Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
685/13.8TACLD-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
TEP
TRIBUNAL DA CONDENAÇÃO
MANDADOS DE DETENÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CRIMINAL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 470.º, 471.º E 478.º, DO CPP; ARTS. 17.º, 97.º, N.º 2, 138.º, N.º 4, ALS. T) E X), DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE (CEPMPL)
Sumário: Pertence ao tribunal da condenação, não ao TEP, a emissão de mandados de detenção visando o cumprimento, pelo condenado, de pena de prisão imposta por sentença transitada em julgado.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

            A - Relatório:

1. No âmbito do Processo Comum (Tribunal Coletivo) n.º 685/13.8TACLD, da Comarca de Leiria, Juízo Central Criminal de Leiria – J2, em 19/9/2017 e em 22/9/2017, foram proferidos, respetivamente, os seguintes Despachos:

            “Fls. 141:

            “Arguido A...

            Cumpra o disposto no artigo 477.º, do Código de Processo Penal, desde já se declarando, nos termos do disposto no artigo 138.º, n.ºs 2 e 4, alínea t), do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, o Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, e, portanto, os presentes autos, materialmente incompetentes para proceder à emissão dos mandados de detenção do arguido a fim de o mesmo cumprir a pena em que foi condenado, mais declarando competente para o efeito o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra.”

            “Fls. 147:

            Oficie ao Tribunal de Execução de Penas de Coimbra informação acerca da emissão dos mandados de detenção para cumprimento das penas de prisão impostas aos arguidos A... e B...,

            Quanto á emissão de tais mandados, desde já se declara, nos termos do disposto no artigo 138.º, n.ºs 2 e 4, alínea t), do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, o Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, e, portanto, os presentes autos, materialmente incompetentes para proceder à emissão dos mandados de detenção do arguido a fim de o mesmo cumprir a pena em que foi condenado, mais declarando competente para o efeito o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra.”

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            2. Inconformado com tais Despachos, deles recorreu o Ministério Público, em 27/9/2017, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1ª – Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público dos doutos despachos de fls. 141 e 147., nos quais se declarou materialmente incompetente o Juízo Central Criminal da Comarca de Leiria e competente o Tribunal de Execução das Penas de Coimbra para proceder à emissão dos mandados de detenção do arguido A... a fim de cumprir a pena de prisão em que foi condenado por douto Acórdão proferido no dia 18 de outubro de 2016, transitado em julgado no dia 15 de dezembro de 2016.

2ª -- Do cotejo das dispões legais conjugadas dos artigos 467º, nº 1, 470º, nº 1, 477º, nºs. 2 e 4, todos do Código de Processo Penal e 138º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, resulta que:

a) Se “as decisões penais condenatórias transitada em julgado têm força executiva”;

b) Se a “execução da pena corre nos próprios Autos perante o Tribunal de 1ª Instância em que processo”;

c) Se a alteração legislativa efectuada ao disposto no artigo 477º, nºs. 2 e 4, do Código de Processo Penal manteve intocáveis as competências do Ministério Público junto do Tribunal da condenação para proceder ao cômputo da pena, o qual deverá ser objecto de homologação pelo Juiz;

d) Se compete ao Tribunal de Execução das Penas, para além do mais, “acompanhar a execução das penas”,

3ª -- Impõe-se concluir que tudo pressupõe que o condenado se encontre em efectivo cumprimento de pena, pois sem a detenção e subsequente sujeição a reclusão do condenado, mostrar-se-á impossível proceder ao cômputo da pena em que este foi condenado, nos termos do disposto no artigo 477º, nºs. 2 e 4, do Código de Processo Penal.

4ª -- Ao decidir como doutamente se decidiu no douto despacho a quo nele foi violado o disposto nos artigos 467º, nº 1, 470º, nº 1, 477º, nºs. 2 e 4, todos do Código de Processo Penal e o disposto no artigo 138º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, razão pela qual deverão ser revogados e mandados substituir por outros nos quais se ordene a emissão de mandados de captura do arguido, a fim de o mesmo dar início ao cumprimento da pena de prisão em que foi condenado.

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            3. O recurso, em 4/10/2017, foi admitido.

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            4. O arguido não apresentou resposta ao recurso.

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            5. Em 23/11/2017, foi proferido o seguinte Despacho:

            “Sustentação:

            Para os efeitos do disposto no artigo 414.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, mantenho a decisão recorrida.

            A decisão recorrida considera que a competência para a emissão dos mandados de detenção para início do cumprimento da pena de prisão é da competência do Tribunal de Execução de Penas.

            Com o devido respeito, no que respeita à competência para a emissão dos mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão em que o arguido foi condenado, recordo, a título de exemplo, recentes decisões jurisprudenciais no mesmo sentido:

            - O Venerando Tribunal da Relação de Coimbra decidiu os Conflitos Negativos de Competência n.º 89/10.4GCFIG-A.C1, de 26/03/2014 e n.º 734/11.4PBFIG-A.C1, de 9/04/2014 e n.º 65/11.0TXCBR-C.c1, de 23/0672016 e no processo n.º 264/12.7GCACB-A.S1, da 5ª secção do STJ, no âmbito do processo n.º 264/12.7GCACB, da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Leiria; sendo conhecidas, no mesmo sentido, as mais recentes decisões de 08 de março de 2017, no processo n.º 484/16.5TXCBR-B.C1, de 07 de abril de 2017, no processo n.º 531/16.0TXCBR-B.C1, de 11 de abril de 2017, no processo n.º 536/16.1TXCBR-B:C1, e de 31 de maio de 2017, no processo n.º 1516/98.2JGLSB.

