Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/16.7T8CNF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
EMBARGO DE OBRA NOVA
MUNICÍPIO
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - CINFÃES - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 64, 96, 97, 98, 99 CPC, 4º ETAF
Sumário: É da competência dos tribunais comuns o procedimento cautelar em que o requerente, visando o reconhecimento e a defesa do seu direito de propriedade sobre determinada nascente de água e/ou o reconhecimento do seu direito de servidão de aproveitamento da mesma, pretende que uma Autarquia Local suspenda a construção das instalações de um “polidesportivo”, então iniciada, no mesmo prédio particular da nascente e donde a água era derivada.
Decisão Texto Integral:       



     
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 04.01.2016, A (…), por si e na qualidade de curador ad litem de M (…)[1], propôs, na Comarca de Viseu (Cinfães – Inst. Local/Secção de Competência Genérica), o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra o Município de Cinfães, pedindo que seja embargada a obra aludida nos art.ºs 37º, 40º e 41º da petição inicial (p. i.), notificando-se o dono desta ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substitua, para a não continuar, procedendo-se à medição do efectuado

            Alegou, em síntese:

            - Os requerentes são os únicos titulares e legítimos possuidores, sem determinação de parte ou direito, da água de nascente ou fonte - ou, caso assim se não entenda, titulares do direito de servidão sobre a mesma - existente no prédio particular descrito no art.º 14º da p. i. e com as demais características indicadas nos art.ºs 15º e seguintes do mesmo articulado;

            - Na sequência da “aquisição”, pelo requerido, de uma parcela de terreno a destacar do prédio descrito no art.º 14º da p. i. e das obras mencionadas nos art.ºs 40º e 41º da p. i., o 1º requerente apercebeu-se que os trabalhos já realizados pelo Município (de construção dos alicerces do “Polidesportivo de S. Cristóvão de Nogueira”) ofendiam o caudal da água da nascente e, ulteriormente, que o caudal da água não só não foi reposto como está quase seco, agravando-se com a continuação dos trabalhos;

            - Uma vez que existe a certeza da lesão dos direitos dos requerentes, pretendem que seja decretada Providência de Embargo do Obra Nova, com a suspensão da dita obra até à reposição da água em causa, sendo que o requerido pode, facilmente, reverter a situação, bastando-lhe, para tanto, conduzir para a propriedade dos requerentes a água que orientaram e despejam no corgo.

            Observado o princípio do contraditório (art.º 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil/CPC), a Mm.ª Juíza a quo julgou verificada a excepção dilatória de incompetência material, declarando o Tribunal «incompetente em razão da matéria para a apreciação da presente providência cautelar», e absolvendo o requerido da instância, nos termos do disposto nos art.ºs 64º, 96º, alínea a), 97º, 98º, 99º, n.º 1, 278º, n.º 1, alínea a), 576º, n.º 2, 577º, alínea a), 578º do CPC, e 4º, n.º 1, alínea g), do ETAF.

            Inconformado, visando a revogação da decisão recorrida (declarando-se o tribunal recorrido competente para apreciar o embargo de obra nova) o requerente apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - O requerente, por si e na qualidade de curador incidental intentou contra o requerido uma Providência Cautelar de Embargo de Obra Nova onde, em síntese, alegou pertencer-lhe, sem determinação de parte ou direito, a propriedade de uma nascente de água ou, caso assim se não viesse a entender, do direito de servidão sobre a mesma, existente no prédio descrito no art.º 14º da p. i..

            2ª - Que o caudal da nascente de água foi violado pelo requerido ao formar os alicerces de uma construção de um Polidesportivo, na freguesia de S. Cristóvão de Nogueira, no mesmo prédio particular da nascente e donde a água era derivada.

            3ª - O requerido actuou sem qualquer “ius imperii”, agindo apenas na veste de sujeito de direito privado e, neste qualidade, intervindo no litígio em paridade e com igualdade de armas relativamente aos requerentes, dependendo a apreciação do pedido e seus fundamentos, exclusivamente, da interpretação e aplicação de normas de natureza jurídico-privada (Código Civil) e actuando no contexto de uma relação jurídica de direito privado.

            4ª - O objecto do litígio não envolve nem se centra na discussão da legalidade da construção da obra, nem da natureza da obra, nem do seu maior ou menor interesse público.

