Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1691/07.7PBAVR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
ACTO PROCESSUAL
EXTEMPORANEIDADE
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 03/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 97º Nº 5, 119º, 120º E 123º CPP E 145º Nº 8 CPC
Sumário: I - A decisão que indefere o pedido de dispensa ou redução da multa por prática de acto processual fora do prazo legal, deve observar o disposto no art. 97º, nº 5 do CPP, especificando os fundamentos de facto e de direito.

II – A ausência de tais fundamentos não consubstancia nulidade insanável ou sanável, mas antes uma simples irregularidade, a arguir tempestivamente pelo interessado.

Decisão Texto Integral: Relatório

Por despacho de 5 de Janeiro de 2010, proferido pela Ex.ma Juíza da Comarca do Baixo Vouga - Aveiro - Juízo de Média Instância Criminal - Juiz 3, foi indeferido o requerimento do arguido AM..., que solicitava, ao abrigo do art.145.º, n.º8 do Código de Processo Civil, a dispensa ou redução da multa, pela prática de acto processual no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo.

Inconformado com despacho de 5 de Janeiro de 2010, dele interpôs recurso o arguido AM..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. Por requerimento apresentado nestes autos em 18 de Dezembro de 2009, o aqui recorrente requereu a dispensa ou redução de multa devida por prática do acto ( interposição de recurso) no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo.
2. Para tanto alegou que: “ face à sua manifesta insuficiência económica, uma vez que está desempregado e encontra-se actualmente sujeito a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação à ordem do processo crime n.º 514/09.7GEGMR que tem os seus termos pela Secção Única do Ministério Público do Tribunal Judicial de Felgueiras – cfr. Cópia despacho que se junta sob doc. n.º 1 o que se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais –, não tem, nem teve nos últimos três anos, qualquer salário ou rendimento – a não ser RSI -, nem tem bens, que lhe permitam fazer face ao pagamento da mesma. O seu agregado é composto por si, companheira e duas filhas menores que, só consegue sustentar e sobreviver com o auxílio da Segurança Social, através do RSI, e da ajuda de familiares e amigos. Inclusivamente solicitou, no âmbito destes autos, protecção jurídica na modalidade de despensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Para prova do alegado requer que seja oficiado a competente repartição de finanças para vir juntar aos autos cópias de declaração de IRS do requerente relativas ao ano de 2008 e 2007, bem como, seja oficiada à Segurança Social da área da sua residência, para vir juntar aos autos histórico laboral do aqui requerente e informação sobre quaisquer subsídios atribuídos nos anos de 2006, 2007 e 2008.”.
3. Acresce que, conforme resulta dos autos, nomeadamente do douto acórdão, como supra se referiu o agregado do recorrente é composto por si, companheira com a qual reside em união de facto e filhos estando integrados no agregado dos pais, “ agregado esse com cerca de dezassete elementos e que beneficia da intervenção de instituições da Segurança Social, designadamente em razão de negligência ao nível dos cuidados de higiene e de saúde aos filhos e desvalorização do contexto escolar, residindo em habitação social com diminutas condições de habitabilidade e higiene, sendo a subsistência do agregado garantida por rendimento social de inserção no valor de € 520, acrescido do abono de família no valor de € 180”.