                                                                       *

            Pelo exposto, mantenho a decisão recorrida.

            No entanto, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, melhor decidirão.”

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6. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 7/12/2017, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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 7. Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo o arguido usado do direito de resposta.

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8. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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III. Apreciação do Recurso:

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P.

A questão a conhecer é a seguinte:

- Saber se a emissão de mandados de captura para cumprimento de pena é da competência do Tribunal da condenação ou do Tribunal de Execução de Penas.

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            Esta questão, como bem refere o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, a fls. 69, não tem merecido tratamento uniforme pela jurisprudência.

            Isso mesmo resulta da Decisão proferida no dia 29/3/2017, em sede de conflito de competência, pelo Exmo. Presidente desta 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo 92/15.8PTLRA-A.C1, in www.dgsi.pt, na qual pode ser lido o seguinte:

            “(…).

Reconhecendo o melindre jurídico da vexata quaestio, tenho como mais conforme à teleologia do CEPMPL a segunda das duas enunciadas posições.

O artigo 138.º, n.º 2, do CEPMLP, delimita a competência do TEP, situando-a impressivamente nos domínios do acompanhamento e fiscalização da pena de prisão, e bem assim da modificação, substituição e extinção, da mesma, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do CPP, norma esta que, perante a entrada em vigor de lei mais favorável, faculta ao condenado a reabertura da audiência de modo a possibilitar a aplicação do novo regime substantivo penal.

Mas as normas já citadas, e outras inclusas no CEPMPL ou na lei adjectiva penal, não definem expressamente o tribunal a quem compete, no concreto caso, a emissão dos mandados de detenção.

Afigura-se-me, contudo, que, por determinismo sistemático e racional, os mandados de detenção, captura ou libertação inscritos na esfera de competência do TEP, previstos nos artigos 17.º, als. a) e b) e c), 23.º e 138.º, n.º 4, al. t), do CMPMPL, são decorrência funcional dos actos cuja prática - cfr. artigo 138.º referido, n.ºs 1, 2 e 4 – está legalmente atribuída àquele tribunal. Dito por outras palavras, compete ao TEP emitir mandados de detenção, captura ou libertação, quando os mesmos se destinem a cumprir/executar decisões que lhe caiba proferir.

Reproduzindo certa passagem contida na resposta apresentada, no âmbito do presente conflito, pelo Sr.ª Juíza do TEP: «previu o legislador, em consonância quer com o disposto no art. 478.º, quer com o estatuído no art. 138.º, n.º 4, al. t), que a detenção pode ter lugar por competência própria de diversos tribunais, em função da competência material do tribunal que proferiu a decisão».

Assim, a título meramente exemplificativo, ao TEP competente emitir mandado de detenção visando a comparência de um libertado condicionalmente a certo acto processual, emitir mandados destinados à captura de recluso que se tenha ausentado ilegitimamente de Estabelecimento Prisional, e também emitir mandados de detenção consequenciais de contumácia declarada ao abrigo do artigo 138.º, n.º 4, alínea x, mas não, por conseguinte, como na situação génese deste conflito, proceder à emissão de mandados de detenção destinados a cumprimento de pena de prisão imposta por sentença transitada em julgado.

(…).

Em síntese conclusiva, os elementos interpretativos, de ordem literal e sistemática, projectam a teleologia das normas consideradas no sentido de a emissão de mandados de detenção contra condenado em pena de prisão, por sentença com trânsito em julgado, pertencer ao Tribunal da condenação” – no mesmo sentido, ver recente Acórdão desta 5ª Secção Criminal, de 18/10/2017, Processo n.º 3466/11.0TALRA-A.C1, relatado pela Exma. Desembargadora Elisa Sales, in www.dgsi.pt.

Acompanhamos a orientação exposta.

            Entendemos que, estando em causa uma pena privativa da liberdade, compete ao Tribunal de Execução de Penas acompanhar e fiscalizar a sua execução e decidir sobre a sua modificação, substituição e extinção.

Todavia, salvo o devido respeito pela posição defendida no despacho recorrido, após o trânsito em julgado da decisão, estando o condenado em liberdade, uma vez que ainda não é possível falar em execução da pena, compete ao tribunal da condenação ordenar a sua detenção e, consequentemente, homologar o cômputo da pena que o Ministério Público apresentar.

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            C - Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes da 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, os despachos recorridos que deverão ser substituídos por outro que ordene a emissão de mandados de detenção do arguido A... para cumprimento da pena em que foi condenado.

Sem tributação.

                                                                       ****
(Texto processado e integralmente revisto pelo relator)

Coimbra, 21 de fevereiro de 2018

José Eduardo Martins (relator)

Maria José Nogueira (adjunta)