            5ª - O caso respeita, exclusivamente, a uma figura jurídica de direito privado, relativo a águas particulares cujo fundamento da acção e objecto do pedido são de natureza particular ou privada e cujas normas protectoras dos interesses invocados ou sancionadoras da sua violação são específicas e exclusivas do Código Civil e sem submissão por ambas as partes a quaisquer outra normas, inclusive, de direito público, agindo antes e só como sujeitos meramente privados e sem qualquer privilégio especial de pessoa colectiva de direito público.

            6ª - Os requerentes não formulam qualquer pedido de indemnização em alternativa ao Embargo da Obra Nova efectuada pelo Município de Cinfães.

            7ª - Deverá atender-se à relação jurídica tal como é configurada na p. i., no confronto entre a pretensão deduzida e os respectivos fundamentos, independentemente do seu mérito.

            8ª - Embora o conceito de relação jurídica administrativa possa ser tomado em diversos sentidos, “o mais prudente será partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa“ no sentido tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração.

            9ª - Ao ser dado ao actual art.º 4º, n.º 1, al. g), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) a amplitude e abrangência expressas na decisão recorrida, entra-se em colisão com o normativo processual de art.º 399º do Código de Processo Civil (CPC), tornando-o desnecessário e inútil.

            10ª - O Tribunal Comum de Cinfães é o competente em razão da matéria para conhecer do pleito entre os requerentes e o requerido.

            A Mm.ª Juíza a quo violou as normas invocadas em abono do por si decidido como sejam os art.ºs 64º, 96º-a), 97º, 98º, 99º-1, 220º-1-a); 576º-2, 577º-a, 578º, do CPC, 211º-1 e 212º-3 da CRP e 1º e 4º-1-al.g) do ETAF.

             Admitido o recurso por despacho de fls. 98 (sem citação do requerido[2]) e ante o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso) importa verificar e decidir, apenas, qual das duas ordens de tribunais – a dos tribunais judiciais/comuns ou a dos tribunais administrativos – é a competente, em razão da matéria, para julgar o presente procedimento cautelar.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva a tramitação e o quadro fáctico supra referidos (ponto I).

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.     

            Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art.º 1º, n.º 1, do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19.02) - compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art.º 212º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa/CRP).

            Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões relativas à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional e à responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo acções de regresso (art.º 4º, n.º 1, alíneas f) e g), do ETAF, na redacção conferida pela Lei n.º 59/2008, de 11.09).

            São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art.ºs 64º, do CPC e 40º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8) - os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art.º 211º, n.º 1, da CRP).

            O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa (art.º 91º, n.º 1, do CPC).

            3. Sabemos que a competência material do tribunal se afere em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida[3] e que o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (i. é, o pedido) se encontra necessariamente correlacionado com o facto concreto que lhe serve de fundamento/causa de pedir.

Assim, ao determinar o tribunal competente em razão da matéria para o conhecimento da lide, temos de atentar, sobretudo, na alegação do A./requerente e no efeito jurídico pretendido.

4. O procedimento cautelar tem que ser proposto no tribunal que seja competente em razão da matéria para julgar a causa principal (art.º 364º, n.º 1, do CPC).[4]

            5. Tradicionalmente, a delimitação da competência material entre os tribunais da jurisdição administrativa e os da jurisdição comum faz-se em torno da dicotomia «acto de gestão pública» ou «acto de gestão privada» do Estado, reservando apenas para os primeiros a atribuição de competência aos tribunais administrativos e deixando os segundos, residualmente, sob a alçada dos tribunais comuns.

            Efectivamente, no dizer da doutrina e jurisprudência, a distinção entre jurisdição comum e jurisdição administrativa está/estava na diferença entre actos de gestão pública e actos de gestão privada.

            Neste contexto, entre outros, Marcello Caetano considera gestão pública a actividade da Administração regida pelo direito público e a gestão privada como a actividade da Administração que decorre sob a égide do direito privado[5].

