Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3086/09.9TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
CONTRATO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão: 11/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 3º JUÍZO CÍVEL -
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 178 CPA, 102, 105 CPC, 4 LEI Nº 13/2002 DE 19/2 ( ETAF )
Sumário: 1 - Emergindo a pretensão do A., Hospital de Santo André E.P.E., dum protocolo, celebrado entre o Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde e ACS – Portugal Telecom, através do qual definiram as condições de atribuição e os montantes das comparticipações a cargo do Ministério da Saúde, com vista à transferência para a R. das responsabilidades relativas à prestação de cuidados de saúde aos beneficiários dos Planos de Saúde, geridos por esta e, evidenciando tal protocolo vários elementos como: a prossecução imediata do interesse público com prevalência sobre o interesse particular, a relação jurídica administrativa que lhe subjaz, a supremacia do contraente administrativo sobre o particular, tem o mesmo de ser considerado contrato administrativo.

2 - Sendo, em consequência, o litígio respectivo da competência do foro administrativo (art. 4º alª f) do nº 1 do ETAF), enfermando os Tribunais Comuns de incompetência em razão da matéria para conhecer da lide.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                            I
Veio o A. HOSPITAL DE SANTO ANDRÉ, E.P.E., pessoa coletiva P 506361675, com sede na Rua das Olhalvas, Leiria, intentar a presente ação com processo sumário contra a R. ACS – PORTUGAL TELECOM, com sede na Avenida Fontes Pereira de Melo, 32, 1050-122 Lisboa, pedindo que seja a R. condenada a pagar-lhe a quantia global de € 23.122,01, sendo € 21.126,67 de capital e € 1.995,34 de juros vencidos e juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alega que, prestou cuidados médicos a determinados utentes, todos beneficiários dos serviços de assistência médica da R., no valor global de € 58.711,29, pelo que, subtraindo a este valor o montante de € 37.584,62, de que a R. era credora sobre si, resulta um saldo devedor para a R., a favor da A., de € 21.126,67. Atendendo aos juros vencidos, o montante global em dívida pela R. cifra-se em € 23.122,01
A Ré contestou, alegando, em suma, que os cuidados médicos prestados aos utentes em causa não podem ser cobrados à Ré, pois todas as pessoas são beneficiárias do Serviço Nacional de Saúde e, de qualquer modo, assim não se entendendo, tendo os cuidados médicos em causa sido prestados no âmbito de um protocolo que celebrou com o então IGIF  (Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde) e, sendo credora do IGIF pelo montante de €12.052.949,20, integrando-se o A. no Serviço Nacional de Saúde, opera compensação de créditos, relativamente ao crédito invocado pelo A..
Notificado da contestação apresentada pela Ré, veio o A. responder, pugnando pela improcedência da exceção de compensação de créditos invocada na contestação, não lhe sendo a mesma oponível atendendo à sua autonomia financeira, concluindo, assim, pela procedência da ação.
Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a exceção de compensação de créditos invocada pela Ré e, julgou a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condenou a Ré ACS – Portugal Telecom a pagar ao A. Hospital de Santo André, E.P.E. a quantia global de € 20.960,67, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das faturas, conforme indicado na matéria de facto provada, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a R. do demais peticionado.

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
1) A matéria de facto assente nos autos não contempla qualquer elemento ou sequer um mero indício da existência de qualquer contrato de prestação de serviços que a A. e R. hajam ajustado entre si.
2) É surpreendente, por isso, a alusão (aliás sem suporte fatual especificado) que a douta sentença recorrida faz à existência desse pretenso contrato, que nunca existiu e que, obviamente, nem o A., nem a R. invocaram nos seus articulados.
3) O único contrato a que os autos aludem é o protocolo firmado entre a R. e o ex-IGIF e ao qual aludem os pontos 12 a 19 do elenco da matéria de facto assente.
