Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
472/21.0JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
COAUTORIA
DOLO
CRIME DE RAPTO
CRIME DE HOMICÍDIO
CASAMENTO FORÇADO
ACTOS PREPARATÓRIOS
CONCURSO DE CRIMES
CUMULO JURÍDICO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 05/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE ... – JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM AUDIÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DOS ARGUIDOS E NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Legislação Nacional: ARTIGO 205.º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGOS 127.º, 138.º, N.º 2, 271.º, N.º 4 E 8, 340.º, N.º 1, 374.º, N.º 2 E 3, ALÍNEA B), 379.º, N.º 1, ALÍNEA A), E 412.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGOS 30.º, 77.º, 131.º, 132.º, 154.º-B, 154.º-C, E 161.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CÓDIGO PENAL.
ARTIGO 86.º, N.º 3, DA LEI N.º 5/2006, DE 23 DE FEVEREIRO/REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES
ARTIGOS 8.º, N.º 3, E 496.º, N.º 3, 1ª PARTE, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários e pelo tribunal de recurso e, porque deve ser aferida segundo critérios de razoabilidade, não exige que se proceda a uma análise crítica exaustiva dos meios de prova, nomeadamente com apelo sistemático ao conteúdo concreto da prova, impondo-se esta apenas na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada.

II – A análise crítica da prova impõe-se, sobretudo, relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção, sendo que no que se refere a documentos ou prova pericial se o texto do documento ou o relatório de perícia permitirem, só por si, compreender a decisão do tribunal, não se exige qualquer dissertação sobre eles

III – A realização e a admissibilidade da tomada de declarações para memória futura não está dependente da prévia constituição como arguido, porque podem verificar-se circunstâncias que se sobreponham à delonga inerente à investigação criminal e que, nessa medida, importem, desde logo acautelar.

IV – A omissão de assistência do menor por técnico especialmente habilitado quando preste declarações para memória futura, prevista no artigo 271.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, configura uma irregularidade processual e não uma nulidade insanável.

V – O n.º 8 do artigo 271.º do Código de Processo Penal não impõe a comparência em audiência de quem antes prestou declarações para memória futura, pois se fosse essa a intenção do legislador teria ficado expressamente estabelecido que o tribunal estaria obrigado a tal sempre que, durante a audiência, fossem feitas afirmações contrárias ao que havia sido dito em sede de tais declarações.

VI – A coautoria baseia-se no princípio da divisão de trabalho e distribuição funcional de papéis por acordo, em que cada elemento do grupo participa na resolução comum para a realização do facto e na execução deste, de forma igual ou diferente, fundindo-se cada contribuição num todo unitário e, por isso, o resultado alcançado é de todos e é imputado a todos.

VII – O elemento objetivo da coautoria é a realização conjunta do facto, no sentido de participação direta na sua execução, independentemente dos termos de cada participação individual, resultando a realização conjunta da vontade comum na realização do ilícito, não sendo necessária a intervenção de todos os agentes em todos os atos tendentes à produção do resultado típico pretendido, nem sendo indispensável apurar quem praticou o acto lesivo, bastando que a atuação de cada um seja elemento componente do conjunto da ação, mas indispensável à finalidade a que o acordo se destinava.

VIII – O elemento subjetivo da coautoria é o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada ação típica, que pode acontecer antes da execução do crime, bastante antes da execução podendo até configurar premeditação, ou pode acontecer muito mais tarde, em última análise aquando da execução do facto, quando um agente adira ao que o outro está a fazer, com consciência e vontade de colaboração.

IX – Sendo o dolo um acontecimento do foro interno, só é susceptível de ser apreendido com recurso a factos indiciários, a partir dos quais se possam extrair presunções judiciais geradoras de uma suficiente convicção positiva sobre a sua verificação, tendo o julgador de partir de factos objetivos para aferir até que ponto, da conduta que o agente levou a cabo, se pode extrair que a sua intenção era matar o ofendido, ou que tenha admitido essa possibilidade e se tenha conformado com ela.

X – As circunstâncias relevantes para aferir se um arguido representa como possível a morte do ofendido e se se conforma com tal facto são as anteriores e contemporâneas à realização das agressões, em conjugação com a extensão das lesões apuradas.

XI – O artigo 340.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal permite que seja requerida a produção de meios de prova durante a audiência de julgamento na 1.ª instância, mas tais meios têm de ser supervenientes – artigos 328.º, n.º 3, alínea b), e 360.º, n.º 4, do Código de Processo Penal -, ou cuja junção no momento próprio não foi possível – artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

XII – O crime de rapto constitui um tipo de crime conta a liberdade pessoal de intenção específica, pois aqui a privação da liberdade tem de ser determinada com a finalidade de exercer sobre a vítima alguma das acções que são especificamente referidas no artigo 161.º do Código Penal, sendo esta intenção específica que diferencia o crime de rapto do crime de sequestro.

XIII – A pena a aplicar pelo crime de homicídio cometido com arma de fogo deve ser agravada nos termos do n.º 3 do artigo 86.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.

XIV – O crime de casamento forçado nunca é justificado, nem sequer pelo costume cultural, religioso, social ou tradicional.

XV – O artigo 154.º-C do Código Penal ao consagrar a punição dos actos preparatórios, quaisquer que sejam, que visem, no imediato, a prática do crime previsto e punido pelo artigo 154.º-B, afasta-se da regra geral estabelecida no artigo 21.º do Código Penal.

XVI – O critério do bem jurídico não deve ser o único a ter em consideração quando nos confrontamos com um concurso de crimes, pois existem situações em que, preenchendo o comportamento global do agente mais do que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica uma estreita dependência entre diversas condutas, sendo umas imprescindíveis para obter um determinado fim, as quais surgem, justamente, como um meio necessário para atingir um certo objetivo.

XVII – Em sede de cúmulo jurídico de penas a visão individual de cada facto deve esbater-se perante a visão de conjunto, pois só esta permitirá correlacionar os factos entre si em ordem à verificação de uma verdadeira tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade, a primeira afirmando-se como reflexo de uma personalidade que optou decididamente pela senda do crime e a segunda a reflectir, essencialmente, uma resposta conjuntural a condições de vida mais adversas, a um circunstancialismo mais propício ao cometimento dos crimes, ou a qualquer outro estímulo exógeno que não permite afirmar os factos como produto da natureza intrínseca do arguido, isto é, da sua personalidade.

XVIII – Na fixação da indemnização do dano não patrimonial deve ser tido em consideração o carácter do bem jurídico atingido, a natureza e a intensidade do dano causado, o género e a idade da vítima, sem esquecer que a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial, devendo a reparação ocorrer, ainda, sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade, de acordo com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa, e numa perspetiva de uniformidade, já que a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos análogos.

Decisão Texto Integral:
Relator: José Eduardo Martins
1.º Adjunto: Jorge França
2.º Adjunto: Paulo Guerra

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                                                                                 

I. Relatório:                                                                                    

            A) … foi proferido Acórdão, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:

            “III - Decisão:

            …

           

                                                                       *

            g) Julgar a acusação relativamente ao arguido AA – com a alteração da qualificação jurídica comunicada no decurso da audiência – parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido AA pela prática, em coautoria material e concurso efetivo de:

            g.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86 nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

            g.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            g.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            g.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            g.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão. g.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

            g.7) Operando o respetivo cúmulo jurídico das penas parcelares supra fixadas, condenam o arguido AA na PENA ÚNICA de 9 anos e 9 meses de prisão.

                                                                       *

            h) Julgar a acusação relativamente à arguida BB – com a alteração da qualificação jurídica comunicada no decurso da audiência – parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam a arguida BB pela prática, em coautoria material e concurso efetivo de:

            h.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            h.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            h.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            h.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            h.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            h.6) Operando o respetivo cúmulo jurídico das penas parcelares supra fixadas, condenam a arguida BB na PENA ÚNICA de 6 anos e 6 meses de prisão.

                                                                       *

            i) Julgar a acusação relativamente ao arguido CC – com a alteração da qualificação jurídica comunicada no decurso da audiência – parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido CC pela prática, em coautoria material e concurso efetivo de:

            i.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            i.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            i.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão. i.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            i.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            i.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 6 anos de prisão.

            i.7) Operando o respetivo cúmulo jurídico das penas parcelares supra fixadas, condenam o arguido CC na PENA ÚNICA de 9 anos de prisão.

                                                                       *

            j) Julgar a acusação relativamente ao arguido DD – com a alteração da qualificação jurídica comunicada no decurso da audiência – parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido DD pela prática, em coautoria material e concurso efetivo de:

            j.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            j.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            j.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            j.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            j.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 1 ano de prisão.

            j.6) Operando o respetivo cúmulo jurídico das penas parcelares supra fixadas, condenam o arguido DD na PENA ÚNICA de 6 anos e 9 meses de prisão.

                                                                       *

            l) Julgar a acusação relativamente ao arguido EE – com a alteração da qualificação jurídica comunicada no decurso da audiência – parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido EE pela prática, em coautoria material e concurso efetivo de:

            l.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            l.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            l.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            l.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            l.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            l.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 anos de prisão.

            l.7) um crime de resistência e coação sobre funcionário, na forma consumada, p.e p. no artº 347º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 1 ano e 6 anos de prisão.

            l.8) Operando o respetivo cúmulo jurídico das penas parcelares supra fixadas, condenam o arguido EE na PENA ÚNICA de 9 anos e 6 meses de prisão.

                                                                       *

            m) Julgar a acusação relativamente ao arguido FF – com a alteração da qualificação jurídica comunicada no decurso da audiência – parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido FF pela prática, em coautoria material e concurso efetivo de:

            m.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            m.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            m.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            m.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            m.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão. m.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

            m.7) Operando o respetivo cúmulo jurídico das penas parcelares supra fixadas, condenam o arguido FF na PENA ÚNICA de 9 anos de prisão.

                                                                                   *

            n) Julgar a acusação relativamente à arguida GG – com a alteração da qualificação jurídica comunicada no decurso da audiência – parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam a arguida GG pela prática, em coautoria material e concurso efetivo de:

            n.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            n.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            n.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            n.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            n.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            n.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

            n.7) Operando o respetivo cúmulo jurídico das penas parcelares supra fixadas, condenam a arguida GG na PENA ÚNICA de 8 anos de prisão.

                                                                       *

            o) Julgar a acusação relativamente ao arguido HH parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido HH pela prática, em coautoria material de um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

                                                                       *

            p) Nos termos do disposto no artº 82º-A do CPP, mais condenam os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH a pagarem ao ofendido II a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais pelo mesmo sofridos.

            q) Mais condenam cada um dos condenados em 5 UCs de taxa de justiça, solidariamente nas custas.

            r) Determinam que os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG continuem a aguardar em prisão preventiva o trânsito em julgado do presente acórdão.

            Determinam que o arguido HH continue a aguardar na situação em que se encontra, sujeito às obrigações decorrentes do TIR, o trânsito em julgado do presente acórdão.

            Determinam a imediata cassação e recolha, sem cumprimento, dos mandados de detenção pendentes sobre o arguido JJ, revogam a prisão preventiva doutamente ordenada e mais declaram cessadas as obrigações decorrentes do TIR.

            Igualmente declaram cessadas as obrigações decorrentes do TIR prestado pela arguida KK.

            Comunique ao EP e ao TEP.

            Comunique à EPC e D.N.

            s) Nos termos do disposto no artº 109º nºs 1 e 2 do Cod. Penal, declaram-se perdidos a favor do Estado:

            - as munições e invólucros e o coldre de arma de fogo apreendidas nos presentes autos e determina, se lhes dê o legal destino;

            - a PEN com imagens de videovigilância apreendidas nos autos.

            Quanto aos diversos veículos e demais objetos apreendidos nos autos: nos termos do disposto no artº 186º nºs 1 a 3 do Cod. Proc. Penal, determina-se o levantamento da apreensão incidente sobre os mesmos e subsequente notificação dos proprietários para reclamarem a sua entrega, nos termos legais.

                                                                       *

            …

                                                                       *

            …

                                                                       *

                                                                       *

            ii) Julgam o PIC deduzido pelo Ministério Público em representação dos menores ofendidos parcialmente procedente e provado e, consequentemente:

            a) Condenam os demandados AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH a pagarem solidariamente à menor LL a quantia de € 5.000 (cinco mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros vencidos desde a notificação e vincendos até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%.

            b) Condenam os demandados AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG a pagarem solidariamente ao menor MM a quantia de € 1.000 (mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros vencidos desde a notificação e vincendos até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%.

            c) Quanto ao mais peticionado e demais demandados, julgam o PIC não provado e improcedente e absolvem os demandados do mesmo.

            Custas pelos demandados condenados, na proporção do decaimento.

                                                                       *

            iii) - Julgam o PIC deduzido por NN parcialmente procedente e provado e, consequentemente,    condenam o demandado EE a pagar ao demandante a quantia global de € 500 (quinhentos euros) a título de indemnização pelos não patrimoniais sofridos em consequência da conduta do demandado.

            ….”

                                                                            ****

B) Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 14/12/2022, o arguido FF, extraindo da motivação as seguintes conclusões:           

           I – Resulta dos factos trazidos a julgamento que o ofendido II prometeu a sua filha menor, LL, ao filho igualmente menor do arguido AA, OO,

II – Compromisso que, pese embora o peso cultural em si latente, tratando-se de famílias de etnia cigana, decidiu quebrar,

VIII – O recorrente sustenta que não correspondem de todo à realidade os acontecimentos em que se viu envolvido,

IX – Resultando todo o processo de uma “manobra” do ofendido II, no sentido de não cumprir com um “compromisso” assumido entre duas famílias de etnia cigana,

X – Situação que, no quadro de costumes e cultura vigentes nesta etnia, configura uma lesão da honra verdadeiramente grave,

XI – Sendo assim o verdadeiro objetivo do ofendido trocar o noivado assumido por um outro compromisso, eventualmente, mais vantajoso do ponto de vista financeiro.

XII – Certo é que o recorrente se viu condenado numa pena injusta e incompreensível, sem que tenha resultado provado e legalmente fundamentado, relativamente a cada um dos crimes, qual o acordo prévio estabelecido entre todos os intervenientes para a sua consumação,

XIII – Isto é, se os propósitos com que agiram os demais co-arguidos fazia parte de algum acordo prévio,

XIV - Ou se os atos ilícitos eventualmente praticados nos autos surgiram de decisões individuais e unilaterais,

XV – E, por fim, que contributo efetivo existiu da parte do recorrente em relação a cada um dos crimes.

XVI – Sendo deste modo a decisão recorrida, entre outros pontos, totalmente omissa quanto à contribuição do recorrente num efetivo exercício conjunto do domínio do facto,

XIX – E, por fim, se lamente que a menor, LL, já seja ou esteja provavelmente em vias de aos 15 (quinze) anos ser mãe.

XXI – Conduta que nunca assumiria nos moldes descritos, tratando-se inclusivamente os ofendidos de familiares da sua companheira, com quem coabita há mais de trinta anos e co-arguida neste processo, GG.

XXVI – Da globalidade da prova oral que foi produzida no decurso do Julgamento, constata-se, pois, que o arguido sempre negou ter praticado os factos,

XXVII – Que a companheira do arguido, é familiar da ofendida PP, existindo mesmo entre si uma relação de proximidade, convivência e afeto,

XXIX – Que o Tribunal a quo baseou quase exclusivamente a matéria de facto dada como provada nas declarações prestadas para memória futura pelos menores que à data contavam, respetivamente, com 13 (treze) e 10 (dez) anos de idade (vd. fls. 53, 1º parágrafo, do douto Acórdão recorrido), sendo mesmo que tais declarações foram prestadas sem a assistência de um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito, em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas,

XXX – Como, aliás, legalmente se impunha, nos termos do n.º 4 do art.º 271.º do Cod. Proc. Penal. (vd. Requerimento interposto em Ata de Julgamento de 04.10.2022 e audição destas declarações),

XXXI – Que tal inquirição para memória futura destes menores nem mesmo sequer respeitou as regras de inquirição previstas no art.º 138.º, n.º 2, do Cod. Proc. Penal, no sentido de assegurar a espontaneidade e a sinceridade das respostas (vd. requerimento interposto em Ata de Julgamento de 04.10.2022),

XXXIII – Que os ofendidos II e PP, quanto ao recorrente, alteraram, em audiência, as declarações para memória futura por si prestadas, trazendo até ao julgamento factos que afirmaram apenas ter tido conhecimento após essas suas primeiras declarações (vd. fls. 53, último parágrafo e fls. 54, 1º parágrafo do douto Acórdão recorrido),

XXXIV – Que o ofendido II declarou em audiência que havia tentado já anteriormente prestar novo depoimento, tendo sido demovido pelo Sr. Inspetor QQ de o fazer,

XXXV – Motivo porque juntou aos autos, a fls. 1944, um requerimento no qual assume que a sua filha menor confidenciou mais tarde que não havia sido raptada, pretendendo desse modo retirar a queixa,

XXXVI – Que nada de ilícito ou relacionado com o caso dos autos foi apreendido ao arguido, e, nomeadamente, qualquer arma de fogo, como lhe imputado na decisão recorrida.

XXXIX – Antes de mais, importa vincar que no presente processo a prova da autoria dos factos ilícitos de que o arguido vinha acusado, assenta essencialmente nas declarações produzidas para memória futura dos menores LL e II (vd. fls. 53 e 54, do douto Acórdão recorrido),

XL – Sabido que para além destas declarações para memória futura prestadas pelos menores, absolutamente mais nada foi imputado ao recorrente por quem quer que fosse,

XLI – Para além de que nada lhe foi apreendido que possibilitasse relacioná-lo com os factos dados como provados contra si,

XLII – E sendo certo, até, que nenhuma das testemunhas que depôs em Audiência de Julgamento presenciou os factos.

XLIII – Acresce que a testemunha RR, militar da Guarda Nacional Republicana, que chegou ao local dos factos, cerca de meia hora depois da sua ocorrência, referiu que a casa dos ofendidos não denotava quaisquer sinais de confrontos (vd. reportagem fotográfica junta aos autos a fls. 133 a 136),

XLIV – Sobejando assim as declarações dos ofendidos II e PP, que em audiência negaram as suas declarações anteriormente prestadas no processo, bem como as prestadas pelos seus próprios filhos,

XLV – Aliás, tais declarações produzidas em Julgamento, atestam, antes, que a conduta do recorrente deveria pelo menos ter suscitado uma dúvida razoável no Tribunal de 1ª instância,

XLVI – Por outro lado, na fase de Julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, para que não houvesse afetação do princípio do contraditório deveria, pelo menos a menor LL, ter sido ouvida em audiência, por forma a esclarecer as contradições da sua versão com as dos seus pais,

XLVIII – O recorrente considera, pois, que a decisão recorrida enferma do vício a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do Cod. Proc. Penal, por manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,

XLIX – Sendo, ainda tal decisão, inconstitucional, por violação dos art.ºs 20.º, n.º 4 e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

LI–Aqui chegados, importa, pois, referir que a condenação do recorrente pelos crimes em que foi condenado somente pode encontrar base legal no domínio da sua participação em co-autoria,

LII – Ora, desde logo, o recorrente reitera que não resulta minimamente dos factos apurados que tenha atuado em co-autoria na prática de qualquer dos crimes que lhe foram imputados,

LIV – Tão pouco que cada um tinha o seu papel bem delimitado e a atuação de cada um era essencial para o sucesso do plano traçado.

LV – Estamos assim, neste particular, perante erro notório na apreciação da prova,

LVII – Na medida em que lendo os factos provados e a fundamentação, se deve concluir que resulta com toda a evidência conclusão contrária à que chegou o Tribunal de 1ª instância,

LVIII–Tendo sido, deste modo, incorretamente julgados os factos n.ºs a.19) a a.22); a.24) e a.25); a.41); a.43 e a. 44; a.54) e a.55) e a.74), dados como provados no douto Acórdão recorrido,

LIX – E incorretamente julgados porque inexiste prova documental, pericial ou por reconhecimento, que relacione o arguido com qualquer dos factos dados como provados,

LXIV – E, assim, sendo, não poderiam deixar de ser tomadas em consideração, todas as circunstâncias aduzidas no seu lugar próprio, que aqui se dão como inteiramente reproduzidas, relativamente a cada um dos crimes em que o recorrente acabou condenado,

LXV – Incorrendo, desta forma, o Acórdão recorrido do vício de erro notório na apreciação da prova, em violação do disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. c).

LXVII – E caso não sejam atendíveis todos os fundamentos até ora invocados, resta então questionar se a análise crítica da prova oral produzida em Audiência, não deveria ter, no mínimo, provocado no julgador uma dúvida razoável, que levasse o Tribunal a decidir a favor do recorrente?

LXVIII – É inquestionável que sim,

LXX – Este, até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, presume-se inocente (art.º 32º, n.º 2, da nossa Lei Fundamental),

LXXI – Sem dúvida, que o Tribunal se pautará, também, pelo princípio da livre apreciação das provas (art.º 127.º do Cod. Proc. Penal) e segundo o qual o que torna provado um facto é a última convicção do Juiz,

LXXII – Todavia, esta última convicção não é de base meramente subjetiva –antes tem de partir do material probatório trazido ao julgamento,

LXXVII – E sendo certo que não há convicção onde não há produção de prova,

LXXVIII – Impõe-se decretar a absolvição do recorrente pela autoria dos ilícitos em apreço,

LXXIX – Sob pena da existência, igualmente por aqui, de erro manifesto na apreciação da prova, visto que só por via deste erro o Tribunal a quo não concluiu pela dúvida sobre a prática dos crimes em causa,

LXXX – E, ainda, de grosseira violação das mais elementares regras da experiência comum e dos princípios da livre apreciação da prova, da presunção da inocência e do in dubio pro reo (art.ºs 32.º, n.º 2, da C.R.P. e 127.º do Cod. Proc. Penal).

LXXXI – E, diga-se, ainda, que a condenação do recorrente pela prática dos crimes em que acabou condenado, importa também, a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação,

LXXXII – De salientar, desde logo, que num universo de cerca cento e vinte e dois factos dados como provados, o arguido é somente mencionado em onze deles,

LXXXIII – Sendo mesmo que os factos a.20 e a.54, são factos meramente genéricos,

LXXXIV – Os factos a.24 e a.25 consubstanciavam a prática do crime de violação de domicílio agravado, na forma consumada, do qual acabou absolvido, como sustentado a fls. 80 do douto Acórdão recorrido,

LXXXV – Os factos a.41, a.43., a.44 e a.55 não foram presenciados por ninguém, não tendo nem os ofendidos nem qualquer testemunha ouvida em audiência declarado o que quer que fosse relativamente aos mesmos, tão pouco os menores nas suas declarações relatado algo relacionado com estes,

LXXXVI – O facto a.74, foi categoricamente desmentido aquando das declarações da ofendida PP proferidas em audiência,

LXXXVII – Enquanto, por fim, os factos a.21 e a.22, como se demonstrou, foram cabalmente desmentidos pelos ofendidos II e PP, nas suas declarações prestadas em audiência, tendo ambos referido não ter visto o recorrente com qualquer arma,

LXXXVIII – Sendo mesmo que nenhuma arma foi apreendida ao arguido,

LXXXIX – Com efeito, lendo e relendo o douto Acórdão na parte da fundamentação da matéria de facto, não se descortina o percurso cognitivo que levou o Ilustre Tribunal a dar como provada a factualidade supra transcrita,

XC – Com efeito, na motivação explanada no Acórdão recorrido, e, designadamente, na fundamentação da matéria de facto, o douto Tribunal limita-se a elencar os diversos meios de prova e a efetuar uma análise crítica dos mesmos,

XCI – Mas sem nunca explicitar quais os meios de prova que específica e concretamente firmaram a sua convicção para dar a supra referida factualidade como provada,

XCIV – Consequentemente, a falta de fundamentação e do exame crítico das provas imposto pelo art.º 374.º, n.º 2 do Cod. Proc. Penal, determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 379.º, n.º 1, a), do Cod. Proc. Penal,

XCV – Em suma, a interpretação do art.º 374.º, n.º 2 do Cod. Proc. Penal, de que o dever de fundamentação da sentença se basta com uma mera enunciação dos meios de prova, não indicando as provas concretas que foram consideradas relevantes para dar como provada a factualidade imputada ao arguido relativamente a cada crime concreto e a respetiva motivação,

XCVI – É assim, inconstitucional, por violação do art.º 205.º da C.R.P, inconstitucionalidade que, aliás, desde já se invoca.

XCV – Quanto, por sua vez, à medida da pena, e mesmo que não se perfilhe tudo quanto até ora se trouxe, entendemos que a punição imposta ao arguido, é manifestamente excessiva.

XCVIII – A favor do acusado devem sempre ter-se em conta todas as circunstâncias suscetíveis de serem valoradas na medida da pena,

XCIX – Nomeadamente, as condições pessoais do recorrente (vd. Factos dados como provados a.175 a a.186),

CI – Dado não terem sido atendíveis todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, depunham a seu favor (art.ºs 70º e 71.º, n.º 2, do Cod. Penal),

CII – Salvo melhor opinião, atendendo a quanto decorre de tudo o que deixou, deveria ter sido punido em pena bem menos gravosa,

CIII–Quer no que respeita às penas parcelares quer no que concerne à pena única que lhe foi aplicada,

CIV – A fixar, a final, no douto critério de VOSSAS EXCELÊNCIAS, mas sem nunca exceder os 6 (seis) anos de prisão, o que se pede.

CV – Só mais uma brevíssima achega que se prende com a parte dos pedidos de indemnização civil nos quais acabou condenado,

CVI - Que devem ser julgados totalmente improcedentes, em conformidade com o defendido na motivação do recurso, onde o recorrente pugna pela sua absolvição,

CVII – Ou substancialmente reduzidos, porque, sem dúvida, excedem a medida da culpa imputada ao arguido.

CVII – Foram, assim, violadas, entre outras, as normas contidas nos art.ºs 127.º,138.º,n.º2,271.º,n.º4,374.º,n.º2,379.º, n.º 1, al. a), 410.º, n.º 2, als. a) e c) e 412.º, n.º 3, todos do Cod. Proc. Penal; 70.º e 71.º, n.º 2, ambos do Cod. Penal; e 20.º, n.º 4 e 32º, n.ºs 1 e 2, da nossa Lei Fundamental,

                                                                 ****

C) Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 14/12/2022, a arguida GG, extraindo da motivação as seguintes conclusões:                                   

I – Resulta dos factos trazidos a julgamento que o ofendido II prometeu a sua filha menor, LL, ao filho igualmente menor do arguido AA, OO,

II – Compromisso que, pese embora o peso cultural em si latente, tratando-se de famílias de etnia cigana, decidiu não respeitar,

IV – A recorrente sustenta que não correspondem de todo à realidade os acontecimentos em que se viu envolvida,

V – Tendo, na verdade, todo o processo como “pano de fundo” o objetivo sobretudo do ofendido, II, de não cumprir com um “compromisso” assumido entre duas famílias de etnia cigana,

VI – Situação que, no quadro de costumes e cultura vigentes nesta etnia, configura uma lesão da honra verdadeiramente grave,

VII – Certo é que a recorrente se viu condenada, sem que tenha resultado provado e legalmente fundamentado, relativamente a cada um dos crimes, qual o acordo prévio estabelecido entre todos os intervenientes para a sua consumação,

VIII – Isto é, se os propósitos com que todos os arguidos agiram fazia efetivamente parte de algum acordo prévio estabelecido entre si,

IX – Ou se os atos ilícitos eventualmente praticados nos autos surgiram de decisões individuais e unilaterais,

X – E, por fim, que contributo efetivo existiu da parte da recorrente em relação a cada um dos crimes,

XI – Sendo deste modo a decisão recorrida, neste ponto, totalmente omissa quanto à contribuição da recorrente num efetivo exercício conjunto do domínio do facto,

XII – Requisito, aliás, indispensável para a realização típica da co-autoria,

XVI – Para mais quase exclusivamente assente nas declarações prestadas para memória futura por dois menores ainda de tenra idade,

XVII – Quando até os seus próprios pais se retrataram quanto à recorrente quando depuseram em Tribunal,

XIX – Da globalidade da prova oral que foi produzida no decurso do Julgamento, constata-se, pois, que a arguida sempre negou ter praticado os factos,

XXI – Que, como se vem salientando, o Tribunal a quo baseou quase exclusivamente a matéria de facto dada como provada nas declarações prestadas para memória futura pelos menores que à data contavam, respetivamente, com 13 (treze) e 10 (dez) anos de idade (vd. fls. 53, 1º parágrafo, do douto Acórdão recorrido), sendo mesmo que tais declarações foram prestadas sem a assistência de um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito, em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas,

XXII – Como, aliás, legalmente se impunha, nos termos do n.º 4 do art.º 271.º do Cod. Proc. Penal. (vd. Requerimento interposto em Ata de Julgamento de 04.10.2022 e audição destas declarações),

XXII – Que esta mencionada inquirição para memória futura dos menores nem mesmo sequer respeitou as regras de inquirição previstas no art.º 138.º, n.º 2, do Cod. Proc. Penal, no sentido de assegurar a espontaneidade e a sinceridade das respostas (vd. requerimento interposto em Ata de Julgamento de 04.10.2022),

XXIV – Que os ofendidos II e PP, quanto à recorrente, alteraram, em audiência, as declarações para memória futura por si prestadas,

XXV – Trazendo até ao julgamento factos que afirmaram apenas ter tido conhecimento após essas suas primeiras declarações (vd. fls. 53, último parágrafo e fls. 54, 1º parágrafo do douto Acórdão recorrido),

XXVI – Que o ofendido II declarou em audiência que havia tentado já anteriormente prestar novo depoimento, tendo sido demovido pelo Sr. Inspetor QQ de o fazer,

XXVII – Motivo porque juntou aos autos, a fls. 1944, um requerimento no qual assume que a sua filha menor confidenciou mais tarde que não havia sido raptada, pretendendo desse modo retirar a queixa,

XXIX – Que nada de ilícito ou relacionado com o caso dos autos foi apreendido à arguida,

XXXIII – Antes de mais, importa vincar que no presente processo a prova da autoria dos factos ilícitos de que o arguido vinha acusado, assenta essencialmente nas declarações produzidas para memória futura dos menores LL e II (vd. fls. 53 e 54, do douto Acórdão recorrido),

XXXIV – Sabido que para além destas declarações para memória futura prestadas pelos menores, absolutamente mais nada foi imputado à recorrente por quem quer que fosse,

XXXV – Para além de que nada lhe foi apreendido que possibilitasse relacioná-la com os factos dados como provados contra si,

XXXVI – E sendo certo, até, que nenhuma das testemunhas que depôs em Audiência de Julgamento presenciou os factos,

XXXVII – Acresce que a testemunha RR, militar da Guarda Nacional Republicana, que chegou ao local dos factos, cerca de meia hora depois da sua ocorrência, referiu que a casa dos ofendidos não denotava quaisquer sinais de confrontos (vd. reportagem fotográfica junta aos autos a fls. 133 a 136),

XXXVIII – – Sobejando assim as declarações dos ofendidos II e PP, que em audiência negaram as suas declarações anteriormente prestadas no processo, bem como as prestadas pelos seus próprios filhos,

XXXIX – Aliás, tais declarações produzidas em Julgamento, atestam, antes, que a conduta da recorrente deveria pelo menos ter suscitado uma dúvida razoável no Tribunal de 1ª instância.

XL – Por outro lado, na fase de Julgamento, onde pontifica a oralidade e imediação, para que não houvesse afetação do princípio do contraditório deveria, pelo menos a menor LL, ter sido ouvida em audiência, por forma a esclarecer as contradições da sua versão com as dos seus pais.

XLII – A recorrente considera, pois, que a decisão recorrida enferma do vício a que alude o art.º 410.º, n.º 2, al. a), do Cod. Proc. Penal, por manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada,

XLIII – Sendo, ainda tal decisão, inconstitucional, por violação dos art.ºs 20.º, n.º 4 e 32.º da Constituição da República Portuguesa,

XLV – Aqui chegados, importa, pois, referir que a condenação da recorrente pelos crimes em que foi condenada somente pode operar no domínio da sua participação em co-autoria,

XLVI – Ora, desde logo, a recorrente reitera que não resulta minimamente dos factos apurados que tenha atuado em co-autoria na prática de qualquer dos crimes que lhe foram imputados,

XLVII – Sequer se vislumbrando do conjunto de prova produzida, qualquer fundamentação bastante de que a recorrente tenha atuado de comum acordo e em conjugação de intenções com os restantes co-arguidos

XLVIII – Tão pouco, de forma nenhuma, que cada um tinha o seu papel bem delimitado e a atuação de cada um era essencial para o sucesso do plano traçado.

XLIX – Estamos assim, neste particular, perante erro notório na apreciação da prova,

L – Como não só pode ser observado a partir do texto da decisão recorrida por si só mas ainda conjugada com as regras da experiência comum,

LI – Na medida em que lendo os factos provados e a fundamentação, se deve concluir que resulta com toda a evidência conclusão contrária à que chegou o Tribunal de 1ª instância,

LII – Tendo sido, deste modo, incorretamente julgados os factos n.ºs a.20), a.21), a.25); a.41); a.43, a.54), a.55) e a.74), dados como provados no douto Acórdão recorrido,

LIII – E incorretamente julgados porque inexiste prova documental, pericial ou por reconhecimento, que relacione a arguida com qualquer dos factos dados como provados,

LIV – Resumindo-se, como se sustenta, a convicção do Tribunal quanto à autoria pela recorrente dos crimes em causa, na prova testemunhal somente decorrente das declarações para memória futura produzidas pelos menores LL e II,

LV – Sendo, que estas foram mesmo, reitera-se, contrariadas, pelas declarações produzidas em audiência pelos ofendidos II e PP, seus pais,

LVI – E impunham, indiscutivelmente, decisão diversa da dada como provada, atendendo-se aos seus depoimentos prestados em Julgamento,

LVII – E, na medida em que nenhuma das outras testemunhas ouvidas em Audiência de Julgamento, sequer presenciou os factos,

LVIII – E, assim, sendo, não poderiam deixar de ser tomadas em consideração, todas as circunstâncias aduzidas no seu lugar próprio, que aqui se dão como inteiramente reproduzidas, relativamente a cada um dos crimes em que a recorrente acabou condenada,

LIX – Incorrendo, desta forma, o Acórdão recorrido do vício de erro notório na apreciação da prova, em violação do disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. c).

LXII – Resta então questionar se a análise crítica da prova oral produzida em Audiência, não deveria ter, no mínimo, provocado no julgador uma dúvida razoável,

LXIII – Que levasse o Tribunal a decidir a favor da recorrente?

LXIV – Pois que é indesmentível que sim,

LXVI – Este, até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, presume-se inocente (art.º 32º, n.º 2, da nossa Lei Fundamental),

LXVII – Sem dúvida, que o Tribunal se pautará, também, pelo princípio da livre apreciação das provas (art.º 127.º do Cod. Proc. Penal),

LXXII – Toda a acusação e consequente decisão judicial, tem de basear-se em factos concretos e em provas evidentes.

LXXIV – Não tendo sido produzida prova bastante, no sentido da condenação da recorrente pela prática dos ilícitos em que acabou sentenciada,

LXXV – E sendo certo que não há convicção onde não há produção de prova,

LXXVI – Impõe-se decretar a absolvição da recorrente pela autoria dos ilícitos em apreço,

LXXIX – E, ainda, de grosseira violação das mais elementares regras da experiência comum e dos princípios da livre apreciação da prova, da presunção da inocência e do in dubio pro reo (art.ºs 32.º, n.º 2, da C.R.P. e 127.º do Cod. Proc. Penal).

LXXXI – Importa também, a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação,

LXXXII – De salientar, desde logo, que num universo de cerca cento e vinte e dois factos dados como provados, o nome da arguida é somente mencionado em oito deles,

LXXXIII – Sendo mesmo que os factos a.20 e a.54, são factos meramente genéricos,

LXXXIV – O facto a.25 consubstanciava a prática do crime de violação de domicílio agravado, na forma consumada, do qual acabou absolvida, como sustentado a fls. 80 do douto Acórdão recorrido,

LXXXV – Os factos a.41, a.43., a.44 e a.55 não foram presenciados por ninguém, não tendo nem os ofendidos nem qualquer testemunha ouvida em audiência declarado o que quer que fosse relativamente aos mesmos, tão pouco os menores nas suas declarações relatado algo relacionado com estes,

LXXXVI – Os factos a.54 e a.74, foram categoricamente desmentidos aquando das declarações dos ofendidos II e PP proferidas em audiência,

LXXXVII – Enquanto, por fim, o facto a.21, como se demonstrou, foi, de igual modo, cabalmente desmentido pelos ofendidos II e PP, nas suas declarações prestadas em audiência, tendo ambos referido não ter visto a recorrente com qualquer faca,

LXXXVIII – Sendo mesmo que nenhuma arma foi apreendida à arguida,

LXXXIX – Com efeito, lendo e relendo o douto Acórdão na parte da fundamentação da matéria de facto, não se descortina o percurso cognitivo que levou o Ilustre Tribunal a dar como provada a factualidade supra transcrita,

XC – Com efeito, na motivação explanada no Acórdão recorrido, e, designadamente, na fundamentação da matéria de facto, o douto Tribunal limita-se a elencar os diversos meios de prova e a efetuar uma análise crítica dos mesmos,

XCI – Mas sem nunca explicitar quais os meios de prova que específica e concretamente firmaram a sua convicção para dar a supra referida factualidade como provada,

XCIII – E, por isso, está a arguida impedida de impugnar essa matéria de facto de modo eficiente e de acordo com as disposições contidas no art.º 412.º, n.º 3, do Cod. Proc. Penal,

XCIV – Consequentemente, a falta de fundamentação e do exame crítico das provas imposto pelo art.º 374.º, n.º 2 do Cod. Proc. Penal, determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 379.º, n.º 1, a), do Cod. Proc. Penal,

XCV – Em suma, a interpretação do art.º 374.º, n.º 2 do Cod. Proc. Penal, de que o dever de fundamentação da sentença se basta com uma mera enunciação dos meios de prova, não indicando as provas concretas que foram consideradas relevantes para dar como provada a factualidade imputada à arguida relativamente a cada crime concreto e a respetiva motivação,

XCVI – É assim, inconstitucional, por violação do art.º 205.º da C.R.P, inconstitucionalidade que, aliás, desde já se invoca.