             Desenvolvendo esta ideia e partindo do princípio de que o direito público que disciplina a actividade da administração é quase todo ele constituído por leis administrativas, define gestão pública como a actividade da Administração regulada por normas que conferem poderes de autoridade para a prossecução de interesses públicos, disciplinam o seu exercício ou organizam os meios necessários para esse efeito; por seu lado, os actos de gestão privada surgem no âmbito da actividade desenvolvida pela Administração no exercício da sua capacidade de direito privado, procedendo como qualquer outra pessoa no uso das faculdades conferidas por esse direito, ou seja, pelo direito civil ou comercial.[6]

No mesmo contexto, segundo Antunes Varela, actos de gestão pública são aqueles que, visando a satisfação de interesses colectivos, realizam fins específicos do Estado ou de outro ente público e assentam sobre o jus auctoritatis da entidade que os pratica, enquanto de gestão privada são os actos que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples particulares (o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como simples particular, despido do seu poder público).[7]

No acórdão do Tribunal de Conflitos de 05.11.1981[8] considerou-se que a solução do problema da qualificação como de gestão pública ou de gestão privada, dos actos praticados pelos titulares de órgãos ou agentes de uma pessoa colectiva pública, reside em apurar: se tais actos se compreendem numa actividade da pessoa colectiva em que esta, despida do poder público, se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam, e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão às normas de direito privado, ou se, contrariamente, esses actos se compreendem no exercício de um poder público, na realização de uma função pública, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente, ainda, das regras, técnicas ou de outra natureza, que na prática dos actos devem ser observadas.

6. Existia, pois, consenso quanto ao essencial, isto é, como sendo actos de gestão pública os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de um poder público, ou seja, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios coercivos; actos de gestão privada, os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração em que esta aparece despida do poder público, e, portanto, numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam, e, daí, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com inteira submissão às normas de direito privado e às mesmas jurisdições.[9]     

            7. Na actualidade, partindo dos citados art.ºs 2l2°, n.° 3, da CRP, e l°, n.° 1, do ETAF, a competência dos tribunais administrativos e fiscais dependerá da ponderação sobre se se está, ou não, perante pleitos derivados de relações jurídicas administrativas (e fiscais), sendo que só no primeiro caso tal competência se verificará.

            Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, pois, a existência de uma relação jurídica administrativa.

Sabendo-se que a concretização de tal conceito constitui tarefa difícil, podemos, no entanto, definir a relação jurídica administrativa como aquela que, por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração[10]; devem ser consideradas relações jurídicas administrativas aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actua com vista à realização de um interesse público legalmente definido.[11]

8. No caso em análise, o requerente pretende ver reconhecido e salvaguardado o seu direito de propriedade sobre determinada nascente de água e/ou o reconhecimento do seu direito de servidão de aproveitamento das águas (e de aqueduto/cf., v. g., os art.ºs 17º e 19º a 21º, da p. i.), nos termos atrás referidos (melhor configurados e explicitados na p. i. de fls. 6), e, certamente, para uma mais pronta e/ou eficaz defesa de tais direitos, decidiu lançar mão do presente procedimento cautelar, podendo-se desde já antever que estará sobretudo em causa o propósito de, na acção principal, vir também a requerer a condenação do requerido em adoptar a actuação necessária à restituição do direito que, com a realização ou a forma de realização da dita obra, se diz ameaçado ou violado.

            Estará, pois, em causa a defesa de um direito real (art.º 1315º do Código Civil), sendo que qualquer eventual responsabilidade extracontratual que se pretenda apurar (mas que, por ora, não vemos configurada) não surge ligada a qualquer relação jurídica administrativa mas, antes, a uma relação jurídica de direito privado - desde logo, subjaz à pretensão deduzida em juízo, a invocada existência de um direito de propriedade ou seu equivalente, pedido do seu reconhecimento, condenação à abstenção de quaisquer actos que obstem ao seu exercício e/ou a adopção de procedimento que viabilize o seu exercício futuro.

            9. A razão de ser do presente procedimento, o seu fundamento essencial e o pedido formulado são típicos de processos que correm e cabem aos tribunais comuns, não envolvendo manifestamente a sua resolução a convocação e aplicação de quaisquer regimes de direito público, sabendo-se - reafirma-se - que em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.

            10. Antolha-se assim evidente, e ao contrário do sustentado na decisão recorrida, que o objecto da acção não se situa no plano da responsabilidade subjectiva, extracontratual ou aquiliana; a pretensão formulada radica, apenas, no direito real invocado pelos requerentes; a relação jurídica em causa não se enquadra no art.º 1º, n.º 1 ou em qualquer das alíneas do art.º 4º, n.º 1, do ETAF, estando, assim, excluída a invocação do regime constante das citadas alíneas f) e g) do art.º 4º do ETAF.[12]

            11. Dito doutra forma, o que está em causa é uma actividade, acto, comportamento ou conduta, vista da perspectiva de um lesado (terceiro) particular, cuja avaliação, inclusive para efeitos de eventual responsabilidade civil é regulada por normas de direito privado, que não por normas, princípios e critérios de direito público.