4) Tal protocolo consubstancia a única causa suscetível de fundar a responsabilidade assacada à R. na ação (cf. pontos 45 e 46 da matéria de facto assente).
5) O protocolo em apreço é, com rigor, um contrato a favor de terceiros e, por isso, regulado pelos artigos 443º a 451º do Cód. Civil.
6) Pois que, através dele, terceiras entidades (instituições integradas no SNS) adquiriram o direito de exigir da R. o pagamento do custo dos cuidados de saúde prestados a determinado universo de utentes beneficiários dos Planos de Saúde geridos pela R.), independentemente de aceitação (cf. nº 1 do art. 444º do Cód. Civil).
7) Sendo certo que de outro modo e por imperativo constitucional, ainda que sem prejuízo das taxas moderadoras instituídas, tais cuidados de saúde teriam de ser prestados gratuitamente.
8) É lícito à R. opor aos terceiros beneficiários (e, por isso, ao A.) todos os meios de defesa derivados do protocolo outorgado, nomeadamente por via da exceção de não cumprimento do contrato (cf. art.s 449º e nº 1 do art. 428º, ambos do C.Civ).
9) Está assente nos autos que o ex-IGIF incumpriu as obrigações de comparticipação que assumiu através do referido protocolo (cf. pontos 20 a 39 do elenco da matéria de facto provada).
10) Todos os cuidados de saúde prestados pelo A. são posteriores à mora em que incorreu o ex-IGIF no âmbito da execução do protocolo ajustado com a R..
11) Por essa razão, sempre a exceção de não cumprimento contratual imputável ao ex-IGIF seria oponível aos terceiros beneficiários (entre os quais o A.).
12) De qualquer modo, a presente ação sempre terá de improceder de mérito “in totum”.
13) A causa de pedir na presente ação, alegada pelo A., contempla um único facto, constante do art. 4º da p.i., segundo o qual os doentes assistidos “são beneficiários dos serviços de assistência médica da ACS-Portugal Telecom”.
14) Essa circunstância, mesmo que fosse exata (e nem sequer o é: cf. pontos 5 e 11 do elenco da matéria de facto provada), em caso nenhum originaria a responsabilidade da R. pelo custeio dos cuidados de saúde prestados aos beneficiários dos Planos de Saúde por si geridos pelas instituições integradas no SNS, como é o caso do A..
15) A única fonte da responsabilidade da R. pelo custeio dos referidos cuidados de saúde provém do protocolo que a mesma ajustou com o ex-IGIF por contrapartida de comparticipações a cargo do Ministério da Saúde (cf. pontos 12  a 19 do elenco da matéria de facto assente).
16) Essa fonte contratual foi dada a conhecer nos autos apenas pela R..
17) O A. não alterou nem ampliou a causa de pedir que invocou na p.i. de modo a nela incluir a outorga do aludido protocolo.
18) Não o fez na réplica, nem aceitou, como mister se faria, a confissão feita pela Ré (cfr. art. 273 do CPC).
19) Por isso, o Tribunal não poderá conhecer da pretensão do A. ao arrepio da causa de pedir invocada na p.i. e com base em distinta causa de pedir cuja factualidade só a R. alegou (sem que o A. tivesse  aceite a respetiva confissão), sob pena de incorrer em nulidade (nº 2 do art. 660 e alínea d) do nº 1 do art. 668 do CPC).
20) E, por outro lado, emergindo a pretensão do A. do aludido protocolo, que é um contrato administrativo, o litígio respetivo é da competência do foro administrativo (alª f) do nº 1 do ETAF), enfermando os Tribunais Comuns de incompetência em razão da matéria para conhecer da lide.
21) A douta sentença recorrida violou, pelo menos os arts. 406º, 449º e 428º do Cód. Civ..
A final requer que seja dado provimento ao recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré do pedido ou, assim não se entendendo, condenando-se a R., no pagamento ao A. dos valores fixados na douta sentença recorrida apenas após o cumprimento integral pelo ex-IGIF (Ministério da Saúde) das obrigações por este assumidas no âmbito do protocolo a que aludem os pontos 12 a 39 do elenco da matéria de facto assente.