4. Porém, foi esse requerimento de dispensa ou redução da multa, nos termos e pelos fundamentos já supra indicados e que aqui se dão por reproduzidos, indeferido;
5.Contudo, com o devido respeito e salvo melhor opinião, o Mmo. Juiz no douto despacho de fls…., não se pronunciou sobre os fundamentos de facto e de direito invocados, limitando-se apenas a afirmar que a “ faculdade prevista no n.º8 do art.145.º do Código de Processo Penal é excepcional ( referindo-se a lei, designadamente, a hipóteses em que o acto não tenha sido praticado por Mandatário forense), não tendo sido invocadas circunstâncias cuja eventual excepcionalidade possa fundamentar a dispensa da sanção pecuniária ( que tem natureza diversa das custas processuais cuja dispensa de pagamento o requerente terá solicitado já aos serviços competentes – fls. 416 e seg.s) devida pela apresentação do recurso no 3.º dia útil posterior ao termo do prazo legalmente estabelecido para o efeito 8 cfr. Fls. 245, 248, 307, 326).”;
6. Ora, no douto despacho aqui posto em crise, o Mmo. Juiz indefere a pretensão do arguido/requerente sustentando-se unicamente na excepcionalidade da faculdade prevista no n.º 8 do artigo 145.º do Código de Processo Civil e no alegado facto de não terem sido invocadas circunstâncias que pudessem fundamentar a dispensa da pena, sem esclarecer as premissas que permitiram essa conclusão;
7. Dispõe o artigo 145.º, n.º5 do Código de Processo Civil ex vi art.107.º, n.º5 do Código de Processo Penal: “ Independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa (…).”
8. Mais dispõe o artigo 145.º, n.º8 do Código de Processo Civil ex vi art.107.º, n.º5 do Código de Processo Penal: “ O Juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadame3nte nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte.
9. Ora, de acordo com as disposições que vimos de reproduzir, qualquer sujeito processual – que esteja sujeito a prazos peremptórios – pode praticar acto processual peremptório dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade apenas dependente do pagamento imediato de uma multa, a qual pode ser reduzida ou o seu pagamento dispensado pelo Mmo Juiz titular do processo, nas circunstâncias e condições consignadas no n.º 8 do citado artigo 145.º do Código de Processo Civil;
10. No caso sub júdice, foi exactamente o que ocorreu. Ou seja, o arguido AM..., notificado do douto acórdão condenatório, interpôs recurso de facto e de direito com reapreciação da prova gravada, no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, nos termos do disposto nos artigos 401.º, n.º1, b), 411.º, n.º1 e 4, 107.º, n.º5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.º5 do Código de Processo Civil. De imediato requereu, nos termos do n.º8 do art.145 do Código de Processo Civil ex vi art.107.º, n.º5 do Código de Processo Penal, a dispensa ou redução da multa devida, alegando circunstância de facto que integrariam, no seu entendimento, a manifesta carência económica e a desproporcionalidade da multa , solicitando também a produção de meio de prova. Mais requereu que, se assim não se entendesse a passagem imediata de guia para proceder ao pagamento, nos termos do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal;
11. Pelo exposto, o indeferimento da dispensa da multa ou a sua redução só poderia ocorrer se o Tribunal a quo, depois de analisada, ponderada e compulsada toda a prova produzida ao longo do processo e a que eventualmente se viesse a produzir, conforme requerido, ou outra que entendesse oficiosamente ordenar, considerasse não existir manifesta carência económica e considerasse também que o respectivo montante da multa não se revelava desproporcionado;
12. Contudo, tal não foi o que aconteceu nos presentes autos. Aqui, o Tribunal a quo, arbitrariamente e em violação da lei – nomeadamente a supra citada – , entendeu que o regime em causa só era aplicável “ nas hipóteses em que o acto não tenha sido praticado por mandatário forense”, o que salvo o devido respeito tal não resulta expressamente da lei. Neste caso, “ de multas pelo atraso na prática de um acto processual”, o regime em causa estatui e estabelece as condições em que os actos processuais peremptórios podem ser praticados fora do prazo e em condições é que as multas devidas pela prática desses actos fora de prazo, de cujo pagamento depende a validade do acto, podem ser reduzidas ou o seu pagamento dispensado.
13. Pelo exposto, carece de qualquer fundamento de facto e de direito a douta decisão do Mmo Juiz do Tribunal a quo, tendo o douto despacho violado o disposto nos artigos 107.º, n.º5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.º5 do Código de Processo Civil e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
14. Sem prescindir, salvo o devido respeito, afigurasse-nos evidente, compulsado toda a prova produzida e tendo em conta as circunstâncias actuais de reclusão do arguido que no caso vertente estamos perante uma situação de manifesta insuficiência económica.