            A uma tal apreciação/avaliação não subjaz qualquer relação jurídico-administrativa, uma relação jurídica regulada pelo direito público, mas uma mera relação jurídico-privada, como tal regulada pelo direito privado.[13]

            12. Decorre do art.º 4º do ETAF (mormente das supra citadas alíneas do n.º 1), que na relação jurídica administrativa há-de existir, pelo menos, um ente público ou um ente privado no exercício de poderes públicos, e que a mesma há-de ser regulada por normas de direito administrativo.

            E para o efeito - reportando-nos ao caso em análise -, antolha-se, naturalmente, insuficiente a (simples) circunstância de a execução da obra em causa poder estar de algum modo ligada a um qualquer dos múltiplos domínios de actividade que ao Município cabe prosseguir ou promover/apoiar (cf. o art.º 23º, n.ºs 1 e 2, alínea f), do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12.9).[14]

            Ora, devendo-se atender ao pedido formulado pelo requerente, baseado na relação material concreta por ele invocada, e porque a competência material do tribunal determina-se segundo os termos em que foi posta a acção (in casu, o procedimento), dúvidas não restam de que o direito que o requerente invoca e os factos que alega na petição para o fundamentar (cf. ponto I, supra), emergem de uma relação jurídica de direito privado, cabendo à jurisdição comum a sua apreciação.

             13. Dir-se-á, por último, atentos os elementos disponíveis, que não será de aplicar ao caso vertente o disposto no art.º 399º do CPC, porquanto não estamos perante uma relação jurídico-administrativa mas, sim, como vimos, uma relação jurídica de direito privado, e não é a natureza pública do requerido que poderá obstar ao uso do procedimento cautelar regulado nos art.ºs 397º e seguintes do CPC.[15]

            14. Não sendo atribuída a outra jurisdição o conhecimento da matéria objecto do presente procedimento cautelar, deverá concluir-se pela competência dos tribunais comuns - o Tribunal a quo tem assim competência para a sua apreciação.


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            III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, devendo o tribunal recorrido, por competente, apreciar o embargo de obra nova, se a tanto outra causa não obstar.

            Sem custas.


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20.4.2016

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernanda Ventura


[1] No final da petição inicial, o 1º requerente informou que decorre o Processo de Interdição das restantes requerentes sob o n.º 26/14.7T9CNF, cujo estado desconhece, e requereu a sua nomeação como “curador incidental”, nos termos do n.º 4 do art.º 17 do CPC.
[2] Sempre se dirá que é duvidoso que se devesse aplicar à situação dos autos o disposto no art.º 641º, n.º 7, 1ª parte, do CPC, na medida em que, por um lado, a Mm.ª Juíza a quo não indeferiu liminarmente o “requerimento inicial de procedimento cautelar” e decidiu absolver o requerido da instância [independentemente da bondade do assim formalmente decidido…], e, por outro lado, porque também se poderia colocar a questão da eventual (in)conveniência na audição do requerido  [cf., ainda, nomeadamente, o preceituado nos art.ºs 99º, n.º 1; 226º, n.º 4, alínea b); 366º, n.º 1; 590º, n.º 1; 629º, n.º 3, alínea c) e 641º, n.º 7, in fine, do CPC de 2013; sobre estas matérias e em comentário ou anotação a algumas normas similares do CPC de 1961, vide, entre outros, A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, 1981, pág. 141; J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 193 e seguinte, e Vol. 2º, 2001, págs. 24 e seguinte e 137 e seguinte; e C. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª edição, 2004, págs. 126 e 352].  
[3] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 91 e 95 e os Acórdãos do STJ de 12.01.1994, 22.01.1997, 20.5.1998 e 26.6.2001, in CJ-STJ, II, 1, 38 e V, 1, 65; BMJ, 477º, 389 e CJ-STJ, IX, 2, 129, respectivamente.
[4] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 01.3.2007-processo 4669/2006 e do Tribunal de Conflitos de 07.7.2009-processo 011/09 e 07.10.2009-processo 01/09, publicados no “site” da dgsi.
[5] Manual de Direito Administrativo, tomo I, 10 edição, pág. 44 e nota (1).
[6] Ibidem, tomo I, pág. 431.
[7] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 1991, pág. 643.
[8] Publicado no BMJ, 311º, 195.
[9] Vide, sobretudo, o citado acórdão do STJ de 26.6.2001.
   Sobre a matéria, vide ainda, numa perspectiva histórica (a partir do 3º quartel do séc. XIX…), Prosper Weil, O Direito Administrativo, Almedina, 1977, sobretudo, págs. 67, 68 e 77.
[10] Vide Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 518.
[11] Vide J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa - Lições, 3ª edição, 2000, pág. 79.
[12] Cf., cremos que em idêntico sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 20.6.2012-processo 011/11, 15.5.2013-processo 024/13, 10.9.2014-processo 016/14 (versando uma situação com alguma similitude com o caso vertente), 25.9.2014-processo 027/14, 30.10.2014-processo 015/14 e 04.02.2016-processo 046/15, publicados no “site” da dgsi.

