seguintes do Código Civil, ou seja, o Ministério Publico deveria ter em nome e em representação dos interesses do Estado Português, também formulado a acusação contra aqueles que sem causa justificativa enriqueceram à custa de outrem, que como o reconhece expressamente não foi a arguida nos presentes autos, pois a existir um alegado enriquecimento ilícito e sem justa causa, e um consequente direito de regresso, tais factos estão necessária e objetivamente ligados com a alegada prática dos crimes, pelos quais a recorrente vem acusada;

48 - De facto, da leitura atenta dos artigos 524 e 525 do C.C., resulta clara e inequivocamente que ao relegar-se as partes para os meios comuns para a discussão dos eventuais pedidos de indemnização civil e consequentemente do direito de regresso que quanto aos mesmos a arguida terá direito, poderá por si só, implicar uma diminuição das garantias de defesa da ora recorrente, na medida em que os demais responsáveis solidários, poderão opor à ora recorrente/credora "... qualquer outro meio de defesa, quer este seja comum, quer respeite pessoalmente ao demandado ", ou seja, a não intervenção no presente processo crime quer do Hospital B ..., quer do Estado Português, poderá legitimá-los a invocar contra a ora recorrente que a não intervenção no processo crime os isenta de qualquer responsabilidade e consequentemente não aceitam pagar qualquer indemnização, implicando a inversão do ónus da prova, na medida em que, caberá à ora arguida, na ação a intentar contra o Hospital B ... e o Estado Português, fundada num eventual direito de regresso, por enriquecimento sem causa, a prova dos factos constitutivos do direito em que se arroga;

Mais,

49 - O indeferimento pelo Tribunal a quo da requerida intervenção nos presentes autos, quer do Hospital B ..., quer do Estado Português, na qualidade de beneficiários das quantias que foram indevidamente pagas pelo Estado Português - Ministério da Saúde, através do IGIF (Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde), é por si só violadora de forma clara e irresponsável dos mais elementares direitos de defesa da arguida, subjacentes a um Estado de direito democrático, direitos estes consignados desde logo no artigo 2 da CRP, segundo o qual: "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado ... no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais ...":

50 - Conforme preceitua o n.º 1 do artigo 487 do Código Civil "É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, …", ou seja na situação em concreto dos autos, cabia ao Ministério Público na qualidade de legitimo representante do Estado Português provar a culpa dos autores da lesão, in casu a arguida e os beneficiários da mesma, o Hospital B ... e o Estado Português, ao relegar-se a discussão dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos e eventual direito de regresso, para os meios comuns, está-se claramente a querer inverter o ónus da prova que neste caso caberá à arguida na medida em que caberá a esta a prova dos factos constitutivos do alegado direito de regresso que invoca quer contra o Hospital B ... quer contra o Estado Português;

51 - O caso concreto, é decorrente de uma negligência grave do Ministério Público, pois este sabia claramente e admite-o na própria acusação que o único beneficiário da alegada prática dos factos constantes da acusação foi o Hospital B ..., ora assim sendo, outra coisa não restava senão deduzir a acusação não apenas contra a ora recorrente como indevidamente o fez, mas também contra o Hospital B ...., existindo o direito/obrigação de fazer intervir nos presentes autos e na consequente discussão do processo crime quer o Hospital B ..., quer o Estado Português, estando-se claramente perante uma situação de litisconsórcio necessário, pois também eles são partes interessadas nos presentes autos;

52 - Da leitura atenta dos artigos 483, 490 e 497 todos do C.C, a questão que desde logo ressalta prende-se com o facto de a própria acusação referir-se a vários intervenientes e consequentes beneficiários da alegada prática dos factos constantes da acusação, no entanto apenas e unicamente a arguida está a ser acusada pela prática de tais factos, "simplesmente retirando de cena" todos os demais atores que a própria acusação faz menção, e que também eles senão enquanto autores, instigadores ou auxiliares, participaram da alegada prática dos factos que a acusação descreve, estando-se por isso claramente perante uma situação de responsabilidade solidária nos presentes autos, quer por parte do Hospital B ..., quer do Estado Português;