15. Logo, não possuindo o arguido/recorrente meios económicos para poder fazer face ao pagamento da multa – multa essa ( na integra, reduzida ou dispensada) que é condição de validade da interpretação de recurso de acórdão condenatório em 17 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição do arguido se sujeitar visando especialmente o afastamento da toxicodependência e a procura e manutenção de actividade laboral – deveria e deverá a mesma ser dispensada ou reduzida, conforme se requereu.
16. Acresce que o Tribunal a quo não efectuou qualquer diligência, embora tivessem sido requeridas, no sentido de se apurar a existência ou não de meios económicos, verificando-se uma omissão quer de pronúncia – porque não se pronunciou quanto aos meios de prova requeridos -, quer de diligências de prova que se afiguravam essenciais a boa decisão da causa, o que se aqui se alega para os devidos e legais efeitos.
17. Logo, para além de o douto despacho não ter qualquer fundamento de facto e de direito e de neste se violar o estatuído nos artigos 107.º, n.º5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 8 do Código de Processo Civil, é certo que, no nosso entendimento há uma insuficiência de fundamentação – o que consubstancia uma nulidade nos termos do art.120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal que aqui se suscita para os devidos e legais efeitos.
18. No nosso entender e com o devido respeito, o Tribunal a quo não averiguou, nem valorou, como devia, a situação económica do arguido, a qual já no fundo se encontrava espelhada nos autos e no próprio douto Acórdão, tendo antes preferido simplesmente indeferir o requerido, omitindo assim diligências que se reputavam essenciais para a descoberta da verdade e não se pronunciando sobre fundamentos de facto e de direito que permitiriam, salvo o devido respeito e melhor opinião, decidir em sentido inverso.
19. Acresce que estando em causa a prática de um acto essencial para garantir e assegurar o direito ao recurso num processo em que o arguido foi condenado em pena de prisão, a multa afigurasse desproporcional, uma vez que a essencialidade e relevância do acto requer maior ponderação e estudo e, normalmente, tem subjacente um grau de dificuldade e complexidade do assunto, que não existirá em actos menos importantes ou meramente instrumentais, o que tudo terá reflexos no tempo necessário para a prática do acto, que será naturalmente maior. Isso mesmo verifica-se amiúde com os actos a praticar e decisões a proferir pelos Mmos. Juízes os quais, por vezes, são praticados ou proferidos para além dos prazos dilatórios processualmente definidos ou no seu terminus.
20. Pelo exposto, salvo o devido respeito e melhor opinião, o citado despacho deverá ser revogado e ordenada a sua reforma, dispensando-se ou reduzindo-se a multa devida pelo arguido/recorrente AM....
21. Disposições violadas: As referidas supra, nomeadamente os artigos 97.º, n.º 5, 107.º, n.º 5, 120.º, n.º 2, d), 379.º, n.º1, c) do Código de Processo Penal, bem como, artigos 32.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa e 145.º, n.º 5 e 8 do Código de Processo Civil, e as demais que V.Exias suprirão.
Termos em que se deverá revogar o douto despacho e substituir-se por outro que dispense ou reduza a multa devida pelo requerente AM...,
ou, se se entender haver insuficiência de elementos de prova, se ordene a realização das diligências de prova requeridas ou que se ordene outras que se reputem necessárias e que, a final, se dispense ou reduza a multa devida pela prática do acto no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo,
ou, se assim não se entender, o que não se concebe, nem se concede, se ordene a passagem de guias para pagamento da multa devida, nos termos do art.107.º-A do Código de Processo Penal.

O Ministério Público na Comarca do Baixo Vouga respondeu ao recurso pugnando pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro, que acolha a pretensão do recorrente.

A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, dado que “ não obstante o entendimento de que demonstrada estava a insuficiência económica do arguido, não se conhece o quantum pois nenhum facto foi alegado que permitisse ao julgador apreciar e decidir se este podia beneficiar da dispensa total do pagamento da multa ou da sua redução, sendo também certo que o recorrente estava e está representado por mandatário…”.

Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 , do Código de Processo Penal, respondeu o arguido ao parecer, mantendo concluindo como na motivação do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho recorrido, de 05-01-2010, tem o seguinte teor:

« A faculdade prevista no n.º 8 do art. 145.º do CPP é excepcional (referindo-se a lei, designadamente, a hipóteses em que o acto não tenha sido praticado por Mandatário forense), não tendo sido invocadas circunstâncias cuja eventual excepcionalidade possa fundamentar a dispensa da sanção pecuniária (que tem natureza diversa das custas processuais cuja dispensa de pagamento o requerente terá solicitado já aos serviços competentes - fls. 416 e seg.s) devida pela apresentação do recurso no 3.º dia útil posterior ao termo do prazo legalmente estabelecido para o efeito (cfr. fls. 245, 248, 307, 326).
Indefere-se pois o requerimento para dispensa ou redução da aludida sanção, devendo consequentemente ser emitidas guias, como subsidiariamente requerido a fls. 432

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente arguido as questões a decidir são as seguintes :
- se o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 97.º, n.º5, do C.P.P. e 205.º da C.R.P., sendo nulo, por insuficiência de fundamentação, nos termos do art.120.º, n.º 2, alínea d) do C.P.P.; e
- se o despacho recorrido, violou o disposto no art. 145.º, n.ºs 5 e 8 do C.P.C., aplicável por força do art.107.º, n.º5 do C.P.P., no art.379.º, n.º1, alínea c) do C.P.P., e ,ainda, o art.32.º da C.R.P., ao indeferir o requerimento do arguido para dispensa ou redução da multa por este devida.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.
Este princípio constitucional é extensivo a todos os ramos do direito, designadamente ao processo criminal.
No âmbito deste princípio, o art.97.º, n.º5 do Código de Processo Penal, estabelece que « os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.».
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva o objectivo de tal dever de fundamentação, imposto pelos sistemas democráticos, é permitir “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça , por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina .” Obra citada, pág. 294. .
Vistos os fins da fundamentação, estamos com a doutrina e a jurisprudência que defendem que quer a total ausência de fundamentação, quer a parcial ausência de fundamentação devem ser entendidas como falta de fundamentação, pois inexiste meia fundamentação. Cfr. Dr. Paulo Saragoça da Matta, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Almedina , pág. 265; e acórdãos do STJ, de 16 de Novembro de 2005 ( CJ, n.º 187, pág. 210) e do Trib. Const. de 17/4/1997, ( www.tribunalconstitucional.pt).
Pese embora a fundamentação seja exigível em qualquer despacho, nos despachos de indeferimento de pretensão do arguido exige-se particular cuidado na fundamentação.
O artigo 118.º do CPP estabelece que «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei» (n.º 1); quando assim não suceder, o acto ilegal é irregular (n.º 2).
A norma enuncia o princípio da tipicidade ou da legalidade, pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm como consequência a nulidade do respectivo acto, sendo razões de economia processual e boa fé processual as que baseiam tal diferenciação.
Dentro das nulidades, o Código de Processo Penal distingue as nulidades insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119.º, e as nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos 120.º e 121.º, regulando o artigo 122.º os efeitos de declaração de nulidade.
O artigo 123.º estabelece o regime das irregularidades.
As nulidades insanáveis são as que constam do artigo 119.º do CPP e ainda as que forem, como tal, identificadas em outras disposições do código. Os comportamentos elencados nas seis alíneas do artigo 119.º respeitam à constituição do tribunal colectivo ou às regras que regulam a sua composição (alínea a)), à falta de promoção do processo pelo Ministério Público e à ausência deste em actos a que devia estar presente (alínea b)), à ausência do arguido e seu defensor quando devam estar presentes (alínea c)), à falta de inquérito ou de instrução quando sejam obrigatórios (alínea d)), à violação das regras de competência do tribunal, com ressalva do n.º 2 do artigo 32.º (alínea e)), e, por fim (alínea f)), refere a norma, como fundamento de nulidade insanável, o emprego de forma de processo especial em casos não previstos legalmente.