  Relativamente a situações de eventual responsabilidade jurídica extracontratual de pessoas colectivas de direito público, da competência da jurisdição administrativa, cf., nomeadamente, os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 14.3.2006-processo 018/05 [estava em causa a execução do Plano Director Municipal pelo respectiva Autarquia Local], 04.4.2006-processo 027/05 [o embargo recaía sobre obras efectuadas pela Câmara Municipal, para melhoramento da rede de iluminação pública do Município, actividade de gestão pública de iluminação das ruas da respectiva área territorial], 07.10.2009-processo 01/09 [procedimento cautelar de embargo de obras em que o requerente pediu a suspensão de obras objecto de um contrato de empreitada de obras públicas, conexionado com uma acção principal em que se pretendia obter uma reparação de danos com fundamento em responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público] e 16.02.2012-processo 018/11 [a obra em causa foi levada a cabo pela Administração da Região Hidrográfica do Algarve I. P., em execução do Plano de Ordenamento da Orla Costeira, ou seja, no exercício de actos de gestão pública praticados no exercício de poderes de autoridade sobre particulares], arestos indicados na decisão recorrida, para suporte da mesma, publicados no “site” da dgsi.

   Versando igualmente casos em que releva a natureza administrativa da situação problemática e, daí, a competência da jurisdição administrativa, cf., ainda, entre outros, os acórdãos do STJ de 24.01.2002 e da RC de 20.01.2015-processo 61/14.5TBPNC.C1 [relatado pela aqui 1ª adjunta e assim sumariado: «1. O pedido de ratificação judicial de um embargo extrajudicial de obra levada a cabo por uma empresa pública concessionária de serviços públicos, no âmbito do fim típico da sua atividade, com fundamento na violação do direito de propriedade do requerente, poderá enquadrar-se num litígio que tem por objeto “a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público”, encontrando-se abrangido pela alínea g), do n.º 1 do art.º 4º do ETAF. 2. Tal litígio, implicando o julgamento da licitude de uma atividade de gestão pública, na satisfação de interesses públicos e coletivos, enquadrada por normas de direito público, emerge de relações jurídicas de cariz administrativo, integrando-se igualmente na cláusula geral contida no n.º 1 do citado art.º 4º, incumbindo a sua apreciação aos tribunais administrativos.»], publicados na CJ-STJ, X, 1, 57 e no “site” da dgsi, respectivamente.
[13] Cf. o cit. acórdão do Tribunal de Conflitos de 20.6.2012-processo 011/11.
[14] Preceitua o referido art.º 23º (sob a epígrafe “atribuições do município”, na redacção conferida pela Lei n.º 69/2015, de 16.7):
   1 - Constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respectivas populações, em articulação com as freguesias.
   2 - Os municípios dispõem de atribuições, designadamente, nos seguintes domínios: a) Equipamento rural e urbano; b) Energia; c) Transportes e comunicações; d) Educação, ensino e formação profissional; e) Património, cultura e ciência; f) Tempos livres e desporto; g) Saúde; h) Acção social; i) Habitação; j) Protecção civil; k) Ambiente e saneamento básico; l) Defesa do consumidor; m) Promoção do desenvolvimento; n) Ordenamento do território e urbanismo; o) Polícia municipal; p) Cooperação externa.
[15] Cf., ainda, designadamente, C. Lopes do Rego, ob. e vol. cit., pág. 377 e J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2º, cit., pág. 148 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 17.02.1994 e 04.3.1997, in CJ-STJ, II, 1, 114 e V, 1, 125, respectivamente.