53 - Ora, subsumindo a situação factual dos autos ao consignado nos artigos 500, n.º l e 501 ambos do C. C., sempre estaríamos perante uma relação comitente - comissário entre a ora recorrente e o Hospital B ... - Estado Português, na medida em que a arguida nas funções que exercia sempre atuou em representação e beneficio do Hospital B ... e consequentemente do Estado Português, pelo que, à luz destes preceitos legais, tais entidades sempre seriam responsáveis conjunta e solidariamente com a ora recorrente pela alegada conduta descrita nos autos e pela consequente indemnização civil que da mesma possa advir;

54 - Atendendo ao consignado no n.º 1 do artigo 800 e no n.º 1 do artigo 998 ambos do C.C em ambos os preceitos legais, somos uma vez mais, necessária e forçosamente levados a concluir que o Ministério Público errou nos pressupostos e fundamentos pelos quais pautou a acusação formulada nos presentes autos, de facto, uma vez mais, não se percebe como é que a acusação objeto dos presentes autos, nos termos e fundamentos em que está formulada, apenas leva única e exclusivamente a ora recorrente a julgamento, quando a mesma atuou em representação e no exclusivo interesse do Hospital B ... com a alegada prática dos factos objeto dos presentes autos;

55 - Por tudo quanto resulta exposto, o despacho recorrido, ao indeferir a intervenção nos presentes autos quer do Hospital B ..., quer do Estado Português, relegando os pedidos de indemnização civil formulados nos presentes autos para os meios comuns, revela-se num flagrante e inadmissível atentado contra os mais elementares direitos de defesa da arguida constitucionalmente consagrados;

Nestes termos e nos melhores de Direito,

- deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência:

- deve o despacho que indeferiu a reclamação deduzida pela ora recorrente nos termos e ao abrigo do consignado no artigo 405 do Código de Processo Penal, ser revogado, com as consequências legais.

Responde o magistrado do Mº Pº concluindo:

1) O douto despacho ora recorrido não padece de qualquer deficiência ou nulidade, não violou qualquer norma da Constituição da República Portuguesa, do Código Penal nem do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.

2) Salvo o devido respeito por melhor opinião, somos do entendimento que o meio processual da reclamação, previsto no artigo 405, do Código de Processo Penal apenas se destina ao recorrente insurgir-se contra o despacho que não admitir ou retiver o recurso, o que manifestamente não é o caso dos autos, no qual o recurso apresentado pela recorrente foi admitido e determinou-se que o mesmo sobe imediatamente, sem separado e com efeito devolutivo.

3) Face ao exposto, o douto despacho ora recorrido que indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente não padece de qualquer ilegalidade.

4) Salvo o devido respeito por melhor opinião, uma vez que a questão do pedido de indemnização civil foi toda ela remetida, em bloco, para os meios comuns, a arguida nestes autos, caso venha, a final, a ser condenada pelos crimes pelos quais foi acusada, não será condenada no pagamento de qualquer indemnização.

5) Na verdade, a arguida apenas terá de se defender relativamente a pedidos de indemnização se os demandantes vierem a instaurar contra si uma ação com essa finalidade e, caso isto venha a acontecer, a arguida/demandada terá todas as garantias de defesa asseguradas em tal processo.

6) Caso venha a ser instaurada contra a arguida ação com a finalidade de serem analisados os pedidos de indemnização civil, poderá a arguida nessa sede requerer a intervenção provocada do Estado e do Hospital B ..., E.P.E..

7) Caso venha a existir a supra referida ação, a arguida poderá nessa sede alegar os fundamentos pelos quais considera existir os pressupostos da confusão, não sendo as suas garantias de defesa em nada coartadas pelo facto de se fazer a análise da questão cível autonomamente da questão criminal.