De acordo com o n.º 1 do artigo 120.º, «qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte».
Entre as quatro alíneas do n.º 1, artigo 120.º do Código de Processo Penal , importa aqui considerar a alínea d), que estabelece constituir, nulidade sanável, « a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.».
De acordo com o preceituado na (alínea c)), n.º 3 do artigo 120.º do CPP, se a nulidade disser respeito ao acto de inquérito ou de instrução a que o interessado não tenha estado presente, o prazo de arguição é o proferimento da decisão instrutória; não tendo havido instrução, o prazo é de cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.
« Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes, a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.» ( art.123.º, n.º1, do C.P.P.).
A arguição deve ter lugar perante o tribunal que cometeu a irregularidade, deste modo lhe possibilitando a respectiva reparação ou, se o não fizer, permitindo ao sujeito processual afectado a interposição do competente recurso ( n.º2).
No presente caso, o recorrente AM... invoca a nulidade do despacho recorrido , por insuficiência de fundamentação, porquanto o Tribunal a quo não analisou e ponderou toda a prova produzida ao longo do processo e a que eventualmente se viesse a produzir e não esclareceu as premissas que o levaram à conclusão que não se verificavam os requisitos exigidos no n.º 8 do art.145.º do C.P.C. para a dispensa ou redução da multa.
Vejamos.
O despacho recorrido é uma decisão sintética, que remete quer para os termos de uma norma, quer para as circunstâncias descritas no requerimento do arguido, que permitiriam o deferimento da pretensão.
Para o indeferimento do pedido de dispensa ou redução da multa, uma norma, o despacho recorrido fundamenta-se, por um lado, no disposto no n.º 8 do art.145.º do Código de Processo Civil e no carácter excepcional desta faculdade, com aplicação, de acordo com a lei, designadamente a hipóteses em que o acto não foi praticado por mandatário forense e, por outro lado, fundamenta-se no facto de as circunstâncias que o requerente alegou não serem excepcionais, que possam fundamentar a dispensa da sanção pecuniária, esclarecendo que a dispensa de pagamento das custas processuais, que o requerente terá já solicitado aos serviços competentes, tem natureza diversa da sanção pecuniária devida pela apresentação do recurso no 3.º dia útil posterior ao termo do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
Considerando o exposto, pese embora a decisão não seja modelar na fundamentação quanto ao esclarecimento das premissas da decisão, cremos que, ainda assim, se entende, minimamente, em termos lógicos e racionais, a razão pela qual o Tribunal a quo decidiu indeferir o pedido de dispensa ou redução da multa por prática de acto processual fora do prazo legal.
Entende-se também, da decisão, que em face da falta de alegação de circunstâncias excepcionais que possam fundamentar a dispensa ou redução da sanção pecuniária, ficou prejudicada a análise e ponderação de toda a prova produzida ao longo do processo e a que eventualmente se viesse a produzir.
Assim, o despacho recorrido não violou, por falta de fundamentação, o disposto nos artigos 97.º, n.º5, do C.P.P. e 205.º da C.R.P,.
Aliás, a haver-se inobservado o disposto no art.97.º, n.º5, do C.P.P., o que não aconteceu, a situação não configurava a nulidade a que alude o art.120.º, n.º 2, alínea d) do C.P.P., mas uma simples irregularidade, que por não haver sido arguida oportunamente há muito se teria sanado.
Assim, improcede esta questão.
Segunda questão.
A decisão desta questão torna necessária uma breve referência às disposições legais que o recorrente alega terem sido violadas.
O art.32.º da Constituição da República Portuguesa, prevê os chamados princípios materiais do processo criminal, condensados na fórmula geral do seu n.º1: « o processo criminal assegura as garantias de defesa, incluindo o recurso.».