Foram apresentadas contra-alegações, nas quais concluiu o Autor:
1. O A. é uma entidade pública empresarial, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, integrada no Serviço Nacional de Saúde.
2. O A. prestou aos beneficiários dos Planos de Saúde geridos pela Ré, os cuidados de saúde, a que estava obrigado.
3. Na data em que foram prestados os cuidados de saúde, os referidos beneficiários da Ré não estavam inscritos no Serviço Nacional de Saúde.
4. O protocolo outorgado entre a Ré e o IGIF não pode ser oponível ao A., visto que este não o outorgou nem de qualquer forma foi interveniente.
5. A causa de pedir nos presentes autos, não tem como fundamento o cumprimento ou incumprimento do protocolo em causa, mas sim a prestação dos cuidados de saúde a pedido da Ré.
6. O A. prestou os serviços de saúde que a Ré solicitou para os seus beneficiários, e essa prestação embora não tivesse revestido forma escrita, não deixa de ser uma verdadeira prestação de serviços.
7. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela condenação da Ré no pedido.
8. Pelo que a douta sentença, não merece qualquer reparo.
9. Devendo por isso ser mantida na íntegra.
10. Decidindo assim farão V. Exas. Justiça.

                                                                        II
São os seguintes os factos julgados provados pelo Tribunal a quo:
1) - Entraram no serviço de urgências da A. para receberem tratamentos médicos, os doentes cuja identificação se encontra nas faturas indicadas e juntas a fls.11 a 27, inclusive, sob a documentação nºs 1 a 12.
2) - Assim discriminados:
N.º fatura Data Valor
- 200 608 776 / 30-09-2006 / €4.930,95 – 1;
- 200 610 838 / 30-11-2006 / €600,00 – 2;
- 200 610 839 / 30-11-2006 / €886,65 – 3;
- 200 610 840 / 30-11-2006 / €27.602,56 – 4;
- 200 610 841 / 30-11-2006 / €2.443,74 – 5;
- 200 610 998 / 30-11-2006 / €3.364,46 – 6;
- 200 611 721 / 30-12-2006 / €8.825,91 – 7;
- 200 700 625 / 31-01-2007 / €4.996,45 – 8;
- 200 700 626 / 31-01-2007 / €1.759,60 – 9;
- 200 700 627 / 31-01-2007 / €156,39 – 10;
- 200 701 683 / 28-02-2007 / €3.127,08 – 11;
- 200 711 412 / 30-11-2007 / €17,50 – 12.
3) - Dos tratamentos médicos efetuados aos doentes, resultou um saldo total a favor da A. de € 58.711,29.
4) - Ao valor supra indicado foi creditado o montante de € 37.584,62, conforme notas de crédito juntas aos autos a fls. 28 a 44, configurando documentos nºs 13 a 23, assim discriminados:
Nota crédito Data Valor.
- 200 900 753 ref. à fat.. nº 200 608 776 / 30-04-2009 / €1.497,25 – 13;
- 200 900 754 ref. à fat.. nº 200 610 838 / 30-04-2009 / €450,00 – 14;
- 200 900 755 ref. à fat.. nº 200 610 839 / 30-04-2009 / €564,75 – 15;
- 200 900 756 ref. à fat.. nº 200 610 840 / 30-04-2009 / €15.950,01 – 16;
- 200 900 757 ref. à fat.. nº 200 610 841 / 30-04-2009 / €1.590,00 – 17;
- 200 900 758 ref. à fat.. nº 200 610 998 / 30-04-2009 / €2.235,86 – 18;
- 200 900 759 ref. à fat.. nº 200 611 721 / 30-04-2009 / €8.388,89 – 19;
- 200 900 760 ref. à fat.. nº 200 700 625 / 30-04-2009 / €3.588,99 – 20;
- 200 900 761 ref. à fat.. nº 200 700 626 / 30-04-2009 / €1.612,20 – 21;
- 200 700 533 ref. à fat.. nº 200 700 627 / 30-03-2007 / €53,89 – 22;
- 200 900 762 ref. à fat.. nº 200 701 683 / 30-04-2009 / €1.652,78 – 23.