8) Salvo o devido respeito por melhor opinião, somos do entendimento que, caso o recurso interposto pela arguida venha ter provimento, tal facto não implicará a nulidade dos atos entretanto praticados, podendo a questão cível ser decidida posteriormente à questão criminal, da mesma forma que o é se tal decisão for tomada nos meios civis, sem que de tal facto resulte a diminuição das garantias de defesa da arguida/ demandada.

9) Sempre salvaguardando o devido respeito por diferente opinião, a questão ora levantada pela arguida no sentido de ser admitida a intervenção provocada do Hospital B ..., E.P.E. e do Estado, iria retardar, de forma intolerável, o objeto do processo penal.

10) Efetivamente, sendo admitida a intervenção provocada solicita, as entidades em causa teriam de ser notificadas, teria de ser observado o prazo legal para apresentarem contestação e teriam de ser admitidos (se legais) os meios de prova por si apresentados.

11) Atendendo a que os factos em análise neste processo ocorreram no ano de 2004 e que os presentes autos se encontram pendentes desde o ano de 2007, somos do entendimento que as formalidades a cumprir no caso de ser admitida a intervenção provocada requerida, provocariam uma delonga inadmissível da decisão de um processo crime que há muito se vem "arrastando".

Assim, não padecendo o despacho ora recorrido de nenhum dos apontados vícios e nulidades ou de quaisquer outros, nem tendo violado qualquer norma legal, deverá concluir-se pela bondade do decidido, pelo que deve ser negado provimento ao recurso apresentado

Nesta Relação, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto apôs o visto.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir:

***

           

            Conhecendo:

            As questões suscitadas no recurso respeitam a:

- Saber se, um despacho de admissão de recurso a que se fixou o regime de subida e efeitos, “sobe imediatamente, em separado e com efeito devolutivo” é suscetível de reclamação nos termos do art. 405 do CPP.

 (Esta é a questão única que se prende com o despacho recorrido, pelo que a motivação e conclusões do recurso, no que extravasa esta matéria, e é muito pois que a recorrente apresenta uma verdadeira contestação e defesa aos factos da acusação, não é tida em conta).

Porém, questão relevante que deveria ter sido alegada era a de:

- Apurar da legitimidade do tribunal de que se reclama para aferir da inadmissibilidade da reclamação para o presidente do tribunal superior.

Assim, como o âmbito do recurso é determinado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação.

Refere a este propósito o Prof. Germano Marques da Silva in  Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág. 350. “As conclusões da motivação são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado. Para além da rejeição do recurso quando faltarem as conclusões de direito e as especificações sobre a matéria de facto (Artº 412º, nºs 2 e 3), são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso”.

Apenas releva a questão suscitada e relacionada com o despacho em causa.

Dispõe o artigo 412, n.º 1 do Código de Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objeto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

***

            Apesar da longa alegação e conclusões (que pouco se debruçam sobre o objeto do recurso) não tem razão a recorrente.

            Uma coisa é o regime de subida dos recursos e outra é, os efeitos que a interposição do recurso produz.

            Quanto aos efeitos, já referia o prof. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil anotado, vol. V, em anotação ao art. 692, pág. 399, “os recursos podem ter dois efeitos, devolutivo e suspensivo. Têm sempre efeito devolutivo; podem além deste, ter efeito suspensivo. Diz-se que o recurso tem efeito meramente devolutivo, quando ao efeito devolutivo não acresce o efeito suspensivo.

O efeito devolutivo consiste em devolver ou deferir ao tribunal superior o conhecimento fda questão ou questões postas pelo recorrente e, secundariamente, pelo recorrido.

O efeito suspensivo pode traduzir-se em duas manifestações:

1ª O recurso susta a execução da decisão recorrida, obsta a que a decisão constitua título executivo enquanto não transitar em julgado (art. 47);

2ª O recurso susta o andamento do processo em que foi proferida a decisão de que se recorre;”

Era a sustação do andamento do processo o que o arguido pretendia.