A ideia geral que pode formular-se a respeito do princípio da defesa, para além das possíveis concretizações consignadas nos n.ºs 2 e seguintes do art.32.º, é a de que o processo criminal há-de configurar-se como um “due processo of law”, um processo equitativo e leal.
Desta cláusula constitucional resulta, designadamente, que devem considerar-se ilegítimas eventuais normas processuais ou procedimentos aplicativos delas, que permitam a tomada de decisão judicial sem que antes lhe seja concedida ao arguido a possibilidade de tomar posição sobre os factos imputados, defendendo-se, se e como entender.
O art.379.º, n.º1, alínea c) do C.P.P., estatui que é nula a sentença, « quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».
O n.º 5 do art.107.º, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pelo DL n.º 317/95, de 28 de Novembro, veio prescrever que, « independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações.».
O Código de Processo Civil, no n.º 5, do art.145.º, na actual redacção, introduzida pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, estipula que « independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa…», que varia consoante o acto for praticado no primeiro dia ( al.a), no segundo dia ( al. b) ou no terceiro dia ( al.c).
Por força do art.107.º-A, do Código de Processo Penal, aditado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, a sanção pela prática extemporânea dos actos processuais nos termos daquele n.º 5, do art.145.º, do C.P.C., não é a prevista nesta norma processual civil, mas sim naquele novo preceito processual penal.
O n.º 8, do art.145.º, do C.P.C - na redacção introduzida pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro e aplicável aos recursos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009 - dispõe, por sua vez, que «O juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte.».
Este n.º 8 do art.145.º do C.P.C., corresponde ao n.º7 do mesmo preceito, na redacção do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a que foram acrescentados o termo excepcionalmente e a expressão designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte.
De acordo com o preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, que veio aditar o referido n.º 7 ao art.145.º do C.P.C., o legislador pretendeu rever o regime “relativo ao direito de praticar o acto processual nos três dias subsequentes ao termo de um prazo peremptório no sentido de assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e a igualdade substancial das partes, facultando ao Juiz a concreta adequação da sanção patrimonial correspondente ao grau de negligência da parte ou à eventual situação de carência económica do beneficiário do exercício do direito.”
Em face do exposto, não sendo alegado justo impedimento, o sujeito processual só poderá praticar o acto processual extemporâneo, sem pagamento de uma das sanções previstas no art.107.º-A, do Código de Processo Penal, se o juiz, excepcionalmente, e ao abrigo do n.º8 do art.145.º do C.P.C., determinar a redução ou dispensa do pagamento de multa mas, para que isso se verifique, é necessário que se demonstre existir uma situação de manifesta carência económica da parte para poder efectuar o pagamento da referida multa ou, então, que o valor desta se apresenta manifestamente desproporcionado face ao acto a praticar.
A propósito da situação de redução ou isenção da multa “quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado”, o Prof. Lebre de Freitas defende que a desproporção a considerar é por comparação à gravidade da prática do acto fora de tempo, definida pela essencialidade do acto para a parte e pela medida da sua culpa no atraso verificado. Como actos essenciais para a parte indica, entre outros, a interposição de recurso; e como actos menos importantes, a resposta a certas arguições de nulidades ou impugnação de certos documentos, concluindo que, só no segundo caso, se compreende que “…a multa se possa revelar concretamente desproporcionada.”
Quer no caso de manifesta carência económica da parte, quer quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, o mesmo Professor sustenta que deverão ser invocadas, pela parte, as circunstâncias concretas que poderão levar à redução ou à isenção da multa, sem prejuízo do juiz poder oficiosamente reduzir ou dispensar a multa quando tais circunstâncias resultem já do processo. “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, pág. 255.
No caso em apreciação, o arguido AM... não menciona no seu requerimento, para efeito da dispensa ou redução da multa, a situação do “respectivo montante se revelar manifestamente desproporcionado”e, correspondentemente, não alegou motivos relativos ao grau de negligência no atraso verificado na prática do acto.