5) - Todos os assistidos mencionados nas faturas supra-identificadas são beneficiários de Planos de Saúde geridos pelo R..
6) - O valor em débito deveria ter sido pago nas datas de vencimento das faturas.
7) - O que até à presente data não aconteceu apesar de o R. reconhecer o débito e de ter sido interpelado para o regularizar.
8) - O montante das faturas não pagas ascende ao montante de €21.126,67.
9) - A assistência prestada a R (…) em 31-10-2006, no valor de €30,00, tal como a que ao mesmo foi prestada em 6-11-2006, também no valor de €30,00, foi posterior à data de extinção do protocolo firmado entre a R. e o IGIF, ocorrida em 30-10-2006.
10) - O mesmo quanto à assistência prestada no valor de €30,00 a A (...), em 31/10/2006 e no valor de €106,00, na mesma data de 31-10-2006 a S (...).
11) - Os beneficiários dos cuidados de saúde prestados pela PT-ACS são os utentes de Planos de saúde instituídos por terceiras entidades, que encarregam a PT-ACS da gestão de tais Planos de Saúde.
12) - Por escrito de 31.04.2004 o Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde e a R. ajustaram entre si um protocolo através do qual definiram as condições de atribuição e os montantes das comparticipações a cargo do Ministério da Saúde, com vista à transferência para a R. das responsabilidades relativas à prestação de cuidados de saúde aos beneficiários dos Planos de Saúde geridos pela R..
13) - Ficou definido que o Protocolo em causa entraria em vigor em 01.01.2004 e seria válido até 31.12.2008.
14) - Nos termos desse protocolo, a R. assumiu perante o IGIF a obrigação de pagamento às instituições e serviços prestadores integrados no Serviço Nacional de Saúde (como é o caso do A.) do custo dos cuidados de saúde prestados à generalidade dos beneficiários dos Planos de Saúde por si geridos, desde que residentes no território nacional continental e estivessem inscritos na base de dados do cartão de saúde.
15) - Mas, em contrapartida das responsabilidades assim assumidas pela R, o IGIF declarou, no mesmo protocolo, obrigar-se a atribuir à R. uma comparticipação financeira anual, de valor correspondente ao fixado na Portaria n.º 316/2004, publicada no Diário da República, 2ª Série, n.º 62, de 13 de Março.
16) - Ficou ainda estabelecido no mesmo protocolo que a R. apresentaria semestralmente ao IGIF fatura correspondente ao produto do número médio de beneficiários elegíveis em cada semestre por 50% do valor anual fixado nos termos da citada Portaria 316/2004.
17) - Por cada beneficiário dos Planos de Saúde geridos pela R. e que se achasse inscrito na base de dados do cartão de saúde, seria devida à R., nos termos do referido protocolo, uma comparticipação anual de €281,00 (em 2004), €304,08 (em 2005) e €325,74 (em 2006), valores esses pacificamente aceites pela R. e pelo IGIF.
18) - Estipulou-se, ainda, no mesmo protocolo que o pagamento da comparticipação financeira devida à R. seria efetuado no prazo de 180 dias a contar da apresentação ao IGIF da fatura respetiva.
19) - Ficou, por fim, definido que o protocolo em causa entraria em vigor em 1 de Janeiro de 2004 e seria válido até 31 de Dezembro de 2008.
20) - As comparticipações financeiras devidas à R. nos termos do referido protocolo apenas parcialmente foram pagas à R..