XCVI – Somos a defender pela excessividade tanto das penas parcelares como da pena única impostas à arguida,

XCVII – Desde logo, porque não deixa de ser desproporcionada a medida da pena encontrada para a recorrente – 8 (oito) anos de prisão efetiva

XCVIII – Atendendo, quer a quanto se consignou no que toca à sua absolvição,

XCIX – Quer, ainda, às circunstâncias atenuantes que resultaram em favor da recorrente,

CVIII – Nem ao menos que seja em obediência ao princípio da proporcionalidade,

CIX – Acrescendo, ainda a favor da arguida, todas as condições pessoais, aliás, descritas nos Factos dados como provados no douto Acórdão recorrido, de a.187 a a.196).,

CX – A arguida não pode, por conseguinte, deixar de considerar que foi objeto de incorreta determinação da medida da pena em que foi condenada,

CXI – Dado não terem sido atendíveis todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a seu favor (art.º 71º, n.º 2 do Cod. Penal) e, ainda, por se ter feito tábua rasa dos princípios da adequação e da proporcionalidade (art.º 193º, n.º 1 do Cod. Proc. Penal).

CXV – E, não devendo, a final, ultrapassar a pena única de 5 (anos) de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com o acompanhamento julgado adequado.

CXVI – Efetivamente, entendemos que no caso em apreço se pode mesmo formular um juízo favorável à suspensão da execução da pena

CXVII – E considerar que a mera ameaça da prisão, é bastante para dissuadir a recorrente da prática de novos factos criminosos e mais adequada à sua reinserção social do que a pena privativa da liberdade física (art.º 53º do Cod. Penal).

CXVIII – Só mais uma brevíssima achega que se prende com a parte dos pedidos de indemnização civil nos quais acabou condenada,

CIXX - Que devem ser julgados totalmente improcedentes, em conformidade com o defendido na motivação do recurso, onde a recorrente pugna pela sua absolvição,

CXX – Ou substancialmente reduzidos, porque, sem dúvida, excedem a medida da culpa imputada à arguida.

CXXI – Foram, assim, violadas, entre outras, as normas contidas nos art.ºs 127.º, 138.º, n.º 2, 193º, n.º 1, 271.º, n.º 4, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), 410.º, n.º 2, als. a) e c) e 412.º, n.º 3, todos do Cod. Proc. Penal; 70.º e 71.º, n.º 2, ambos do Cod. Penal; e 20.º, n.º 4 e 32º, n.ºs 1 e 2, da nossa Lei Fundamental,

CXXII – E, ainda, os princípios da livre apreciação da prova; da presunção da inocência; do incubit probatio quid dicet non qui negat; do in dubio pro reo; e o da proibição de valoração de provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em Audiência.

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D) Inconformados com a decisão, dela recorreram, em 19/12/2022, os arguidos BB, CC, DD e EE, extraindo da motivação as seguintes conclusões:                       

1. Houve uma incorrecta apreciação e valoração das provas produzidas, chegando ao ponto de se valorarem provas obtidas em manifesto desrespeito pela Lei, impedindo-se a renovação de tais provas, criando um total impedimento ao exercício do direito de defesa por parte dos arguidos.

3. Ao longo do julgamento, e como resulta evidente da gravação do mesmo, entendeu o tribunal criar permanentes dificuldades à Defesa dos arguidos, interrompendo constantemente os seus pedidos de esclarecimentos, inviabilizando mesmo alguns dos caminhos que a Defesa, legitimamente, pretendia trilhar.

4. Perante várias ilegalidades cometidas nos autos, perante o não cumprimento de normas legais, o Tribunal optou sempre por ignorar e indeferir tudo o que foi arguido pela Defesa, fechando os olhos a quaisquer factos que indiciassem ter sido elaborado um plano, pelos alegadamente ofendidos, com o propósito de prejudicar os arguidos. Aliás,

5. O tribunal decidiu sempre no sentido mais prejudicial aos arguidos, mostrando certezas onde deveriam imperar as dúvidas.

6. A título de exemplo, veja-se a contradição entre o que consta do ponto a.37) dos factos provados, e o que consta do relatório da perícia feita ao menor MM, designadamente quando o tribunal decidiu dar como provado que o menor MM foi agredido com um ferro, quando o mesmo declarou, aquando da perícia, ter sido agredido com um pau!!!

7. A este propósito, o pai do menor, II, declarou em audiência, (minuto 8:12) conforme se pode verificar da transcrição feita, que o filho foi agredido com um taco de basebol. Aliás, o pai até afirma que fraturaram a perna do filho, o que esclarece a intenção que tem de prejudicar os arguidos.

8. Perante esta contradição já não valeu o argumento expendido pelo tribunal a propósito de tempo decorrido desde a ocorrência dos factos e o momento das declarações. É que os factos seriam de 4 de Junho de 2021, a perícia foi em 8 de Junho de 2021, e as declarações para memória futura foram em 12 de Julho de 2021!!!

9. A verdade é que “piora” a situação do arguido utilizar um ferro ou um pau para agredir outrem…

10. Interessante, também, seria entender como é que várias pessoas traçam planos conjuntos em breves minutos, sem que ninguém o reconheça ou declare. É evidente a intenção de “fabricar” uma co-autoria e fazer estender a todos os arguidos o comportamento de cada um deles, quando estamos perante condutas decididas individualmente.

11. É que, perante tudo o que nos é apresentado, o que podemos concluir é que a família, que estava junta, decidiu acompanhar o mais velho deles que teria o propósito de esclarecer os motivos que levaram o II e sua companheira PP a voltar atrás na palavra dada de anunciar o noivado entre os filhos de ambos.

12. Nada, mesmo nada, nos permite concluir, sequer, que os restantes arguidos sabiam que o arguido AA era portador de uma arma, quanto mais que se propunha agredir quem quer que fosse…

13. Na verdade, o que se indicia ter acontecido é que nenhum dos arguidos sabia bem ao que ia.

15. Aliás, é incompreensível que se afirme no ponto a.55) que o plano foi traçado entre arguidos e dois indivíduos desconhecidos, e, mais adiante, no ponto a.112), se dê como provado ter sido acordado um plano entre um dos arguidos e três desconhecidos…

16. Estranho, também, é ter-se imputado aos arguidos, condenando-os, pela prática de homicídio na forma tentada, quando na descrição dos factos, designadamente no ponto a.32) se afirma que, a um metro de distância, o arguido AA atingiu o II num joelho, o que, ainda por cima, aconteceu de raspão.

17. De onde se pode extrair o dolo de homicídio?

18. Mas o tribunal até chega ao ponto de dar como provado, no ponto a.14), que os arguidos, à excepção de um, são de etnia cigana, como se tal fosse condição agravante da sua responsabilidade criminal …

19. Continuando com as inconsistências do acórdão, cabe perguntar, face aos factos provados a.24) e segts, afinal de onde resulta quem deu pontapés e em que porta, o mesmo se podendo dizer a propósito do ponto a.36).

20. E quem é que tem experiência que permita afirmar que marcar e ocupar um quarto no mesmo estabelecimento hoteleiro, mas em pisos diferentes, como aconteceu, e o tribunal entendeu dar como provado – localizando vítima no quarto ...04 (3º piso) e arguidos no quarto ...04 (1º piso), é adequado para vigiar o quarto do piso superior e impedir os seus ocupantes de daí saírem? Só mesmo a gozar…

21. Isto a propósito dos pontos a.72) e segts. São conclusões e nada, mas nada, permite as mesmas.

23. As declarações para memória futura prestadas pelos menores LL e MM, não podem servir de base à convicção do tribunal, desde logo porque não foram prestadas de acordo com a lei.

24. Na verdade, e pese embora na sua promoção das referidas declarações para memória futura, o MP tenha requerido que fosse “(…) indicado técnico especializado, de preferência perito médico que exerça funções no Departamento de Pedopsiquiatria junto do Centro Hospitalar ..., para acompanhar a tomada de declarações da menor, nos termos do disposto no artigo 271º nº 4 do Código de Processo Penal (…)”, a verdade é que, como se pode verificar do respectivo auto, tal não aconteceu.

25. Apesar de alertado para esta violação da Lei, o tribunal decidiu valorar as declarações dos menores, desvalorizando as suas contradições.

26. Não se preocupou o tribunal com as condições de recolha das declarações em causa, assim como não se preocupou em fazer perícias aos menores que permitissem ter uma ideia sobre as suas personalidades e credibilidade.

27. A verdade é que as condições em que foram recolhidas as declarações dos menores, sozinhos numa sala, perante uma camara, e sem ninguém que os acompanhasse, acalmasse e apoiasse, não podem deixar de ser consideradas como obtidas mediante coação, quando estamos perante crianças de 13 e 12 anos.

28. São, pelo exposto, nulas, as declarações para memória futura dos menores LL e MM, nos termos do disposto no artº 126º do CPP e 32º da CRP.

29. Mas, preocupado em que não fosse posta em causa a versão que já conhecia, das declarações para memória futura, o tribunal não permitiu, apesar das insistências da defesa, que os menores fossem presentes na audiência de julgamento, apesar de a Lei expressamente o prever e permitir.

30. O tribunal até se “deu ao luxo” de exorbitar das suas funções e competências, aí acompanhado pelo MP, determinando que a presença dos menores em julgamento era passível de colocar em risco a saúde psíquica dos mesmos.

31. Mas, afinal, quem poderia afirmar tal, seria um psiquiatra ou, pelo menos, um psicólogo…

32. Com a sua conduta, o tribunal impediu a realização de um acto fundamental para a descoberta da verdade, e impediu o cabal exercício da defesa, violando mesmo o princípio do contraditório.

33. Mas, independentemente do que retro se expôs, outro motivo impunha, como impõe, que os menores fossem ouvidos em sede de audiência de discussão e julgamento:

- Como consta do auto respectivo, no dia das declarações em causa, 12 de julho de 2021, estavam já identificados suspeitos, mas que não eram ainda arguidos.

- Entre eles, os aqui recorrentes CC e EE.

- E se é verdade que lhes foi nomeado um defensor oficioso, a verdade é que não lhes foi permitido escolher defensor e com ele dialogar antes da diligência em causa.

- Dessa eventual conversa resultaria certamente matéria que determinaria a intervenção do seu defensor, confrontando as testemunhas/declarantes.

34. Não foram respeitados direitos do arguido, consignados no artº 61º do CPP e no artº 32º da CRP

35. Por tudo o exposto, deverão ser desconsideradas as declarações para memória futura dos menores, dando-se como não provados todos os factos que nas mesmas se fundaram.

36. Outras circunstâncias determinam a desconsideração das declarações dos menores, e que passam pelo facto de, conforme foi afirmado por ambos os seus progenitores, totalmente desvalorizado pelo tribunal, que via “fugir” o fundamento para a condenação pela prática de vários crimes, com base no argumento do momento e do tempo decorrido desde os factos até às declarações, mas também pelas relações de parentesco entre aqueles e alguns dos arguidos, a menor LL ter reconhecido, meses depois, que não tinha sido levada à força, que tinha ido de livre vontade, naquele dia 6 de junho de 2021.

37. Diz-nos a experiência, que passa por ter dois filhos e três netos, que as crianças quando têm medo da reacção dos progenitores, e dos castigos que lhes possam aplicar, mentem, sem prejuízo de, mais tarde, virem a reconhecer o que fizeram, em momento em que entendem que, pelo tempo decorrido, os progenitores já aceitarão a sua conduta ou os castigarão de forma mais leve.

38. Também por isto se impunha a audição dos menores em sede de audiência de discussão e julgamento.

39. Também por isto se impunha dar como não provados todos os factos referentes ou relacionados com o imputado crime de rapto.

40. Aliás, o tribunal aparentou desconhecer a alteração da versão da menor LL, o que não deveria acontecer face a documento junto aos autos (a fls 1944), que foi completamente ignorado por todos os que tinham obrigação de o conhecer e tratar.

41. É que, logo após a alteração da versão dos factos perante a mãe, o pai da menor LL foi junto do inspector da PJ dar conhecimento de tal, tendo-lhe este dito para não fazer nada, para deixar estar as coisas como estavam. Dizemos nós, não importa se alguém está preso injustamente…

42. Mas o pai da menor LL, inconformado com tal displicência, irresponsabilidade e incompetência, fez questão de dar a conhecer a situação nos autos, pelo que deu entrada do requerimento que se encontra a fls. 1944 - 5º volume.

43. Apesar da importância do conteúdo de tal requerimento, o mesmo foi ignorado aquando da sua entrada nos autos, mas também nem sequer é mencionado nos documentos analisados pelo tribunal para decisão sobre a matéria de facto.

44. E este documento, associado às declarações dos progenitores dos menores, impunha, também, decisão diversa da proferida pelo tribunal.

46. Assim, perante a impossibilidade legal de utilizar os depoimentos para memória futura dos menores, por um lado, e pelo teor dos depoimentos dos pais dos menores, retro transcritos, por outro, e perante ainda a ausência de qualquer outra prova, não se podem dar como provados os factos constantes dos pontos a.16, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 33,36, 37,38,39, 43, 44, 50, 51, 54, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 63,67, 69, 70, 71, 72, 72, 73, 74, 75, 76, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109,110, 111, 112, 113, 114, 115, 118, 119, 120 e 121 dos factos provados.

47. Também as contradições referidas, nas declarações dos pais dos menores e as evidentes mentiras, contrariadas por documentos, designadamente a perícia feita ao menor MM, impõem que se não acredite em tudo o que, de forma incriminatória, é referido pelos mesmos pais dos menores.

48. Também o facto dado como provado, constante do ponto a.101), não pode ser dado como provado face ao declarado pela própria vítima, NN, conforme extracto do seu depoimento, que retro se transcreveu.

50. Ademais o tribunal não aludiu de forma efectiva ao elemento subjectivo de qualquer crime, antes se limitando a expressões “chavão”, não se referindo também a qualquer facto concreto que justifique a figura da coautoria com que quis “amarrar” todos os arguidos.

52. De igual forma se não pode afirmar sequer que estejamos perante a figura da cumplicidade.

53. Dos depoimentos retro transcritos resulta inequívoco que se deveria dar como provado, e relativamente aos aqui recorrentes, que:

- A arguida entrou na casa dos ofendidos por para aí foi chamada pela ofendida PP, que solicitou o seu auxílio para levar para fora da casa o arguido AA.

- O ofendido NN não esteve 10 dias impedido de trabalhar.

54. Sem conceder, no que à coautoria se refere, sempre há que recordar que a imputação de um crime de homicídio na forma tentada perante um disparo efectuado a um metro de distância, e que atinge um joelho, de raspão, carece em absoluto de fundamento, apenas nos podendo, e de forma muito forçada, conduzir à figura da tentativa impossível, com as legais consequências.

55. Assim, por tudo o exposto, resulta evidente que todos os arguidos aqui recorrentes deverão ser absolvidos dos crimes que lhes foram imputados, com excepção do arguido DD, e por ter mordido o ofendido NN, a quem não provocou lesão que o levasse a ter 10 dias de doença com incapacidade para o trabalho, como se reconheceu.

56. O acórdão recorrido padece de vícios de erro na validação da prova, erro na apreciação da prova, insuficiência de fundamentação, tendo no desenvolvimento dos autos, designadamente no julgamento, sido violados os direito de defesa dos arguidos, designadamente o direito ao exercício do contraditório, tendo-se também omitido diligências essenciais pata a descoberta da verdade material, como seria a inquirição dos menores e dos peritos médicos, estes para esclarecerem como é que uma mordedura num dedo provoca maior tempo de incapacidade do que um tiro no joelho!!!

57. Também, e sempre sem conceder, as penas aplicadas são manifestamente exageradas, não tendo sido    respeitados os princípios da adequação, da proporcionalidade e, fundamentalmente, da ressocialização, que norteiam a nossa política criminal.

58. Foram violados ou indevidamente aplicados ou interpretados os artigos 26º e segts, 40º, 70º e segts. do Código Penal; artigos 40º, 50º, 61º, 70º e segts., 120º, 121º, 126º, 271º nº 4, 374º nº 2, 379º nº 1 al. a) e c), 410º do Código de Processo Penal; e artºs 27º, 32º e 205º da CRP.

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E) Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 20/12/2022, o Ministério Público, extraindo da motivação as seguintes conclusões:                                            

1- Entendeu o Tribunal a quo que os factos perpetrados em 04-06-2021 são reconduzíveis a um crime de actos preparatórios de casamento, porém, na forma tentada, dado que os arguidos não lograram atrair nem levar a vítima para território diferente do da sua residência, motivo pelo qual, atento o estatuído no artigo 23.º/1 do Código Penal, por se tratar de crime punível com pena inferior a 3 anos de prisão, absolveram os arguidos da prática do aludido crime.

2- Ora, considerando, desde logo, a factualidade dada como provada, a mesma integra o tipo legal do ilícito criminal em apreço.

3- Atente-se que os arguidos se dirigiram a casa dos ofendidos, munidos, além do mais, de armas e paus, procurando, por esta via constranger e levar a menor, para que esta viesse a ter relações sexuais de cópula com o menor OO assim levando a que os ofendidos II e PP (progenitores da menor) acabassem por consentir no casamento de LL com OO, segundo os ritos da etnia cigana e por força da tradição cigana.

4- A circunstância de não terem logrado levar a menor da sua casa não poderá fazer-nos cair na senda da tentativa, já que a norma fala em “incluindo o de atrair a vítima para território diferente do da sua residência …” e porquanto as condutas perpetradas se traduzem na prática de actos preparatórios para a pretendida realização do casamento forçado.

5- Decidindo como fez, violou o Tribunal a quo os artigos 154.º-C e 21.º in fine, ambos do Código Penal.

6- Considerou o Tribunal no douto acórdão que, por seu turno, os factos perpetrados em 06-06-2021 esgotam-se nos factos  integradores do tipo de ilícito mais grave, de rapto agravado, na forma consumada, p. e p. nos artigos 161.º, n.º 1, al. b) e nº 2, al. a) por referência ao artigo 158.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, por se tratarem de tipos de ilícito que tutelam o mesmo direito individual da liberdade individual (nas suas diversas vertentes), e por apelo ao princípio da proibição do “ne bis in idem” / da proibição da dupla valoração, considerando que se verifica uma situação de concurso aparente de crimes, operando a consumação do crime menos grave pelo crime mais grave, absolveram todos os arguidos, também, deste crime de actos preparatórios de casamento forçado.

7- Ora, em causa estão bens jurídicos diversos: a liberdade de casar ou estabelecer uma união equiparável ao casamento e de escolher com quem o fazer, no crime de casamento forçado/actos preparatórios; a liberdade de locomoção, no crime de rapto.

8- Repare-se que o crime de rapto, mesmo que consumado, não exige a consumação do crime-fim, nem sequer o início da tentativa desse crime, sendo suficiente a finalidade ou intenção de o praticar, assim permitindo a punição autónoma desse crime-fim, caso o raptor concretize aquela sua finalidade ou intenção, como sucedeu no caso concreto, em que o rapto constituiu um meio para lograr o cometimento do crime de actos preparatórios (de casamento forçado).

9- Assim, entendemos que deveriam os arguidos ter sido condenados, igualmente, pelo cometimento do referenciado crime, tal como imputado no libelo acusatório.

10- Decidindo como fez, violou o Tribunal a quo os artigos 154.º-C por reporte ao artigo 154.º-B; 161.º/1, al. b) e n.º 2 al. a) por referência ao artigo 158.º/2, al. e) e 30.º/1, todos do Código Penal.

11- Pese embora da discussão da causa tenha resultado que os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG entraram sem autorização na habitação dos ofendidos, usando de violência (forçando a pontapé a porta, fechada apenas no trinco, e empunhando armas de fogo, facas e paus e um ferro), julgou o Tribunal a quo que tal actuação foi meramente instrumental dos crimes de rapto agravado, na forma tentada, e de homicídio qualificado, na forma tentada, ambos agravados pelo uso de arma nos termos do artigo 86.º/ 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.

12- Mais considerou estar em causa a tutela de direitos pessoais de liberdade pessoal e de tutela da intimidade e tranquilidade da vida familiar e privada, pelo que lançando novamente mão do princípio do “ne bis in idem” e do princípio da proibição de dupla valoração, entendeu, igualmente, verificar-se uma situação de concurso aparente de crimes, com a consequente consumpção do crime menos grave (a violação de domicílio) pelos crimes outros crimes de rapto agravado tentado e homicídio qualificado tentado, com molduras abstractas mais graves.

13- Se é certo que para procurar subtrair a menor LL e levar a cabo o homicídio (tentado) os arguidos tiveram de entrar, sem qualquer autorização, na residência dos ofendidos, a verdade é que em causa estão, inequivocamente, condutas diferenciadas, que atacam bens jurídicos distintos.

14- Ao nível do bem jurídico a actuação dos arguidos ora em apreço atenta contra a vida do ofendido; a liberdade de locomoção da ofendida e ainda, a privacidade/intimidade dos ofendidos, incluindo a paz e o sossego que estão envolvidos nesse conceito.

15- Estatui o artigo 30.º do Código Penal que o número de crimes se determina “pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”.

16- Foi partindo desta apreciação que a jurisprudência mais avisada tem vindo a estabelecer como critério diferenciador o referido critério: “o número de crimes vai determinar-se pelo número de valorações que correspondem a uma certa conduta no plano jurídico-penal; se só um bem jurídico é negado, só é cometido um crime, se há uma pluralidade de bens jurídicos negados há pluralidade de crimes.” - Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 05.02.2003.

17- In casu, e conforme decorre dos factos provados, descortinam-se diferentes sentidos de ilicitude, com pluralidade de bens jurídicos afectados e pluralidade de resoluções criminosas.

18- Ainda que actuando no mesmo dia e que tenha sido necessário entrar na casa dos ofendidos para realizar o seu desiderato primeiro, os arguidos quiseram levar a cabo todas as suas condutas, motivo pelo qual existe concurso efectivo entre os crimes vindos de enunciar, devendo os arguidos ser condenados pela prática, também, do crime de violação de domicílio agravado consumado.

19- Decidindo como fez, absolvendo os arguidos, com base nos fundamentos vindos de expender, violou o Tribunal a quo os artigos 161.º/1, al. b) e n.º 2 al. a) por referência ao artigo 158.º/2, al. e); 131.º e 132.º/1, 2, al. h), 190.º/1 e 3 e 30.º/1, todos do Código Penal.

20- Entendeu, também, o Tribunal a quo que no que respeita aos danos provocados nas portas e paredes (interiores) da residência dos ofendidos, - à semelhança das outras situações já vindas de elencar -, que tais condutas são meramente instrumentais dos crimes de rapto agravado tentado e do crime de homicídio tentado, pelo que não deverão ser objecto de valoração cumulativa (crime de dano com violência, na forma consumada), sob pena de violação do princípio do “ne bis in idem”, estando essas concretas condutas (que resultam de dolo necessário e instrumental) numa relação de concurso de crimes, pelo que são consumidas pelos crimes mais graves.

21- Nesta concreta situação, releva, desde logo, a diferença entre os bens jurídicos atingidos (liberdade de locomoção, no caso do rapto; vida, no que concerne ao homicídio; e a propriedade no que respeita ao crime de dano), sendo o objecto material dos ilícitos criminais igualmente diversos, impondo-se, por isso, a condenação dos arguidos também pelo cometimento do crime de dano com violência, na forma consumada.

22- Decidindo como fez, absolvendo os arguidos com base nos enunciados argumentos, violou o Tribunal a quo os artigos 161.º/1, al. b) e n.º 2 al. a) por referência ao artigo 158.º/2, al. e); 131.º e 132.º/1, 2, al. h), 212.º/1; 214.º/1, al. a) e 30.º/1, todos do Código Penal.

23- O artigo 127.º do Código de Processo Penal, dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente”.

25- Nos termos do disposto na al. a), do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, foi incorrectamente julgado como não provado o ponto de facto 45) (conforme indicado no douto acórdão e elencado no ponto D 1.1) da presente Motivação de Recurso.

28- Pelo que se impõe e requer, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, als. a), b) e c) e 4, do Código deProcessoPenal,a renovação dos depoimentos dos ofendidos II e PP, nos termos expressamente constantes do ponto D 1.2) da presente Motivação de Recurso.

29- Como é consabido, o elemento subjectivo da prática de qualquer ilícito criminal resulta e resultou da prova de factos objectivos e das regras da experiência comum.

30- Tudo no modo como a acção da arguida KK está descrita aponta no sentido de a mesma ter actuado com a intenção de evitar que os arguidos, alguns dos quais defendia, à data, e que tinham praticado crimes, fossem submetidos a pena, nada fazendo presumir que esta não tivesse consciência da ilicitude da mesma, atenta, desde logo, a sua profissão e porquanto se tratam de factos cuja ilicitude é de imediata compreensão para um homem médio, por os conceitos envolvidos serem pertença comum, desde sempre.

31- O elemento subjectivo do tipo legal de crime infere-se, por presunções naturais, dos factos materiais correspondentes à acção objectivamente considerada.

32- Assim, a renovação dos meios de prova acima mencionados impõe que no douto Acórdão a proferir se deva dar como provado que: “Com a descrita conduta a arguida KK agiu com o propósito de que o ofendido II, e por intermédio deste, as ofendidas PP e LL, alterassem no decurso do inquérito o teor dos depoimentos já prestados no que tange à identidade dos agentes dos factos que os vitimaram, de forma a evitar que os demais arguidos fossem julgados e condenados numa pena, o que só não conseguiu por circunstâncias alheias à sua vontade, mormente por os ofendidos a tanto se terem negado, bem sabendo que as descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.”.

33- Ao ter-se decidido no douto Acórdão de forma diversa da ora sustentada, nele se violou o disposto nos artigos 127.º e 410.º, nº 2, al. c), ambos do Código de Processo Penal e o disposto nos artigos 367.º/1 e 4; 22.º e 23.º, todos do Código Penal, razão pela qual deverá ser substituído douto Acórdão a proferir no qual se dê como provada a factualidade supra descrita.

37- Deste modo, atento tudo quanto ficou escrito, entendemos que se impõe a condenação, nos moldes vindos de referir, dos seguintes arguidos:

- Quanto ao arguido AA e aos seguintes crimes:

a) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) agravado pelo uso de arma

– factos de 04-06-2021 – a pena deve fixar-se em 11 meses de prisão;

b) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) – factos de 06-06-2021 – a pena deve fixar-se em 8 meses de prisão;

c) crime de violação de domicílio agravado na forma consumada – a pena deve fixar-se em 1 ano e 6 meses de prisão;

d) crime de dano com violência na forma consumada – a pena deve fixar-se em 4 anos de prisão;

- Quanto à arguida BB e aos seguintes crimes:

a) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) agravado pelo uso de arma

– factos de 04-06-2021, agravado pelo uso de arma – a pena deve fixar-se em 10 meses de prisão;

b) crime de violação de domicílio agravado na forma consumada – a pena deve fixar-se em 1 ano de prisão;

d) crime de dano com violência na forma consumada – a pena deve fixar-se em 3 anos e 6 meses de prisão;

- Relativamente ao arguido CC, e aos seguintes crimes:

a) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) agravado pelo uso de arma – factos de 04-06-2021, agravado pelo uso de arma – a pena deve fixar-se em 10 meses de prisão; b) crime de actos preparatórios (de casamento forçado)–factosde06-06-2021 –apena deve fixar-se em 9 meses de prisão;

c) crime de violação de domicílio agravado na forma consumada – a pena deve fixar-se em 1 anos de prisão;

d) crime de dano com violência na forma consumada– a pena deve fixar-se em 3 anos e 6 meses de prisão;

- No que concerne ao arguido DD, e aos seguintes crimes:

a) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) agravado pelo uso de arma

– factos de 04-06-2021, agravado pelo uso de arma – a pena deve fixar-se em 10 meses de prisão;

b) crime de violação de domicílio agravado na forma consumada – a pena deve fixar-se em 1 ano de prisão;

c) crime de dano com violência na forma consumada - a pena deve fixar-se em 3 anos e 6 meses de prisão;

- Quanto ao arguido EE, e aos seguintes crimes:

a) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) agravado pelo uso de arma

– factos de 04-06-2021, agravado pelo uso de arma - a pena deve fixar-se em 10 meses de prisão;

b) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) – factos de 06-06-2021 a pena deve fixar-se em 9 meses de prisão;

c) crime de violação de domicílio agravado na forma consumada - a pena deve fixar-se em 1 ano de prisão;

d) crime de dano com violência na forma consumada a pena deve fixar-se em 3 anos e 6 meses de prisão;

- Relativamente ao arguido FF, e aos crimes:

a) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) agravado pelo uso de arma

– factos de 04-06-2021, agravado pelo uso de arma - a pena deve fixar-se em 11 meses de prisão;

b) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) – factos de 06-06-2021 - apena deve fixar-se em 10 meses de prisão;

c) crime de violação de domicílio agravado na forma consumada - a pena deve fixar-se em 1 ano de prisão;

d) crime de dano com violência na forma consumada – a pena deve fixar-se em 3 anos e 6 meses de prisão;

- No que respeita à arguida GG, e aos crimes:

a) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) agravado pelo uso de arma – factos de 04-06-2021, agravado pelo uso de arma – apena deve fixar-se em 10 meses de prisão;

b) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) – factos de 06-06-2021 - apena deve fixar-se em 9 meses de prisão;

c) crime de violação de domicílio agravado na forma consumada - a pena deve fixar-se em 1 ano de prisão;

d) crime de dano com violência na forma consumada – a pena de a pena deve fixar-se em 3 anos e 6 meses de prisão;

- Quanto ao arguido HH, e ao crime:

a) crime de actos preparatórios (de casamento forçado) - factos de 06-06-2021 - a pena deve fixar-se em 9 meses de prisão, entendendo-se, tal como fez o Tribunal a quo e pelos motivos enunciados a fls. 98 e 99 do douto acórdão para o qual se remete nesta parte, que, in casu, é de excluir a aplicação do Regime Especial para Jovens;

- Quanto à arguida KK e ao crime de favorecimento pessoal na forma tentada – na pena de multa de 120 dias à taxa diária de 7,50 Euros.

****

F) Inconformados com a decisão, dela recorreram, em 20/12/2022, os arguidos AA e HH, extraindo da motivação as seguintes conclusões:             

1ª * ARGUIDO AA *

I - DA FUNDAMENTAÇÃO, CONVICÇÃO DO TRIBUNAL E ENQUADRAMENTO JURÍDICO-LEGAL

2ª Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo decidiu mal, ao condenar o arguido em pena de prisão de nove anos e nove meses.

Senão vejamos.

3ª O Tribunal nunca poderia ter dado como provados os factos a) 16, 20 a 22, 24, 26, 27, 30 a 35, 39, 40, 44, 48, 49, 54 a 56, 69, 70, 73, 102 a 114 e 120.

4ª Tendo mesmo que ser revogado o Acórdão ora recorrido, devendo ser substituído por um que dê como não provados os pontos supra referidos, pois que não há qualquer prova legalmente obtida que permita suportar e dar como provados tais factos (as declarações para memória futura dos menores ofendidos são nulas nos termos do disposto no artº 126º do CPP e 32º da CRP …

5ª Em momento algum se deu como provado que os arguidos conheciam as idades dos ofendidos, pelo que nunca o ponto 16 poderia ser dado como provado.

6ª Sem conceder, no máximo, poderiam saber que apenas a ofendida LL teria 13 anos, contudo, ainda assim, não é linear nem objetiva essa conclusão!

7ª Relativamente aos “alegados episódios” na ..., não existe qualquer prova factual que sustente sem quaisquer dúvidas sequer a interferência ou presença dos arguidos em tal morada, nomeadamente, na Rua ..., Bairro ..., ..., ..., o que não permite sequer dar como provados os factos constantes de pontos 20 a 49 conforme supra expostos.

8ª Em primeiro lugar, é mister referir que os arguidos negaram a prática destes factos em sede de julgamento (sublinhado nosso):

9ª Sendo que, para além dos alegados ofendidos, ninguém confirmou os termos da acusação, nem enquanto prova testemunhal, nem em termos periciais ou científicos.

11ª Já quanto aos pontos 54 a 56, 69, 70, 73, 102 a 114 e 120, ainda mais paradigmático é como deu o Tribunal a Quo como provados tais factos!?

12ª Fala-se que o arguido ora recorrente tomou um “plano gizado”, contudo nunca se refere que plano é esse em concreto, nem em que circunstâncias é que o recorrente se encontra afecto às mesmas…

13ª O arguido nada tem que ver com rapto nenhum, não procedeu a qualquer acto para raptar ninguém, nem tão pouco é referido por ninguém nada que o coloque sequer numa indiciação de tal crime, quanto mais numa condenação, salvo o devido respeito!

15ª Tudo sem olvidar, que à sua condenação como co-autor deveria sempre acrescer a “execução conjunta”, isto é, cada co-autor deverá prestar uma contribuição objetiva para a realização típica, um efetivo exercício conjunto do domínio do facto, e certo é que a decisão recorrida, entre outros pontos, é totalmente omissa nesse aspeto fundamental.

16ª Donde que o recorrente se veja de forma incompreensível e com total desrespeito por um conjunto de normas jurídicas vigentes, inclusivamente de direitos constitucionais consagrados, punido numa pena compatível com um criminoso do mais elevado calibre, sentindo-se profundamente injustiçado e, até, revoltado, paliativos que com toda a certeza a Justiça não visa produzir nos seus cidadãos.

17ª Como mais se lamenta, também, que o ofendido II, agindo como agiu, imbuído de intenções que ressaltaram à náusea na globalidade da prova produzida, até na mera apreciação de um homem médio e de acordo com as regras da experiência comum, obtenha com esta decisão de primeira instância, ainda, o direito a uma elevada indemnização, como se de uma grande vítima se tratasse, enquanto a sua filha, que se julga contar presentemente com apenas 15 (quinze) anos de idade, já seja ou esteja para ser provavelmente mãe e talvez quiçá, nem sequer de um outro menor por quem se julga ter apaixonado, mas, antes, muito provavelmente de um adulto com maior “dote” do que o sobrinho do suplicante.

20ª No nosso recurso em matéria de direito, iremos, dividir os factos dados como provados em dois momentos: um referente aos factos dados como provados no dia 4 de Junho de 2021 e outro referente aos factos dados como provados no dia 6 de Junho de 2021.

21ª Quanto aos factos dados como provados no dia 4 de Junho de 2021 – 1º momento – O recorrente encontra-se condenado pela prática de um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86ºnºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02) de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6  meses de prisão. g.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão. g. um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

22ª Quanto aos factos dados como provados no dia 6 de Junho de 2021 – 2º momento – O recorrente encontra-se condenado pela prática de um crime de rapto agravado, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal.

Quanto aos crimes de Rapto:

Antes de mais entende o recorrente que não foram dados como provados factos que permitam a condenação do recorrente por qualquer crime de rapto.

Pois como sabemos, o crime de rapto constitui um tipo de crime contra a liberdade pessoal e de intenção específica - a privação da liberdade tem de ser determinada com a finalidade de exercer sobre a vítima alguma das acções que são especificamente referidas na lei, entre as quais uma ofensa contra a determinação sexual da vítima -art. 161.º, n.º 1, al. b), do CP.

Ora, dos factos dados como provados não resulta demonstrado esta intenção específica, quer nos factos ocorridos no dia 4 de Junho de 2021, quer nos factos ocorridos no dia 6 de Junho de 2021.

Na boa verdade, a defesa vai ainda mais longe no que concerne à factualidade dada como provada no dia 4 de Junho de 2021, entendendo quanto a esta que não foram dados como provados quaisquer factos que integrem o crime de rapto ou sequer o crime de sequestro, na medida em que não há a privação da liberdade da ofendida LL, nem são descritos factos que consubstanciem actos preparatórios de tal privação.

23ª Efectivamente, analisados os factos dados como provados quanto ao dia 4 de Junho de 2021, verificamos que a ofendida LL, logo que os arguidos entram na sua residência, se dirige para o seu quarto daquela habitação com a sua irmã SS, não tendo nenhum dos arguidos em qualquer momento tentado sequer entrar nesse quarto.

24ª Toda a dinâmica dada como provada pelo tribunal recorrido neste primeiro momento tem como alvo exclusivo a vítima MM (pai da LL). Realmente, o que o tribunal dá como provado é que os arguidos entraram em casa, e após terem encostado uma arma de fogo à barriga deste II, foi a este que seguiram pelo corredor da sua habitação, tendo tentado arrombar a porta do quarto aonde este posteriormente se refugiou.