Por outro lado, a gravidade da prática do acto fora de tempo, definida pela essencialidade do acto para o arguido, é elevada, porquanto se trata da interposição de um recurso, pelo que, perante este acto processual, o montante da multa não se revelaria manifestamente desproporcionado.
Para a dispensa da multa devida ou a sua redução, ao abrigo do disposto no art. 145.º, n.º 8 do C.P.C, ex vi do art.107.º, n.º 5 do C.P.P., o arguido AM... alegou apenas a sua manifesta insuficiência económica.
Referiu, para fundamentar o pedido, que está desempregado e não tem, nem teve nos últimos três anos, qualquer salário ou rendimento, a não ser RSI, nem tem bens que lhe permitam fazer face ao pagamento da mesma.
Actualmente encontra-se sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação noutro processo-crime.
O seu agregado é composto por si, companheira e duas filhas menores que, só consegue sustentar e sobreviver com o auxílio da Segurança Social, através do RSI, e da ajuda de familiares e amigos.
Inclusivamente solicitou, no âmbito destes autos, protecção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Para prova do alegado, juntou cópia do despacho que lhe aplicou a citada medida de coação e requereu que fosse oficiado à competente repartição de finanças para vir juntar aos autos cópias de declaração de IRS do requerente relativas ao ano de 2008 e 2007, bem como fosse oficiado à Segurança Social da área da sua residência, para vir juntar aos autos histórico laboral do aqui requerente e informação sobre quaisquer subsídios atribuídos nos anos de 2006, 2007 e 2008.
Vejamos.
Estando em causa a dispensa ou redução de multa, por manifesta insuficiência económica, entendemos que não é motivo, para indeferir o requerimento do AM..., a circunstância do acto extemporâneo ter sido praticado por advogado.
Como entendemos que não é motivo, para o seu deferimento, a solicitação – ou mesmo a concessão – do pedido de protecção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pois para a concessão do apoio judiciário basta alguma debilidade económica e para a dispensa ou redução da multa é necessária prova de “manifesta carência económica”.
O recorrente alega que do douto acórdão junto aos autos consta que o agregado do recorrente “é composto por si, por uma companheira com a qual reside em união de facto e filhos estando integrado no agregado dos pais, agregado esse com cerca de dezassete elementos e que beneficia da intervenção de instituições da Segurança Social, designadamente em razão de negligência ao nível dos cuidados de higiene e de saúde aos filhos e desvalorização do contexto escolar, residindo em habitação social com diminutas condições de habitabilidade e higiene, sendo a subsistência do agregado garantida por rendimento social de inserção no valor de € 520, acrescido do abono de família no valor de € 180.”.
O Ministério Público não questiona esta transcrição, acrescentando, na resposta ao recurso, que a precária situação económica do recorrente resultava designadamente dos factos dados como provados na sentença.
Considerando a situação sócio-económica do arguido que resulta do aludido acórdão e que o mesmo se encontra sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, cremos que se deve concluir que o requerente/arguido vive num quadro de notória escassez de recursos para fazer face às necessidades básicas, ou seja, de pobreza, e, consequentemente, temos como verificada a situação de manifesta carência económica do arguido.
Deste modo, entende-se fazer uso da faculdade, excepcional, prevista no n.º8 do art.145.º do Código de Processo Civil, e dispensar o arguido do pagamento da multa, por apresentação do requerimento de interposição do recurso de acórdão condenatório no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo.
Procede, assim, o recurso.


Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AM... e, revogando o despacho recorrido, decide-se, nos termos do art. 145.º, n.º 8 do C.P.C., aplicável por força do art.107.º, n.º5 do C.P.P., dispensar o arguido da multa devida por apresentação extemporânea do citado requerimento de interposição de recurso do acórdão condenatório proferido nos presentes autos.
Sem custas.
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Orlando Gonçalves (Relator)
Alice Santos