21) - Em 30/06/2004, a R. apresentou ao IGIF a fatura referente ao 1º semestre de 2004 e no valor de € 7.699.962,00 (ulteriormente deduzido de € 42.993,00), correspondente a um universo médio, nesse semestre, de 54.498 beneficiários inscritos nos Planos de Saúde geridos pela R..
22) - Com referência a essa fatura, o IGIF veio a pagar à R., apenas, a comparticipação de € 5.504.931,00, correspondente a um universo de 39.181 beneficiários.
23) - A referida quantia de € 5.504.931,00 só foi paga à R. em 28 de Dezembro de 2005.
24) - Em 31/12/2004, a R apresentou ao IGIF a fatura referente ao 2° semestre de 2004, no valor de € 7.592.760,50, correspondente a um universo médio, nesse semestre, de 54.041 beneficiários inscritos nos Planos de Saúde geridos pela R..
25) - Com referência a essa fatura, o IGIF veio a pagar à R, apenas, a comparticipação de € 5.504.931,00, correspondente a um universo de 39.181 beneficiários.
26) - A referida quantia de € 5.504.931,00 só foi paga à R em 30 de Agosto de 2006.
27) - Em 30/06/2005, a R apresentou ao IGIF a fatura referente ao 1° semestre de 2005, no valor de € 8.220.802,80, correspondente a um universo médio, nesse semestre, de 54.001 beneficiários inscritos nos Planos de Saúde geridos pela R..
28) - Com referência a essa fatura, o IGIF veio a pagar à R, apenas, a comparticipação de €5.950.998,00, correspondente a um universo de 39.141 beneficiários.
29) - A referida quantia de € 5.950.998,00 só foi paga à R. em 8 de Novembro de 2006.
30) - Em 31/12/2005, a R. apresentou ao IGIF a fatura referente ao 2° semestre de 2005, no valor de €8.280.402,48, correspondente a um universo médio, nesse semestre, de 54.462 beneficiários inscritos nos Planos de Saúde geridos pela R..
31) - Com referência a essa fatura, o IGIF veio a pagar à R, apenas, a comparticipação de €5.175.887,00, correspondente a um universo de 34.043 beneficiários.
32) - A referida quantia de €5.175.887,00 só foi paga à R. em 27 de Setembro de 2007.
33) - Em 30/06/2006, a R apresentou ao IGIF a fatura referente ao 1º semestre de 2006, no valor de €8.707.681,68, correspondente a um universo médio, nesse semestre, de 53.464 beneficiários inscritos nos Planos de Saúde geridos pela R..
34) - Com referência a essa fatura, o IGIF veio a pagar à R, apenas, a comparticipação de €7.215.303,54, correspondente a um universo de 44.301 beneficiários.
35) - A referida quantia de €7.215.303,54 só foi paga à R. em 5 de Junho de 2008.
36) - Com data de emissão de 30/10/200, a R. apresentou ao IGIF a fatura referente ao período de Julho a Outubro de 2006, no valor de €5.744.207,74, correspondente a um universo médio, nesse semestre, de 52.903 beneficiários inscritos nos Planos de Saúde geridos pela R..
37) - Com referência a essa fatura, o IGIF veio a pagar à R., apenas, a comparticipação de €4.797.824,46, correspondente a um universo de 44.187 beneficiários.
38) - A referida quantia de €4.797.824,46 só foi paga à R. em 5 de Junho de 2008.
39) - Assim, das comparticipações devidas à R. pela totalidade dos beneficiários dos Planos de Saúde por si geridos e cujo valor global ascendia a €46.202.824,20, apenas foi pago à R, até hoje, o montante somado de €34.149.875,00.
40) - Com fundamento no incumprimento das obrigações correspetivas em que o IGIF incorrera, a R. suspendeu todos os pagamentos relativos a faturação emitida pelas instituições e serviços integrados no SNS a partir de Junho de 2006.