25ª Em momento algum, e mesmo após II se ter protegido ao trancar-se num dos quartos da habitação, os arguidos ou qualquer um deles tentaram entrar ou arrombar o quarto onde, desde sempre, se encontrava a menor LL.

26ª E, portanto, neste primeiro momento o tribunal a quo não dá como provado factos que nos permita qualificá-los como a prática de um crime de rapto ou sequestro, nem que seja na sua forma tentada.

27ª Uma terceira questão que a defesa levanta relativamente ao crime de rapto na forma tentada pelo qual os arguidos foram condenados tem a ver com a dupla agravação que é feita deste crime por parte do tribunal recorrido. Isto é, o tribunal agrava-o duplamente: uma pelo facto de ter sido praticado contra pessoa particularmente indefesa, tendo em conta a sua idade, outra por ter sido usada uma arma de fogo.

Ora, entende a defesa que o mesmo crime não pode ser agravado duas vezes.

O art. 86º nº3 é do seguinte teor:

“3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”.

29ª A questão jurídica substantiva que aqui se coloca nesta sede é a de saber se a agravação prevista no citado nº3 do art. 86º opera nos casos em que o crime já é agravado por qualquer outra circunstância.

30ª O tribunal recorrido entendeu que a circunstância de o agente trazer no momento do crime de rapto na forma tentada uma arma de fogo agrava-o mesmo que o tenha agravado por uma outra circunstância.

31ª Entendemos, porém, impor-se conclusão diferente.

32ª A moldura do tipo simples, aplicável por via da desqualificação operada em função do valor diminuto da coisa, não é agravada nos termos do disposto no art. 86º nº3 do RJAM, assim como a moldura do tipo qualificado com base em qualquer outra das circunstâncias não é igualmente agravada pelo uso de arma de fogo, sob pena de violação do principio da dupla condenação.

33ª Relativamente ao segundo momento, isto é, quanto aos factos que foram dados como provados como tendo acontecido no dia 6 de Junho de 2021, entendemos que o tribunal de igual modo não dá como provado factos que nos permitam a sua qualificação como um crime de rapto, mas, quando muito, como um crime de sequestro, tendo em conta a falta da tal intenção específica de atentar contra a liberdade e autodeterminação sexual da menor LL.

35ª Aqui chegados, importa ainda questionar como pôde o tribunal ter condenado o arguido AA pelo crime de homicídio qualificado, na forma tentada, agravado pelo uso da arma e paralelamente condená-lo também pelo crime de rapto agravado, na forma tentada, também ele agravado pelo uso da arma e, ainda, pelo crime de ofensas à integridade física qualificada tendo em conta os factos dados como provados como tendo sido praticados no dia 4 de Junho de 2021.

36ª De facto, ou a intenção dos arguidos era privar a menor LL da sua liberdade ou, coisa bem diferente, a intenção dos arguidos era matar o seu pai, ou era ainda ofender o corpo dos ofendidos?

37ª Afinal, qual a intenção dos arguidos que o tribunal deu como provado? Matar, privar da liberdade ou agredir fisicamente os ofendidos?

38ª Outra questão que se coloca é a seguinte: tendo todos os factos que o tribunal qualificou como a tentativa de homicídio e como tentativa de rapto ocorridos num só dia, 4 de Junho de 2021, tendo havido uma só ação, um só momento, poderia funcionar relativamente aos dois crimes a agravação do art. 86º, nº 3 do RJAM?

39ª O recorrente entende que não poderia o tribunal dar como provado, em simultâneo, aquelas três intenções, bem como entendemos que jamais poderia funcionar a mesma agravante para dois crimes. Senão vejamos:

Dos factos dados como provados resulta que tinha havido uma festa em que o ofendido II tinha concordado dar em casamento a sua filha LL ao filho do aqui recorrente AA. Mais, resulta que – por motivos que o tribunal não quis saber por entender serem irrelevantes – o II voltou atrás com a sua palavra, não pretendendo mais que a sua filha LL casasse com o filho do aqui recorrente.

40ª Nisto, o recorrente e restantes arguidos (seus familiares) deslocaram-se à residência do ofendido II e praticaram os factos descritos como tendo acontecido no dia 4 de Junho de 2021, sem nunca tentarem em momento algum trazer, à força ou não, a menor LL.

41ª Assim, parece-nos, salvo o devido respeito, que atendendo aos factos dados como provados pelo tribunal recorrido, o recorrente e seus familiares quiseram repor a honra do filho do recorrente, infligindo mal no corpo daquele que voltou atrás com a sua palavra – pretenderam praticar tão só e apenas o crime de ofensas à integridade física e o crime de dano; tanto assim é que não mataram ninguém e poderiam tê-lo feito, da mesma forma que não trouxeram a menor LL consigo no dia 4 de Junho e poderiam, igualmente, tê-lo feito.

42ª Note-se que, tendo em conta os factos dados como provados pelo tribunal recorrido, nomeadamente que os arguidos iam munidos de armas de fogo calibre 6,35mm e 9mm, que iam com dezenas de munições, com facas, ferros, paus, e que estiveram tão próximo do ofendido que lhe foi encostado à barriga uma daquelas armas de fogo, sendo os arguidos em número bem maior que os ofendidos, diz-nos as regras da experiência e de normal acontecer que se, a intenção dos arguidos fosse matar qualquer um dos ofendidos, tê-lo-iam feito ou que se a sua intensão fosse trazer à força a LL, tê-lo-iam feito. Se tal não aconteceu, é porque essa não foi a intenção dos arguidos.

43ª Note-se que neste primeiro momento, no dia 4 de Junho de 2021, nenhum facto foi dado como provado que demonstre que foram praticados sequer actos preparatórios que visassem privar a menor LL da sua liberdade ou que a intenção dos arguidos fosse contra a vontade da mesma trazê-la com eles,

 44ª O que os arguidos pretenderam e conseguiram foi assustar o ofendido II, e ofender o seu corpo, causando-lhe lesões para que a situação não passasse “impune”.

45ª Portanto, tendo em conta os factos dados como provados como tendo acontecido no dia 4 de Junho de 2021, os mesmos deveriam ter sido qualificados como integrando a prática de um crime de integridade física qualificado – o que se requer nesta sede.

46ª Mesmo que assim não se entenda, e se entenda que a defesa não tem razão em nada do que supra se alegou, sempre se dirá que o crime de rapto na forma tentada e o crime de homicídio qualificado, também ele na forma tentada, não poderiam, em simultâneo, serem ambos agravados pelo uso da mesma arma de fogo, isto porque estamos agravar dois crimes diferentes pelo uso de uma só arma de fogo.

47ª Salvo melhor entendimento, com tal decisão está a ser colocado em causa o princípio penal e constitucional non bis in idem, da proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos, garantia básica do Arguido ao longo do processo penal, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva - cf. artigo 29.º, n.o 5, da CRP.

Senão vejamos,

O ne bis in idem, como exigência da liberdade do indivíduo, o que impede é que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente o seu nomen juris ou que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formal e tecnicamente distintos.

50ª Acresce que o Tribunal recorrido faz uso da circunstância de uso da arma contra os ofendidos mais que uma vez, utilizando-o, também, como agravante na determinação da medida da pena.

51ª O bem jurídico que se visa proteger com qualquer um dos tipos que se vem escalpelizando é a detenção e o uso da arma - com exceção do crime de detenção de arma ilegal, os outros dois tipos sempre se iriam verificar - ainda que com nomen juris diferente.

52ª Destarte, é manifesta e flagrantemente inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 86.º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, por violação do n.º 5, do artigo 29.º, da CRP - ne bis in idem - quando interpretada no sentido de que, as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, mesmo que estejamos a falar de vários crimes praticados num só momento com recurso a uma só arma de fogo.

53ª Aqui chegados, com o devido e necessário respeito por opinião contrária, ao ser o Arguido condenado com uma dupla agravação, a do artigo 132.º do CP e a do artigo 86.º, da Lei das Armas, mostra-se violado o princípio constitucional e penal ne bis in idem, pelo que deve o Acórdão em crise ser revogado e substituído por outro que venha, eventualmente, a condenar o Arguido apenas por uma das agravações.

54ª CRIME DE RAPTO AGRAVADO NA FORMA CONSUMADA – FACTOS DADOS COMO PROVADOS NO SEGUNDO MOMENTO – DIA 6 DE JUNHO DE 2021:

Relativamente a esta matéria entende o recorrente que não foi dado como provado qualquer facto que permita a sua condenação por tal ilícito.

Efectivamente, foi o arguido condenado ainda, por um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, crime esse, perpetrado alegadamente na pessoa na menor LL, porém, a verdade é que todos os factos que consubstanciam a prática de tal ilícito foram imputados e dados como provados em exclusivo ao arguido CC quem se deslocou à rua da residência da menor e a ameaçou a vir consigo, colocando-a de seguida dentro de uma viatura, na qual transportou a menor para uma residencial.

55ª A única intervenção do recorrente que o Tribunal dá como provada é o facto de ter sido o recorrente quem foi buscar os menores à residência e os ter levado a jantar a uma cadeia de fast-food.

61ª Acresce que o único facto imputado ao recorrente – o de levar os menores a jantar (imagine-se) ao Mac Donalds conjugado com as imagens de vigilância da residencial demonstram bem que a menor não estava privada da sua liberdade nem ali se encontrava contra a sua vontade. Qualquer pessoa na posição da ofendida, caso tivesse privada da sua liberdade, teria pedido auxílio quando se encontrava no Mac Donalds, da mesma forma que qualquer pessoa que tivesse outra privada da sua liberdade não a levaria a jantar ao Mac. Não faz sentido algum…

62ª Face ao exposto deveria o recorrente ser absolvido da prática deste crime, primeiro porque não foram dados como provados factos que permitam concluir por aquela intenção específica que falámos e, por outro lado, porque ao recorrente não é imputado um único facto concreto que permita a sua qualificação nos termos em que fez o Tribunal recorrido.

63ª Sem conceder, ainda atentando ao número 3 do artigo 161º do Código Penal “Se o agente renunciar voluntariamente à sua pretensão e libertar a vítima, ou se esforçar seriamente por o conseguir, a pena pode ser especialmente atenuada”.

64ª Ora, in casu, nos termos dados como provados pelo Tribunal a Quo, a menor LL é deixada “num pinhal perto de casa dos pais”, ou seja, não é recuperada pela polícia, nem pelos pais, nem por qualquer outro agente…

65ª Nos termos da própria matéria dada como provada em 1ª Instância, são os “próprios agentes que renunciam voluntariamente à sua pretensão” e acabam por “libertar a vítima”…, logo o regime da especial atenuação também deveria ter sido aplicado in casu, o que se argui e requer, com todas as legais consequências!

66ª DA OMISSÃO DE PRODUÇÃO DE MEIO DE PROVA:

Como é sabido, o tribunal deve, oficiosamente ou a requerimento das partes, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, nos termos do art. 340º, nº1 do C.P.P. Sendo sua obrigação investigar o facto sujeito a julgamento e construir por si os alicerces da decisão, independentemente da contribuição dada quer pela acusação quer pela defesa.

69ª Ora, no caso dos autos, entende o ora recorrente que face aos depoimentos dos próprios Ofendidos PP e II em Audiência de Julgamento, e porque os mesmos referem a dada altura que a menor LL algum tempo depois dos acontecimentos aqui em discussão e após aquela ter prestado declarações para memória futura, afirmou ter mentido e não ter sido levada contra a sua vontade, mas porque quis, deveria o Tribunal ter ouvido em julgamento a menor LL, não obstante as declarações de memória futura que aquela já tinha prestado.

70ª Veio o Tribunal a condenar o ora recorrente por um crime de rapto agravado, na forma tentada e outro crime de rapto agravado, na forma consumada, quando surgiram dúvidas em Julgamento inultrapassáveis, que apenas seriam desfeitas com a nova audição dos menores.

71ª Assim, entende o ora recorrente que o Tribunal violou o art. 340º, nº 1 do C.P.P. ao não ordenar a audição dos menores, em virtude das sérias dúvidas que surgiram no decurso da Audiência de Julgamento, sendo que, apenas tais elementos probatórios seriam aptos a descobrir a verdade material e a auxiliar o julgador na tomada de uma boa decisão da causa – o que efectivamente falho, salvo o devido respeito que é devido.

73ª Pelo exposto, deverá ser considerada a nulidade, por omissão de produção e meios de prova – o que se arguiu em tempo útil e que aqui se dá por reproduzido.

74ª Por outro lado, a redacção originária do CPP de 1987, em coerência com o modelo acusatório que adoptou, previa no seu art. 271.º que, em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a pudesse vir a impedir de ser ouvida em julgamento, o juiz de instrução procedesse à sua inquirição no decurso do inquérito para que o seu depoimento pudesse, se necessário, vir a ser tomado em conta no julgamento.

75ª Embora o formalismo estabelecido para esse acto possibilitasse, em certa medida, o exercício do contraditório, o acto não decorria em condições idênticas àquelas em que teria lugar se realizado na audiência.

76ª Este instituto, na versão originária do Código, desempenhava uma função puramente cautelar visando obter uma prova que poderia ser impossível de produzir na audiência de julgamento.

77ª A prova assim recolhida somente poderia ser utilizada, através da leitura do respectivo auto, se tal viesse a ser necessário. As revisões de 1998 e de 2007 alteraram a natureza meramente cautelar do art. 271.º do CPP.

Conquanto esta finalidade se tenha mantido, as declarações para memória futura passaram a poder ter igualmente lugar para protecção de vítimas de determinados crimes.

A partir de 1998, dos crimes sexuais e, a partir de 2007, dos crimes de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual.

78ª Manteve-se, mesmo quanto às vítimas dos indicados crimes, a menção de que as declarações prestadas para memória futura apenas seriam tomadas em conta na audiência se tal fosse necessário, se bem que se tenham restringido os pressupostos da audição dessas testemunhas na audiência através da introdução da exigência suplementar de o respectivo depoimento não pôr em causa a saúde física ou psíquica de quem o devesse prestar.

79ª  O art. 28.º, n.º 2, da Lei de Protecção das Testemunhas em Processo Penal, ao estabelecer que, «sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser requerido o registo nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal», veio alargar ainda mais o âmbito de aplicação deste preceito.

80ª Deixou de ter uma mera função cautelar e de proteger as vítimas de certo tipo de crimes, passando a abranger todas as pessoas que se incluam no amplo conceito de testemunha, tal como ele se encontra definido pelo art. 2.º, alínea a), da Lei n.º 93/99, de 14/07, e a abarcar qualquer tipo legal de crime.

81ª  A Lei n.º 112/2009, de 16/09, veio, por sua vez, no seu art. 33.º, prever um regime formalmente autónomo para a prestação de declarações para memória futura das vítimas de violência doméstica, se bem que esse regime diste pouco do hoje constante do art. 271.º do CPP.

82ª De acordo com o artº 271º do Código de Processo Penal, na redacção conferida pela Lei nº 48/2007, de 29/8, as declarações para memória futura de menor vítima de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual em inquérito constituem acto obrigatório e a documentar através de registo áudio ou audiovisual, valendo como prova de julgamento independentemente do menor vir a ser novamente ouvido durante a audiência.

83ª Manteve-se, contudo, mesmo quanto às mesmas (vitimas menores de idade), a menção de que as declarações prestadas para memória futura apenas seriam tomadas em conta na audiência se tal fosse necessário.

84ª Esse critério há-de resultar de uma ponderação entre o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável à consecução das finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça.

O 85ª A decisão sobre a tomada de declarações para memória futura não pode ser vista como um meio de evitar a que a vítima seja ouvida em julgamento.

86ª A regra é de a vitima ser ouvida em julgamento, só não o sendo se tal não se revelar necessário. No caso dos presentes autos não só era necessário como era imprescindível para a descoberta da verdade material, tendo em conta o depoimento dos próprios pais dos menores em sede de julgamento – depoimento das testemunhas PP e II, que vieram dizer que a sua filha LL lhes terá confessado que não houve qualquer rapto ou sequestro.

87ª E, note-se, que era tão imprescindível que todo o Acórdão vem fundamentado – quase em exclusivo – nas declarações para memória futura prestadas pelos menores que foram, como vimos, desmentidas pelos próprios pais que em julgamento afirmaram que a Menor LL após ter prestado declarações para memória futura lhes confessou que foi no dia 6 de Junho de 2022 embora com o arguido CC porque quis, de livre e espontânea vontade, porque gostava do menino.

88ª Claro está que o Tribunal também não quis ouvir a menor …

89ª  Pouco tempo depois dos factos – 2 ou 3 meses depois – a menor LL encontrava-se casada segundo os costumes ciganos com um primo direito da mesma (filho de uma irmã do ofendido II) e grávida à data do julgamento no final da gestação, mas o Tribunal depois de ter conhecimento de tal realidade, tendo sido inclusivamente juntas pela defesa fotografias da menor LL grávida - entendeu-a irrelevante para a boa decisão da causa e não quis – também por isso – ouvir a menor, indeferindo a junção de tais fotografias.

90ª Assim, entende o recorrente que o Tribunal recorrido tinha a obrigação legal de ouvir os dois menores em sede de julgamento tendo em conta por um lado, o depoimento das testemunhas PP e II em julgamento e, por outro, o dever que o Tribunal tem de (para além de estar triplamente atento porque na maioria das vezes dois estão a despachar outros processo e apenas o juiz presidente está atento) descobrir a verdade material e de bem decidir.

91ª A tomada das declarações para memória futura destina-se a que estas sirvam de prova (ainda que prova pré constituída), na audiência de julgamento, a quem não possa comparecer, e para que o “depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento” – artº 271º1 CPP mas, não impedem que a ofendida volte a prestar declarações em audiência se o pretender, se for requerido por qualquer das partes ou, se quem dirige a audiência achar necessário para a descoberta da verdade material – artº 271º nº 8 CPP.

94ª O artigo 271.º, n.º 8, do Código de Processo Penal prevê que “a tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar”.

95ª Da redacção da norma é perceptível que o legislador pretendeu, de forma clara, prever a possibilidade de a pessoa que num primeiro momento prestou declarações para memória futura, venha novamente a prestar declarações em sede de audiência de julgamento.

96ª A Lei obriga o julgador a apreciar e a fundamentar se tal repetição poderá representar um duro golpe no processo de cura física ou psíquica da pessoa. Tal repetição deve apenas ser motivada pelo facto de terem surgido novos factos ou circunstancialismos adicionais dos que foram objecto de declarações para memória futura, até porque da conjugação do artigo 271.º, n.ºs 1 e 8, do Código de Processo Penal resulta a exigência da necessidade e da possibilidade, por outras palavras, a repetição da prova deve ser considerada como necessária para a descoberta da verdade material e ser possível.

97ª À semelhança das exigências de fundamentação aquando de uma decisão ou Despacho judicial para que a vitima não preste declarações em julgamento uma vez requeridas por qualquer das partes, também aqui, o Tribunal ao decidir em não ouvir as vítimas que prestaram declarações para memória futura em sede de audiência de julgamento terá de motivar a sua desnecessidade e impossibilidade, devendo escalpelizar quais os motivos que justificam a não repetição de tais declarações, sendo certo que não basta invocar a tão proclamada desnecessidade porque já foram ouvidas em declarações para memória futura.

98ª A defesa fundamentou a necessidade de os menores serem ouvidos em sede de julgamento alegando que ouvidos os pais em julgamento os mesmos referiram que a menor LL após os factos e após ter regressado  para casa e depois de ter prestado declarações para memória futura lhes confessou que tinha mentido quando afirmou ter sido levada e mantida contra a sua vontade fora dos pais. Esclareceram os pais da menor que a mesma lhes terá dito que ela foi com o arguido CC porque quis e de livre vontade e que regressou quando quis também.

99ª Surgiu, assim, em sede de julgamento já, um novo facto: a menor LL mentiu quando prestou as suas declarações para memória futura quanto aos factos pelos quais o Tribunal, agora, condena os recorrentes pelo crime de rapto agravado consumado em 5 anos e 6 meses.  Impunha-se pois, sem dúvida alguma, ouvir em julgamento pelo menos a menor LL e, porque contraditório com o depoimento também prestado pelo Menor MM, impunha-se igualmente, ouvir este menor.

101ª As declarações para memória futura anteriormente prestadas poderão, contudo, ser utilizadas quando a testemunha incorrer em contradições ou discrepâncias ou para reavivar a sua memória [artigo 356.º, n.º3, als. a) e b)]

102ª Por todo o exposto, entende o recorrente que o Tribunal deveria ter deferido a pretensão da defesa e deveria ter ordenado a reinquirição dos dois ofendidos menores: LL e MM pelos motivos supra expostos e também ali expostos aquando do seu pedido.

105ª O C.P.P. estabelece no artigo 340.º os princípios gerais em matéria de produção de prova na audiência, encontrando-se vários outros critérios de admissibilidade de prova dispersos noutros preceitos do mesmo diploma, com recurso a expressões como, entre outras, essencial, indispensável, necessário, previsivelmente necessário, absolutamente necessário, útil. Discute-se, por vezes, se o poder conferido pelo artigo 340.º do C.P.P. é um poder discricionário ou, pelo contrário, é sindicável, questionando-se se é recorrível a decisão de indeferimento de um requerimento de prova apresentado, na fase de julgamento, ao abrigo do preceituado no artigo 340.º do C.P.P.:

107ª A violação do art. 340.º, n.º 1 do C. Processo Penal e por via dela, a violação do princípio da investigação, na sequência do indeferimento reinquirição de testemunhas que prestaram declarações para memória futura, tendo o arguido através do seu advogado/defensor reagido até ao termo da audiência em que a mesma foi cometida, arguindo o respectivo vício.

108ª Assim o indeferimento de requerimento de produção de meios de prova apresentado em audiência, se essenciais para a descoberta da verdade, faz incorrer na nulidade prevista no artigo 120.º, n.º2, al. d), do C.P.P., a arguir no prazo legal, e da qual se interpõe agora recurso na medida em que o Acórdão condenatório tem com o  fundamentação exclusiva ou quase as declarações prestadas para memória futura daqueles dois menores.

110ª No que diz respeito à qualificação do artigo 132.º, do CP, cumpre referir, que a mesma apenas se verifica quando a morte (ou a tentativa) tenha sido "produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade" sendo que, as diferentes alíneas referidas no n.º 2, são meros indícios que podem levar, ou não, a essa verificação.

112ª O facto de o Tribunal a quo ter dado como provado que os Arguidos seriam em número superior a 2 pessoas, não pode levar à verificação automática do preenchimento do n.o 1, do artigo 132.º, do CP alínea h). Para tanto, torna-se absolutamente necessário que se verifique uma culpa agravada, que corresponde a um tipo de culpa - e não apenas culpa, sob pena de esta norma se mostrar sempre preenchida e, por isso, esvaziada de conteúdo.

113ª Desta feita, para que se verifique uma culpa agravada, torna-se necessário demonstrar - o que não foi feito na decisão em crise – que o Arguido, no momento da prática do facto, e não em qualquer outro, podia, tinha capacidade suficiente, de agir de outro modo caso não “houvesse comunhão de esforços”.

114ª O Tribunal recorrido concluiu que se verifica a especial censurabilidade pelo simples facto de com o Arguido estarem mais de duas pessoas e que isso, só por si, permitira de forma automática os requisitos para uma especial censurabilidade, o que não se concede, por não fundamentado. Não adianta qualquer outro fundamento que não seja este.

115ª Acresce que, o simples facto de ter estado em grupo, não basta para que se demonstre a especial censurabilidade. Para tanto, como já aqui referido e também no Acórdão recorrido, torna-se necessário demonstrar a culpa agravada, o que, não se basta com a demonstração da existência de culpa - esta sempre existe, caso contrário não haveria condenação.

116ª De tais factos, não resulta, salvo melhor opinião, uma culpa agravada - nem o Acórdão em crise adianta quais sejam.

117ª •  MEDIDA CONCRETA DA PENA

•          Crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma

Quanto ao crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, importa requerer a absolvição do arguido pelo mesmo, isto porque, como alegado supra e que por mera economia processual não se reproduz, não existem elementos nos autos, nomeadamente nos factos dados provados pelo tribunal que permitissem ao Tribunal recorrido poderia concluir que a intenção do arguido AA e dos co-arguidos ao deslocarem-se à residência dos ofendidos era raptar a menor LL, até porque, dos factos dados como provados, nada consta quanto à alegada tentativa de rapto.

Contudo, caso assim não se entenda, o crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al.b) e nº 2 al. a), por refª. ao artº 158º nº 2 al. e) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas, é punível com pena de prisão de 1 mês e 10 dias até 8 anos, 10 meses e 20 dias,

O ora recorrente foi condenado a uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão, contudo, nenhum elemento resulta do acórdão condenatório que permitam fixar a culpa do aqui recorrente nos 3 anos e 6 meses de prisão, até porque o mesmo nunca se dirigiu diretamente durante as acções por ele efetuadas à menor LL, tendo apenas tido a intenção de resguardar a honra de seu filho.

118ª •  Crime de homicídio qualificado, na forma tentada, agravado pelo uso da arma

O crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02) é punível com pena de prisão de 3 anos e 3 meses até 22 anos 2 meses e 20 dias.

No caso em questão, o Tribunal a quo entendeu condenar o ora recorrente numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão, com a qual o arguido não se pode conformar.

Desde logo, conforme o supra alegado, concluímos pelo entendimento de que a factualidade dada como provada no Acórdão aqui recorrido se consubstancia num crime de ofensa à integridade física simples, agravado pelo uso da arma …

Logo, tendo em conta a experiência, se o ora recorrente tivesse a intenção de matar o ofendido II, tê-lo-ia assim conseguido desde o primeiro momento em que se confrontam.

Mas na eventualidade de assim não se entender, entendemos que a pena concretamente a aplicar ao recorrente não poderá jamais ser superior aos 4 anos de prisão, nos termos e com os seguintes fundamentos:

Como consequência não ficou com sequelas risco de vida, directa e necessária da conduta, o ofendido permanentes no seu corpo, nem nunca teve em

 Tendo saído no próprio dia da zona de .... Pelos seus próprios meios, tanto é que, o tiro que acertou no ofendido MM foi de raspão.

 Ao nível da prevenção geral, no que concerne às tentativas de homicídio, urge ter presente que o bem jurídico visado atingir pela conduta criminosa do arguido, a vida humana, representa o maior valor pessoal do indivíduo, sendo que o direito à vida se encontra constitucionalmente consagrado (art. 24º da Constituição da República Portuguesa).

Quanto às exigências de prevenção especial, mostram-se medianas, tendo em conta o tipo de crime em causa os concretos factos dados como provados e facto de os factos terem ocorrido em finais de Maio/início de Junho de 2021, não havendo notícia de novos incidentes ou conflitos entre arguido e o ofendido.

Não esquecendo que, o arguido poderia ter disparado o tiro que veio a acertar na parede, em direção ao ofendido – quando este se encontrava totalmente desprotegido- e não o fez, demonstrando que a sua intenção não era matar o ofendido.

Ao nível da reinserção social cumpre ter presente que:

O arguido apresenta estabilidade familiar.

À data da sua reclusão, o arguido executava trabalhos como vendedor ambulante e da produção de cestos de vime, sendo que a família beneficia de Rendimento Social de Inserção, no valor global de cerca de 1.000€, garantido assim a satisfação das necessidades básicas da família.

Não são assinaladas despesas fixas relevantes, apenas as referentes à manutenção da casa; Destarte, sopesando todos estes factores, temos por adequadas e suficientes a promover os fins punitivos vertidos no art. 40º do C.P., a pena de 4 anos de prisão. Por outro lado, se consultarmos a jurisprudência dominante quanto a esta matéria verificamos que em regra não são aplicadas penas concretas superiores a 5 anos em situações similares às dos presentes autos.

119ª •  Crime de rapto agravado, na forma consumada

O crime de rapto agravado, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al.s. b) e nº 2 al.  a), por refª. ao artº 158º nº 2 al. e) do Cod. Penal, é punível com pena de prisão de 3 a 15 anos, tendo o Tribunal a quo considerado como adequada e proporcional a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

Contudo, conforme supra alegado, não é possível concluir nem pelo crime de sequestro, quem dirá ao crime de rapto que pressupõe, conforme visto, agir contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima.

Não é possível perceber como o tribunal recorrido chegou à conclusão desta qualificação jurídico-criminal, uma vez que não é possível ao analisarmos os factos dados como provados chegar a tal conclusão, até porque houve a absolvição do crime de casamento forçado, pelo que entende a defesa pela absolvição do ora recorrente de tal crime.

Ainda que fosse possível entender-se pelo crime de sequestro, o ora recorrente não teve participação no mesmo, até porque este não retirou a menor LL de casa em segundo momento (6 de Junho de 2021), tendo sido o arguido CC quem teria levado a menor.

O ora recorrente teria tão somente levado os menores para o McDonald’s para que os mesmos pudessem comer. Isto é, se se tratava de um crime de sequestro, porque iria então o ora recorrente levar a menor LL e o seu filho OO para um local público, e não mais reservado?

Além disso, o ora recorrente, além de não ter levado a menor LL com ele à residencial, tão pouco permaneceu também no local a vigiar e controlar aquela, e impedir que a mesma se colocasse em fuga – tudo isso sendo feito pelos demais co-arguidos.

Sem conceder, reitera-se ainda que, atentando ao número 3 do artigo 161º do Código Penal “Se o agente renunciar voluntariamente à sua pretensão e libertar a vítima, ou se esforçar seriamente por o conseguir, a pena pode ser especialmente atenuada”.

Ora, in casu, nos termos dados como provados pelo Tribunal a Quo, a menor LL é deixada “num pinhal perto de casa dos pais”, ou seja, não é recuperada pela polícia, nem pelos pais, nem por qualquer outro agente…

Pelo que, nos termos da própria matéria dada como provada em 1ª Instância, são os “próprios agentes que renunciam voluntariamente à sua pretensão” …

120ª DA PENA ÚNICA APLICADA:

Operando o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares supra fixadas, o tribunal recorrido condenou o ora recorrente AA na PENA ÚNICA de 9 anos e 9 meses de prisão.

Entende-se contudo, que para haver justiça nos moldes já explanados, bem como adequação da(s) sanção(ões) aos atos efetivamente praticados e sancionáveis ao arguido, nunca poderia o recorrente AA ser condenado numa PENA ÚNICA superior a 4 anos e 1 mês.

Devendo a mesma ser ainda suspensa na execução atenta a total inexistência de qualquer crime desta natureza no registo criminal do arguido em toda a sua vida!! Sendo ainda de fazer um juízo de prognose favorável, atenta não só a idade do arguido, a sua inserção social e familiar, bem como a pacatez com que tem regido a sua vida..

Sem conceder em tudo o supra referido, aplicando-se infra com as necessárias adaptações:

* ARGUIDO HH *

121ª O Tribunal a quo decidiu condenar:

- “o) Julgar a acusação relativamente ao arguido HH parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenam o arguido HH pela prática, em co-autoria material de um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.”.

122ª Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo decidiu mal, ao condenar o arguido em pena de prisão de cinco anos e seis meses.

Senão vejamos.

123ª O Tribunal nunca poderia ter dado como provados os factos a) 61 E 63.

124ª Tendo mesmo que ser revogado o Acórdão ora recorrido, devendo ser substituído por um que dê como não provados os pontos supra referidos.

125ª Em momento algum se deu como provado que o arguido conhecia sequer a existência “de um plano gizado”, nem tão pouco se descreve como devido rigor qualquer prática do mesmo.

126ª Mais se refere que o ora arguido HH não é identificado por ninguém, nem toma qualquer contacto com nenhum dos ofendidos ou partes in casu.

127ª CRIME DE RAPTO AGRAVADO NA FORMA CONSUMADA – FACTOS DADOS COMO PROVADOS NO SEGUNDO MOMENTO – DIA 6 DE JUNHO DE 2021:

Relativamente a esta matéria entende o recorrente que não foi dado como provado qualquer facto que permita a sua condenação por tal ilícito.

Efectivamente, foi o arguido condenado ainda, por um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158.º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, crime esse, perpetrado alegadamente na pessoa na menor LL, porém, a verdade é que todos os factos que consubstanciam a prática de tal ilícito foram imputados e dados como provados em exclusivo ao arguido CC quem se deslocou à rua da residência da menor e a ameaçou a vir consigo, colocando-a de seguida dentro de uma viatura, na qual transportou a menor para uma residencial.

128ª A única intervenção do recorrente que o Tribunal dá como provada é o facto de ter sido o recorrente quem pagou um quarto para dois adultos na residencial ....

134ª Acresce que o único facto imputado ao recorrente – o de pagar um quarto de hotel para dois adultos, quarto ...04, conjugado com as imagens de vigilância da residencial demonstram bem que a menor não estava privada da sua liberdade por qualquer acto do ora recorrente HH, nem ali se encontrava contra a sua vontade por qualquer causa imputável àquele direta ou indiretamente. Não faz sentido algum…

135ª Face ao exposto deveria o recorrente ser absolvido da prática deste crime, primeiro porque não foram dados como provados factos que permitam concluir por aquela intenção específica que falámos e, por outro lado, porque ao recorrente não é imputado um único facto concreto que permita a sua qualificação nos termos em que fez o Tribunal recorrido.

136ª Sem conceder, reitera-se ainda que, atentando ao número 3 do artigo 161º do Código Penal “Se o agente renunciar voluntariamente à sua pretensão e libertar a vítima, ou se esforçar seriamente por o conseguir, a pena pode ser especialmente atenuada”.

137ª Ora, in casu, nos termos dados como provados pelo Tribunal a Quo, a menor LL é deixada “num pinhal perto de casa dos pais”, ou seja, não é recuperada pela polícia, nem pelos pais, nem por qualquer outro agente…

138ª Pelo que, nos termos da própria matéria dada como provada em 1ª Instância, são os “próprios agentes que renunciam voluntariamente à sua pretensão” e acabam por “libertar a vítima”…,

139ª Assim, e por todo o exposto, e independentemente de todo o ora alegado, sem conceder em absolutamente nada, caso V. Exas. entendessem ser de aplicar uma pena, mais concretamente, de prisão, Venerandos Juízes, a verdade é que a mesma deverá ser, sempre, inferior à pena aplicada, bem como suspensa na execução (sempre inferior a 5 anos de condenação efetiva).

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser, sempre, APLICADA PENA INFERIOR À PENA ÚNICA APLICADA DE 5 ANOS E 6 MESES DE PRISÃO, não ultrapassando assim a medida da culpa do Recorrente.

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            E) Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 20/2/2023, emitiu douto Parecer no sentido de que o recurso interposto pelo Ministério Público merece integral provimento e de que todos os recursos interpostos pelos arguidos devem ser considerados improcedentes.

                                                                       ****

F) Cumprido, o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não foi exercido o direito de resposta por nenhum dos arguidos.

                                                           ****

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II. Decisão Recorrida:

            “Acordam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de ...:

            I – Relatório

            Em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, a Digna Magistrada do MºPº deduziu acusação contra os arguidos

            1. AA

            2. BB

            3. CC  …

            4. DD …        

            5. EE

            6. FF

            7. GG

            8. JJ

            9. HH

            10. TT

            11. KK

            imputando-lhes a prática dos seguintes crimes:

            § Aos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e JJ, em co-autoria material e em concurso efectivo, de:

            - um crime de rapto agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 161.º, nºs 1, al. b) e d), e 2, al. a), por referência ao artigo 158.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, e ao artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02.;

            - um crime de actos preparatórios (de casamento forçado), na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 154.º-C, por referência ao artigo 154.º-B, ambos do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02.;

            - um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, nºs 1 e 2, al. h), todos do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02.;

            - um crime de detenção de arma proibida, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, als. c) e e), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. az), e n.º 3. al. p), 3.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 5/2006, de 23.02.;

            - um crime de violação de domicílio agravado, na forma consumada, previstos e punidos pelo artigo 190.º, nºs 1 e 3, do Código Penal;

            - um crime de dano com violência, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 214.º, n.º 1, al. a), por reporte ao artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02.;

            - um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, previsto e punido pela disposição conjugada dos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, al. a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, als. c) e h), do Código Penal;

            - dois crimes de ameaça agravada, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal;

            A que acresce a pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas, prevista e punida pelo artigo 90.º, nºs 1 a 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02.

            §§ Aos arguidos AA, BB, CC, EE, FF e GG (estes em concurso efectivo com os crimes indicados supra), HH e TT, em co-autorial material e em concurso efectivo, de:

            - um crime de rapto agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 161.º, nºs 1, al. b) e d), e 2, al. a), por referência ao artigo 158.º, n.º 2, al. e), do Código Penal;

            - um crime de actos preparatórios (de casamento forçado), na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 154.º-C, por referência ao artigo 154.º-B, ambos do Código Penal.

            §§§ Ao arguido EE (em concurso efectivo com os crimes indicados supra), em autoria material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal.

            Tudo pelos factos constantes do despacho de acusação de fls. 1769 e segs. dos autos, refª. 98785615, datada de 18/12/2022, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.

            §§§§ À arguida KK a prática, em autoria material, de um crime de favorecimento pessoal na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 367º, nºs 1 e 4, do Código Penal; pelos factos constantes do despacho de pronúncia datado de 07/03/2022, refª. 99433763, de fls. 2115 e segs. dos autos, o qual remete para os factos e qualificação jurídica imputados à mesma arguida na acusação de fls. 1769 e segs. dos autos, refª. 98785615, datada de 18/12/2022, cujos teores aqui se têm por integralmente reproduzido.