Porém, esta situação nada tem a ver com o momento de subida do recurso.

Há os recursos que sobem imediatamente, e os que têm subida diferida, instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa -art. 407 do CPP.

            E, nos termos do art. 505 do CPP, como preceitua a epígrafe, “reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso”, o recorrente apenas pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, do despacho que não admitir ou do que retiver o recurso.

            Tendo sido admitido o recurso e fixada subida imediata, não se verifica nenhuma das circunstâncias que podiam servir de base à reclamação. O recurso foi admitido e não ficou retido.

            Este é o entendimento correto.

Veja-se a decisão em processo de reclamação, de 11-04-2007, do então Sr. Presidente desta Relação de Coimbra, proferida no processo nº 256/04.0TBACB-A.C1:

”(…)

O Mm.º Juiz a quo admitiu o recurso, fixando-lhe efeito meramente devolutivo e subida imediata em separado.

Irresignado, apresentou a presente reclamação, visando obter o efeito suspensivo.

(…)

Cumpre, agora, apreciar e decidir:

Começo por salientar que, como decorre do disposto nos art.ºs 688º, n.ºs 1 e 2 e 689º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, a reclamação para o Presidente do Tribunal ad quem apenas pode ter por fundamento a não admissão de recurso ou a sua retenção.

O efeito do recurso (devolutivo ou suspensivo) é, assim, insuscetível de impugnação pela via da reclamação. O meio próprio para impugnar esse segmento do despacho de recebimento do recurso é a própria alegação recursiva, como se retira do art.º 687, n.º 4 do Cód. Proc. Civil. A expressão constante da parte final desta disposição «e as partes só a podem impugnar nas suas alegações» claramente indica que o único meio de impugnação da decisão que fixa o efeito do recurso é a respetiva alegação” (reclamação em processo cível).

E no mesmo sentido e da Relação de Lisboa, a decisão de 30-04-2013 de reclamação apresentada, proferida no processo nº 5362/08.9TDLSB-A.L1-9, onde se refere, “I - A competência atribuída ao Presidente do Tribunal da Relação no âmbito da Reclamação para o Presidente circunscreve-se à questão da retenção e da não admissão do recurso e já não à da fixação do seu efeito”.

Sendo que em processo penal, o efeito fixado no despacho que admite o recurso não vincula o tribunal superior, como preceitua o art. 414 nº 3 do CPP.

Assim que, não tem razão a recorrente.

No entanto, temos que a reclamação deveria ter seguido, pois que não compete ao juiz recorrido julgar inadmissível, ou não, a reclamação apresentada perante o presidente de tribunal superior.

A argumentação expendida pelo sr. Juiz reclamado para não admitir a reclamação, podia ser utilizada pelo mesmo como considerações que entendesse “cabidas e oportunas” (Maia Gonçalves em anotação ao art. 405 do CPP), antes de fazer subir a reclamação.

A reclamação, sendo apresentada perante o tribunal recorrido, é dirigida ao presidente do tribunal para onde se recorre, competindo a este qualquer decisão a incidir sobre a mesma, desde a inadmissibilidade até á procedência ou improcedência.

Assim decidiu o Ac. da rel. de Lx de 3-10-2000, in Col. Jurisp. tomo IV, pág. 143 “Embora a reclamação deva ser apresentada no tribunal a quo, a decisão sobre a sua validade, regularidade e procedência compete exclusivamente ao presidente do tribunal ad quem”.

Porém, esta questão não era suscitada no recurso.

Sendo a questão suscitada julgada improcedente, devendo, em consequência ser julgado improcedente o recurso.

            Decisão:

Atentos ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida A ..., com todas as consequências legais.

Custas pela recorrente com 3 Ucs de taxa de justiça.

Coimbra, 10 de Setembro de 2014                                    

(Jorge Dias - relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)