41) - A A. pagara sempre até aí, pontualmente e na íntegra, toda a faturação que, ao abrigo do referido protocolo firmado com o IGIF, lhe era dirigida por todas as instituições e serviços integrados no SNS (incluindo o A.).
42) - No caso dos autos, a prova desse facto resulta também da circunstância de o A. apenas reclamar da R o valor de faturação emitida a partir de Setembro de 2006, ainda que, em alguns casos, envolvendo cuidados de saúde prestados anteriormente.
43) - Por escrito de 12 de Dezembro de 2006, o IGIF e a R. declararam extinto o protocolo que haviam ajustado em 31 de Março de 2004, com efeitos a partir de 30 de Outubro de 2006.
44) - E nesse mesmo escrito, o IGIF obrigou-se a emitir instruções no sentido de serem emitidos cartões de utentes do SNS para todos os beneficiários dos Planos de Saúde geridos pela R. no âmbito do protocolo de 31 de Março de 2004 então declarado extinto, sem que de tais cartões constasse a indicação de que a responsabilidade pelo pagamento dos cuidados de saúde prestados a esses beneficiários impenderia sobre a R..
45) - Por força da extinção do protocolo em apreço (de 31 de Março de 2004), a R. considerou-se desonerada, com efeitos a partir de 30 de Outubro de 2006, da responsabilidade que, por esse meio contratual, assumira de pagamento dos encargos decorrentes da prestação de cuidados de saúde, pelas instituições e serviços integrados no SNS, aos beneficiários utentes dos Planos de Saúde abrangidos pelo protocolo extinto.
46) - Em consequência da extinção do referido protocolo, as instituições ou serviços integrados no SNS (o A, incluído) deixaram de reclamar da R. o pagamento de cuidados de saúde que, a partir de 30 de Outubro de 2006, prestaram a beneficiários inscritos nos Planos de Saúde geridos pela R..
47) - O IGIF, no seu site da Internet, publicitou a sua circular n° 4/2006, de 14 de Dezembro, na qual deu conta da extinção do protocolo ajustado com a R. em 31 de Março de 2004.

                                                                        III
Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigo 635º nº 4 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608º nº 2  in fine), são as seguintes as questões a decidir:
- Da (in)competência do tribunal (comum) em razão da matéria para conhecer do litígio.
- Da licitude da conduta da Ré em opor aos terceiros beneficiários (e, por isso, ao A.) todos os meios de defesa derivados do protocolo outorgado, nomeadamente por via da exceção de não cumprimento do contrato (cf. art.s 449º e nº 1 do art. 428º, ambos do C.Civ).

- Da (in)competência do tribunal (comum) em razão da matéria para conhecer do litígio.
O artigo 178.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, em vigor à data da celebração do protocolo de 1 de Janeiro de 2004, refere que se entende por contrato administrativo «o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa».
O conceito de relação jurídica administrativa pode ser aferido de acordo com diversas características.
Assim, Freitas do Amaral in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 6.ª Reimpressão, p. 518 refere que «relação jurídica administrativa é aquela que, por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração».
Acrescenta este autor que, «um contrato é administrativo se o respetivo objeto respeitar ao conteúdo da função administrativa e se traduzir, em regra, em prestações referentes ao funcionamento dos serviços públicos, ao exercício de atividades públicas, à gestão de coisas públicas, ao provimento de agentes públicos ou à utilização de fundos públicos» (obra citada).
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos enunciam vários critérios identificadores do contrato administrativo, como sejam: a “taxatividade legal”, a “natureza dos sujeitos”, as “cláusulas de sujeição”, o “regime de sujeição”, o “direito estatutário”, o “objeto”, o “fim”, a “intensidade do interesse público protegido” e o “ambiente de direito administrativo”( in Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, 2007, pp. 268 e ss.).