                                                                       * *

            A Digna Magistrada do MºPº mais requereu, nos termos dos artigos 82º-A do Código de Processo Penal, e caso não venha a ser deduzido pelos mesmos pedido de indemnização civil nos presentes autos - na hipótese de os arguidos virem a ser condenados -, que seja arbitrada a favor dos ofendidos II e de PP uma quantia a título de reparação pelos prejuízos pelos mesmos sofridos, por se tratarem de vítimas especialmente vulneráveis, nos termos dos artigos 1º als. j) e l), 67º-A, n.º 1, alínea b) e nº 3 e 82º-A do CPP e no artº 16º nºs 1 e 2 da Lei n.º 130/2015, de 04/09.

                                                                       *

            Regularmente notificados os ofendidos II e de PP para declararem se se opõem à fixação da indemnização requerida pelo MºPº, os mesmos nada opuseram.

            Todavia, em sede de audiência de discussão e julgamento a ofendida PP declarou ser evangélica, e, porque os arguidos já enviaram recado por familiares no sentido de pedirem desculpa do sucedido, que lhes perdoou, até porque quando tentou “segurar o Sr. AA os outros 6 arguidos estavam lá ( na casa da ofendida) e ninguém me fez nada, nem tentou chegar junto da minha filha” (sic).

                                                                       *

            Com fundamento na prática pelos arguidos dos diversos crimes porque vêm acusados, a Digna Magistrada do MºPº deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, JJ, HH e TT, pedindo a condenação destes nos seguintes termos:

            - … solidariamente, no pagamento à menor LL da quantia de € 25.000,00 ( vinte e cinco mil euros ), título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora à taxa legal vencidos desde a notificação e vincendos até integral pagamento;

            - … solidariamente, no pagamento ao menor MM da quantia de € 5.000,00 ( cinco mil euros ), título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros de mora à taxa legal vencidos desde a notificação e vincendos até integral pagamento.

                                                                       * *

            Com fundamento na prática pelo arguido EE do crime de resistência e coacção sobre funcionário porque vem acusado, a fls. 2053 (Refª. 8371935, de 25/01/2022), NN deduziu contra aquele arguido pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do mesmo no pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

                                                                       * *

           

                                                                       *

            … no início da audiência de discussão e julgamento foi cessada a conexão e ordenada a separação do processo relativamente àquela arguida, e a consequente extracção de certidão, para julgamento da arguida TT em processo autónomo, nos termos do disposto no artº 30º do Cod. Proc. Penal.

                                                                                   *

            Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, com documentação das declarações orais, e observância das demais formalidades legais, como se alcança das respectivas actas das diversas sessões de julgamento.

            Deu-se início à audiência de discussão e julgamento na ausência dos arguidos JJ e HH, ambos regularmente notificados por carta simples com P/D para a morada indicada no respectivo TIR.

            Nas demais sessões de audiência de discussão e julgamento, o arguido HH compareceu em juízo, e identificou-se perante este Tribunal Colectivo, não tendo, todavia, prestado declarações acerca dos factos.

            Também no decurso da audiência de discussão e julgamento, na sessão de 04/10/2022, o arguido FF (preso preventivamente à ordem dos presentes autos), não foi conduzido a juízo pelos serviços prisionais, em virtude de se encontrar em isolamento por ter testado positivo à COVID 19, mas declarou expressamente por escrito nos autos prescindir de estar presente nessa sessão, sendo representado pela sua Defensora (cfr. declaração de fls. 2649 dos autos).

            No decurso da audiência de discussão e julgamento foi ainda dado cumprimento ao disposto no artº 358º nº 3 do Cod. Proc. Penal.

                                                                                   *

            A instância mantém a validade e regularidade oportunamente afirmadas.

                                                                       *

            II - Fundamentos:

            a) Factos provados

            a.1) Os arguidos AA e BB (doravante AA e BB), viviam, à data dos factos que infra se descreverão, em comunhão de mesa, leito e habitação, em termos de estabilidade, comportando-se ambos como se de marido e mulher se tratassem.

            a.2) Os arguidos AA e BB são pais dos arguidos CC, DD, EE e HH, bem como do menor OO, nascido em .../.../2007.

            a.3) O arguido HH e TT viviam, à data dos factos que infra se descreverão, em comunhão de mesa, leito e habitação, em termos de estabilidade, comportando-se ambos como se de marido e mulher se tratassem.

            a.4) O arguido EE vivia, à data dos factos que infra se descreverão, em comunhão de mesa, leito e habitação, em termos de estabilidade, com UU, comportando-se ambos como se de marido e mulher se tratassem.

            a.5) Os arguidos FF, conhecido por “VV”, e GG viviam, à data dos factos que infra se descreverão, em comunhão de mesa, leito e habitação, em termos de estabilidade, comportando-se ambos como se de marido e mulher se tratassem.

            a.6) Os arguidos FF e GG são pais do arguido JJ.

            a.7) Os arguidos AA e FF são irmãos.

            a.8) Os ofendidos II e PP viviam, à data dos factos que infra se descreverão, em comunhão de mesa, leito e habitação, em termos de estabilidade, comportando-se ambos como se de marido e mulher se tratassem, fixando residência na Rua ..., Bairro ..., ..., ....

            a.9) Os ofendidos II e PP são pais dos ofendidos LL, nascida em .../.../2007, de MM, nascido em .../.../2009, e de SS, nascida em .../.../2021.

            a.10) A ofendida PP é prima da arguida GG.

            a.11) Os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, HH, GG e JJ não são titulares de licença de uso e porte de arma.

            a.12) A arguida KK é Advogada, com a cédula n.º ..., e encontra-se inscrita na Ordem dos Advogados desde .../.../2006.

            a.13) A arguida KK foi constituída mandatária dos arguidos FF e GG no âmbito dos presentes autos.

            a.14) Os arguidos - com excepção da arguida KK- e os ofendidos são de etnia cigana.

            a.15) À data dos factos que infra se descreverão, os ofendidos LL, MM e SS tinham 13 anos de idade, 12 anos de idade e 4 meses de idade, respectivamente.

            a.16) A idade dos indicados ofendidos era do conhecimento de todos os arguidos.

            a.17) No dia 29 de Maio de 2021, os arguidos AA e BB almoçaram com os ofendidos II, PP, LL, MM e SS, no acampamento onde residiam à data os arguidos AA e BB, e os filhos destes, co-arguidos nos autos, num pinhal sito na Travessa ..., ..., ....

            a.18) No decurso desse almoço, e de acordo com os costumes e tradição ciganos, o arguido AA pediu ao ofendido II que a filha deste, LL, ficasse noiva do filho do primeiro, o menor OO, à data com 13 anos de idade, tendo em vista futuro casamento entre os menores, de acordo com os indicados costumes e tradições ciganos, tendo o ofendido concordado.

            a.19) No dia 4 de Junho de 2021, cerca das 17h00m/18h00m, o ofendido II telefonou ao arguido FF e disse-lhe que já não pretendia dar a filha em noivado a OO, por ser muito nova e ainda andar na escola, ao que aquele lhe disse que ia falar com o irmão AA.

            a.20) Nessa sequência, nesse mesmo dia, a hora não concretamente apurada, mas entre as 18h e as 20h30m, os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, em conjugação de esforços e de intentos entre si, mediante o plano por todos previamente elaborado, deslocaram-se à indicada residência dos ofendidos sita na Rua ..., Bairro ..., ..., ....

            a.21) AA levava consigo, à cintura, uma arma de fogo de calibre 6,35mm, de características não integralmente apuradas; HH levava consigo uma arma de fogo de calibre 9mm, de características não integralmente apuradas, DD levava consigo um ferro, CC e JJ levavam consigo paus; BB e GG levavam consigo facas com lâminas de comprimento não apurado.

            a.22) As descritas armas de fogo de calibre 6,35mm e 9mm encontravam-se devidamente municiadas, levando consigo os arguidos:

            - oito munições de calibre 9mm Parabellum (9x19mm ou 9 mm LUGER na designação anglo-americana), sendo três da marca PRVI PARTIZAN e cinco da marca GFL / FIOCCHI; e

            - vinte e quatro munições de calibre 6,35mm Browning (.25ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), sendo catorze da marca PRVI PARTIZAN e dez da marca PPU.

            a.23) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, os ofendidos estavam todos na sua residência.

            a.24) Chegados à residência dos ofendidos, os arguidos AA, CC, DD, EE e FF desferiram vários pontapés na porta da mesma que dá acesso ao pátio, que se encontrava apenas fechada no trinco, forçando a respectiva fechadura e logrando entrar no mesmo sem autorização dos ofendidos.

            a.25) Após, os mesmos arguidos desferiram vários pontapés na porta que dá acesso ao interior da habitação, que se encontrava também apenas fechada no trinco, forçando a respectiva fechadura, e entraram no seu interior, sem autorização dos ofendidos, directamente para um corredor que dá acesso aos quartos dos ofendidos, encontrando-se AA à frente e, atrás deste, os demais arguidos CC, DD, EE, FF, BB e GG.

            a.26) Então, II, seguido de PP, LL, MM e SS, dirigiu-se ao dito corredor e, quedando-se a cerca de 3 ou 4 metros do arguido AA, virado de frente para o mesmo, perguntou-lhe se queria levar a sua filha à força.

            a.27) Acto contínuo, e sem nada dizer, AA tirou a arma de fogo de calibre 6,35mm que levava à cintura e apontou-a à barriga de II, após o que carregou várias vezes no gatilho, de modo a atingi-lo na barriga, o que não conseguiu porque a arma encravou.

            a.28) Assustada, LL levou de imediato consigo a irmã SS para o seu quarto.

            a.29) Já PP e MM permaneceram no dito corredor junto a II.

            a.30) Entretanto, AA puxou atrás a culatra da arma que empunhava, de modo a desencravar a arma, tendo então saltado da mesma a munição que a encravara.

            a.31) Após, AA efectuou um disparo para a parede ao lado da qual se encontrava o ofendido II, que a atingiu, provocando um buraco na parede.

            a.32) Nisto, II, atemorizado, começou a desviar-se para trás de uma parede junto à qual se encontrava, ao que AA, que se havia aproximado daquele e se encontrava agora a não mais de um metro do mesmo e de frente para ele, apontou novamente a arma na sua direcção e efectuou um disparo que atingiu II no joelho direito.

            a.33) AA tentou efectuar novo disparo na direcção de II, mas a arma encravou.

            a.34) De imediato, PP dirigiu-se a AA, lançou-se ao braço com o qual aquele empunhava a arma de fogo e agarrou a arma, gritando várias vezes “olha os meus filhos” e impedindo aquele de disparar novamente contra II, o qual conseguiu assim entrar no quarto do casal.

            a.35) PP manteve-se agarrada à arma que AA empunhava e que não largava, tentando este efectuar novos disparos na direcção do quarto onde se encontrava II.

            a.36) Acto contínuo, EE e DD desferiram vários pontapés na porta do quarto onde se encontrava II, tentando arrombá-la.

            a.37) A dado momento, o menor MM quedou-se ao pé da porta do quarto no interior do qual se encontrava II, gritando aos arguidos para deixarem o seu pai, tendo então DD desferido no menor uma pancada com um ferro que empunhava, atingindo-o no joelho direito.

            a.38) Os arguidos só não conseguiram entrar no quarto onde se encontrava o II porque este, de dentro do quarto, pressionou com força o seu corpo contra a porta.

            a.39) AA efectuou no interior da residência dos ofendidos 3 disparos, um dos quais atingiu II nos termos descritos, só não tendo disparado mais por a arma ter encravado.

            a.40) Entretanto, alertados pelo barulho, acorreram ao local vários vizinhos dos ofendidos.

            a.41) A dada altura, os arguidos saíram da residência dos ofendidos.

            a.42) Atemorizados, e aproveitando a saída dos arguidos do interior da habitação, os ofendidos fugiram da mesma por uma janela sita nas traseiras.

            a.43) Já fora da residência, os arguidos dirigiram-se ao veículo da marca e modelo ..., com a matrícula ..-BB-.., pertença de II, de valor não apurado.

            a.44) Aí, AA e FF efectuaram um total de vinte e dois disparos com as armas de fogo de calibre 6,35mm e 9mm, na direcção da residência dos ofendidos e da referida viatura, , sendo que seis atingiram a porta traseira esquerda da viatura e sete a mala traseira da viatura.

            a.45) Por seu turno, indivíduos não identificados arremessaram uma pedra contra um dos vidros laterais traseiros da viatura e um macaco hidráulico ao vidro traseiro da mala da mesma, que partiram.

            a.46) Após, os arguidos fugiram do local.

            a.47) Ainda nesse dia, os ofendidos, receosos pela sua vida e integridade física, saíram de ....

            a.48) Como consequência directa e necessária da conduta de AA, II sofreu as seguintes lesões:

            …

            a.50) Como consequência directa e necessária da conduta de DD, MM sofreu as seguintes lesões:

            …

            a.52) Os estragos causados na residência e veículo dos ofendidos, na sequência das descritas condutas dos arguidos, importaram para a sua reparação valor não apurado.

            a.53) No dia 6 de Junho de 2021, cerca das 15h30m/16h00m, os ofendidos II e PP regressaram à sua residência sita na Rua ..., Bairro ..., ..., ..., com os seus filhos LL, II e SS, para recolherem alguns pertences pessoais.

            a.54) Por forma não apurada, AA, BB, CC, EE, FF, GG e HH, a par de outros dois indivíduos de identidade não apurada, souberam do regresso dos ofendidos à sua residência.

            a.55) Assim - na execução de plano gizado e a que aderiram os arguidos AA, CC, EE, FF, GG e HH - o arguido CC e dois indivíduos de identidade não apurada, dirigiram-se, nesse dia, à residência dos ofendidos, num veículo automóvel de cor verde, que estacionaram num pinhal sito nas traseiras da mesma, a hora não concretamente apurada, mas anterior às 18h00m.

            a.56) Cerca das 18h00m, os menores LL e II saíram da sua residência e encaminharam-se para a residência de familiares, sita a escassos metros, por um corredor nas traseiras da residência.

            a.57) Ao ver LL na rua, CC caminhou em direcção à mesma, alcançando-a e disse-lhe: “ou vens comigo ou mato o teu pai”.

            a.58) Nessa sequência, CC agarrou a mão da menor LL e levou-a até ao veículo onde se encontravam os outros dois indivíduos não identificados.

            a.59) Aí, abriu a porta traseira da viatura, tendo a ofendida LL, atemorizada, entrado na mesma, seguida de CC.

            a.60) Após, abandonaram o local em direcção à Residencial ..., sita na Avenida ..., ....

            a.61) Por seu turno, nesse mesmo dia, a hora não concretamente apurada, mas não posterior às 18h00m, o arguido HH, acompanhado de 2 mulheres de identidade não apurada, sempre na execução do plano gizado e ao qual aderiu, dirigiu-se à indicada residencial.

            a.62) De igual forma, e por meio não concretamente apurado, também o menor OO para aí se dirigiu.

            a.63) Cerca das 18h02m, o arguido HH entrou na residencial e efectuou uma reserva para essa noite do quarto n.º ...04, para dois adultos, com uma cama de casal, que pagou no acto da reserva, tendo em vista a pernoita no mesmo dos menores LL e OO.

            a.64) Volvidos escassos minutos, o menor OO entrou na residencial e instalou-se no quarto n.º ...04.

            a.65) Cerca das 18h13m, chegaram à residencial, com LL, o arguido CC e os 2 indivíduos de identidade não apurada.

            a.66) CC e a menor LL saíram do veículo e aquele acompanhou-a até à residencial.

            a.67) Aí encontravam-se à espera da menor duas mulheres não identificadas, que conduziram a menor para o interior da residencial, onde lhe indicaram o quarto n.º ...04, para o qual tinha de se dirigir, o que a ofendida LL, assustada, fez.

            a.68) E onde já a aguardava o menor OO, quedando-se ambos os menores nesse quarto.

            a.69) A hora não concretamente apurada, mas anterior às 22h32m desse mesmo dia, AA, sempre na execução do plano gizado, dirigiu-se à residencial e levou consigo os menores LL e o menor WW até ao Macdonald’s, sito na Rua ..., ..., para comerem.

            a.70) Cerca das 22h32m, AA levou os menores de volta à residencial, com o fito de que estes aí passassem o resto da noite, ao que os menores entraram de novo na residencial e se dirigiram ao quarto n.º ...04, ocupando-o novamente.

            a.71) Nessas circunstâncias de tempo e lugar, mantinha-se na residencial CC, visando com a permanência na mesma vigiar e controlar a menor LL e impedi-la de se colocar em fuga.

            a.72) Com o mesmo propósito de vigiar e controlar a menor LL, impedindo-a de se colocar em fuga, pelas 22h50m, EE, acompanhado de uma mulher e de 3 menores, entrou na residencial.

            a.72) Aí, EE efectuou reserva do quarto n.º ...04, para essa mesma noite, que pagou nesse mesmo acto, quarto esse que, com o indivíduo do sexo feminino e os 3 menores, ocupou, assim logrando vigiar a menor e evitar que a mesma saísse da residencial.

            a.73) Cerca das 05h00m, AA foi buscar LL e OO à residencial e levou a menor LL para um pinhal, na ..., onde a deixou.

            a.74) Nesse dia, a hora não concretamente apurada, mas anterior às 13h30m, HH e GG foram buscar LL ao local onde AA a havia deixado e dirigiram-se à residência da menor, aí a deixando, cerca das 13h30m, no pinhal atrás da mesma.

            a.75) Entre as 18h13m e as 05h00m, no período em que a menor LL permaneceu no quarto n.º ...04 com o menor OO, este perguntou à menor LL se esta queria “fazer coisas”, o que significava e foi por esta entendido como ter relações sexuais, o que a menor negou, não tendo o OO insistido.

            a.76) A menor não encetou fuga por temer pela vida e integridade física do seu pai.

            a.77) Após o regresso da menor LL a casa, os ofendidos saíram novamente de ..., por manterem receio pela sua vida e integridade física.

            a.78) No dia 22 de Junho de 2021, pelas 06h30m, os arguidos AA e BB detinham na sua residência, sita em anexo integrante de um conjunto edificado unificado, em pinhal localizado na Travessa ..., ..., ..., o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca ..., modelo ..., de cor branca, com a matrícula ..-CM-...

            a.79) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido EE detinha na sua residência:

            - o veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca ..., modelo ..., de cor preta, com a matrícula ..-GA-..;

            - um coldre em tecido de cor preta, com uma etiqueta com as inscrições “...”, usado para guardar armas de fogo curtas à cintura.

            a.80) Ainda nessas circunstâncias de tempo e lugar, encontrava-se junto à indicada residência dos arguidos o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., de cor azul, com a matrícula ..-..-NF, pertença de XX.

            a.81) No indicado dia 22 de Junho de 2021, cerca das 06h30m, procedeu-se à detenção dos arguidos AA, BB, DD, FF e GG na sequência da emissão de mandados de detenção no âmbito dos presentes autos.

            a.82) Os arguidos FF e GG constituíram nessa data, como sua mandatária nos presentes autos, a arguida KK, através de procurações então juntas.

            a.83) Nesse mesmo dia, da parte da tarde, a arguida KK, que conhecia os ofendidos II e PP por ter assumido a defesa destes num Processo Comum Colectivo, telefonou para um familiar dos ofendidos, residente em acampamento sito em ..., ..., e onde aqueles se encontravam à data, por receio de regressarem a ....

            a.84) A arguida KK pediu ao dito familiar que passasse o telemóvel a II, para falar com o mesmo, o que este fez.

            a.85) No decurso dessa chamada, a arguida KK identificou-se e, dizendo-se amiga do ofendido II, aconselhou-o a retirar a queixa.

            a.86) A arguida KK pediu ainda ao ofendido que não dissesse a ninguém que tinha ligado e que tal conversa ficava apenas entre eles.

            a.87) No dia 23 de Junho de 2021, teve lugar a apresentação dos indicados arguidos detidos a 1.º interrogatório judicial, no Juízo de Instrução Criminal ... – Juiz ....

            a.88) A arguida KK, na qualidade de mandatária dos arguidos HH e GG, esteve presente e, como tal, teve conhecimento do requerimento apresentado pelo Ministério Público, com a descrição dos factos então imputados aos arguidos e meios de prova, de entre os quais a prova testemunhal já produzida, a incluir os depoimentos prestados pelos ofendidos II, PP e LL.

            a.89) O 1.º interrogatório judicial iniciou-se às 14h30m, sendo que, pelas 16h13m, foi interrompido, retomando às 17h30m desse mesmo dia para leitura da decisão, que culminou com a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva aos arguidos detidos.

            a.90) Após a leitura da aludida decisão, foi designado pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal o dia 12 de Julho de 2021 para tomada de declarações para memória futura aos ofendidos II, PP e LL, o que foi comunicado a todos os presentes, no que se incluía a arguida KK.

            a.91) No dia 21 de Setembro de 2021, cerca das 16h35m, os arguidos EE e JJ encontravam-se na esplanada do Café ..., sito na Rua ..., ..., acompanhados de outros dois indivíduos.

            a.92) Dado que sobre os indicados arguidos pendiam mandados de detenção emitidos no âmbito dos presentes autos, e para cumprimento dos mesmos, deslocou-se ao local uma equipa da Polícia Judiciária – Departamento de Investigação Criminal de ..., composta pelo ofendido NN, pelo Inspector-Chefe YY e pelos Inspetores ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD e EEE.

            a.93) O ofendido NN é trabalhador da carreira de segurança da Polícia Judiciária …

            a.94) Aí chegados, de imediato e de viva voz, o ofendido e os demais inspectores que o acompanhavam identificaram-se como sendo da Polícia Judiciária.

            a.95) Os arguidos e indivíduos que os acompanhavam reagiram, encetando a fuga.

            a.96) Nesta sequência, e uma vez que EE encetou movimento de fuga, NN abeirou-se do mesmo e agarrou-o, de modo a efectivar a sua detenção.

            a.97) Nisto, e de modo a libertar-se do ofendido, o arguido EE debateu-se e mordeu com força no 5.º dedo (dedo mindinho) da mão esquerda de NN.

            a.98) Não obstante, NN, acompanhado dos demais inspectores, conseguiu, com recurso à força física, consumar aquela detenção.

            a.99) NN teve necessidade de tratamento hospitalar, nesse mesmo dia, no Serviço de Urgências ... …

            a.100) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, NN sofreu as seguintes lesões:

            …

            a.102) Com a descrita actuação ocorrida no dia 4 de Junho de 2021, os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG actuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente, em comunhão de esforços e intentos entre todos, dando expressão prática ao plano delineado por todos, cada um deles considerando como seus todos os actos praticados pelos outros.

            a.103) Quiseram subtrair a ofendida LL à guarda de II e de PP, cientes da que a capacidade de reacção daquela era menor face à sua idade, com recurso à violência e intimidação descritas, a incluir o recurso a armas de fogo, e privando-a da sua liberdade.

            a.104) Tendo por fito que a mesma tivesse relações sexuais de cópula com o menor OO e que os ofendidos II e PP acabassem por consentir no casamento de LL com OO, segundo os ritos da etnia cigana e por força da tradição cigana, o que sabiam contrariar a vontade daqueles, e que apenas não lograram por circunstâncias alheias à sua vontade, mormente ante oposição dos ofendidos e por os vizinhos dos mesmos terem acorrido ao local.

            a.105) Quiseram os referidos arguidos que a ofendida LL se juntasse com OO segundo os ritos da etnia cigana, bem sabendo que aquela não tinha vontade de ir viver juntamente com este como se de marido e mulher se tratassem, e cientes de que a relação sexual entre os menores, cuja consumação quiseram propiciar através da pretendida subtracção da menor, com recurso à violência e intimidação descritas, a incluir o uso de armas de fogo, seria apta a viabilizar, segundo os indicados ritos ciganos, e por convencimento dos progenitores da menor, a união entre os menores.

            a.106) Quiseram atingir com arma de fogo, como atingiram, o ofendido II, por execução do arguido AA, admitindo que, fruto da sua superioridade numérica e em consequência do instrumento utilizado por AA para efectuar disparos contra o ofendido e a curta distância a que estava do mesmo, viessem a tirar-lhe a vida, circunstância com que se conformaram, o que só não veio a acontecer por motivos alheios à sua vontade, mormente pelo facto de a arma ter encravado e dos tiros disparados não terem atingido órgãos vitais daquele.

            a.107) Conheciam as características das armas de fogo acima referidas, bem como conheciam a sua idoneidade para intimidar os ofendidos e ainda para causar ferimentos profundos e mortais.

            a.108) Sabiam igualmente que não lhes era permitida a detenção das referidas armas de fogo sem a respectiva licença de uso e porte de arma e, não obstante, agiram com a intenção alcançada de as deter e usar, por execução dos arguidos AA e FF.

            a.109) Quiseram entrar na residência dos ofendidos sem consentimento e contra a vontade dos mesmos, com recurso à violência descrita e aproveitando-se da sua superioridade numérica, o que lograram.

            a.110) Quiseram causar estragos na residência e no veículo dos ofendidos, apesar de saberem que os mesmos não lhes pertenciam e que estavam a agir contra a vontade dos seus proprietários/detentores, o que lograram, mormente através dos disparos efectuados com armas de fogo pelos arguidos AA e FF, cientes de que, com tal actuação, amedrontavam e assustavam os ofendidos, que recearam pela sua vida e integridade física, incapazes de oferecer a devida resistência.

            a.111) Quiseram molestar o corpo e a saúde do menor MM e de lhe produzir as lesões verificadas, por execução do arguido DD, cientes da sua menor capacidade de defesa em virtude da sua idade e da superioridade numérica dos arguidos, o que lograram.

            a.112) Com a descrita actuação ocorrida no dia 6 de Junho de 2021, os arguidos AA, CC, EE, FF, GG e HH actuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente, em comunhão de esforços e intentos entre todos e três indivíduos de identidade desconhecida, dando expressão prática ao plano delineado e a que aderiram, cada um deles considerando como seus todos os actos praticados pelos outros.

            a.113) Quiseram subtrair a ofendida LL à guarda de II e de PP, cientes de que a capacidade de reacção daquela era menor face à sua idade, com recurso à violência e intimidação descritas, e privando-a da sua liberdade, o que lograram, tendo por fito que a mesma tivesse relações sexuais de cópula com o menor OO e que os ofendidos II e PP acabassem por consentir no casamento de LL com OO, segundo os ritos da etnia cigana e por força da tradição cigana, o que sabiam contrariar a vontade daqueles.

            a.114) Quiseram que a ofendida LL se juntasse com OO segundo os ritos da etnia cigana, bem sabendo que aquela não tinha vontade de ir viver juntamente com este como se de marido e mulher se tratassem, cientes de que a relação sexual entre os menores, cuja consumação quiseram propiciar através da subtracção da menor e estadia na indicada residencial, seria apta a viabilizar, segundo os indicados ritos ciganos, e por convencimento dos progenitores da menor, a união entre os menores.

            a.115) Com a descrita actuação no dia 21 de Setembro de 2021, agiu o arguido EE de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de molestar fisicamente o ofendido NN, visando assim impedir que procedesse à sua detenção, bem sabendo que tal acto integrava as respectivas funções públicas e era legítimo.

            a.116) O arguido EE sabia que o ofendido NN integrava equipa da Polícia Judiciária e que o mesmo se encontrava no exercício das suas funções.

            a.117) Com a descrita actuação nos dias 22 e 23 de Junho de 2021, a arguida KK agiu de forma livre e consciente.

            a.118) Os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH sabiam que as descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.

            a.119) Em consequência das condutas dos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH a menor LL sentiu medo, tristeza, angústia e nervosismo e foi ofendida na sua liberdade pessoal e na sua integridade moral.

            a.120) Em consequência das condutas dos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG o menor MM sentiu medo, angústia e dores no membro inferior direito, e foi ofendido na sua integridade física e moral.

            a.121) Em consequência da conduta do arguido EE o ofendido NN sentiu dores, nervosismo e dificuldades em dormir.

            Mais se provou, ainda, quanto à personalidade e condições pessoais, sociais e económicas de cada um dos arguidos:

            …

           

           

                                                                       *

                                                                       *

            b) Factos não provados

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                                                                       *

            c) Fundamentação da Matéria de Facto

           

            Desde logo, quanto às declarações dos arguidos que optaram por as prestar em julgamento, no essencial, os mesmos limitaram-se a negar os factos porque vinham acusados – “é tudo mentira, não se passou nada disso” (sic). É o caso das declarações prestadas em audiência pelos arguidos AA, FF e GG.

            Igualmente a arguida KK negou o essencial dos factos que lhe são imputados, admitindo apenas ter realizado um único telefonema para o ofendido II, para o informar que iria representar os AA's ( o arguido AA, e respectivos familiares ) nos presentes autos, mas negando ter-lhe pedido para retirar a queixa, ou qualquer dos demais factos imputados, designadamente que tivesse havido um 2º telefonema.

            Aliás, do depoimento do ofendido prestado em audiência igualmente não resulta que tivesse existido um segundo telefonema, sendo, todavia, o ofendido peremptório em afirmar que, tão somente, a arguida KK lhe pediu para desistir da queixa, o que o mesmo recusou.

            Pelo que, à míngua de outra prova, e por considerar que a versão dos factos apresentada em audiência pelo ofendido merece credibilidade, e é verosímil, de acordo com as regras da experiência ( não obstante a manifesta confusão temporal, pois que é certo que tal telefonema não foi realizado antes de a menor LL desaparecer ), este Tribunal Colectivo julga ter elementos suficientes que permitem concluir pela fixação da matéria de factos, nesta parte, nos termos em que o foi: atendo-se ao denominador comum de ambas as versões contraditórias, da existência de um único telefonema, após o desaparecimento da menor, e esta ter sido devolvida a casa dos pais, e no decurso do qual a arguida pediu ao ofendido para desistir da queixa apresentada.

            Assim, para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa revelaram-se determinantes as declarações para memória futura prestadas nos autos pelos menores ofendidos LL e II, cuja reprodução da respectiva gravação foi ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento.

            Tal prova pré-constituída mostrou-se tanto mais relevante e decisiva porquanto as declarações dos menores … se afiguraram a este Tribunal Colectivo absolutamente claras, circunstanciadas, verosímeis, desassombradas (não obstante a gravidade e violência dos factos relatados ), e credíveis, desde logo porque ambos os menores tinham conhecimento directo e pessoal acerca dos factos sobre os quais depuseram, e as declarações para memória futura foram prestadas em momento muito mais próximo da data da ocorrência dos factos, em que a memória dos mesmos ainda se encontrava vívida, e o decurso do tempo e subsequente aproximação de posições entre as famílias desavindas não tinha ainda contribuído para uma diluição / apagamento da memória dos factos e subsequente memória selectiva, com o consequente surgimento de uma narrativa “desagravante”, pelo menos para a posição de alguns dos arguidos do processo.

            Com efeito, contrapondo o teor das declarações para memória futura prestadas pelos ofendidos menores LL e II, com o teor dos depoimentos dos progenitores dos mesmos – II e PP – prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, constata-se a existência de discrepâncias muito relevantes, em especial no que se reporta ao teor da comparticipação nos factos por parte das arguidas BB e FFF, cuja intervenção nos factos é desvalorizada, especialmente pela ofendida PP, que, no seu depoimento em audiência, referiu que ambas as referidas arguidas entraram na sua residência para a ajudar a expulsar o arguido AA e os filhos deste , negando que as mesmas levassem quaisquer facas.

            Ora, esta versão dos factos está em frontal oposição ao relato dos factos realizado pelos menores LL e MM em sede de declarações para memória futura, relatos dos menores que se afiguram a este Tribunal Colectivo muito mais credíveis, verosímeis, desinteressados e verídicos, e que, por conseguinte, justificaram o fundar de um juízo probatório afirmativo sobre os mesmos por parte deste Tribunal Colectivo.

            …

            Na senda da descoberta da verdade material e boa decisão da causa foram ainda ponderadas e escalpelizadas as declarações do demandante cível NN, o qual efectuou um relato claro, preciso e circunstanciado dos factos de que foi vítima, e ademais identificou cabalmente em audiência o arguido EE como tendo sido quem lhe mordeu o 5º dedo (dedo mínimo ) da mão esquerda.

            Para formação do juízo factual por parte deste Tribunal Colectivo foram também relevantes os depoimentos da generalidade das demais testemunhas inquiridas em audiência, a saber:

            - RR, GGG e HHH: os militares da GNR que se deslocaram à residência dos ofendidos no dia 06/06/2021, a primeira dos quais elaborou o auto de notícia que deu início aos presentes autos, tendo o último elaborado o aditamento ao auto de notícia, e enfatizado no seu depoimento que a mãe da menor LL, PP, não colaborou com as autoridades, dizendo que sabia quem eram os suspeitos, mas que só passada uma hora após a menor aparecer é que a mesma diria quem os mesmos eram; dando igualmente a entender que saberia o paradeiro da menor LL, mas não o divulgando nem partilhando com a GNR.

            - QQ: inspector da PJ deslocou-se à residência dos ofendidos no dia 04/06/2021, e quando lá chegou os mesmos encontravam-se no interior da residência … mais referindo que havia vestígios de impactos de projécteis de arma de fogo , quer dentro de casa, quer à entrada de casa, quer no veículo dos ofendidos (em todo o chassis, e que tinha todos os vidros partidos), ilustrando que “parecia um cenário de guerra”(sic). Referiu ainda que o ofendido II apresentava um ferimento de projéctil de arma de fogo no joelho, e o filho dele queixava-se de ter sido atingido por um ferro na cabeça. Mais disse que se procedeu à recolha de diversos projécteis, de 2 calibres distintos ( 6,35 mm e 9 mm), estando convencido, até pelos relatos de pessoas que presenciaram os factos, mas que recusaram identificar-se, por medo de represálias, que foram utilizadas pelo menos 3 armas distintas.

            - AAA; inspector da PJ que realizou as buscas à residência do HH e companheira, onde aprendeu cartuchos de arma de fogo e telemóveis, e procedeu a detenção dos arguidos EE e JJ , tendo presenciado a situação em o ofendido NN foi mordido por um dos arguidos, não sabendo precisar qual.

            - III: residente no Bairro ... e vizinho do ofendidos, disse que num domingo ouviu barulho na rua, veio à rua, e viu a GNR no local, não se tendo apercebido de mais nada, e tendo regressado ao interior da sua residência.

            - JJJ e KKK: arrolados pela defesa , disseram que ambos estiveram presentes na residência do AA na festa de “pedimento” da menina (LL), e que estava muita gente na festa, que ficaram todos “bêbados” e muito contentes e que dançaram para festejar; tendo o primeiro referido que, posteriormente, o arguido CC, a companheira e as filhas dele estiveram uns tempos a residir na casa do depoente na ..., mas que depois se desentendeu com o mesmo, e apresentou queixa na GNR . Ambos disseram terem conhecimento que a menor LL já “casou” entretanto com outro rapaz, de quem já teve um filho.

            As declarações para memória futura dos menores ofendidos, e os depoimentos das supra identificadas e referidas testemunhas em sede de audiência foram todos analisados criticamente, ponderados entre si e nas suas discrepâncias, e por referência aos demais meios de prova recolhidos (como as provas periciais; os relatórios de inspeção judiciária e respetivas reportagens fotográficas, as buscas e apreensões, e a diversa prova documental carreada para os autos), por forma a permitir a este Tribunal Coletivo formular um juízo fáctico global nos preciso termos acima descritos.

            Na apreciação e julgamento da matéria de factos teve-se, pois, ainda, em consideração a o resultado dos seguintes meios de prova pericial, os quais, por lei, estão arredados da livre apreciação do Tribunal, o qual apenas se pode afastar das suas conclusões em casos justificados e excecionais. Assim, relevaram-se:

            - relatórios médico-legais de fls. 795, 796, 798, 799, 801 a 803, 1457 e 1458; - relatório pericial (balística) de fls. 1710 a 1722.

            Em sede de julgamento da matéria de facto, e formulação do respetivo juízo por parte do Tribunal Coletivo, assumiu igualmente assinalável relevo a análise crítica e conjugada dos seguintes meios de prova documental: auto de apreensão de fls. 68, comunicação de notícia de crime de fls. 71 a 73, relatório de diligências iniciais de fls. 77 a 84, relatório de inspeção judiciária de fls. 117 a 157, informação de piquete de fls. 160, auto de apreensão de fls. 161, auto de análise de fls. 163 a 165, certidões de assento de nascimento de fls. 250 a 252, 255, 256, 259, 260, certidão do Registo Automóvel de fls. 264, reportagem fotográfica de fls. 294 a 314, informação do DAE da PSP de fls. 316, auto de diligência de fls. 335, reservas (booking confirmation) de fls. 340 e 341, auto de apreensão de fls. 346, auto de notícia de fls. 403 a 405, relatório fotográfico de fls. 406 e 407, certidões de assento de nascimento de fls. 418, 421 a 423 e 427 a 429, comunicação de notícia de crime de fls. 435 a 437, auto de diligência de fls. 439, aditamento ao auto de notícia de fls. 483 e 484, auto de visionamento de registo de imagens de fls. 488 a 528, auto de diligência de fls. 576 e 577, auto de busca e apreensão de fls. 586 a 588, reportagem fotográfica de fls. 589 a 602, auto de exame direto de fls. 603, auto de busca e apreensão de fls. 635 e 636, relatório de inspeção judiciária de fls. 638 a 643, procuração de fls. 649, cota de fls. 657,certidões do Registo Automóvel de fls. 666 e 671, certidão de assento de nascimento de fls. 669 e 670, procuração de fls. 692, autos de interrogatório de arguidos de fls. 693 a 712 e 725 a 727, listagens de pendências de fls. 809 e 810, informação da Ordem dos Advogados de fls. 878, auto de diligência de fls. 1114 e 1115, reportagem fotográfica de fls. 1116 a 1119, elementos clínicos de fls. 1120, auto de diligência de fls. 1432, auto de diligência de fls. 1650, suporte fotográfico de fls. 1651, informação da Polícia Judiciária de fls. 1675, auto de pesquisa informática de fls. 1684 a 1689, certidões de assento de nascimento de fls. 1704, auto de notícia de fls. 1723 a 1727, auto de apreensão de fls. 1728 e 1729, autos de exame direto de fls. 1730 a 1733, certidão de assento de nascimento de fls. 1740, certidão do registo Automóvel de fls. 1744 e certidão de assento de nascimento de fls. 1750, e, bem assim, o teor dos relatórios sociais e os CRCs atualizados dos arguidos, juntos aos autos já na fase do julgamento.

            Em sede da prova documental, revelou-se particularmente impressivo o teor do relatório de inspeção judiciária à residência, logradouro e viatura dos ofendidos, e reportagem fotográfica anexa, de fls 117 e seguintes dos autos …

            Igualmente assumiram importância não despicienda as imagens de videovigilância da receção da residencial ... e, bem assim, os respetivos registos das reservas dos quartos, realizados pelo arguido LLL (quanto ao quarto onde foram colocados os menores LL e OO) e pelo arguido EE ( cfr. documentos de fls. 340 e 341 ), sendo certo que, relativamente a este último, os documentos juntos em sede de audiência ( da realização de outras reservas de quartos na mesma residencial ) não é de molde a infirmar o valor probatório do documento recolhido nos autos em sede de inquérito (concatenado também com a visualização das imagens de videovigilância, e com a DMF da menor LL, que identificou cabalmente os arguidos (nos termos em que os factos foram julgados provados).

            Tudo meios de prova que, ponderados em conjunto, e analisados criticamente, permitiram a este Tribunal Coletivo formular o juízo global da factualidade supra descrito sendo certo que, no que se reporta às relações familiares, tal factualidade é de prova vinculada, apenas podendo fundar-se em documentos com força “ad probationem” – no caso, as certidões de assento de nascimento, com averbamento da filiação, e da avoenga.

            …

                                                                       *

                                                                       *

            d) Qualificação jurídica dos factos

            …

            No que concerne aos crimes de homicídio qualificado na forma tentada:

            Dispõe o artº 131º do Cod. Penal, na redacção vigente “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”.

            E o artigo 132º do mesmo diploma legal que: “1. Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.

            2. É susceptível de revelar a especial censurabilidade e perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (….)

            …

            Por seu lado, dispõe o artº 22º do Cod. Penal que: “1. Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.

            2. São actos de execução:

            …

            E, nos termos do artº 23º do mesmo diploma legal: “1. Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão.

            2. A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.

            …

            Reportando-nos ao caso em apreço nos presentes autos, da globalidade dos factos apurados em julgamento resulta que os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG agiram em comunhão de esforços e de intentos, invadindo a residência do ofendido, em manifesta vantagem numérica de sete contra um, levando os arguidos AA e FF, cada um, uma arma de fogo devidamente municiada, o que era do conhecimento de todos, tendo o arguido AA efectuado 3 disparos muito próximo do ofendido (praticamente à queima roupa), o primeiro dos quais direccionado para o abdómen do ofendido, só não o tendo atingido porque a arma encravou, o segundo disparo atingindo a parede, porque o pulso do arguido AA foi “desviado” de trajectória pela ofendida PP, que se lançou sobre o braço daquele, de molde a evitar que o mesmo atingisse o seu companheiro e pai dos seus 3 filhos menores, que naquela altura se encontravam no interior da residência ), e o terceiro disparo que, nas mesmas circunstâncias ( de luta “corpo a corpo” com a ofendida PP) , acabou por atingir o ofendido no joelho, ainda que de forma superficial.

            Com efeito, operando a subsunção da factualidade provada nos presentes autos à previsão típica do crime de homicídio, concluímos pelo preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo ( este na modalidade de dolo eventual – artº 14º nº 3 do Cod. Penal ), mas na forma tentada, uma vez que resultou provado que os arguidos agiram em comunhão de esforços e de intentos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei, e que os disparos de arma de fogo, a tão curta distância, e direccionados para o abdómen ( zona que contém órgãos vitais ) poderiam causar lesões físicas causadoras da morte, resultado com o qual se conformaram.

            Perfectibilizados se mostram, pois, todos os elementos constitutivos do crime de homicídio simples, na forma tentada.

            Importa agora averiguar do preenchimento da conduta dos arguido de alguma das circunstâncias qualificativas do tipo (exemplos -“ padrão”), reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade, designadamente das circunstâncias imputadas na acusação, previstas nas alíneas e) “in fine” , f) e h) do nº 2 do artº 132º do Cod. Penal.

            …

            No caso dos autos, constata-se desde logo, que está verificada a circunstância qualificativa imputada, de terem agido num grupo de sete indivíduos, desse modo reduzindo substancialmente as possibilidades de defesa do ofendido.

            Termos em que, e sem necessidade de mais considerações, e dado que não se verificam, in casu, quaisquer causas de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa, se conclui no sentido de que a conduta dos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, é integradora da prática, em coautoria material (artº 26º do Cod. Penal – todos aderiram ao plano, agiram de modo concertado, em conjugação de esforços e de intentos, e cada um deles tinha o domínio negativo do facto), de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h), todos do Cod. Penal.

            Da discussão da causa resultou ainda que os arguidos levavam para tanto consigo duas armas de fogo, tendo disparado uma delas ( de calibre 6,35 mm ) contra o arguido.

            Ora, prevê o artº 86º da Lei das Armas que: « (…) 3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

            4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.».

            Ora, em casos absolutamente similares ao ora apreço nos autos, os Tribunais Superiores têm-se pronunciado no sentido de que é aplicável essa agravação.

            …

            Por isso, no caso do homicídio, funciona a agravação do art. 86.º, n.º 3, do RJAM, porque não está prevista a agravação com arma de fogo no cometimento do crime, verificando-se concurso de crimes.

            Torna-se necessário que a agente faça uso da arma enquanto arma de fogo e disparando sobre a vítima, com o intuito de a atingir na sua integridade física ou a de lhe causar a morte, como é lícito concluir no caso dos autos, atentas as vezes que disparou sobre a vítima, sendo que um dos projécteis trespassou o vidro traseiro e embateu na pega lateral junto ao lugar do condutor.»

            …

            Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se conclui pela condenação dos referidos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos  artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas ( Lei nº 5/2006, de 23/02), porquanto se mostram preenchidos os respectivos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal em referência, e dado que não se verificam quaisquer causas de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa.

            O arguido JJ vem também acusado, em co-autoria com os supra citados co-arguidos, da prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada na pessoa do II. Todavia, da discussão da causa não resultou provada a prática por parte do mesmo de qualquer facto ilícito típico.

            Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se impõe concluir pela absolvição do arguido JJ do crime de homicídio qualificado tentado porque vem acusado.

            No que concerne aos crimes de rapto agravado, na forma tentada e na forma consumada, e aos crimes de ameaça agravada na forma consumada:

            Dispõe o artº 161º do Cod. Penal: …

            Por seu lado, dispõe o artigo 158º do Cod. Penal: …

            O bem jurídico protegido pelo artigo 161º do Cod. Penal é a liberdade de locomoção, isto é, a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para o outro.

            …

            Tal como o crime de roubo, ou o crime de sequestro, também o crime de rapto pode ser cometido em comparticipação, nos termos gerais do artº 26º do Cod. Penal.

            No que concerne ao crime de ameaça agravada, dispõe o artº 153º do Cod. Penal …

            Por seu lado, nos termos do disposto no artº 155º nº 1 als. a) e b) do Cod. Penal, …

            Mercê da expressa qualificação legal, não existem dúvidas, face ao ordenamento português, de que o bem jurídico tutelado pelo crime de ameaça é a liberdade pessoal, direito que goza de consagração constitucional no artº 27º nº1 da Constituição da República.

            …

            À face do direito penal português, são elementos constitutivos do crime de ameaça:

            …

            Ora, no caso em apreço nos autos, relativamente ao crime de ameaça agravada, da discussão da causa não resultaram provados os elementos objectivos nem subjectivos do respectivo tipo legal (cfr. factos não provados), pelo que se impõe, se mais, nesta parte, a absolvição de todos os arguidos da prática dos crimes de ameaça agravada porque vêm respectivamente acusados.

            Diversamente, no que se reporta aos crimes de rapto agravado, quer na forma consumada, quer na forma tentada, da discussão da causa ambos resultaram provados, sendo que, no caso, igualmente se verifica a agravação prevista no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas, pelo uso de armas de fogo, fundamentalmente pelas mesmas razões já supra expendidas quanto ao crime de homicídio qualificado tentado.

            …

            Termos em que, mostrando-se preenchidos os respectivos elementos objctivos e subjectivos do tipo legal, e não se verificando quaisquer causas de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa, temos que se impõe a condenação dos arguidos nos seguintes termos:

            - os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG pela prática, em co-autoria material, de um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al.b) e nº 2 al. a), por refª. ao artº 158º nº 2 al. e) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas, punível com pena de prisão de 1 mês e 10 dias até 8 anos, 10 meses e 20 dias ( factos de 04/06/2021 relativos à menor LL);

            - os arguidos AA, CC, EE, FF, GG e HH pela prática, em co-autoria material, de um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al.s. b) e nº 2 al. a), por refª. ao artº 158º nº 2 al. e) do Cod. Penal, punível com pena de prisão de 3 a 15 anos ( factos de 06/06/2021 relativos à menor LL).

            Quanto ao arguido JJ ( factos de 04/06/2021) e à arguida BB ( factos de 06/06/2021) , da discussão da causa não resultou provado que os mesmos tenham praticado quaisquer factos ou tenham tido qualquer intervenção nos mesmos, pelo que, nessa medida, se impõe a absolvição dos crimes porque, nessa medida, se mostra respectivamente acusados.

            No que concerne aos crimes de actos preparatórios de casamento forçado na forma consumada:

            Sob a epígrafe “casamento forçado”, dispõe o artº 154º-B do Cod. Penal: «Quem constranger outra pessoa a contrair casamento ou união equiparável à do casamento é punido com pena de prisão até 5 anos.»

            E, relativamente à punibilidade dos actos preparatórios, dispõe o artº 154.º-C do mesmo diploma legal: …

            Resta determinar / densificar o que sejam “actos preparatórios do casamento forçado ( já por si uma cláusula penal em branco difícil de harmonizar com o princípio da tipicidade no direito penal ), sendo que o legislador apenas fornece um único exemplo típico: o de atrair a vítima para território diferente do da sua residência, com intuito de a constranger a contrair casamento ou união equiparável a este.

            …

            § Os factos perpetrados em 04/06/2021 sempre seriam reconduzíveis a um crime de actos preparatórios de casamento tentado, mas na forma tentada (porquanto os arguidos não lograram atrair nem levar a vítima para território diferente do da sua residência. Sucede, porém, que, por efeito do disposto no artº 23º nº 1 do Cod. Penal, por se tratar de crime punível com pena inferior a 3 anos de prisão, a tentativa não é punível. Pelo que, desde logo, nesta medida, é de improceder a acusação, com a consequente absolvição dos arguidos da prática do crime que assim lhes é imputado.

            § Por seu lado, os factos perpetrados em 06/06/2021 esgotam-se nos factos integradores do tipo de ilícito mais grave, de rapto agravado na forma consumada, p. e p. nos artºs. 161º nºs 1 al. ) e nº 2 al. a) por refª. ao artº 158º nº 2 al. e) do Cod. Penal. Assim sendo, por se tratar de tipos de ilícito que tutelam o mesmo direito individual da liberdade individual ( nas suas diversas vertentes), e por apelo ao princípio da proibição do “ne bis in idem” / da proibição da dupla valoração, consideramos que se verifica, in casu, uma situação de concurso aparente de crimes, operando a consumação do crime menos grave pelo crime mais grave.

            E, assim sendo, impõe-se absolver todos os arguidos de ambos os crimes de actos preparatórios de casamento forçado na forma consumada porque vêm acusados em concurso real e efectivo com os demais crimes, designadamente o crime de rapto.

            No que concerne ao crime de violação de domicílio agravado na forma consumada:

            Os arguidos vêm acusados da prática em co-autoria de um crime de violação de domicílio agravado na forma consumada.

            Dispõe o artº 190º do Cod. Penal…

            O bem jurídico protegido pelo tipo legal em causa é a privacidade /intimidade do sujeito ou sujeitos que aí habitam, incluindo a paz e o sossego que estão envolvidos nesse conceito.

            Da discussão da causa resulta que os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG entraram sem autorização na habitação dos ofendidos, usando de violência …

            Todavia, da discussão da causa resultou igualmente evidente que tal actuação foi meramente instrumental ( dolo necessário) dos crimes de rapto agravado na forma tentada e de homicídio qualificado na forma tentada, ambos agravados pelo uso de arma nos termos do artº 86º nº 3 da Lei das Armas.

            E, assim sendo, e estando em causa a tutela de direitos pessoais de liberdade pessoal e de tutela da intimidade e tranquilidade da vida familiar e privada, lançando novamente não do princípio do “ne bis in idem”, e do princípio da proibição de dupla valoração, consideramos igualmente que se verifica uma situação de concurso aparente de crimes, com a consequente consunção do crime menos grave ( a violação de domicílio ) pelos crimes outros crimes de rapto agravado tentado e homicídio qualificado tentado, com molduras abstractas mais graves.

            No que concerne ao crime de ofensas à integridade física qualificada na forma consumada:

            Dispõe o artº 143º nº 1 do Cod. Penal que …

            Com efeito, dispõe o artº 144º do Cod. Penal: …

            Por seu lado, dispõe o artº 145º do Cod. Penal [na redacção vigente à data dos factos, anterior à dada pela Lei nº 83/2015, de 05/08]: …

            Ora, no caso dos autos, constata-se que estão preenchidas as duas citadas circunstâncias qualificativas: O menor MM era pessoa particularmente indefesa em razão da idade (tinha 12 anos de idade ), e os arguidos agiram em comunhão de esforços e de intentos num grupo de 7 adultos, daqui resultando a gritante desproporção de forças e impossibilidade de defesa do menor, para mais surpreendidos os ofendidos no interior da sua residência, por definição, o “santuário” da vida privada e familiar.

            Tanto assim que, e virtude do “efeito indício”, provocado pelo preenchimento de qualquer uma das alíneas do nº2 do artº 132º do CP, a jurisprudência tem entendido que, uma vez verificada uma das circunstâncias do artº 132º, só outras circunstâncias extraordinárias ou então um conjunto de raras circunstâncias especiais o pode anular (cfr. Ac. STJ 17/5/95 , CJ II, pag. 205 ).

            Ora, desde logo, no caso dos autos, não se apurou qualquer circunstância extraordinária ou especial cuja força anulasse o efeito indício resultante do preenchimento das assinaladas circunstâncias qualificativas; antes pelo contrário, atento o reprovável comportamento dos arguidos, os quais devem, respectivamente, ser condenados pela prática deste crime porque vêm acusados, à excepção do arguido JJ, cuja intervenção / contributo para os factos não resultou provada, pelo que se impõe a sua absolvição nesta medida.

            No que concerne ao crime de dano com violência na forma consumada:

            Dispõe o artº 212º nº 1 do Cod. Penal: …

            Por seu lado, dispõe o artº 214º do Cod. Penal: …

            Analisando sumariamente os elementos deste tipo de crime, refira-se que:

            …

            Temos, portanto, que o crime de dano com violência configura uma forma dependente e qualificada dos crimes de dano simples e qualificado p. e p., respectivamente, nos artºs. 212º e 213º do Cod. Penal; agravação / qualificação essa ditada pela especificidade da conduta do agente, sobreponível, em muitos aspectos, à acção típica do crime de roubo, por contraponto ao crime de furto.

            Relativamente aos elementos subjectivos do tipo, o dolo, como elemento geral do tipo, é constituído pelo conhecimento e vontade de realização dos elementos objectivos do tipo de crime, nos termo gerais ( artº 14º do Cod. Penal ), …

            Operando a subsunção da factualidade provada nos presentes autos à previsão típica do crime de dano com violência, concluímos que, no caso, da factualidade apurada em julgamento não se retira o preenchimento da mesma.

            Isto porquanto, no que se reporta aos danos provocados nas portas e paredes da parede (interior) da residência dos ofendidos, consideramos, à semelhança de outras situações já anteriormente escalpelizadas nos autos, que tais condutas são meramente instrumentais dos crimes de rapto agravado tentado e do crime de homicídio tentado, pelo que não deverão ser objecto de valoração cumulativa, sob pena de violação do princípio do “ne bis in idem”. Essas concretas condutas (que resultam de dolo necessário e instrumental) estão numa relação de concurso de crimes, e são consumidas pelos crimes mais graves.

            Restam os danos provocados pelos arguidos na viatura pertença do ofendido II.

            Sucede que, neste caso, não está preenchido, de forma autónoma, o elemento objectivo de factos praticados com violência contra a pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física (até porque os ofendidos não estavam no interior da viatura, nem nas proximidades da mesma, no exterior da residência).

            Pelo que deverão os arguidos - à excepção do arguido JJ, cuja conduta não se provou, pelo que vai absolvido - ser condenados pela prática, em co-autoria material, do crime de dano simples, nada obstando a tal, uma vez que foi dado cumprimento ao disposto no artº 358º nº 3 do CPP e que o ofendido II, proprietário do veículo, declarou oportunamente nos autos pretender procedimento criminal também por aqueles factos.

            Concluímos, assim, que os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG cometeram, em co-autoria material, e na forma consumada, um crime de dano simples, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal.

            No que concerne ao crime de favorecimento pessoal na forma tentada:

            Dispõe o artº 367º do Cod. Penal…

            O bem jurídico objecto de protecção reconduz-se ao prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos. A interdição do favorecimento pessoal visa defender a legalidade da actuação das autoridades do Estado, e da legalidade da realização da justiça administrativa e mesmo judicial.

            O bem jurídico tutelado é a autonomia intencional do Estado.

            O crime de favorecimento pessoal comporta duas modalidades distintas:

            …

            No caso em apreço nos autos, a arguida KK, advogada de profissão, e no exercício dessa sua actividade técnico-jurídica, vem acusada da prática em autoria material, sob a forma tentada, de um crime de favorecimento pessoal, previsto e punido pelo art.° 367º nºs 1 e 4 do Código Penal.

            Sucede, todavia, que a generalidade dos factos que lhe vinham imputados não resultaram provados da discussão da causa (cfr. factos não provados).

            …

            É certo que, em termos éticos e deontológicos, não é correcto que a advogada dos arguidos fale ou aconselhe as testemunhas ( no caso, o ofendido ), para mais sem a interposição de um colega advogado que o representasse ( o que no caso não sucedeu, diversamente do que impõem as boas práticas, e o EOA).

            …

            Todavia, impõe-se indagar: a conduta da arguida cuja prática resultou provada - pedir ao ofendido para retirar a queixa ( quando se tratava fundamentalmente de ilícitos de natureza pública ) e pedir segredo da conversa - é uma conduta idónea, aferida por reporte ao nexo de causalidade, para influir no andamento do inquérito, e, de alguma forma, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, por meio ilícito?

            Consideramos que não. A apresentação da queixa, e a subsequente desistência da mesma pelo ofendido é um acto jurídico e lícito, pese embora possa ser juridicamente ineficaz.

            Assim, sendo o direito penal norteado pelos princípios da legalidade, da tipicidade, e da intervenção mínima do direito penal, e na falta de preenchimento dos elementos objectivos do respectivo tipo legal, mesmo que na forma tentada, impõe-se concluir pela absolvição da arguida KK do crime de favorecimento pessoal porque vem acusada.

            No que concerne aos crimes de detenção de arma proibida :

            Nos termos do artº 4º do Dec. Lei nº 48/95, de 15/03 ( Decreto Preambular ao Código Penal ): …

            Nos termos do disposto no artº 86º nº 1 da Lei nº 5/2006, de 23/02: …

            c) …

            d) …

            2 - …

            3 - …

            4 - …

            5 - …

            Ora, da discussão da causa resultou que os arguidos AA e FF, agindo em comunhão de esforços e de intentos com os demais arguidos BB, DD, EE, CC, e GG, que bem conheciam as características dessas armas, se muniram de uma arma calibe 6,35 mm e uma arma de fogo calibre 9 mm, e das respectivas munições não sendo detentores de licença de uso e porte de arma.

            Operando a subsunção da factualidade apurada ao direito, conclui-se que a conduta dos supra citados arguidos consubstancia a prática e co-autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no artº 86º nº 1 als. c) e d) da Lei das Armas …

            Consideramos, assim, que se verifica uma relação de concurso aparente, sendo os arguidos condenados pela prática do crime mais grave ( artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas), funcionando as outras armas ( no caso, as munições) como meras agravantes na determinação da medida concreta da pena.

            …

            O crime de detenção de arma proibida p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

            No que concerne ao crime de resistência e coacção sobre funcionário:

            Dispõe o artº 347º do Cod. Penal: …

            O conceito penal de funcionário consta do artº 386º do Cod. Penal: …

            À face do direito penal português, são elementos constitutivos do crime de resistência e coacção sobre funcionário:

            …

            Da discussão da causa realizada em audiência, resultaram provados os elementos objectivos do tipo, isto é, que o arguido EE , procurando furtar-se à detenção legitimamente ordenada pela entidade judiciária competente, mordeu o dedo mínimo da mão esquerda do ofendido NN, funcionário público da carreia de seguranças da Polícia Judiciária, bem sabendo que o mesmo se encontrava no âmbito das suas funções, e que a sua conduta ( dele, arguido ) era ilícita, proibida e punível por lei penal.

            Termos em que, verificando-se o preenchimento dos elementos objetivos e subjectivos do tipo legal em referência, e não se verificando “in casu”, quaisquer causas de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa, incorreu o arguido EE na prática em autoria material e na forma consumada do crime de resistência e coacção sobre funcionário, de que vem acusado, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.

                                                                       * *

            e ) Escolha e Determinação da Medida das Penas:

            …

            De acordo com a mais recente jurisprudência dos Tribunais Superiores, são aplicáveis às penas acessórias os critérios legais de determinação das penas principais, o que vale dizer que, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória sem esquecer, todavia, que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente. …

            Termos em que, no caso, é de aplicar a sanção acessória prevista no artº 90º da Lei das Armas, até para efeitos de prevenção especial.

            …

            No caso dos autos, atenta a gravidade das condutas que resultaram provadas e atentos os graves contornos que a globalidade dos factos assume , e que determinaram grande alarme social na cidade ... e mesmo na região, consideramos ser desde logo de excluir a aplicação de penas de multa, independentemente dos respectivos antecedentes criminais apresentados pelos arguidos, ou da ausência deles ( como é o caso da arguida GG ).

            Com efeito, considerando a elevada ilicitude e culpa manifestada por cada um dos arguidos com as suas condutas, as consequências gravosas para terceiros, e as demais circunstâncias apuradas, designadamente as elevadas exigências de prevenção geral e especial, não nos permitem a formulação de um juízo favorável aos arguidos, no tocante à prevenção de futuras delinquências, razão pela qual optamos pela aplicação, relativamente a todos os arguidos, e por referência aos indicados tipos de crime, de penas privativas da liberdade, por considerarmos serem as únicas capazes de “in casu”, satisfazerem com suficiência as elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se verificam.

            Uma vez que o arguido HH, à data da prática dos factos, tinha menos de 21 anos de idade ( tinha 18 anos), em tese, poder-se-ia ponderar a aplicação ao mesmo do regime especial para jovens.

            Sucede, todavia, que à data da prática dos factos o referido arguido tinha já sofrido uma condenação pela prática do crime de roubo agravado, tendo sido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, sendo que ainda não havia decorrido o período de suspensão da execução da prova. Donde resulta que o juízo de prognose favorável que então fez o Tribunal daquela condenação se revelou insuficiente e infrutífero, para lograr a reinserção social do arguido e contribuir para a prevenção especial.

            Acresce que o mesmo jovem arguido foi comparticipante com mais cinco arguidos (todos seus familiares) nos factos praticados de que foi vítima a menor LL, de 13 anos de idade, e por isso especialmente vulnerável; e nas gravosas circunstâncias em que todos agiram.

            Tudo ponderado, atenta a elevadíssima ilicitude de tais condutas, e o grau de culpa exacerbado, aliado ao muito relevante alarme social e exigências de prevenção geral e especial que no caso se verificam, tais circunstâncias não permitem a este Tribunal concluir pelas existência de sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado HH, ou que resulte relevante diminuição das exigências de prevenção especial, nem sequer pela relevante diminuição do grau de culpa do arguido; de tal modo que justifiquem a aplicação do regime especial para jovens, que não é de aplicação automática.

            Termos em que se conclui pela exclusão da aplicação de tal regime.

            Resta, portanto, determinar a medida concreta das respectivas penas parcelares a aplicar a cada um dos arguidos, operação para a qual se terão em conta, nos termos do artº 71º do Cod. Penal, e dentro dos limites abstractos das respectivas molduras penais, supra descriminadas, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respectivo tipo de crime, deponham a favor ou contra cada um dos arguidos, nomeadamente as referidas no nº 2 do artº 71º, fixando-se o limite máximo da respectiva pena concreta a aplicar de acordo com a culpa manifestada por cada um dos arguidos (cfr. artº 29º) , o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral, e a pena efectiva, dentro da moldura penal assim fixada, de acordo com as exigências de prevenção especial.

            …

            Tudo ponderado, considera este Tribunal Colectivo adequado aos factos e à personalidade dos agentes a aplicação a cada um dos arguidos das seguintes penas parcelares:

            Ao arguido AA:

            g.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

            g.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            g.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            g.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            g.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            g.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

            h) À arguida BB

            h.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            h.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            h.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            h.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            h.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            i) Ao arguido CC

            i.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            i.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            i.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            i.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            i.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            i.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 6 anos de prisão.

            j) Ao arguido DD:

            j.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            j.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            j.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            j.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            j.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 1 ano de prisão.

            l) Ao arguido EE:

            l.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            l.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            l.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            l.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            l.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            l.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 anos de prisão.

            l.7) um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na forma consumada, p.e p. no artº 347º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 1 ano e 6 anos de prisão.

            m) Ao arguido FF:

            m.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            m.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            m.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            m.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            m.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            m.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

            n) À arguida GG:

            n.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 3 anos de prisão.

            n.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 5 anos de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            n.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            n.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            n.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            n.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

            o) Ao arguido HH: um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

                                                                       *

            Impõe-se, agora, proceder ao cúmulo jurídico das penas, para o que se lançarão mãos dos critérios dosimétricos constantes do artº 77º nº 1 e 2 do Código Penal…

            Tudo considerado operando o respectivo cúmulo jurídico das diversas penas parcelares, condenam:

            - O arguido AA: na pena única de 9 anos e 9 meses de prisão.

            - A arguida BB: na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

            - O arguido CC: na pena única de 9 anos prisão.

            - O arguido DD: na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão.

            - O arguido EE: na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.

            - O arguido FF: na pena única de 9 anos de prisão.

            - A arguida GG: na pena única de 8 anos de prisão.

                                                                       *

            Medidas de coacção:

           

                                                                                   *

            Objectos apreendidos nos autos:

            …

                                                                                   *

            Recolha de perfis de ADN

            …

                                                                                   * *

            f ) Dos Pedidos de Indemnização Civil:

            …

            Com fundamento na prática pelo arguido EE do crime de resistência e coacção sobre funcionário porque vem acusado, a fls. 2053 (Refª. 8371935, de 25/01/2022), NN deduziu contra aquele arguido pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do mesmo no pagamento da quantia de € 1.500,00 ( mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

            Cumpre apreciar:

            Ao agir da forma apurada nos autos, atingindo o demandante NN na sua integridade física, o arguido EE violou os direitos daquele à saúde e integridade física, lesando-o moralmente.

            Da mesma forma, os demais arguidos cujas condutas resultaram provadas da discussão da causa, violaram os direitos à saúde e integridade física e moral dos respectivos ofendidos, à tranquilidade da vida familiar, à liberdade pessoal e familiar, ao sossego, paz , tranquilidade e são desenvolvimento dos ofendidos LL e II.

            Tais condutas são, pois, ilícitas, pelo são passíveis de fazer incorrer os referidos arguidos em responsabilidade civil por factos ilícitos, e na consequente obrigação de indemnizar os lesados / demandantes, nos termos do artº 483º nº1 do Cod. Civil.

            …

            Assim, considera-se adequada e ajustada a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais dos seguintes montantes:

            - € 5.000,00 a arbitrar a favor da menor LL;

            - € 1.000,00 a arbitrar a favor do menor II;

            - € 500,00 a arbitrar a favor do demandante NN.

            …

           

                                                                       * *

            g) Fixação de indemnização ao lesado

            Nos termos do disposto no artº 16º da Lei nº 130/2015, de 04/09, é reconhecido à vítima, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável, havendo sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.

            Por ser lado, dispõe o artº 67º-A do Cod. Proc. Penal que: «Considera-se:

            …

            Sendo que os conceitos de “criminalidade violenta” e de “criminalidade especialmente violenta” são os constantes das alíneas j) e l) do artº. 1º do Cod. Proc. Penal.

            No caso dos autos, temos, portanto, que o ofendido II integra a categoria de “vítima especialmente vulnerável”, por ter sido vítima de crimes violentos, com as consequentes repercussões morais e emocionais.

            Daí que, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, consideramos estar o ofendido em condições de beneficiar do mecanismo previsto no artº 82º-A do CPP, tanto mais que foi notificado do estatuto de vítima, e particulares direitos e prerrogativas, e não se opôs expressamente à fixação de reparação.

            Com efeito, sob a epígrafe de reparação da vítima em casos especiais, dispõe o artº- 82º-A do Cod. Proc. Penal que :

            …

            Foi observado o contraditório, em cumprimento do disposto no artº 82º-A nº 2 do Cod. Proc. Penal.

            Assim sendo, impõe-se a fixação da correspondente indemnização ao ofendido II .

            Diversamente, a ofendida PP declarou em audiência já ter perdoado os ofendidos (daqui se retirando nada pretende dos mesmos) …

            No caso dos autos, atentos o grau de gravidade da conduta dos arguidos, a sua incipiente situação económico-financeira, e o grau de lesão dos direitos do ofendido, considera-se justo, adequado e proporcional o arbitramento a favor do ofendido II da indemnização de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.”

                                                                       ****

III. Apreciação dos Recursos:

As questões a conhecer são as seguintes:

A) Recurso interposto pelo arguido FF:

- Saber se:

1) a decisão recorrida sofre de nulidade, por falta de fundamentação e do exame crítico das provas, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, em conjugação com o que está estabelecido no artigo 374.º, n.º 2, do CPP;

2) a decisão recorrida padece de erro de julgamento, no que diz respeito aos factos dados como provados no acórdão recorrido sob os n.ºs a.19) a a.22), a.24), a.25), a:41), a.43), a.44), a.54), a.55) e a.74);

3) a decisão recorrida enferma dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), e c), do CPP;

4) as penas aplicadas em concreto são adequadas;

5) os montantes indemnizatórios devem ser reduzidos.

                                                           ****

B) Recurso interposto pela arguida GG:

- Saber se:

1) a decisão recorrida sofre de nulidade, por falta de fundamentação e do exame crítico das provas, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, em conjugação com o que está estabelecido no artigo 374.º, n.º 2, do CPP;

2) há erro de julgamento, no que diz respeito aos factos dados como provados no acórdão recorrido sob os n.ºs a.20), a.21), a.24), a.25), a:41), a.43), a.54), a.55) e a.74);

3) a decisão recorrida enferma dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), e c), do CPP;

4) as penas aplicadas em concreto são adequadas;

5) os montantes indemnizatórios devem ser reduzidos.

****

C) Recurso interposto pelos arguidos BB, CC, DD e EE:

-Saber se:

1) a decisão recorrida sofre de nulidade, por falta de fundamentação e do exame crítico das provas, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), e c), do CPP, em conjugação com o que está estabelecido no artigo 374.º, n.º 2, do CPP;

2) as declarações para memória futura prestadas pelos menores são nulas;

3) a decisão recorrida enferma dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), e c), do CPP;

4) a decisão recorrida padece de erro de julgamento, no que diz respeito aos factos dados como provados no acórdão recorrido sob os n.ºs a.16, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 33,36, 37,38,39, 43, 44, 50, 51, 54, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 63,67, 69, 70, 71, 72, 72, 73, 74, 75, 76, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109,110, 111, 112, 113, 114, 115, 118, 119, 120 e 121 dos factos provados.

5) as penas aplicadas em concreto são adequadas.

                                                           ****

D) Recurso interposto pelos arguidos AA e HH:

-Saber se:

1) a decisão recorrida padece de erro de julgamento, no que diz respeito aos factos dados como provados no acórdão recorrido sob os n.ºs a.16, 20 a 22, 24, 26, 27, 30 a 35, 39, 40, 44, 48, 49, 54 a 56, 69, 70, 73, 102 a 114 e 120 (arguido AA) e sob os n.ºs a) 61 e 63 (arguido HH);

2) o Tribunal a quo omitiu diligências de prova essenciais à descoberta da verdade material;

            3) estão preenchidos os elementos típicos dos crimes pelos quais os arguidos foram condenados.

            4) as penas aplicadas em concreto são adequadas.

                                                           ****

E) Recurso interposto pelo Ministério Público:

- Saber se:

1) os arguidos, quanto aos factos ocorridos a 4 de junho de 2021, devem ser punidos pela prática de um crime de atos preparatórios de casamento forçado na forma consumada;

2) existe concurso efetivo entre os crimes de rapto e de atos preparatórios de casamento forçado;

3) existe concurso efetivo entre os crimes de violação de domicílio agravado na forma consumada e os crimes de rapto agravado na forma tentada e de homicídio qualificado na forma tentada, ambos agravados pelo uso da arma;

4) existe concurso efetivo entre o crime de dano com violência na forma consumada e os crimes de rapto agravado tentado e homicídio tentado;

5) há erro de julgamento, no que diz respeito ao ponto 45 dos factos dados como não provados;

6) a arguida KK deve ser condenada pela prática de um crime de favorecimento pessoal;

7) deve haver alteração da medida das penas aplicadas em concreto, na sequência do exposto em 1) a 4) e se deve ser aplicada à arguida KK uma pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 7,50, na sequência do exposto em 5) e 6).

                                                           ****

                                                           ****

                                                           ****

QUESTÃO PRÉVIA:

O facto provado a.21) que consta do acórdão ora em apreciação tem a seguinte teor:

            “a.21) AA levava consigo, à cintura, uma arma de fogo de calibre 6,35mm, de características não integralmente apuradas; HH levava consigo uma arma de fogo de calibre 9mm, de características não integralmente apuradas, DD levava consigo um ferro, CC e JJ levavam consigo paus; BB e GG levavam consigo facas com lâminas de comprimento não apurado.”

Existe manifesto lapso na referência que é feita a “JJ”, desde logo porque, relativamente a este arguido, a acusação foi considerada totalmente improcedente e não provada.

Note-se que este facto está diretamente ligado ao anterior, no qual nenhuma referência sequer é feita ao arguido JJ, resultando evidente que, da conjugação dos dois mencionados factos, onde consta “JJ” deve passar a constar “EE”.

Assim sendo, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), e n.º 2, do CPP há que proceder à correção do acórdão nesta parte, devendo ser averbada, oportunamente, no local próprio, a devida correção em conformidade com o ora exposto.

                                                           ****

                                                           ****

No que tange à apreciação em concreto dos recursos, deixa-se aqui consignado que as questões relacionadas com a medida das penas aplicadas em concreto e com a fixação das indemnizações serão apreciadas, em conjunto, …

                                                           ****

****

A) e B) Recursos interpostos pelo arguido FF e pela arguida GG:

            Estes dois recursos suscitam, quase na íntegra, as mesmas questões, pelo que devem ser apreciados em conjunto.

                                                                       ****

1) da decisão recorrida sofrer de nulidade, por falta de fundamentação e do exame crítico das provas, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, em conjugação com o que está estabelecido no artigo 374.º, n.º 2, do CPP:

            Os dois recorrentes alegam que “não se descortina o percurso cognitivo que levou o Ilustre Tribunal a dar como provada” a factualidade em causa, designadamente no que tange aos atos por si praticados, relativamente a cada um dos crimes por que foi condenado e à sua coautoria.

                                                                       ****

O artigo 205.º, n.º1, da CRP, consagra o seguinte:

1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”

Na al. a), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, comina-se de nula a sentença que não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n.ºs 2 e 3, al. b), do mesmo Código.

Pois bem, o artigo 374.º, n.º 2. do CPP, que versa sobre os requisitos da sentença, e que agora interessa analisar, estipula que «ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Esta disposição está intimamente ligada ao artigo 127.º, do CPP. Já sabemos que o julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada ao princípio em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.[1]             

No entanto, a livre convicção do juiz não se confunde com a sua convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.

A livre convicção, repete-se, não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspetivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.

Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objetivos e suscetíveis de motivação racional.[2]

Vigorando na nossa lei adjetiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a atividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e presumivelmente se convença como o julgador.[3]

A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.

É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objetividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjetivo da formação da convicção do julgador. 

A razão de ser da exigência de fundamentação em geral está ligada ao próprio conceito do Estado de direito democrático, sendo um instrumento de legitimação da decisão que serve a garantia do direito ao recurso e a possibilidade de conhecimento mais autêntico pelo tribunal de recurso.                                                                                                              

Assim, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também ao tribunal de recurso.

Sublinhe-se que a necessidade de motivar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, um dos Direitos do Homem, consagrados no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que a motivação é um elemento de transparência da justiça inerente a qualquer ato processual.

Na sequência disso, é entendimento da jurisprudência de que o dever de fundamentação se não basta com a mera indicação dos meios de prova, não dispensando uma explicitação do processo de formação da convicção do tribunal de 1ª instância, sob pena de violação do artigo 205.º, da CRP e do direito ao recurso – ver, neste sentido, Acs. do Tribunal Constitucional n.º 680/98, Processo n.º 456/95, de 2/12/1998, in DR, II Série, e n.º 27/2007, Processo n.º 784/05, de 8/1/2007, in DR, II Série, e, ainda, Ac. do S.T.J., de 15/3/2000, in C.J./STJ, Ano VIII, Tomo I, pág. 227.

«Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respetiva comunicabilidade aos respetivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não só corretamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer).

Assim que baste que apenas um dos referidos passos do juízo devido seja omitido, para que se esteja a prejudicar a tutela judicial efetiva que tem de ser garantida como patamar básico da convivência social, impossibilitando ou diminuindo a justificação e compreensibilidade do decidido»[4].

Só motivando nos moldes descritos a decisão sobre matéria de facto, mesmo vendo a questão do prisma do decisor, é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da referida convicção, para que seja permitido sindicar se a prova não se apresenta ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.

Para essa lógica de convencimento e de possibilidade de controlo por via de recurso, não se exige que se proceda a uma análise crítica exaustiva dos meios de prova e, nomeadamente, com apelo sistemático ao conteúdo concreto da prova, esta vertente apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada, não porque o fosse mas porque indemonstrada a sua justificação.                                                                                          

Se é verdade que a fundamentação não se basta com a simples indicação de provas, também é verdade que a análise crítica destas deve ser apenas a necessária e suficiente para dar o conhecer porque se decidiu o tribunal em determinado sentido.

A análise crítica impõe-se sobretudo relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção (desde logo a imediação é essencial para a sua avaliação).

Já no que se refere a documentos ou prova pericial reveste-se o seu teor de um carácter objetivo e certo que na maioria dos casos dispensa considerações sobre o seu conteúdo, porque este se impõe sem que existam questões delicadas de credibilidade ou razão de ciência a equacionar. Ou seja, se o texto do documento ou o relatório de perícia permitem, só por si, compreender a decisão do tribunal, na verdade não se exige qualquer dissertação sobre eles, patente no processo, imutável e cuja interpretação depende apenas da declaração que contém.

Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo – Ac. do STJ, de 12/4/2000, processo n.º 141/2000-3ª; SASTJ, n.º 40, 48.

                                                           ****

Revertendo ao caso presente, ainda que se conceda que pudesse ser mais desenvolvida, a fundamentação constante do acórdão recorrido contém um exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento, pelo que é possível reconduzir racionalmente as razões probatórias que determinaram que o tribunal a quo formasse a sua convicção.

Em bom rigor, só existe violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, se houver uma falta absoluta da indicação dos motivos que fundamentam a decisão e faltar exame crítico das provas que servem para formar a convicção do tribunal.

Pois bem, resulta inequívoco da fundamentação de facto que a convicção do Tribunal a quo assentou, fundamentalmente, nas declarações para memória futura dos dois menores envolvidos nos factos, em conjugação com a dinâmica das situações em que estiveram envolvidas várias pessoas, daí decorrendo, para o Tribunal a quo, a coautoria.

Há que ter presente que a nulidade ora em causa não ocorre quando forem incorretas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou, posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, fazendo apelo ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada, nomeadamente, por não ter atendido a determinada prova com relevo para quem interpõe recurso, sendo certo que aqui já nos encontramos em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença.

Logo, tem de improceder, nesta parte, o recurso. 

                                                           ****

2) da decisão recorrida padecer de erro de julgamento, no que diz respeito aos factos dados como provados no acórdão recorrido sob os n.ºs a.19) a a.22), a.24), a.25), a:41), a.43), a.44), a.54), a.55) e a.74) (arguido HH) e sob os n.ºs a.20), a.21), a.24), a.25), a:41), a.43), a.54), a.55) e a.74) (arguida GG):

O erro de julgamento, consagrado no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.                                     

Neste âmbito, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

E é exatamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do CPP:  «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: 

a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;           

b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;                                   c)-As provas que devem ser renovadas».                                                                             A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.                  

Em síntese, o recorrente deve, pois, explicitar por que razão a prova por si indicada “impõe” decisão diversa da recorrida.      

Este é o cerne do dever de especificação.

                                                             ****

Mais importa deixar expresso que, perante o objeto da ação penal, tal como se mostra definido pela acusação ou pela pronúncia, havendo-a, se os meios de prova ou de obtenção de prova (thema probandum) produzidos em julgamento, consentirem duas ou mais decisões de facto (thema decidendum) e o julgador, fundamentadamente, optar por uma delas em detrimento da outra ou outras, a decisão que proferir sobre matéria de facto é, em princípio, inatacável, ainda que o recorrente haja feito do thema probandum uma leitura diversa da levada a cabo pelo julgador.

E, em sede de apreciação pelo Tribunal Superior, o recorrente não lhe poderá opor a sua convicção e reclamar que por ela opte ou a sufrague, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova e esquecendo que, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.

Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respetiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e violadora do favor rei.

Estas considerações de ordem geral, estarão presentes na apreciação que vier a ser feita, mais adiante, em relação aos restantes recursos, quando estiver em causa a apreciação de um erro de julgamento.

                                                           ****

Será que os ora recorrentes trazem aos autos prova que possa impor a pretendida alteração da matéria de facto?

Saliente-se que, apesar de denotarem o seu inconformismo quanto à sua condenação pela totalidade dos crimes, na motivação do recurso, em sede de erro de julgamento, só estão em crise os factos dados como provados nos pontos a.19 a a.22), a.24), a.25), a.41), a. 43), a.44), a.54), a.55) e a.74)

Os recorrentes HH e GG, para sustentar a sua alegação, indicam a seguinte prova:

i) depoimento do ofendido II, prestado em audiência de discussão e julgamento, no dia 27/09/2022:

ii) depoimento da ofendida PP, prestado em audiência de discussão e julgamento, no dia 27/09/2022:

iii) depoimento da testemunha RR, prestado em audiência de discussão e julgamento, no dia 27/09/2022 (00:14:19 a 00:15:19)

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            Há que deixar aqui expresso que II, durante o seu depoimento, a requerimento do Ministério Público, foi confrontado, parcialmente, com o que havia dito, em 8/6/2021 e em 1/7/2021, em inquérito, ao abrigo do artigo 356.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP, conforme resulta da respetiva ata - fls. 2577 a 2580.

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Os recorrentes retiram dos mencionados depoimentos de II e PP que estes foram perentórios em afirmar que os mesmos não incorreram em qualquer ação tendente a molestá-los fisicamente, ou a danificar os seus bens, acrescentando que nenhuma das outras testemunhas ouvidas em audiência de julgamento sequer presenciou os factos pelos quais vieram a ser condenados, pelo que sempre deveria prevalecer uma dúvida razoável na convicção do Tribunal a quo, não devendo ter sido atribuída total credibilidade às declarações para memória futura prestadas pelos menores, face à globalidade da prova, uma vez que, conforme defendem:

1) os arguidos sempre negaram a prática dos factos ilícitos que lhes são assacados;

2) GG, é familiar de PP (prima), existindo convivência e afeto entre ambas e suas respetivas famílias;

3) o Tribunal a quo baseou quase exclusivamente a matéria de facto dada como provada nas declarações prestadas para memória futura pelos menores LL e MM, à data, respetivamente, com 13 e 10 anos de idade;

4) tais declarações não foram prestadas de acordo com o disposto no artigo 271.º, n.º 4, do CPP, e a respetiva inquirição não respeitou o disposto no artigo 138.º, n.º 2, do CPP;

5) os ofendidos II e PP, quanto aos recorrentes, alteraram substancialmente, em audiência, as declarações por si anteriormente prestadas nos autos;

6) o ofendido II disse, em audiência, que havia tentado já prestar novo depoimento, no sentido de que a sua filha LL tinha confidenciado não ter sido raptada, tendo sido demovido pelo Senhor Inspetor QQ de o fazer, sendo certo que chegou, em 12/1/2022, a juntar aos autos um requerimento com essa informação;

7) nada de ilícito ou relacionado com o caso dos autos foi apreendido aos dois arguidos.

Por sua vez, os recorrentes retiram do depoimento da testemunha RR que a casa dos ofendidos não denotava quaisquer sinais de confrontos nem evidenciava um cenário de caos.

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Algumas considerações de ordem genérica impõem-se, para já, referir.

Em primeiro lugar, no que tange à circunstância de um qualquer arguido negar a prática dos factos, tal não serve para, por si só, conduzir a uma alteração da matéria de facto, na medida em que, inerente à sua condição processual, o mesmo beneficia do direito de se não autoincriminar, nem sequer estando obrigado a falar verdade, razão pela qual aquilo que afirma só assume um especial relevo, ao nível da credibilidade, quando a globalidade da prova existente nos autos é pouco consistente, devendo isso ser ponderado em seu favor.

Mais, quando um arguido se limita a negar os factos e a afirmar que é mentira o que consta da acusação, isto é, quando nem sequer desenvolve as razões que o levam a dizer isso, temos de convir que estamos perante um elemento de prova assaz insuficiente para justificar uma alteração da matéria de facto.

Em segundo lugar, o interrogatório de um arguido, como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, podendo este considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, sem prejuízo também de aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras, como ensinou Enrico Altavilla, Psicologia Judiciária, Volume II, Personagens do Processo Penal, Almedina, Junho de 2003, página 12, o que significa, por outras palavras, que, de acordo com a livre apreciação da prova, o julgador pode considerar parcialmente ou na totalidade o que é dito pelos arguidos e pelas testemunhas, o que bem se compreende, pois a perceção do que nos rodeia nem sempre tem a mesma intensidade, havendo que ponderar sempre o que merece, ou não, credibilidade.

Por isso mesmo, ainda que haja algumas contradições num certo depoimento, o que acontece na esmagadora maioria dos casos, tal não significa que o julgador, sem mais, o deva considerar, na sua globalidade, como inválido, pois basta um ruído na comunicação entre duas pessoas, por mais passageiro que seja, para inquinar a mensagem entre emissor e recetor.

Assentemos, pois, que não é pelo simples facto de os ofendidos II e PP, pais da menor LL, terem proferido declarações em audiência divergentes em parte das que haviam antes dito que estão reunidas condições para, sem mais, alterar a matéria de facto.

Em terceiro lugar, não há obstáculo legal à valoração em audiência de julgamento das declarações de um qualquer ofendido, ainda que assistente ou demandante cível, no âmbito da imediação e na oralidade, ainda que desacompanhadas de outra prova.

Pela sua pertinência, entendemos por bem citar o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/2/2008, Processo n.º 557/07-1, relatado pelo Exmo. Desembargador Cruz Bucho, in www.dgsi.pt:

Ao contrário do sustentado pela recorrente, nada obsta que o tribunal alicerce a sua convicção no depoimento de uma única pessoa, no caso as declarações do assistente, desde que tais declarações se lhe afigurem pertinentes e credíveis, uma vez que há muito deixou de vigorar a velha regra do unus testis, testis nullius, ultrapassado que está o regime da prova legal ou tarifada, substituído pelo princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal) [sobre aquela regra unus testis, testis nullius, cujas origens remontam a Moisés, as criticas que lhe foram sendo dirigidas ao longo da história (De Arnaud, Blackstone, Bentham, Meyer, Bonnier), a sua abolição e a possibilidade de um único depoimento, nomeadamente as declarações da vítima, poderem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação, cfr., desenvolvidamente, Aurélia Maria Romero Coloma, Problemática de la prueba testifical en el proceso penal, Madrid, 2000, Cuadernos Civitas, págs. 69 a 91; muito antes, no domínio do processo civil português, Alberto dos Reis afirmara que “No seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas” (Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, reimp., Coimbra, 1981, pág. 357)].

            Isto faz todo o sentido, em casos como o dos presentes autos, em que não surgiram em audiência de julgamento testemunhas presenciais dos factos. Na verdade, estamos perante factos em que apenas aqueles que surgem como diretamente ofendidos podem trazer aos autos determinados elementos de prova, reportados ao momento da sua prática.

            Desvalorizar por completo os depoimentos dos ofendidos sempre que não existissem testemunhas presenciais de factos ilícitos, como no caso presente, seria abrir caminho a uma total impunidade daqueles que agissem em situações nas quais estivessem apenas envolvidos os agressores e os agredidos.

            Tudo se resume a uma questão de credibilidade dos que surgem como ofendidos, devidamente enquadrada pela restante prova.

            Ora, nenhum dos arguidos trouxe aos autos qualquer elemento de prova que possa indicar que os ofendidos tenham efabulado quanto a quem cometeu os factos descritos.

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            Aqui chegados, e indo ao encontro da fundamentação de facto do acórdão, é indubitável que as declarações para memória futura dos menores LL e II, prestadas em 12/7/2021, foram fundamentais para a convicção a que chegou o Tribunal a quo.

            Concretizemos, por isso, o seu teor:

            A menor LL, em resumo, disse o seguinte: 1) O seu pai, depois de combinar com o AA, num almoço, o seu “prometimento” a casar com o filho deste, acabou por dar o dito por não dito; 2) na sequência disso, o AA entrou para dentro da sua casa para matar o seu pai com uma pistola; 3) viu o AA ir direito ao seu pai, apanhou a sua irmã mais nova e fechou-se dentro do quarto; 4) mesmo trancada no seu quarto, ouviu o barulho de um tiro; 5) abriu um bocadinho da porta e viu o AA a apontar a pistola a seu pai, assim como viu este a encostar-se a um poste no corredor, sendo certo que, ainda assim, levou um tiro no joelho; 6) só viu o sangue no joelho, quando aquilo acabou; 7) o CC tentou abrir a porta do seu quarto para a levar à força; 8) o CC estava com os irmãos todos, ou seja, o EE, o DD; 9) eles traziam todos paus, facas; 10) viu a GG e a BB que traziam duas facas muito grandes; 11) depois, eles saíram e deram tiros na carrinha, era o VV, estavam todos a “amandar”; 12) a sua mãe, em dado momento, agarrou-se ao AA a tentar tirar a pistola; 13) ele também queria matar a sua mãe; 14) o seu pai enfiou-se num quarto, e eles tentaram arrombar a porta, mas não conseguiram, depois foram partir o carro, disparar; 15) os filhos todos estavam a tentar partir o carro e o AA a “mandar” tiros; 16) depois, fugiu com sua mãe, seu pai, seu irmão, para o pinhal; 17) voltaram ao local, passado um dia; 18) o CC (conhecido por MMM) apareceu, num carro verde, o CC agarrou-a pelo braço e ameaçou o pai, dizendo que o ia matar se não fosse com ele; 19) o CC levou-a à força; 20) estava acompanhado de mais dois indivíduos; 21) ficou com medo de que fizessem mal ao seu pai; 22) foi levada para um hotel, onde estavam duas mulheres; 23) era a residencial ..., na ...; 24) ficou num quarto com o OO, filho do AA, a quem tinha sido prometida; 25) o OO foi seu amigo; 26) foram comer ao McDonald´s, levados pelo AA e pela NNN; 27) voltaram para o hotel, onde estava o CC, 28) ninguém lhe fez mal; 29) pelas 4 horas da manhã, o AA e a NNN levaram-na para trás de um pinhal; 30) depois, o VV e a GG levaram-na para junto da casa da mãe, e deixaram-na regressar a casa da mãe; 31) chegou a tentar fugir do hotel, mas não conseguiu; 31) não recebeu qualquer ameaça; 32) viu o OOO a bater  no joelho do seu irmão, quando esteve na sua casa; 33) depois, trocou mensagens com o OO, porque ficaram amigos.

            O menor II, em resumo, disse o seguinte: 1) entraram uns ciganos dentro da sua casa, um senhor forte tinha uma pistola e disparou tiros para o seu pai; 2) depois, o pai entrou no quarto e os ciganos começaram a dar pontapés na porta do quarto onde estava seu pai; 3) um dos ciganos deu com um ferro na sua perna, um que tem a alcunha de OOO; 4) o senhor forte é o AA; 5) ele apontou a pistola para o pai, mas a pistola fez ruídos e não saiu nenhuma bala, ele, depois, disparou para a parede, o pai escondeu-se, mas levou um tiro de raspão, de seguida; 6) viu um pouco de sangue no pai; 7) estavam na casa o CC, o DD (o que lhe bateu), a GG, a BB; 8) as mulheres levavam facões; 9) um cigano tinha uma arma, lá fora, ao pé do carro, era o HH; viu atirar para cima do carro; 10) viu o AA dar tiros na carrinha e o CC a partir o vidro com um macaco hidráulico; 11) depois disso, ele e a sua família esconderam-se; 12) noutro dia, viu o CC a agarrar a irmã pelo braço e a dizer “se tu não vieres, eu mato o teu pai”; 13) ele levou a irmã pelo braço, a correr; 14) no dia seguinte, a sua irmã, voltou para casa; 14) nessa altura, estava a chorar, 15) só o AA é que mostrou uma pistola, no interior da casa.

No que diz respeito a estas duas declarações para memória futura, os recorrentes alegam, expressamente, que não foram prestadas de acordo com o disposto no artigo 271.º, n.º 4, do CPP, e a respetiva inquirição não respeitou o disposto no artigo 138.º, n.º 2, do CPP, pelo que não devem ser consideradas como válidas.

            No que tange à primeira alegação, concede-se que, embora tenha sido requerida pelo Ministério Público a indicação de técnico especializado, de preferência perito médico a exercer funções de Pedopsiquiatria junto do Centro Hospitalar ..., para acompanhar a tomada de declarações da menor, nos termos do artigo 271.º, n.º 4, do CPP, tal não veio a acontecer.

            De acordo com esta norma, deve o menor “ser assistido no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito”.

            Sempre salvo o devido respeito, entendemos que tal omissão configura, quando muito, uma irregularidade processual e não uma nulidade insanável.

            A diligência foi realizada, sem que qualquer requerimento tivesse sido feito no sentido de haver qualquer perturbação dos menores, ao longo das suas declarações.

            Nada existe nos autos, de cariz objetivo, quanto a isso.

            Percorrendo o disposto no artigo 119.º, do CPP, que diz respeito às nulidades insanáveis, não encontramos aí contemplado o vício da ausência de técnico especializado, aquando da prestação de declarações para memória futura de um menor, nem a mesma encontra-se tipificada como nulidade sanável, no seguinte artigo 120.º, nem em qualquer disposição legal.

Trata-se por isso de uma mera irregularidade e esta, segundo o artigo 123.º, n.º 1, do CPP, “só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tivessem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele a que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado”.

Ora, os arguidos não arguiram a dita irregularidade no prazo de 3 (três) dias, pelo que sempre, a existir, se deve considerar sanada, nada obstando a que possam ser valoradas as respetivas declarações para memória futura.

No que tange à segunda alegação, estamos perante um mero juízo de valor dos recorrentes, de natureza meramente subjetiva, relativamente a certas perguntas formuladas durante a prestação das declarações ora em causa, o qual não encontra respaldo em qualquer base concreta.

Na realidade, não consta dos autos que tenha sido, em devido tempo, formulado qualquer protesto que visasse o interrogatório em curso.

Assim sendo, torna-se inglório alegar como o fazem os recorrentes.

Não há, portanto, do ponto de vista formal, qualquer obstáculo a que devam ser valoradas as declarações para memória futura prestadas pelos menores, sendo certo que, no âmbito da livre apreciação da prova, mereceram credibilidade ao Tribunal a quo, no confronto que foi feito com aquilo que foi dito pelos seus pais, designadamente em audiência de julgamento.

            Saliente-se que aquilo que foi dito pelos pais dos menores LL e II em audiência de julgamento apenas permite uma outra apreciação da prova, mas não serve para impor a pretendida alteração da matéria de facto, pois fica por esclarecer a razão de terem alterado, parcialmente, o que haviam dito antes no processo (declarações para memória futura), e mesmo noutras fases do inquérito, mais de acordo com as declarações dos seus filhos, prestadas em data bem próxima dos acontecimentos (12/7/2021).

            Note-se, aliás, que II chegou a dizer, em audiência de julgamento: “não me recordo, uma pessoa está a fazer ou a tentar fazer o possível para esquecer este…isto tudo, e foi uma coisa que eu fiz, foi tentar esquecer isto

            Comparando as suas declarações prestadas anteriormente com as prestadas em 27/9/2022, é manifesto que muita coisa foi esquecida pelo mencionado declarante, não podendo, no entanto, ser colocado, totalmente, de parte o que foi dito, nomeadamente, no âmbito das declarações para memória futura, cujo teor pode ser resumido da seguinte maneira: 1) num almoço, pediram a sua filha menor em noivado e disse que sim; 2) não foi para casar, foi para ficarem noivos, uma tradição de ciganos; 3) dois dias depois, deu o dito por não dito, numa conversa ao telefone com HH irmão do AA, sendo este o pai do menor prometido em noivado); ao fim de 15 minutos, após a conversa, entraram mais de 50 homens dentro de sua casa; 4) partiram duas portas a pontapé; 5) primeiro, entrou o AA, fez-lhe frente, perguntando “olha lá, mas tu queres agora a minha filha à força”; 6) os filhos estavam atrás dele; 7) o AA puxou a pistola, apontou-a à sua barriga, sentiu uns ruídos, a pistola encravou, depois, ele voltou a disparar, uma vez para o teto e outra em sua direção, atingindo-o de raspão num joelho, já depois de se ter colocado atrás num canto da casa; 8) os seus filhos estavam atrás de si; 9) a sua mulher PP, em dado momento, agarrou-se ao braço do AA, enquanto os filhos deste entraram na casa tendo um deles agredido com um ferro o seu filho MM; 10) reconheceu o DD, o EE, o CC; 11) também entraram em casa o irmão do AA, e a mulher; 12) quando viu o seu filho agredido no chão, eles largaram tudo e dispararam sobre a sua carrinha que estava estacionada na rua; 13) depois, ele e a família fugiram para o meio do pinhal e depois para longe dali; 14) chegou a refugiar-se num quarto da casa; 15) chegou a ver que o CC tentou agarrar a menor LL por um braço, quando esta estava dentro de outro quarto, para a levar à força; 16) os indivíduos que entraram em sua casa chamaram-lhe nomes e diziam que o deviam matar; 17) eles fugiram da casa porque muitos ciganos do bairro começaram a aparecer no local, dizendo para eles não fazerem nada de mal; 18) O AA tinha uma 6,35 pequenina e o seu irmão, o tal VV, tinha uma 9 branca e o EE tinha uma Glock preta; 19) teve que vender a carrinha, pois deixou de circular, foi para a sucata; 20) dois dias depois, quando voltaram a casa, alguém lá apareceu e levou a sua filha LL, mas não presenciou em que circunstâncias; 21) logo no outro dia, a sua filha voltou a casa; 22) segundo ela lhe contou, quem a trouxe de volta ao local próximo da sua casa foram o FF e GG; 23) quando entraram na sua casa, os filhos do AA iam armados com paus, ferros, tubos de água o EE, inclusivamente, levava uma pistola; 24) quando foi atacado na sua casa, ouviu dizer “matem-no”; 25) não chegou a ver a agressão ao seu filho; 25) a LL nunca chegou a sair do quarto, quanto o CC a tentou puxar; 26) após a sua filha ter desaparecido de casa, foi à Polícia Judiciária, do que fez um vídeo que enviou para um dos que o tinham atacado, sem concretizar qual, a informar que ia apresentar queixa se não a trouxessem de volta, e, no fim do outro dia, a filha voltou a casa; 27) depois do que aconteceu chegou a receber, por via indireta, ameaças com o propósito de retirar a queixa, até lhe chegaram a oferecer cinco mil euros e a pagar a carrinha; 28) a arguida KK chegou a telefonar-lhe, a dizer que havia uma forma de tirar a queixa que consistia em dizer, quando fosse ouvido, que os arguidos não eram as pessoas que o tinham atacado e levado a sua filha; 29) as duas mulheres que entraram na sua casa (BB e GG), no dia 4 de junho de 2021, levavam facas nas mãos

            Por sua vez, comparando, de igual modo, as declarações prestadas anteriormente por PP, com as prestadas em 27/9/2022, é manifesto, também, que muita coisa foi esquecida, em parte, pela referida declarante, não podendo, no entanto, ser colocado de parte o que foi dito por si, nomeadamente, no âmbito das declarações para memória futura, cujo teor pode ser resumido da seguinte maneira: 1) em dado momento, a sua filha LL, durante um almoço, foi “noivada”, ficando comprometida com um filho menor do arguido AA, o que acabou por ficar sem efeito, por iniciativa dos pais da menor LL, tendo o seu marido comunicado tal  a um tal VV ; 2) pouco depois dessa comunicação, um grupo de pessoas arrombou as portas de sua casa e entrou nesta; 3) à frente do grupo seguia o arguido AA, com uma arma na mão, apontada à barriga do seu marido; 4) atrás do AA, estavam os seus três filhos, o VV e as mulheres do VV e do AA; 5) as duas mulheres levavam facas muito grandes nas mão, enrolados com papel ou um pano; 6) em dado momento, agarrou-se ao braço do AA e pediu para não fazerem mal aos seus filhos; 7) o seu marido conseguiu refugiar-se num quarto, ao mesmo tempo que os filhos procuravam lá entrar; 8) a dada altura, o seu filho, de 12 anos de idade, foi agredido com um ferro por um tal PPP; 8) depois, o grupo abandonou a habitação, e danificou, com vários disparos, a carrinha do casal que estava estacionada na rua; 9) após, ela e a família conseguiram fugir; 10) dois dias depois, quando regressaram a casa, a menor LL desapareceu de casa, tendo-se disso apercebido porque o seu filho MM começou aos gritos “Mãe, levaram a irmã, levaram a mana”; 11) quando a sua filha regressou, contou o que se tinha passado; 12) no entretanto, através do Facebook, contactou com a arguida GG a dizer “tragam a minha filha, levaram a minha filha, tragam-me a minha filha”, tendo a referida GG respondido “Tem calma que eu vou tratar disso”; 13) a filha disse-lhe que foi a GG e o marido quem a trouxe para o pinhal próximo de sua casa e, ainda, que tinha sido o arguido CC que a tinha levado para um hotel na ... onde já estava o menor OO, contra sua vontade, no dia anterior; 14) a sua filha disse que o CC, quando a levou, disse para ir consigo “ou então, faço mal ao teu pai”; 15) a sua filha, disse-lhe que, enquanto esteve no hotel, ninguém lhe fez mal ou a ameaçou; 16) a arguida KK pediu ao seu marido que retirasse a queixa, através de uma declaração em que dissesse não conhecer as pessoas envolvidas nos factos descritos; 17) só o arguido AA disparou no interior da casa, no dia 4 de junho de 2021; 18) na rua, já outros dispararam contra a carrinha; nesse mesmo dia; 19) a LL e a SS estiveram sempre no quarto, o filho MM é que esteve envolvido na confusão, tendo sido agredido no joelho com um ferro; 20) a sua filha LL disse-lhe que os arguidos AA e BB apareceram no hotel para onde foi levada, lá tendo deixado um telemóvel ao filho CC; 21) as mulheres que entraram em sua casa não chegaram a tocar em alguém com as facas, mas gritavam a dizer  por que razão é que “não queria dar a filha”; 22) viu o VV a dar tiros na carrinha e os elementos do grupo a bater com paus no veículo; 23) o noivado que foi acordado era só para estarem comprometidos, não era para casamento;

                                                                       ****

            Os recorrentes, colocam, também, em causa a sua atuação, em concreto no que tange à coautoria, relativamente aos factos que impugnam, e, em geral, quanto a todos os restantes, pugnando no sentido de que há uma ausência total de prova nesse sentido,

            Vejamos,

            Na comparticipação criminosa, o crime resulta de uma ação coletiva (colaboração na execução de um crime).

A coautoria baseia-se no princípio da divisão de trabalho e distribuição funcional de papéis por acordo. Na medida em que cada elemento do grupo participe na resolução comum para a realização do facto e na execução deste, de forma igual ou diferente, resulta que cada contribuição se funde num todo unitário e por isso o resultado alcançado é de todos e é, portanto, imputado a todos.

O elemento subjetivo é o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada ação típica, e o elemento objetivo é a realização conjunta do facto, no sentido de tomar parte direta na sua execução, independentemente dos termos de cada participação individual. Para se concluir pela realização conjunta do facto temos que encontrar a vontade comum na realização do ilícito. A autoria plural do crime resulta de haver uma pluralidade de pessoas que se uniram com vista àquele fim, concertando vontades em torno daquele objetivo.

Está adquirido que o acordo para a realização do facto ilícito não tem que ser prévio ao cometimento do crime e também não tem que ser expresso. Esta concertação pode acontecer antes da execução do crime, bastante antes da execução do crime, até, de tal modo que poderá configurar um caso de premeditação, mas pode acontecer muito mais tarde e, em última análise, pode surgir aquando da execução do facto, quando um agente adira ao que o outro está a fazer, com consciência e vontade de colaboração.

Ou seja, pode ser contemporâneo com a execução do facto e pode ser tácito.

Daí que haverá acordo, que determinará a condenação conjunta, se, do desenrolar dos factos, resultar que todos os arguidos se uniram na produção do facto, praticado por um ou por alguns dos elementos do grupo.

Quanto à execução conjunta, também é pacífico que não é necessária a intervenção de todos os agentes em todos os atos tendentes à produção do resultado típico pretendido, bastando que a atuação de cada um seja elemento componente do conjunto da ação, mas indispensável à finalidade a que o acordo se destinava.

Nesta situação deixa, portanto, de ser indispensável apurar quem praticou o ato lesivo porque o crime será imputado a todos a título consumado e doloso.

A autoria criminosa assenta no domínio do facto. É coautor quem tem o domínio funcional do facto. O coautor tem o domínio do facto se tiver o domínio funcional da atividade que realiza, integrante do conjunto da ação para a qual deu o seu acordo e que, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo.

Resta dizer que, nas situações em que os arguidos não confessam ter agido em coautoria, necessariamente que esta só se alcança através da apreciação da concreta dinâmica dos factos.

No caso em apreço, face à prova existente nos autos, resulta que os ora recorrentes fizeram parte do grupo de pessoas que, no dia 4 de junho, se dirigiu a casa dos ofendidos e, ainda, que foram quem foi buscar LL ao local onde AA a deixara, a fim de a conduzir de volta a próximo de sua casa.

Pois bem, quanto ao que aconteceu no dia 4 de junho, face ao que anteriormente foi referido quanto à validade das declarações para memória futura e, ainda, à prova pericial e documental, é indubitável que: i) o ofendido II telefonou ao arguido HH e disse-lhe que já não pretendia dar a sua filha em noivado a OO; ii) os ora recorrentes foram identificados como fazendo parte do grupo que se dirigiu a casa dos ofendidos; iii) o recorrente, na altura, levava consigo uma arma de fogo e a recorrente uma faca iv) as armas de fogo em causa tinham determinadas características e munições; v) as portas da casa dos ofendidos foram atingidas por vários pontapés; vi) a dada altura, os arguidos saíram da residência dos ofendidos; vii) os arguidos AA e AA dispararam em direção da carrinha; viii) os recorrentes estiveram ligados ao que aconteceu no dia 6 de junho de 2021; ix) os recorrentes levaram a menor LL de regresso ao pinhal junto a sua casa.

Com efeito, nada existe nos autos que revele que os ora recorrentes se tenham demarcado quanto à deslocação a casa dos ofendidos em grupo, no dia 4 de junho, designadamente, em concreto, quanto à sua entrada de rompante e aos disparos em direção da carrinha, sem prejuízo de tudo o mais, nem quanto ao que aconteceu no dia 6 de junho, sendo certo que há, até, uma identificação de que o recorrente FF foi uma das pessoas que disparou (matéria de facto impugnada em sede de erro de julgamento).

Além disso, a circunstância de terem conduzido a menor de volta a um local próximo de sua casa, um tempo depois, na ausência de uma explicação nesse sentido, não demonstra que tenham agido de uma forma altruísta, antes que estavam a par do plano que visara a retirada da menor LL.

                                                           ****

            Por fim, quanto à intenção de matar, estamos, sem dúvida, perante uma questão relacionada com a matéria de facto, como é reconhecido de forma unânime pela jurisprudência.

Pois bem, sendo o dolo um acontecimento do foro interno só é suscetível de ser apreendido com recurso a factos indiciários, a partir dos quais se possam extrair presunções judiciais geradoras de uma suficiente convicção positiva sobre a sua verificação.

O julgador tem de partir de factos objetivos, para aferir até que ponto, da conduta que o agente levou a cabo, se pode extrair que a sua intenção era matar o ofendido, ou que tenha admitido essa possibilidade e se tenha conformado com ela.

A ilustrar tal entendimento podem citar-se, entre outros, os seguintes acórdãos:

- Acórdão do S.T.J. de 07.07.93 publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJl99307070444783: "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, suscetíveis de prova indireta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime.";

- Acórdão do S.T.J. de 01.04.93 in BMJ n.º 426, pág. 154 no qual se exarou: "Dado que o dolo pertence à vida interior e afetiva de cada um e é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infração. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência. ";

- Ac. STJ de 24-10-2012, proc. n.º 2965/06.0TBLLE.E1-3ªS, in www.dgsi.pt.; “….o atual estado das neurociências não permite a indagação direta da forma como se elaborou o processo de vontade que leva à ação, a afirmação da existência dessa mesma vontade passará sempre pela existência de factos que à luz de um critério de normalidade e das regras de experiência de vida permitem concluir pela existência de um elemento subjetivo da infração. A afirmação do animus será sempre o resultado de uma operação de lógica em que as premissas são, por um lado os factos e, por outro, as regras de experiência ou as leis científicas.»”

No sentido do caso se apresentar como exemplo em que se deve presumir a intenção de matar, o professor L. A. Duarte Santos, in «INTENÇÃO DE MATAR (O aspeto médico-legal)», Coimbra, 1957, pp 6 a 8, adianta: “…como é ensinamento da doutrina, sendo tal intenção de inferir, valorizando-se «em conjunto» «a lesão em si mesma; a localização da lesão; o número de lesões; o instrumento utilizado; condições inerentes ao manejo do instrumento»; quando é atingida, v. g., a região craniana, onde se situam «órgãos de importância vital ou cujo ferimento colocam a vida em perigo…» «…a cabeça quando atingida com instrumento contundente, mas se houver violência comprovada por fratura óssea»; «médico-legalmente, é pelos resultados comprovados na extensão, profundidade e qualidade das lesões que se infere de tal violência», indiciando-se violência com «a fratura de ossos», e, assim, face à «prova objectiva» é de «presumir a intenção de matar».

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No caso presente, o pai da menor LL foi só atingido, de raspão, no joelho, ou seja, o ferimento que sofreu não se reporta a zonas vitais

Todavia, há que notar que as circunstâncias que são relevantes para aferir se um arguido representa como possível a morte do ofendido e se se conforma com tal facto são as anteriores e contemporâneas à realização das agressões, em conjugação com a extensão das lesões apuradas.

 No caso em apreço, pela prova produzida, o arguido AA tentou atingir no abdómen, a curta distância, por mais do que uma vez, o visado, o que só não aconteceu por causa da arma ter encravado e de este se ter, de seguida, resguardado.

Assim sendo, consideramos ter existido a intenção de matar, ainda que o ofendido tenha sido atingido apenas no joelho.

Concluindo, não se descortina erro de julgamento.

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            3) da decisão recorrida enfermar dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), e c), do CPP:

O recorrente FF alega que, relativamente aos crimes de que se encontra acusado, a factualidade que se encontra dada como provada situa-se nos n.ºs a.19) a a.22), a.24), a.25), a.41), a.43), a.44), a.54), a.55), a.74), ou seja, “num universo de cerca de cento e vinte e dois factos dados como provados no que concerne aos atos ilícitos praticados nos autos, o arguido é somente mencionado em onze deles, sendo mesmo que os factos a. 20 e a.54 são factos meramente genéricos; os factos a. 24 e a. 25 consubstanciavam a prática de crime de violação de domicílio agravado, na forma consumada, do qual acabou absolvido”.

A recorrente GG, por sua vez, alega que, relativamente aos crimes de que se encontra acusada, a factualidade que se encontra dada como provada situa-se nos n.ºs a. 20), a.21), a.25), a.41), a.43), a.54), a.55), a.74), ou seja, “num universo de cerca de cento e vinte e dois factos dados como provados no que concerne aos atos ilícitos praticados nos autos, a arguida é somente mencionado em oito deles, sendo mesmo que os factos a. 20 e a.54 são factos meramente genéricos; o facto a. 25 consubstanciava a prática de crime de violação de domicílio agravado, na forma consumada, do qual acabou absolvida”.