Assim, citando os mesmos autores, pelo critério da taxatividade legal, «são administrativos os contratos que como tal sejam expressamente considerados por lei»; pelo critério da natureza dos sujeitos, «são administrativos os contratos em que a administração seja parte»; pelo critério das cláusulas de sujeição, «são contratos administrativos aqueles cujo conteúdo atribui poderes de supremacia ao contraente administrativo sobre o contraente particular»; pelo critério do regime de sujeição, são contratos administrativos «aqueles nos quais, em consequência do regime que lhes é aplicável, o contraente administrativo fica colocado numa posição de supremacia em relação ao seu contraente particular»; pelo critério do direito estatutário, são contratos administrativos «aqueles em que se aplique o direito administrativo como direito comum (...) da função administrativa ou da administração pública»; pelo critério do objeto do contrato, «são administrativos aqueles que incidam sobre relações jurídicas administrativas»; de acordo com o critério do fim, «são contratos administrativos aqueles que visem a prossecução de fins de imediata utilidade pública»; pelo critério do grau de intensidade do interesse público protegido «são contratos administrativos aqueles que visem a prossecução do interesse público em termos tais que este tem necessariamente de prevalecer sobre o interesse particular» e de acordo com o critério do ambiente administrativo «são administrativos aqueles cujo contexto factual e normativo permita concluir pela aplicação do direito administrativo».
Ora, encontramos no protocolo referenciado no ponto 12 da matéria de facto, que constitui a fonte regulamentadora da relação jurídica em causa, vários elementos que nos permitem concluir dever ser o mesmo considerado como contrato administrativo: a prossecução imediata do interesse público com prevalência sobre o interesse particular, a relação jurídica administrativa que lhe subjaz, a supremacia do contraente administrativo sobre o particular.
Nos termos do art. 4º nº 1 alª f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei 13/2002 de 19/02) – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e scal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especicamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos especícos do respetivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público (redação introduzida pela Lei no 107-D/2003, de 31 de Dezembro).
A incompetência absoluta do tribunal pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (art. 102 nº1 do CPC, atual art. 97 nº 1 do NCPC).
Porque tal questão foi apenas suscitada pela apelante em sede de alegações de recurso e, com vista a observar o princípio do contraditório (art. 3º nº 2 do CPC, anterior e atual) foi o apelado notificado para se pronunciar sobre tal exceção, vindo o mesmo remeter para as suas contra-alegações, reproduzidas supra.
Emergindo a pretensão do A. do aludido protocolo, que é um contrato administrativo, o litígio respetivo é da competência do foro administrativo (art. 4º alª f) do nº 1 do ETAF), enfermando os Tribunais Comuns de incompetência em razão da matéria para conhecer da lide.
Prejudicado fica, o conhecimento das demais questões do recurso.

Em suma:
- Emergindo a pretensão do A. dum protocolo, celebrado entre o Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde e ACS – Portugal Telecom, através do qual definiram as condições de atribuição e os montantes das comparticipações a cargo do Ministério da Saúde, com vista à transferência para a R. das responsabilidades relativas à prestação de cuidados de saúde aos beneficiários dos Planos de Saúde, geridos por esta e, evidenciando tal protocolo vários elementos como: a prossecução imediata do interesse público com prevalência sobre o interesse particular, a relação jurídica administrativa que lhe subjaz, a supremacia do contraente administrativo sobre o particular, tem o mesmo de ser considerado contrato administrativo;
- Sendo, em consequência, o litígio respetivo da competência do foro administrativo (art. 4º alª f) do nº 1 do ETAF), enfermando os Tribunais Comuns de incompetência em razão da matéria para conhecer da lide.

                                                            IV
Termos em que acorda-se em julgar os tribunais comuns incompetentes em razão da matéria, para conhecer do presente litígio, absolvendo-se o apelante/Réu da instância, nos termos do art.105 do CPC anterior, art. 99º do CPC atual.

Custas pelo apelado/Autor.

 Anabela Luna de Carvalho ( Relator )
 João Moreira do Carmo
José Fonte Ramos