O recorrente HH, após fazer considerações de ordem genérica, relativas à prova produzida em audiência de julgamento, e de referir que a sua conduta não se enquadra no quadro sancionatório em que foi condenado, deixa expresso que não pode conformar-se com a decisão ora em crise, na medida em que nenhuma prova concreta e isenta de dúvidas foi produzida em julgamento.

            Na sequência disso, considera que a decisão recorrida “enferma do vício a que alude o artº 410º, n.º 2, al. a), do CPP, por manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.

            Mais deixa expresso que, face ao exposto, a decisão é inconstitucional, “por violação dos mais elementares direitos fundamentais, como o direito de os crimes imputados ao recorrente serem provados através de um processo equitativo, de acordo com o previsto nos art.º s 20.º, n.º 4 e 32.º, da Constituição da República Portuguesa”.

            A recorrente GG, do mesmo modo, após fazer considerações de ordem genérica, relativas à prova produzida em audiência de julgamento, e de referir que a sua conduta não se enquadra no quadro sancionatório em que foi condenado, deixa expresso que não pode conformar-se com a decisão ora em crise, na medida em que nenhum a prova concreta e isenta de dúvidas foi produzida em julgamento.

            Na sequência disso, considera, também, que a decisão recorrida “enferma do vício a que alude o artº 410º, n.º 2, al. a), do CPP, por manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.

            Mais deixa expresso, de igual modo, que, face ao exposto, a decisão é inconstitucional, “por violação dos mais elementares direitos fundamentais, como o direito de os crimes imputados ao recorrente serem provados através de um processo equitativo, de acordo com o previsto nos art.º s 20.º, n.º 4 e 32.º, da Constituição da República Portuguesa”.

                                                                       ****

O recorrente HH alega, ainda, que, sem conceder nesse sentido, a sua condenação apenas pode existir se assentar no domínio da sua participação em coautoria nos factos dados como provados,

Logo a seguir, no entanto, alega que “não resulta minimamente dos factos apurados que tenha existido qualquer acordo prévio entre os vários arguidos com vista a qualquer resolução criminosa, ou seja, que tenha atuado em coautoria na prática de qualquer dos crimes que lhe foram imputados”.

Refere, em concreto, que “da prova oral e documental produzidas, não se vislumbra qualquer fundamentação bastante que o recorrente tenha atuado de comum acordo e em conjugação de intenções com os restantes coarguidos no que tange aos atos de execução imputados quer a si próprio quer a cada um deles, tão pouco que cada um tinha o seu papel bem delimitado e a atuação de cada um era essencial para o sucesso do plano comum traçado”.

Face ao exposto, defende que o acórdão recorrido padece do vício a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.

A recorrente GG alega, de igual modo, que o acórdão recorrido padece do vício acabado de referir, através de uma argumentação semelhante.

                                                           ****

            Estabelece o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:                     

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;                              

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;         

c) Erro notório na apreciação da prova.                                                                  

Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autosuficiente.                       

A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.                                                          

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.                                       

Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.                Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.            

O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).    

Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).                                 

Não se verifica tal erro se a discordância resulta apenas da forma como o tribunal aprecia a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício. 

Estas considerações de ordem genérica serão, também, tidas em consideração adiante, logo que necessárias.

                                                           ****   

Face ao que acaba de ser exposto, não se descortina, tendo em consideração o seu teor, que o acórdão ora em crise padeça dos alegados vícios

Por um lado, a matéria de facto provada é suficiente para fundamentar a decisão de direito e o tribunal investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.

A discordância manifestada pelos recorrentes em relação ao que foi decidido situa-se ao nível da prova que foi produzida, ou não, em audiência de julgamento, pelo que a impugnação trazida aos autos se encontra ao nível do erro de julgamento, sendo certo que restrita a um pequeno grupo de factos, o que já mereceu a nossa apreciação.   

Por conseguinte, também nesta parte, soçobra a pretensão dos recorrentes.

                                                           ****   

E não se argumente que foi violado o princípio in dubio pro reo.  

Dispõe a Constituição, no n.º 2, do seu artigo 32.º, que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», preceito que se identifica em geral, com a formulação do princípio da presunção de inocência constante da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.11.º, n.º 1).

De acordo com Cavaleiro Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.

O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.                                                  Como todos sabem, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213.     Todavia, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, Cristina Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.                                                                            

O princípio geral do processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do Tribunal.

O princípio in dubio pro reo não significa dar relevância a todas as dúvidas que os intervenientes processuais encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos.

É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.    

No caso vertente, o Tribunal “a quo” não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão, pelo que não há lugar a qualquer aplicação do princípio in dubio pro reo, nessa parte.                                    

A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.                     

Assim, para a revogação do acórdão nos termos pretendidos pelos recorrentes importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido.          

Tal não sucede com a análise dos ora recorrentes que nem sequer apresentaram uma versão diferente dos acontecimentos que pudesse suscitar a dúvida razoável, limitando-se a negar a prática dos mesmos.

Mais, não consta dos autos qualquer elemento de prova que aponte, minimamente, para a existência de um outro grupo de pessoas que pudesse ter praticado os factos dados por assentes.

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            E não se diga que a decisão ora em crise é inconstitucional, por violação dos mais elementares direitos de defesa dos arguidos.

            Como é consabido, não há decisões inconstitucionais (cf., v.g, Acórdãos do Tribunal Constitucional de 24 de Abril de 1994 - Rec. 164/91 - de 5 de Fevereiro de 1991 - BMJ 404-486 - Recursos 128/84 - BMJ 358-236 e 90/85 BMJ 360-376 e ainda Drs. Pereira Coutinho, J. Meirim, M. Torres e L. Antunes "Constituição da República Portuguesa" 425).

            Na realidade, apenas as normas podem ser objeto de controlo constitucional e não as decisões judiciais enquanto tais. A este respeito, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Fundamentos da Constituição, 1991, p. 258): “pode-se atacar uma decisão judicial – recorrendo dela para o TC – se ela aplicou uma norma arguida de inconstitucionalidade ou se deixou de aplicar uma norma por motivo de inconstitucionalidade. Mas não se pode impugnar junto do TC uma decisão judicial, por ela mesma ofender por qualquer motivo a Constituição.” (Cfr. também os Acórdãos n.ºs 595/97, 338/98, 520/99 e 232/2002, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Ora, entendemos nós que os recorrentes, em vez de indicarem, de modo claro e percetível, uma exata dimensão normativa de um preceito que entendem não dever ser aplicado por ser incompatível com a Constituição, mais não fazem do que colocar em causa a apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo, ou seja, ao invés de se referirem a uma desconformidade constitucional face a uma interpretação de determinado artigo, devidamente enunciada, situam-se, antes, ao nível de suscitar a inconstitucionalidade da decisão em si.

Assim sendo, não se encontram preenchidos os requisitos para considerar existente o alegado vício de inconstitucionalidade.

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5) e 6) da medida das penas e dos pedidos de indemnização civil:

Como já referido antes, estas duas questões serão, mais adiante, apreciadas.

                                                           ****

                                                           ****

C) Recurso interposto pelos arguidos BB, CC, DD e EE:

1) da decisão recorrida sofre de nulidade, por falta de fundamentação e do exame crítico das provas, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), e c), do CPP, em conjugação com o que está estabelecido no artigo 374.º, n.º 2, do CPP:

Estes recorrentes, embora na motivação do recurso não se refiram expressamente a esta nulidade, o que é certo é que, no ponto 56 das suas conclusões aludem à “insuficiência de fundamentação”, sendo certo que, ao longo daquela, são usadas, por exemplo, as expressões “interessante seria entender”, “é incompreensível que se afirme”, “de onde se pode extrair o dolo de homicídio?”, “de onde pode resultar o vertido?”, o que denota que, na prática, consideram que a fundamentação é insuficiente.

A propósito desta questão, remetendo, integralmente, para as considerações anteriormente feitas, a propósito do recurso interposto pelos arguidos FF e GG, limitamo-nos a reafirmar que o acórdão recorrido não padece do alegado vício.

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2) da nulidade das declarações para memória futura prestadas pelos menores:

Os recorrentes defendem que “as declarações para memória futura prestadas pelos menores LL e MM não podem servir de base à convicção do tribunal, desde logo porque não foram prestadas de acordo com a lei.

Mais alegam o seguinte:

“(…) e pese embora na sua promoção das referidas declarações para memória futura, o MP tenha requerido que fosse “(…) indicado técnico especializado, de preferência, perito médico que exerça funções no Departamento de Pedopsiquiatria junto do Centro Hospitalar ..., para acompanhar a tomada de declarações da menor, nos termos do disposto no artigo 271.º, n.º 4, do CPP (…)” a verdade é que, como se pode verificar do respetivo auto, tal não aconteceu.

(…).

Não se preocupou o tribunal com as condições de recolha das declarações em causa, assim como não se preocupou em fazer perícias aos menores que permitissem ter uma ideia sobre as suas personalidades e credibilidade.

(…).

São, pelo exposto, nulas as declarações para memória futura dos menores LL e MM, nos termos do disposto nos artigos 126.º, do CPP, e 32.º, da CRP.”

                                                           ****

Relativamente a esta questão, há que dizer que já foi apreciada antes, relativamente a certos aspetos, aos recursos interpostos pelos arguidos FF e GG, pelo que nos limitamos a remeter para o já decidido.

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Ainda quanto às declarações ora em causa, os recorrentes mais defendem, sem conceder quanto ao anteriormente exposto, que “outro motivo impunha, como impõe, que os menores fossem ouvidos em sede de audiência em julgamento”, pelo seguinte:

Como consta do auto respetivo, no dia das declarações em causa, 12 de julho de 2021, estavam já identificados suspeitos, mas que não eram ainda arguidos.

Entre eles, os aqui recorrentes CC e EE.

E se é verdade que lhes foi nomeado um defensor oficioso, a verdade é que não lhe foi permitido escolher defensor e com ele dialogar antes da diligência em causa.

Dessa eventual conversa resultaria certamente matéria que determinaria a intervenção do seu defensor, confrontando as testemunhas/declarantes.

Não foram respeitados direitos do arguido, consignados nos artigos 61.º, do CPP, e 32.º, da CRP.”

Na sequência do exposto, os recorrentes pugnam no sentido de que “deverão ser desconsideradas as declarações para memória futura dos menores, dando-se como não provados todos os factos que nas mesmas se fundaram”, acrescentando, ainda, que, além do mais já referido, se impunha a audição dos menores em sede de audiência de julgamento, porque os seus progenitores, durante uma das sessões da audiência de julgamento, disseram que a menor LL acabou por lhes comunicar, algum tempo depois dos factos terem ocorrido, que não tinha sido levada à força, indo ao encontro do requerimento que se encontra nos autos, a fls. 1944, ao qual o Tribunal a quo não fez referência no acórdão recorrido.

Vejamos.

Quanto à primeira crítica ora em causa, existem posições divergentes quanto à tomada de declarações para memória futura, antes de o suspeito ter sido já constituído como arguido, uma vez que há quem entenda que o contraditório só pode ser efetivamente exercido, quando alguém assumir tal posição nos autos, visto que somente o arguido, porque interveniente direto nos factos, tem conhecimento da verdade dos mesmos e, nessa medida, pode colocar em causa a versão por outrem trazida ao processo.

Entendemos, sempre salvo o devido respeito, que a realização e a admissibilidade da tomada de declarações para memória futura não está dependente da prévia constituição como arguido, desde logo porque, no caso concreto, podem verificar-se circunstâncias que se sobreponham à delonga inerente à investigação criminal e que, nessa medida, importem, desde logo acautelar.

Neste sentido, decidiu já o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão datado de 22/11/2017, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Teixeira, Processo n.º 2057/16.3T9STR-A.A1, in www.dgsi.pt, no qual pode ser lido o seguinte:

“(…).Sobre este aspeto, nas anotações ao artigo 271º, do Código de Processo Penal, no site da Procuradoria Distrital de Lisboa, pode ler-se nas orientações do Ministério Público resultantes da reflexão e conclusão do Encontro da Rede de Magistrados do MP dos Tribunais de Família e Menores de 27/11/2008:

“Ainda que alguns defendam posição contrária, conhece-se jurisprudência no sentido de que 'a tomada de declarações para memória futura pode ter lugar numa altura em que ainda não há arguido constituído '(cfr. ACRP de 01.02.06, P.0515949, Rel.:-Jorge França, disponível em www.dgsi.pt). Nesse sentido, cfr. também ACRP de 12.10.05 (P.0544648, Rel:-Pinto Monteiro, disponível em www.dgsi.pt) e ainda ACSTJ de 19.04.99 (P.41 428-3ª.). Cfr. ainda, nesse sentido o ACRP de 13.07.05 (P.0540595, Rel.:-António Gama, disponível em www.dgsi.pt), sumariado no sentido de que 'É possível a recolha de declarações para memória futura mesmo que o inquérito não corra contra pessoa determinada', aí se sublinhando que 'O interesse na realização da justiça e a descoberta da verdade tem como consequência que, mesmo na hipótese de o inquérito correr contra pessoa ainda não determinada, tenha lugar e se leve a cabo a produção de prova para memória futura [Neste sentido Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 18 de Abril de 2001, CJ XXVI, Tomo II, pág. 228]'.

Acontece, na verdade, que a norma processual, como todas as normas de cariz adjetivo, é elaborada para a normalidade das situações, ou seja, no caso concreto, do conteúdo da norma em causa resulta que ela foi pensada para aqueles casos em que existe já arguido constituído. Dada a natureza excecional da norma em questão, ( ), logo se constata que o que determina a possibilidade dessa valoração é a ocorrência de um periculum in mora que poderá levar à perda dessa prova - doença incapacitante ou ausência que se prevê se prolongue até ao julgamento' (cfr. referido ACRP de 01.02.06) ou, acrescentaríamos nós, a especial vulnerabilidade da vítima, em razão da sua idade e da natureza dos atos de que foi alvo, fortemente perturbadores da sua intimidade e integridade sexual”.

Esta posição é defendida também por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2ª Edição, em anotação ao respetivo artigo, fls. 702 (anotação 9), dizendo:

“Mas não é requisito da lei que o arguido esteja já indiciado ou acusado pela prática destes crimes. As declarações para memória futura podem ser prestadas quando não há ainda pessoa constituída como arguido ou nem todos os suspeitos estão constituídos como arguidos – ac. do TRL de 18.4.2001, CJ, XXVI, 2, 228”.

Também no Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros Conselheiros do STJ, 2014, Almedina, fls. 965, se afirma, na nota 15, que “é admissível a diligência ainda que não haja arguido constituído e mesmo quando o autor do crime não tenha ainda sido identificado”.

Recentemente, pronunciou-se o Ac. do TRL de 04-05-2017, nestes termos:          

I - Mesmo com a atual redação do art.º 271º do CPP, a tomada de declarações para memória futura pode ser feita, verificadas determinadas circunstâncias (nomeadamente, desconhecimento da identidade do suspeito, ausência deste, necessidade urgente de preservar prova, necessidade urgente de proteger o declarante ou outras pessoas, partida eminente ou possibilidade séria de morte deste) antes de haver Arg. constituído, sem que isso ponha irremediavelmente em causa o direito ao contraditório, desde que ao Arg. seja posteriormente dada a real possibilidade de contraditar e/ou confrontar o autor de tais declarações”.

Sendo esta a posição dominante, todavia uma exigência é fundamental, a observância e o respeito pelo contraditório que, não havendo ainda arguido constituído, dever ser assegurado por defensor e, posteriormente, nomeadamente em audiência de julgamento, já com a presença daquele. (…).”

Assim sendo, tem, nesta parte, também de soçobrar a pretensão dos recorrentes.

                                                           ****

Quanto à segunda crítica ora em causa, quanto à necessidade de ouvir em audiência a menor LL, face ao que foi dito em audiência pelos seus pais, há que ter em atenção o disposto no artigo 271.º, n.º 8, do CPP, cujo teor é o seguinte:

8 – A tomada de declarações nos termos do número anterior não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar”.

Há que ter presente que o Tribunal a quo não atendeu à pretensão dos arguidos, conforme consta de fls. 2571 dos autos, porque “no caso em apreço, não resulta a necessidade, para descoberta da verdade material, da reinquirição da menor, não resulta evidente que se consiga e seja possível notificar e fazer comparecer a mesma em tempo útil e, mais ainda, não resulta que a sujeição da mesma a nova reinquirição acerca dos factos – que se supõem traumáticos e que a menor quererá certamente esquecer (é essa a razão/ratio legis do legislador ao estabelecer por regra a tomada de declarações para memória futura a menores vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual) – não resulta que a sua inquirição em audiência não pusesse em causa a saúde física ou psíquica da menor”.

Ora, resulta do exposto que o Tribunal a quo, desde logo, considerou não estarem reunidas condições que permitissem assegurar a presença da menor LL, em tempo útil, na audiência de julgamento.

Acresce que, não existindo motivos que coloquem em crise a validade das respetivas declarações para memória futura, de forma a evitar a vitimização secundária da menor LL, nada justificava que a mesma voltasse a ser ouvida em audiência de julgamento.

De qualquer das formas, convém referir que o citado n.º 8 não impõe ao Tribunal qualquer imposição de fazer comparecer em audiência quem antes prestou declarações para memória futura.  Se fosse essa a intenção do legislador, teria ficado expressamente na lei processual penal estabelecido que o Tribunal estaria obrigado a tal, sempre que, durante a audiência, fossem feitas afirmações contrárias ao que havia sido dito em sede de tais declarações, o que, com frequência, acontece.

Assim sendo, também aqui, improcede a pretensão dos recorrentes.

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3) a decisão recorrida enferma dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), e c), do CPP:

Os recorrentes, na motivação do recurso, não fazem alusão expressa ao artigo 410.º, do CPP. No entanto, no ponto 58 das conclusões a ele fazem referência.

Já atrás dissemos que o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, estabelece que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:                     

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;                                           b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;         

c) Erro notório na apreciação da prova.                                                                  

E já dissemos, de igual modo, que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos àquela, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.   Ora, tendo isso presente e tudo o mais que anteriormente foi mencionado, quanto a este assunto, é manifesto que os recorrentes não situam a sua crítica nesta sede, pois partem da prova produzida nos autos e não no teor da decisão recorrida.

Como tal, toda a impugnação de facto tem que ser apreciada ao nível do erro de julgamento.

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4) a decisão recorrida padece de erro de julgamento, no que diz respeito aos factos dados como provados no acórdão recorrido sob os n.ºs a.16), a.20), a.21), a.22), a.24), a.25), a.26), a.27), a.28), a.33), a.36), a.37), a.38), a.39), a.43), a.44), a.50), a.51), a.54), a.55), a.57), a.58), a.59), a.60), a.61), a.63), a.67), a.69), a.70), a.71), a.72), a.73), a.74), a.75), a.76), a.101), a.102), a.103), a.104), a.105), a.106), a.107), a.108), a.109), a.110), a.111), a.112), a.113), a.114), a.115), a.118), a.119), a.120) e a.121) dos factos provados:

Os recorrentes começam por alegar que os factos ora em causa não devem ser considerados como provados, “por não estarem suportados em quaisquer provas válida e legalmente obtidas, nem poderem resultar das regras do comum cidadão”.

De seguida, fazem considerações sobre a apreciação da prova, de ordem puramente subjetiva, manifestando o seu inconformismo face à convicção a que chegou o Tribunal a quo.

Mais colocam em causa a validade das declarações para memória futura da menor LL, por não ter sido respeitado o disposto no artigo 271.º, n.º 4, do CPP, referindo, ainda, que as declarações dos menores foram obtidas mediante coação, pois estavam desacompanhadas de quem as podia acalmar e apoiar, sendo incompreensível que os mesmos não tenham sido chamados a depor em audiência de julgamento, o que constitui uma omissão de um ato para a descoberta da verdade.

Os recorrentes alegam, também, que, no dia de tais declarações, 12/7/2021, estavam já identificados suspeitos que não eram ainda arguidos, sendo certo que, embora lhes tenha sido nomeado defensor oficioso, não lhes foi permitido escolher defensor, pelo que não foram respeitados direitos do arguido, consignados no artigo 61.º, do CPP, e no artigo 32.º, da CRP.

Sem prejuízo do exposto, os recorrentes defendem que as declarações para memória futura dos menores devem ser desconsideradas, na medida em que os pais destes, em audiência, disseram que a LL lhes tinha dito que não tinha sido levada à força, que tinha ido de casa de livre vontade, indo ao encontro do requerimento que se encontra a fls. 1944 dos autos.

Pela sua importância, estas aspetos foram já apreciados, autonomamente, no ponto 2) anterior, pelo que nos dispensamos de voltar a eles, assente que está a validade das declarações para memória futura.

Avancemos.

Para sustentar a sua pretensão, além dos argumentos já antes apreciados, os recorrentes indicam a seguinte prova:

DECLARAÇÕES DE OFENDIDO

PP

(…)

 - Ainda a mãe dos menores, mas em dia posterior, face à deficiente gravação do primeiro dia:

                                                           ****

Após a transcrição acabada de fazer que consta da motivação do recurso, os ora recorrentes concluem que “perante a impossibilidade legal de utilizar os depoimentos para memória futura dos menores, por um lado, e pelo teor dos depoimentos dos pais dos menores, retro transcritos, por outro, e perante ainda a ausência de qualquer outra prova, não se podem dar como provados os factos constantes dos pontos a.16, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 33,36, 37,38,39, 43, 44, 50, 51, 54, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 63,67, 69, 70, 71, 72, 72, 73, 74, 75, 76, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109,110, 111, 112, 113, 114, 115, 118, 119, 120 e 121 dos factos provados”, acrescentando, logo de seguida “Também as contradições retro referidas nas declarações dos pais dos menores e as evidentes mentiras, contrariadas por documentos, designadamente a perícia feita ao menor MM, impõem que se não acredite em tudo o que, de forma incriminatória, é referido pelos mesmos pais dos menores.”

Os recorrentes alegam, em particular, quanto ao ponto a.37) que consta do relatório da perícia feita ao menor MM consta que ele declarou ter sido agredido com um pau, estando dado como provado que foi agredido por um ferro, sendo certo, ainda, que o seu pai disse, em audiência, que foi atingido por taco de basebol.

Os ora recorrentes mais alegam, em especial, que o facto dado como provado, constante do ponto a.101), não pode ser dado como provado face ao declarado pela própria vítima, NN, conforme extrato do seu depoimento, que a seguir se transcreve:

DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA

                                                           ****

Com base na prova atrás indicada, além de ser alegado que não está demonstrada qualquer ação dos recorrentes em coautoria, mais se considera que deve ser dado como provado o seguinte:

- A arguida BB entrou na casa dos ofendidos porque para aí foi chamada pela ofendida PP que solicitou o seu auxílio para levar para fora de casa o arguido AA;

- O ofendido NN não esteve 10 dias impedido de trabalhar.

                                                           ****

Aqui chegados, há que deixar expresso, desde já, que os recorrentes para lá dos alegados vícios das declarações para memória futura, não chegam a trazer aos autos elementos de prova que contrariem a convicção do Tribunal a quo, antes manifestam o seu inconformismo em relação a esta, através de considerações de natureza subjetiva e de perguntas sem resposta, tais como, por exemplo:

- “interessante seria entender como é que várias pessoas traçam planos conjuntos em breves minutos sem que ninguém o reconheça ou declare. É evidente a intenção de “fabricar” uma coautoria e fazer estender a todos os arguidos o comportamento de cada um deles, quando estamos perante condutas decididas individualmente”;

- “o que podemos concluir é que a família, que estava junta, decidiu acompanhar o mais velho deles que teria o propósito de esclarecer os motivos que levaram o II e sua companheira PP a voltara trás na palavra dada de anunciar o noivado entre os filhos de ambos”;

- “o que se indicia ter acontecido é que nenhum dos arguidos sabia bem ao que ia, ou talvez o soubessem os dois ou três desconhecidos referidos no acórdão”;

- “de onde se pode extrair o dolo de homicídio?”;

- “cabe perguntar afinal de onde resulta quem deu pontapés e em que porta”;

- “e de onde resulta ou pode resultar o vertido nos n.ºs a71 a a.73) dos factos provados? Da livre convicção do julgador, de acordo com as regras da experiência?”

Em resumo, estamos perante uma impugnação da matéria de facto, em larga medida, feita em termos genéricos, como tal insuficiente para o efeito pretendido.

Quando muito, a prova indicada permite uma outra apreciação da prova, sem a impor, inclusivamente quanto aos dois factos que os recorrentes consideram que devem passar a ser considerados como provados.

Por um lado, aquilo que foi dito em audiência de julgamento, quanto à intervenção de BB nos factos, como resulta da fundamentação de facto, não foi relevante para a formação da convicção do Tribunal a quo.

Por outro lado, o facto relativo aos dias em que NN esteve impedido de trabalhar, na prática, é inócuo para o objeto do processo, pois não serve para esbater o que consta do ponto a.121) dos factos provados.

                                                           ****

Saliente-se que, de uma forma concreta, está alegado que não está provada a intenção de matar.

Já antes apreciámos esta questão, no sentido de que, sendo o dolo um acontecimento do foro interno, só é suscetível de ser apreendido com recurso a factos indiciários, a partir dos quais se possam extrair presunções judiciais geradoras de uma suficiente convicção positiva sobre a sua verificação e que o julgador tem de partir de factos objetivos, para aferir até que ponto, da conduta que o agente levou a cabo, se pode extrair que a sua intenção era matar o ofendido, ou que tenha admitido essa possibilidade e se tenha conformado com ela.

No caso presente, é certo que o pai da menor LL foi só atingido, de raspão, no joelho, ou seja, o ferimento que sofreu não se reporta a zonas vitais.

Todavia, há que notar que as circunstâncias que são relevantes para aferir se um arguido representa como possível a morte do ofendido e se se conforma com tal facto são as anteriores e contemporâneas à realização das agressões, em conjugação com a extensão das lesões apuradas.

 No caso em apreço, pela prova produzida, o arguido AA tentou atingir, a curta distância (um metro), por mais do que uma vez, o visado, começando por apontar a arma de fogo ao abdómen (zona onde se encontram órgãos vitais), o que só não aconteceu por causa da arma ter encravado e de, persistindo na sua conduta, este se ter desviado, sendo certo que, ao redor, ouviam-se vozes a gritar no sentido de matar o visado.

Assim sendo, consideramos ter existido a intenção de matar que só não aconteceu por razões alheias ao agente.

                                                           ****

Os ora recorrentes colocam, também, em causa, de modo expresso, a coautoria a eles imputada.

Relativamente à alegação de que não está demonstrada a coautoria dos recorrentes, nada de concreto é trazido aos autos que o demonstre.

Por isso, tendo em consideração o que já antes deixamos expresso, há que enfatizar que, na ausência de qualquer declaração dos arguidos sobre os factos, face à dinâmica destes, não tendo nenhum dos ora recorrentes demarcado quem quer que seja da respetiva intervenção, não é estultícia concluir que agiram no âmbito de um acordo entre todos com os contornos próprios da coautoria, já atrás explicitados, aquando do recurso interposto pelos arguidos FF e GG.

Concluindo, não se descortina o alegado erro de julgamento.
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4) da medida das penas aplicadas em concreto:

Esta questão será apreciada, mais adiante, como já referido anteriormente.

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D) Recurso interposto pelos arguidos AA e HH:

Embora tenham interposto um recurso em conjunto, cada um dos arguidos suscita diferentes questões.

Comecemos pelas que são suscitadas pelo arguido AA.

1) da decisão recorrida padecer de erro de julgamento, no que diz respeito aos factos dados como provados no acórdão recorrido sob os n.ºs a.16), a.20) a a.22), a.24), a.26), a.27), a.30) a a.35), a.39), a.40), a.44), a.48), a.49), a.54) a a.56), a.69), a.70), a.73), a.102) a a.114) e a.120);

O recorrente defende, em síntese, que os factos ora em causa devem ser dados como não provados, na medida em que não foi feita qualquer prova legalmente obtida nesse sentido, partindo do pressuposto de que as declarações para memória futura dos menores ofendidos não devem ser consideradas como válidas.

Quanto a esta alegação, já atrás ficou definido que as declarações para memória futura são válidas, pelo que nada há a acrescentar, nada obstando a que sejam tidas em conta para formar a convicção do Tribunal.

Para sustentar a sua pretensão, no que tange ao primeiro dos arguidos, alega este, em primeiro lugar, quanto ao facto n.º a.16), que “em momento algum se deu como provado que os arguidos conheciam as idades dos ofendidos”.

Segundo as regras da experiência comum, os pais conhecem a idade dos seus filhos, sendo certo que nada foi trazido aos autos em sentido contrário.

Logo, não há que alterar estes factos.

Em segundo lugar, quanto aos factos a. 20) a a.49), alegam que “não existe qualquer prova factual que sustente sem quaisquer dúvidas sequer a interferência ou presença dos mesmos em tal morada”, sendo, ainda, feita alusão às declarações do arguido AA, prestadas em audiência de julgamento, no dia 20/9/2022 e ao depoimento da testemunha QQ, prestado em audiência de julgamento, 20/9/2022:

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Relativamente a estes factos, a argumentação do arguido AA só faria algum sentido, caso as declarações para memória futura devessem ser consideradas inválidas.

Como tal não acontece, é inegável que esteve presente nos factos que foram dados como assentes ora em causa, os quais não se reportam ao arguido HH.

Por conseguinte, nada há que alterar.

Em terceiro lugar, quanto aos factos a. 54) a a.120), está alegado que “fala-se que o arguido ora recorrente (AA) tomou um “plano gizado”, contudo nunca se refere que plano é esse em concreto, nem em que circunstâncias é que o recorrente se encontra afeto ás mesmas

Relativamente a esta alegação, também não podemos acompanhar o recorrente.

Na verdade, o arguido AA disse só querer falar “duas palavras” e não querer “falar dos outros”, adiantando apenas “eu não raptei ninguém que isso é mentira e eu não fiz nada a ninguém. É as únicas duas coisas que eu digo”.

Como nenhum outro arguido falou sobre os factos, evidentemente que a prova do plano tem de resultar da respetiva dinâmica dada por assente.

E, quanto a isso, recorrendo a tudo o que os menores declararam para memória futura, em conjugação com o que foi dito pelos seus pais, e da restante prova, não se vislumbra como não possa deixar de ficar provada a participação do ora recorrente nos factos dados como assentes, no âmbito de um plano que englobou a participação de várias pessoas.         

Resta dizer que o depoimento de QQ não deve impor qualquer alteração, pois não presenciou os factos, razão pela qual a circunstância de não ter descortinado, diretamente, qualquer elemento de prova que indique a presença do ora recorrente no local é irrelevante para o efeito pretendido.

Não se descortina, pois, o alegado erro de julgamento.

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2) do Tribunal a quo ter omitido diligências de prova essenciais à descoberta da verdade material:

Está alegado que “o Tribunal violou o artigo 340.º, n.º 1, do CPP, ao não ordenar a audição dos menores, em virtude das sérias dúvidas que surgiram no decurso da Audiência de Julgamento, sendo que apenas tais elementos probatórios seriam aptos a descobrir a verdade material e a auxiliar o julgador na tomada de uma boa decisão da causa – o que efetivamente falhou, salvo o devido respeito que é devido.”

Mais está alegado que “o Tribunal recorrido tinha a obrigação legal de ouvir os dois menores em sede de julgamento, tendo em conta, por um lado, o depoimento das testemunhas PP e II, em julgamento, e, por outro, o dever que o tribunal tem de descobrir a verdade material e de bem decidir”.

Face ao exposto, consta do recurso que “o indeferimento de requerimento de produção de meios de prova apresentado em audiência, se essenciais para a descoberta da verdade, faz incorrer na nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP”.

Como consequência, está defendido que deve ser ordenado “o reenvio do presente processo para julgamento em 1ª instância para serem ouvidos os dois menores”, a fim de serem esclarecidas as dúvidas decorrentes das declarações dos seus pais prestadas na audiência.

                                                           ****

Conforme consta da referida ata, a fls. 2567 e 2568, na sequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas II e KKK, na parte em que disseram, em particular, que a menor LL havia, entretanto, contraído casamento, foi requerida a audição da mesma em audiência de julgamento, o que deu origem ao seguinte Despacho:

A menor LL foi ouvida em declarações para memória futura em estrita observância das formalidades legais previstas, designadamente, no artigo 271.º, do CPP, em virtude da sua idade, e por se tratar de vítima de crime a menor de idade e relativamente a ilícito típico que tutela a liberdade e autodeterminação sexual de menores, pelo que quaisquer circunstancialismos fácticos posteriores à ocorrência dos factos em apreço nos presentes autos, e a prestação – que é perfeitamente válida – das declarações para memória futura prestadas nos autos, é absolutamente irrelevante e insuscetível de inquinar a validade das declarações para memória futura validamente prestadas nos autos e que visam, em primeira linha, salvaguardar o superior interesse da menor e evitar a repetição da inquirição da mesma sobre os mesmos factos.

Termos em que se julgam válidas e juridicamente relevantes as declarações para memória futura prestadas pela menor LL nos autos e, por não se verificarem quaisquer fundamentos de facto ou de direito que justifiquem a sua inquirição presencial na presente audiência, indefere-se o requerido.

Mais consta da referida ata, a fls. 2568 a 2570, o seguinte:

1) Seguidamente, o Ilustre Advogado Dr. QQQ, pediu a palavra e, no uso da mesma, disse:

Com o devido respeito, entendemos que o presente despacho consubstancia a nulidade prevista no n.º 2, d), do artigo 120.º, do CPP, na medida em que, entendemos nós, naturalmente, que a inquirição da alegada vítima, com exercício do contraditório, apontamos ser uma diligência essencial para a descoberta da verdade. Ademais, também o despacho em causa, aliás o que tem acontecido desde a primeira vez que fizemos o requerimento para audição das testemunhas em dede de audiência de julgamento, em nada afasta a regra do n.º 8, do artigo 271.º que estabelece que a tomada de declarações nos números anteriores em nada prejudica a prestação do depoimento em audiência de julgamento sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica da pessoa que a tiver prestado. Ninguém ao longo de todo o processo, ao longo da audiência de julgamento, se referiu a qualquer dificuldade ou que se pusesse em causa a saúde física ou psíquica da pessoa que deve prestar depoimento. Entendemos a proteção que se queira dar aos menores, mas também os direitos dos cidadãos que estão aqui a ser julgados não podem ser postergados à margem da lei. Entendemos, por isso, que o despacho que V.ª Ex.ª acabou de proferir é nulo, nulidade que aqui fica expressamente arguida.”

2) Concedida, de imediato, a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, esta defendeu, em resumo, que não houve omissão de qualquer diligência que pudesse reportar-se essencial para a descoberta da verdade material, salientando que continuava desconhecido o paradeiro da menor LL, ao mesmo tempo que, atendendo à natureza do crime, a audição solicitada poderia colocar em causa a respetiva saúde física e psíquica.

Mais foi referido, em concreto: (…) o ato está praticado, e ele por si só permite, pelo menos por ora, sem prejuízo de posteriormente, ou seja, após a audição destas declarações para memória futura, a defesa entender que podem haver concretos pontos que visam que a mesma, ao abrigo deste n.º, venha a ser chamada para ser confrontada com concretas questões e contradições, o que não foi aqui mencionado nem sublinhado. Entendemos que não há qualquer nulidade (…).”

3) Pelos restantes Ilustres Mandatários presentes, Drª RRR e Dr. SSS, foi dito acompanharem e aderirem à nulidade arguida pelo seu colega, Dr. QQQ.

                                                           ****

O Ministério Público, o assistente, o arguido e as partes civis podem requerer a produção de meios de prova durante a audiência de julgamento no tribunal de 1.ª instância. O artigo 340.º n.ºs 1 e 2, do CPP, permite-o expressamente. Contudo, esta faculdade é excecional. Por isso se estabelecem prazos para requerer a produção de prova (artigos 79.º n.º1, 165.º n.º1 e 315.º n.º1, todos do CPP).

Acontece que os meios de prova requeridos na audiência de julgamento têm de ser meios de prova supervenientes (artigos 328.º n.º3 e 360.º n.º4, do CPP), ou cuja junção no momento próprio “não foi possível” – artigo 165.º n.º1, do CPP.

Dito de outro modo, há um momento processual próprio para requerer a produção de prova, mas a prova pode ser requerida para além desse momento se houver uma circunstância especial (a “superveniência”) que o justifique.

No caso em apreço, assim o entendemos, o meio de prova em causa não tem uma natureza superveniente, pois estão em causa as declarações para memória futura, cuja natureza é, justamente, a de ser uma prova pré-constituída que visa preservar a posição dos ofendidos e evitar que tenham de voltar a ser inquiridos em audiência de julgamento.

A nosso ver, na pretensão do ora recorrente não cabe na previsão do artigo 340.º, do CPP, não sendo de considerar este aplicável ao caso.

Cabe sim, no que está estabelecido no artigo 271.º, n.º 8, do CPP.

Ora, já deixamos expresso que esta norma não obriga o Tribunal a ouvir o ofendido, nas situações em que a prova produzida em audiência vai contra o teor das declarações para memória futura.

Aliás, se assim não fosse, seria desvirtuado, quase sempre, o que está subjacente aos fins que estão na base das mencionadas declarações, permitindo-se que, em audiência de julgamento, o ofendido, fosse sujeito a nova inquirição decorrido um período longo sobre a prática dos factos, contra aquilo que a lei visa proteger.

Portanto, soçobra a pretensão do recorrente.

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            3) do preenchimento dos elementos típicos dos crimes pelos quais o arguido foi condenado:

            O recorrente AA defende que, quanto a si, para lá de não estarem provados factos que permitam a sua condenação por qualquer dos crimes pelos quais se encontra condenado, existem, também, razões de direito que obstam à condenação a que está sujeito.

            Alega, em concreto, o seguinte:

1) quanto aos crimes de rapto (dias 4 e 6 de junho de 2021):

            Não está dada como provada a intenção específica própria deste ilícito criminal, a saber, a finalidade de exercer sobre a vítima alguma das ações que são especificamente referidas na lei, entre as quais uma ofensa contra a determinação sexual da vítima – artigo 161.º, n.º 1, al. b), do Código Penal.

            Mais, nem sequer estão provados factos no sentido de que, no dia 4 de junho de 2021, tenha havido privação da liberdade da ofendida LL, nem são descritos factos que consubstanciem atos preparatórios de tal privação.

            Além disso, no que tange ao crime de rapto, na forma tentada, o crime “não pode ser agravado duas vezes”, por ter sido praticado contra pessoa particularmente indefesa, tendo em conta a sua idade e por ter sido usada uma arma de fogo, na medida em que “a moldura do tipo simples, aplicável por via da desqualificação operada em função do valor diminuto da coisa, não é agravada nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, do RJAM, assim como a moldura do tipo qualificado com base em qualquer outra das circunstâncias não é igualmente agravada pelo uso da arma de fogo, sob pena de violação do princípio da dupla condenação”.

            Já no que tange aos factos ocorridos no dia 6 de junho de 2021, não está dada como provada a intenção específica própria deste ilícito criminal, pelo que, quando muito, os factos provados permitem a sua qualificação como um crime de sequestro.

                                                                       ****

            Relativamente a esta questão, há que ter em atenção os factos dados como provados nos pontos a.18) a a.26), a.102) a 106), a.111) a a.114).

            Salvo o devido respeito, estamos perante factualidade que preenche integralmente os elementos (objetivo e subjetivo) do crime de rapto.

            Como todos sabem, o crime de rapto constitui um tipo de crime conta a liberdade pessoal e de intenção específica - a privação da liberdade tem de ser determinada com a finalidade de exercer sobre a vítima alguma das ações que são especificamente referidas na lei, entre as quais uma ofensa contra a autodeterminação sexual da vítima - artigo 161.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.

Constitui, assim, elemento essencial do crime de rapto, que integra o tipo (elemento subjetivo do tipo - cfr., v. g., Claus Roxin, "Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos de la Estrutura de la Teoria del Delito", ed, Civitas, 1997, pág. 311-312), uma específica intenção que diferencia tipicamente a privação de liberdade em relação à privação de liberdade (fundamentalmente o mesmo bem jurídico) no crime de sequestro - artigo 158.º, do Código Penal,

A tentativa, por seu lado, como está na definição do artigo 22ºdo Código Penal, existe sempre que o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer (n º 1), sendo atos de execução, entre outros (n.º2, alíneas b) e c)), «os que forem idóneos a produzir o resultado típico», ou «os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos» que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime ou os que forem idóneos a produzir o resultado típico.

Ora, no caso em apreço, todos os factos em apreciação estão ligados entre si e têm como ponto de partida um acordo que visou um futuro casamento entre dois menores, de acordo com os costumes e tradições ciganos.

Pois bem, nesse contexto, o que aconteceu no dia 6 de junho de 2021, segundo as regras da experiência comum, só pode ser a consequência do insucesso do que havia sido tentado dois dias antes, no que diz respeito à menor LL. Note-se que o pai desta, ao ser confrontado com a circunstância do arguido AA ter entrado, de rompante, na sua casa, logo lhe perguntou se queria levar a sua filha à força, o que não veio a acontecer pela oposição que foi feita e pela situação confusa, entretanto, gerada no interior da casa, conforme resulta das declarações para memória futura dos ofendidos.

Por conseguinte, estamos, quanto aos factos ocorridos em 4 de junho de 2021, perante a prática de um crime de rapto, na forma tentada.

Com efeito, face à dinâmica dos factos no interior da casa, estamos perante atos que já são idóneos a começar a produzir o resultado típico (a privação da liberdade da vítima LL), com a intenção, especificamente provada, exigida como elemento determinante, só não se desenvolvendo os atos sequentes e suscetíveis de conduzir à consumação (privação da liberdade e transferência de um lugar para outro) por circunstâncias exteriores ao agente - o facto de o pai da vítima se ter oposto à pretensão dos arguidos, assim como a circunstância da menor se ter escondido num quarto fechado e, depois, ter fugido, e da chegada de várias pessoas ao local.

Relativamente ao que aconteceu no dia 6 de junho de 2021, sempre salvo o devido respeito, o rapto foi consumado, no momento em que a menor LL foi levada de sua casa pelo arguido CC e durante o período em que esteve privada da sua liberdade.

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            2) quanto aos crimes de homicídio qualificado e de crime de rapto, ambos na forma tentada e, pelo crime de ofensas à integridade física qualificada (dia 4 de junho de 2021):

            Está alegado: De facto, ou a intenção dos arguidos era privar a menor LL da sua liberdade ou, coisa bem diferente, a intenção dos arguidos era matar o seu pai, ou era ainda ofender o corpo dos ofendidos? Afinal, qual a intenção dos arguidos que o tribunal deu como provado? Matar, privar da liberdade ou agredir fisicamente os ofendidos?”

            Mais está alegado que o Tribunal não poderia dar como provado, em simultâneo, aquelas três intenções e jamais poderia funcionar a mesma agravante para dois crimes, sob pena de estar a ser colocado em causa o princípio ne bis in idem e, ainda, que os arguidos pretenderam apenas assustar o ofendido II, ofendendo o seu corpo.

            Alega-se, também, o seguinte: “Destarte, é manifesta e flagrantemente inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 86.º, da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, por violação do n.º 5, do artigo 29.º, da CRP, - ne bis in idem – quando interpretada no sentido de que as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, mesmo que estejamos a falar de vários crimes praticados num só momento com recurso a uma só arma de fogo.”

            O que os arguidos pretenderam e conseguiram, na perspetiva do recorrente, foi assustar o ofendido II, e ofender o seu corpo, causando-lhe lesões para que a situação não passasse “impune”, pelo que os factos provados deveriam ter sido qualificados como integrando a prática de um crime de ofensas à integridade física qualificado.

            Relativamente ao crime de homicídio, está, também, alegado que “o facto de o tribunal a quo ter dado como provado que os arguidos seriam em número superior a 2 pessoas, não pode levar à verificação automática do preenchimento do n.º 1, do artigo 132.º, do Código Penal, alínea h)” e que “o simples facto de ter estado em grupo não basta para que se demonstre a especial censurabilidade”.

            Em consequência, defende a sua absolvição nesta parte.

                                                                       ****

            Liminarmente, avançamos que, face à matéria de facto dada por assente, impossível é condenar o ora recorrente apenas pela prática de ofensa à integridade física qualificada.

            Na realidade, face à factualidade dada como provada, estão em causa sucessivas condutas, diferentes resoluções criminosas, visando bens jurídicos distintos.

            No dia 4 de junho de 2021, a conduta dos arguidos colocou em causa a vida do pai da menor LL, a liberdade de locomoção desta e a saúde do filho deste.

            Logo, não merece, nesta parte, censura, a subsunção jurídica dos factos.

                                                                       ****

            O uso e porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo fundamental encontra-se previsto no artigo 131.º do Código Penal, sendo certo que a circunstância prevista na alínea h) do número 2 do artigo 132.º desse diploma não agrava o crime.

            Tem sido entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a pena aplicável, pelo crime de homicídio cometido com arma de fogo, haverá que ser agravada nos termos do n.º 3, do artigo 86.º, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.

            Pela sua pertinência, entendemos por bem transcrever o que consta do Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, datado de 25/11/2020, relatado pelo Exmo. Conselheiro Gabriel Catarino, Processo n.º 1302/19.8JABRG.S1 – 3º Secção, in www.dgsi.pt:

(…). 2.2.1.1.4. O art. 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro – Lei das Armas e Munições – consagra uma agravação especial de um terço nos limites da moldura legal da pena – sem exceder o limite máximo de 25 anos de prisão (n.º 5) – para os crimes cometidos com o recurso a arma.

Define a norma citada, em vigor aquando da prática dos factos [ ] 29, que: as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

Explica o n.º 4 que “para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente”.

(…).

No âmbito do crime de homicídio, explica o STJ, em acórdão de 31.03.2011[ ]31, que o uso ou porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo legal fundamental é o previsto no art. 131.º do CP. Pode ser um fator de agravação, mas só o será se, para além de preencher um dos exemplos-padrão «meio particularmente perigoso» ou «prática de um crime de perigo comum» da al. h) do n.º 2 do art. 132.º, revelar «especial censurabilidade ou perversidade». Enquanto que a agravação do n.º 3 do art. 86.º, encontrando fundamento num maior grau de ilicitude, tem sempre lugar se o crime for cometido com arma; a (qualificação) do art. 132.º só operará se o uso de arma ocorrer em circunstâncias reveladoras de uma especial maior culpa.

(…).

A utilização de uma pistola para matar não é considerado um meio, ao nível da perigosidade, muito superior ao normal dos meios usados para matar (não se integram neste âmbito a pistola, a faca ou vulgares instrumentos contundentes).

(…).

Porém, tendo o crime sido cometido com uma arma (estamos perante uma espingarda (art. 2º, n.º 1, al. ae) da Lei das Armas e Munições - Lei n.º 5/2006, que se integra numa arma de fogo semiautomática - art. 2º, n.º 1, al. ae), da classe D (art. 3º, n.º 6, al. c), por força do art. 86º, n.º 3, da Lei das Armas e Munições, releva tal comportamento criminal um maior grau de ilicitude, o que se integra na agravação do crime de homicídio (neste caso, qualificado).

(…).

No mesmo sentido, o Ac. do STJ, de 27.03.2019, refere que: o arguido foi condenado por um crime de homicídio qualificado, agravado pelo disposto no art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23.02, devido à utilização de arma de fogo. Conforme resulta claramente do texto da lei, sem dar lugar a dúvidas, a agravação nela prevista, que se funda numa maior ilicitude da conduta, só é afastada quando o porte ou uso da arma já é punido, quer por ser elemento do tipo legal, quer por a lei prever agravação em função desse uso ou porte.

Assim, se o homicídio for qualificado em razão do uso de arma (al. h) do n.º 2 do art. 132.º do CP), não pode ser agravado pelo n.º 3 da disposição citada. Mas não foi esse o caso dos autos. O uso da arma de fogo pelo arguido não faz parte do tipo legal, nem foi a razão da agravação do homicídio. Consequentemente, as penas foram bem agravadas nos termos do n.º 3 do art. 86.º da Lei 5/2006, de 23.02.

É esse ainda o sentido da decisão constante do Ac. do STJ, de 13.04.2016, (neste processo o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de homicídio qualificado agravado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.°, 132º, n.ºs. 1 e 2, al. l), 22.° e 23.°, todos do CP, e 86.°, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23.02): o disparo é conatural ao funcionamento da arma, e ainda que a arma de fogo seja um meio perigoso, pela potencialidade letal que lhe é inerente, não constitui, por isso, um meio particularmente perigoso, para efeito de qualificação do crime de homicídio, sendo que, por outro lado, a mera detenção ou utilização da mesma arma não traduz a prática de crime comum. Donde, não poder considerar-se preenchida a agravante qualificativa da al. h) do art. 132° do CP, nem da al. i).

O n.º 3 do art. 86.º, da Lei 5/2006, de 23.02, só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respetivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada. A agravação do art. 86.º, n.º 3, não é arredada ante a mera possibilidade de haver outra agravação, mas apenas se for de acionar efetivamente essa outra agravação.

O uso de arma não é elemento do crime de homicídio e, no caso, não leva ao preenchimento do tipo qualificado do art. 132.º (essa qualificação ocorre por outra circunstância qualificativa), pelo que não há fundamento para afastar a agravação do art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23.02.

Assim, aplicando o exposto ao caso dos autos, importa concluir que o comportamento do arguido é subsumível à prática de um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelos arts. 131.º, n.º 1, 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do CP, e 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23.02.

(…).

Quanto à circunstância agravativa do n.º 3 do art.º 86.º da referida Lei das Armas (“as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”), no confronto com qualquer das circunstâncias do n.º 2 do art.º 132.º (à exceção da alín. h) quando se refere ao meio particularmente perigoso ou à prática de crime de perigo comum, como podendo integrar o uso de arma), já não estamos perante a concorrência de qualificativas dentro do mesmo tipo.

Trata-se de uma circunstância agravante de carácter geral que se não sobrepõe nem choca com as circunstâncias elencadas no n.º 2 do art.º 132.º e, daí, que a sua aplicação esteja fora do alcance daquele princípio da proibição da dupla valoração.

O uso ou porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo fundamental é o que decorre do art.º 131.º e embora a referida alín. h) do n.º 2 do art.º 132.º possa configurar o uso de arma enquanto meio particularmente perigoso ou crime de perigo comum, não dispensa, nunca, ao nível de uma maior culpa, uma especial censurabilidade ou perversidade.

Já a agravação da moldura penal em 1/3 do mínimo e do máximo até 25 anos de prisão (n.º 5 do cit. art.º 86.º) encontra o seu fundamento num maior grau de ilicitude e tem sempre lugar desde que o crime, qualquer crime, seja cometido com arma. [Acs. STJ de 31.03.2011, Proc. 361/10.3GBLLE e 18.01.2012, Proc. 306/10.OJAPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.][

A agravação em causa não pode deixar de se dever à menor capacidade de defesa da vítima, funcionando como meio dissuasor do uso e porte de armas.

(…).

No sentido da agravação da pena do crime de homicídio qualificado pelo n.º 3 do art.º 86.º da cit. Lei das Armas invariavelmente se tem pronunciado o STJ, mesmo oficiosamente, [Entre muitos outros, v. Acs. de 21.03.2013, Proc. 2024/08.0PAPTM.E1.S1, 18.09.2013, Proc. 110/11.9JAGRD.C1.S1, 26.09.2013, Proc. 641/11.0JDLSB.L1.S1, 16.10.2013, Proc. 455/12.0PCLSB.L1.S1, 03.07.2014, Proc. 417/12.8TAPTL.S1 e 12.03.2015, Proc. 185/13.6GCALQ.L1.S1, in www.dgsi.pt]. (…)

                                                           ****

No caso em apreço, o homicídio, na forma tentada, foi qualificado em razão da maior censurabilidade/perversidade em virtude de a prática dos factos implicar mais que duas pessoas (alínea h), do n.º 2 do art.º 132.º, do Código Penal, parte inicial).

O uso da arma de fogo (pistola) não faz parte do tipo legal, nem foi a razão de ser da qualificação, pelo que a respetiva pena deve ser agravada nos termos do mencionado n.º 3 do art.º 86.º da Lei das Armas.

Desatende-se, pois, a pretensão do arguido, traduzida numa violação do princípio da proibição da dupla valoração.

                                                                       ****

            Por fim, importa deixar aqui expresso que a conduta dos arguidos revela especial censurabilidade, pois, ao agirem num grupo de sete indivíduos, da forma descrita nos autos, exerceram, necessariamente, e no mínimo um ambiente de especial ansiedade nos ofendidos.

            Não descortinamos como possa ser defendido que uma incursão em casa alheia, de surpresa, por um grupo de sete pessoas, nas circunstâncias apuradas nos autos, não seja uma conduta altamente censurável, segundo os padrões vigentes na nossa sociedade.

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3) crime de rapto agravado na forma consumada (dia 6 de junho de 2021):

            Está alegado que não foi dado como provado qualquer facto que permita a sua condenação por este ilícito, sendo certo que “todos os factos que consubstanciam a prática de tal ilícito foram imputados e dados como provados em exclusivo ao arguido CC” e, ainda, que “a única intervenção do recorrente que o Tribunal dá como provada é o facto de ter sido o recorrente quem foi buscar os menores à residencial e os ter levado a jantar a uma cadeia de fast-food”.

            O recorrente, sem conceder, mais chama a atenção para o n.º 3, do artigo 161.º, do Código Penal, tendo em consideração que a menor LL foi deixada “num pinhal perto de casa dos pais, ou seja, não é recuperada pela polícia, nem pelos pais, nem por qualquer outro agente”.

            Quanto a esta questão, entendemos que se situa, por um lado, no plano dos factos, o que já mereceu a nossa apreciação, e, por outro lado, ao nível da pena a aplicar, pelo que, nessa justa medida, será, mais adiante, tida em consideração.

                                                                       ****

            4) da medida das penas:

            Esta questão será, mais adiante, apreciada.

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Por sua vez, no que concerne ao arguido HH, as questões a conhecer são as seguintes:

1) da decisão recorrida padecer de erro de julgamento, no que diz respeito aos factos dados como provados nos pontos a.61) e a.63);

O recorrente defende que, quanto a si, “em momento algum se deu como provado que o arguido conhecia sequer a existência “de um plano gizado”, nem tão pouco se descreve com o devido rigor qualquer prática do mesmo”.

            Mais, não é identificado por ninguém, nem toma contacto com nenhum dos ofendidos.

            A única intervenção sua que o Tribunal dá como provada é o facto de ter sido quem pagou um quarto para dois adultos na residencial ....

                                                                       ****

            Sempre salvo o devido respeito, aquilo que é trazido aos autos, nesta parte do recurso, está no âmbito da apreciação da prova, pois o que é colocada em causa é a existência de uma determinada conduta em coautoria, tida como essencial para a concretização de um plano, pelo que assentes que estão os factos em causa, é de considerar que este arguido agiu no âmbito daquele, contribuindo para a sua concretização.

Logo, soçobra a pretensão do recorrente.

                                                             ****

2) da medida das penas:

Esta questão será, mais adiante, apreciada.

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E) Recurso interposto pelo Ministério Público:

1) dos arguidos, quanto aos factos ocorridos a 4 de junho de 2021, deverem ser punidos pela prática de um crime de atos preparatórios de casamento forçado, na forma consumada:

O Tribunal a quo entendeu que os factos ocorridos em 4 de junho de 2021 são apenas reconduzíveis a um crime de atos preparatórios de casamento forçado, na sua forma tentada, razão pela qual face à respetiva moldura penal, não é punível.

O recorrente defende que “os atos preparatórios do crime de casamento forçado podem traduzir-se (ou seja, incluir) no atrair a vítima para fora da sua residência, mas não se esgotam aqui”.

Assim sendo, e face à facticidade dada como provada, considera que esta integra o tipo legal do ilícito criminal em apreço, já que os arguidos atuaram, executando atos preparatórios, na medida em que “a circunstância de não terem logrado levar a menor não poderá fazer-nos cair na senda da tentativa”.

O recorrente salienta, também, a própria nomenclatura do crime em apreciação – Atos preparatórios -, cujas condutas não se podem confundir com a tentativa, enquanto atos de execução de um tipo de crime (sem que este chegue a consumar-se).

O recorrente conclui que se impunha, pois, a condenação dos arguidos pelo crime de atos preparatórios (de casamento forçado), nos termos em que foi imputado na acusação, tendo em consideração os factos dados como provados em a.19) a a.52), e a.102) a a.105).

Para o recorrente, os arguidos agiram, executando atos preparatórios.

                                                           ****

O artigo 154.º-B, do Código Penal, sob a epígrafe “casamento forçado” estabelece o seguinte:

Quem constranger outra pessoa a contrair casamento ou união equiparável à do casamento é punido com pena de prisão até 5 anos”.

O artigo 154.º-C, do Código Penal, sob a epígrafe “atos preparatórios” estabelece o seguinte:

Os atos preparatórios do crime previsto no artigo anterior, incluindo o de atrair a vítima para território diferente do da sua residência com o intuito de a constranger a contrair casamento ou união equiparável à do casamento, são punidos com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 10 dias”.

O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de decisão e ação de outra pessoa.

"O tipo objetivo consiste no constrangimento de outra pessoa a contrair, com o próprio agente ou com terceiro, casamento ou união equiparável à do casamento. O constrangimento inclui qualquer forma de violência física ou psíquica, ameaça ou abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar, mas não inclui o ardil, o engano, ou a manobra fraudulenta.

O tipo subjetivo é preenchido com qualquer uma das formas de dolo". (Comentários do Código Penal - Paulo Pinto de Albuquerque).

Note-se que o crime de casamento forçado nunca é justificado, nem sequer pelo costume cultural, religioso, social ou tradicional (artigo 42.º, da Convenção de Istambul).

Ora, face à globalidade da prova produzida nos autos, é líquido que os arguidos, ao agirem da forma descrita, visaram o crime de casamento forçado nunca é justificado, nem sequer pelo costume cultural, religioso, social ou tradicional (artigo 42.º, da Convenção de Istambul).constranger a menor LL a estabelecer um “casamento” com outro menor, segundo os costumes próprios da sua etnia, colidindo com valores fundamentais da nossa Ordem Jurídica, praticando, assim, atos preparatórios que se destinavam a dar origem a um casamento forçado, sendo certo que este não veio a acontecer.

 Acontece que o artigo 21.º, do Código Penal, dispõe o seguinte:

Os atos preparatórios não são puníveis, salvo disposição em contrário.

Assim sendo, entendemos que o artigo 154.º-C, do Código Penal, é, justamente, uma norma que se afasta da mencionada regra geral, consagrando, portanto, a punição de atos preparatórios, quaisquer que sejam, ou seja, aqueles que visam, no imediato, a prática do crime previsto e punido pelo artigo 154.º-B, do Código Penal, não sendo de considerar, no caso presente, a existência de uma tentativa.

Assim sendo, nessa justa medida, assiste razão ao recorrente, sem que isso implique, necessariamente, que os arguidos venham a ser punidos por este crime, como, conforme, já de seguida, veremos.

****

2) do concurso efetivo entre os crimes de rapto e de atos preparatórios de casamento forçado:  

O recorrente defende que, relativamente aos factos ocorridos em 6 de junho de 2021, existe uma situação de concurso efetivo entre os crimes ora em causa, porque estão em causa bens jurídicos distintos: a liberdade de casar ou estabelecer uma união equiparável ao casamento e de escolher com quem o fazer, no crime de casamento forçado/atos preparatórios; a liberdade de locomoção, no crime de rapto.

Em consequência, pugna no sentido da condenação dos arguidos, tal como imputado no libelo acusatório.

                                                           ****

Pela sua pertinência, entendemos por bem citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/5/2010, relatado pelo Exmo. Conselheiro Henriques Gaspar, Processo n.º 474/09.4PSLSB-L1.S1, in www.dgsi.pt:

A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade ide infrações), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no artigo 30.º, do Código Penal, a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efetivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.

A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários atos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de ações), e concurso ideal quando através de uma mesma ação se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de ação).

O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efetivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efetivo (pluralidade de crimes através de uma mesma ação ou de várias ações) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efetivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma ação pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.

A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
(…).

A razão teleológica para determinar as normas efetivamente violadas ou os crimes efetivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efetivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efetiva da violação plural é, pois, essencial. O critério operativo de distinção entre categorias, que permite determinar se em casos de pluralidade de ações ou pluralidade de tipos realizados existe, efetivamente, unidade ou pluralidade de crimes, id. est, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime.

Ao critério de bem jurídico têm de ser referidas as soluções a encontrar no plano da teoria geral do crime, sendo a matriz de toda a elaboração dogmática (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de 29/06/2006, proc. nº 1942/06-3ª). (…)(nossos negritos).

Há concurso efetivo de crimes quando os factos se subsumem a tipos de crime que protegem bens jurídicos distintos ou, sendo subsumíveis a crimes que protejam o mesmo bem jurídico, as violações tenham tido lugar em situações históricas distintas, pois neste caso indicia-se que houve uma pluralidade de resoluções criminosas. (…)” (nossos negritos).

Contudo, sempre salvo o devido respeito, o critério do bem jurídico em causa não deve ser o único a ter em consideração quando nos confrontamos com um concurso de crimes, pois não deve ser esquecido que existem situações da vida em que, preenchendo o comportamento global do agente mais do que um tipo legal concretamente aplicável, se verifica uma estreita dependência entre diversas condutas, sendo umas imprescindíveis para obter um determinado fim, as quais surgem, justamente como um meio necessário para atingir um certo objetivo.

Por outras palavras, podemos ser confrontados com certos atos ilícitos preponderantes que só são atingidos através de outros atos ilícitos subsidiários.

Devemos, portanto, apreciar, em cada caso concreto, a unidade de sentido social do acontecimento ilícito global, tendo em consideração o desígnio criminoso e a conexão espácio-temporal, subjacentes a diversas realizações típicas singulares homogéneas, sempre que certos ilícitos apareçam como meros patamares de evolução ou de intensidade de uma determinada ação no seu conjunto.

Pois bem, no caso concreto, quer por via do critério da unidade de sentido social do acontecimento ilícito global, quer pela unidade de desígnio criminoso (retirar a menor de sua casa para a levar para um outro local, a fim de ser consumado o casamento), entendemos que estamos perante a existência de mero concurso aparente de crimes, entre a prática dos crimes de rapto e de atos preparatórios de casamento forçado, até porque o bem jurídico em causa, no essencial, acaba por ser o da liberdade individual do ofendido, ainda que em duas variantes.

Podemos ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9/1/2017, Processo n.º 204/15.1GCVIS.C1, relatado pela Exma. Desembargadora Alcina Robeiro, in www.dgsi.pt:

Sobre o concurso de crimes, estabelece o artigo 30º, nº1, do Código Penal:

«O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crimes efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente».

É sabido, que, no regime do concurso de crimes, se distingues entre o concurso legal aparente ou impuro e o concurso efetivo, real ou puro.

No primeiro, existem várias normas penais que, em abstrato, integram a conduta do agente, sendo que a aplicação de uma delas exclui a aplicação de outra ou de outras. Um dos tipos penais abrange a ação (ou omissão) do agente, afastando os demais. De entre as várias previsões penais, uma prevalece, excluindo a aplicação das restantes.

Especialidade, consunção e subsidiariedade constituem três das categorias do concurso aparente de normas penais.

Duas normas mantêm entre si uma relação de especialidade, quando, partindo, dos mesmos elementos típicos, uma delas caracteriza o facto ou o agente, através de elementos específicos que a distingue e particulariza.

A relação de consunção dar-se-á, quando «o conteúdo de um facto ilícito típico inclui normalmente o de outro facto ilícito típico e a punição do primeiro esgota o desvalor de todo o acontecimento.

A consunção tem o designativo de consunção pura quando o crime mais grave consome um facto concomitante/posterior menos grave e será consunção impura quando o facto concomitante/posterior é mais grave, casos em que os crimes em concurso são punidos com a pena mais grave» - Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 2.ª edição, pág. 156. (…).”

Face ao exposto, entendemos que, no caso em apreço, existe, na realidade, uma situação de consunção impura entre os crimes ora em causa, não merecendo reparo a posição assumida no acórdão ora em crise.

****

3) do concurso efetivo entre os crimes de violação de domicílio agravado na forma consumada e os crimes de rapto agravado na forma tentada e de homicídio qualificado na forma tentada, ambos agravados pelo uso da arma:

O recorrente, também aqui, defende que existe uma situação de concurso efetivo entre os crimes ora em causa, porque estão em causa bens jurídicos distintos: a vida do ofendido, a liberdade de locomoção da ofendida e a privacidade/intimidade dos ofendidos.

Em consequência, pugna no sentido da condenação dos arguidos, tal como imputado no libelo acusatório.

                                                           ****

Fazendo apelo ao que anteriormente deixamos expresso, para o que remetemos integralmente, também aqui consideramos que não merece reparo o que consta do acórdão recorrido, até porque a entrada em casa dos ofendidos surge apenas como um meio indispensável ao desígnio criminoso de chegar à menor, através da surpresa, para a levar para outro local.

Por conseguinte, sem necessidade de mais considerações, também aqui consideramos existir um concurso aparente de crimes.

                                                           ****

4) do concurso efetivo entre o crime de dano com violência na forma consumada e os crimes de rapto agravado tentado e homicídio tentado: 

O recorrente, de igual modo, defende que existe uma situação de concurso efetivo entre os crimes ora em causa, porque estão em causa bens jurídicos distintos: a vida do ofendido, a liberdade de locomoção da ofendida e o respetivo direito de propriedade.

Em consequência, pugna no sentido da condenação dos arguidos, tal como imputado no libelo acusatório.

                                                           ****

Para evitar repetição de argumento, e, uma vez mais, salvo o devido respeito, também aqui nos limitamos a considerar existir um concurso aparente de crimes, pelas razões expostas no acórdão ora em crise.

Soçobra, pois, a pretensão do recorrente.

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5) do erro de julgamento, no que diz respeito ao ponto 45) dos factos dados como não provados:

O recorrente considera que o facto ora em causa deve ser dado como provado.

Para sustentar a sua pretensão, o recorrente indica a seguinte prova:

i) depoimento prestado pelo ofendido II, prestado em 27/9/2022, entre o minuto 21:14 e o minuto 21:39:

ii) depoimento prestado pela ofendida PP, prestado em 4/10/2022, entre o minuto 21:37 e o minuto 22:09:

Face aos depoimentos acabados de transcrever, o recorrente defende que a arguida agiu com a intenção de evitar que os arguidos que, à data, defendia e que tinham praticado crimes, fossem submetidos a uma pena, nada fazendo presumir que esta não tivesse consciência da ilicitude da sua conduta, tendo em linha de conta a sua profissão.

Em consequência, defende a respetiva alteração da matéria de facto.

                                                           ****

Da prova indicada pelo recorrente, apenas se retira que a arguida KK falou ao telefone com o ofendido II, aconselhando-a a retirar a queixa.

Ora, esse facto consta já dos factos provados, no ponto a.85).

Não resulta da prova indicada que a arguida tenha pedido expressamente que viessem a ser alteradas declarações anteriormente prestadas no que tange à identidade dos agentes que praticaram os factos.

Aliás, o ofendido, de acordo com a passagem da gravação ora em causa, transmite a ideia de que a conversa foi algo dúbia (“não sei se foi para mal, se foi para bem que ela disse aquilo, atenção, não sei”), motivo pelo qual não estamos em presença de uma certeza que justifique a alteração da matéria de facto.

A prova indicada, quando muito, permite uma outra apreciação da prova, ao nível da intenção manifestada pela arguida, mas não tem a virtualidade de impor a pretendida alteração.

Soçobra, pois, nesta parte a pretensão do recorrente.

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6) da condenação da arguida KK pela prática de um crime de favorecimento pessoal:

O recorrente defende que a arguida deve ser condenada pela prática do crime ora em causa porque, “ao ligar para o ofendido, solicitando que retirasse a queixa, pretendia, por essa via, impedir, frustrar ou iludir a atividade probatória ou preventiva da autoridade competente, com o intuito de evitar que os supracitados arguidos, à data seus mandantes, os quais tinham praticado vários crimes, viessem a ser submetidos a uma pena, o que apenas não sucedeu por motivos alheios à sua vontade, mormente, atenta a recusa dos ofendidos. De facto, tal comportamento assume-se como idóneo a influir no andamento do inquérito, independentemente da natureza (pública) dos crimes em apreço, porquanto, sendo os ofendidos as únicas testemunhas dos factos, uma tal pretensão sempre se traduziria num relato impreciso ou inconsistente dos mesmos, o que bem sabia e quis a arguida”.

                                                           ****

Uma vez que não houve lugar à pretendida alteração da matéria de facto, encontra-se prejudicado o conhecimento desta questão.

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            7) da medida das penas aplicadas em concreto, na sequência do exposto em 1) a 4) e se deve ser aplicada à arguida KK uma pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 7,50, na sequência do exposto em 5) e 6):

            Tendo em consideração o que ficou exposto até agora, encontra-se prejudicado o conhecimento desta questão.

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A -  da medida das penas (parcelares e únicas):

            Aqui chegados, como anteriormente referido, é tempo de apreciarmos, em conjunto, as penas aplicadas em concreto.

            Façamos, para já, uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento.

Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a proteção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afetados.

Na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).

Em resumo, tendo como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, ou seja, tendo como primeira referência a culpa, a fixação da medida da pena perseguirá concomitantemente a prevenção (que, neste contexto, exige fixação de pena que seja entendida pela sociedade como a necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça) e, sempre, objetivos pedagógicos e ressocializadores, tudo tendo em vista a proteção de bens jurídicos e a reinserção social do agente. 

                                                           ****   

O recorrente FF, com base nos factos provados a.175 a 186, defende que “deveria ter sido punido em pena bem menos gravosa, quer no que respeita às penas parcelares quer no que concerne à pena única”, concluindo que esta não deve exceder os 6 anos de prisão.

A recorrente GG, com base nos factos provados a.187 a 196, defende que a pena única a aplicar não deve exceder os 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com o acompanhamento julgado adequado.

Os recorrentes BB, CC, DD e EE pugnam pela redução das penas aplicadas, limitando-se, todavia, a alegar que “são manifestamente exageradas, não tendo sido respeitados os princípios da adequação, da proporcionalidade e, fundamentalmente, da ressocialização, que norteiam a nossa política criminal”.

O recorrente AA defende que a pena parcelar, relativamente ao crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, deve situar-se no mínimo legal e que a pena parcelar, no que tange ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, deve situar-se, no limite, nos 4 anos de prisão, e que, no que concerne ao crime de rapto agravado, na forma consumada, deve ser levado em consideração o disposto no n.º 3, do artigo 161.º, do Código Penal, pelo que a pena única, no limite, não deve ser superior a 5 anos, suspensa na sua execução, mediante regime de prova.

O recorrente HH considera que a pena deve ser inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

                                                           ****

Em nenhum outro momento o Juiz incorpora tão dramaticamente a Justiça, como quando fixa a pena aplicável, sendo certo que a lei não conhece indivíduos, prevendo apenas espécies – cf. R. Salleilles, “ La Individualisation de la Peine”, Étude de Criminalité Sociale, Paris, 1927, pág. 267.                                                                                 Conforme disse Montesquieu, «a justiça das penas, mais do que a sua severidade, é o que consagra a força das leis», tanto mais que uma pena não deve visar a retaliação sobre quem cometeu um crime, antes deve dirigir-se para a respetiva ressocialização.

Revertendo ao nosso caso é indubitável que os factos que ficaram provados, tendo em consideração os ilícitos penais em causa, são graves, tendo em consideração o desvalor das condutas levadas a cabo pelos arguidos que causam repulsa na nossa comunidade jurídica, contendo em si resquícios de uma justiça privada que a atual sociedade rejeita.

Por isso mesmo, as exigências de prevenção geral impõem que não sejam menosprezadas as condutas em causa.

Porém, há que ponderar que, em relação aos crimes mais graves (homicídio e rapto), o ofendido que foi atingido a tiro, felizmente, não sofreu lesões físicas relevantes e, ainda, que o período em que a menor LL esteve privada da sua liberdade de movimentos foi reduzido, sendo de realçar que acabou por não ser molestada física ou psicologicamente por nenhum dos arguidos, sendo certo que acabou por regressar a casa de uma forma pacífica.

A propósito do seu regresso, entendemos que os arguidos não devem beneficiar da atenuação especial a que se refere o n.º 3, do artigo 161.º, pois esta pressupõe que o agente tenha renunciado voluntariamente à sua pretensão, o que não resultou demonstrado em audiência de julgamento, desde logo porque nenhum dos arguidos sequer o admitiu.

Se é certo que os factos ocorridos em 4 de junho de 2021 surgem num cenário violento, não é menos verdade que os que tiveram lugar em 6 de junho de 2021 e nas horas seguintes que culminaram com o regresso da menor LL a casa, em larga medida, não apresentam contornos de cariz impetuoso, muito pelo contrário.

Além disso, deve ser tido em consideração que tudo aquilo que aconteceu emergiu de um conflito entre duas famílias de etnia cigana, relacionado com os costumes próprios dessa comunidade, na sequência de uma promessa de casamento de dois menores que não veio a concretizar-se, o que, se bem que não sirva para justificar as condutas ora em causa, deve ser tido em consideração, tendo em linha de conta os hábitos ancestrais do respetivo povo que, contudo, devem sempre ceder em face das leis existentes em Portugal.

Mais, a posição assumida pelos pais da menor LL, em audiência de julgamento, denota que os sentimentos manifestados em junho e julho de 2021 se encontram esbatidos pelo decurso do tempo.

Em resumo, em termos de gravidade das consequências dos crimes, não podemos deixar de considerar que aquilo que os acontecimentos iniciais deram a entender acabou por conduzir a um final bem mais sereno que não pode deixar de ser valorado em sede de medida das penas, pois cada caso é um caso.

Em termos de prevenção especial, nenhum dos arguidos, por um lado, revelou ter compreendido o desvalor da sua conduta, já que nenhum deu mostras de ter interiorizado o desvalor da sua conduta.

Por outro lado, todos os arguidos ora em causa, salvo a arguida GG apresentam antecedentes criminais, ainda que pela prática de crimes de diversa natureza dos que agora merecem a nossa atenção.

Além disso, beneficiam de apoio familiar.

Face ao exposto, em especial, porque ao nível da gravidade das consequências dos crimes mais graves (homicídio e rapto), esta não atingiu proporções elevadas, entendemos, tendo em consideração as molduras penais referidas no acórdão recorrido, para as quais remetemos, serem excessivas as penas parcelares aplicadas quanto a tais crimes, impondo-se a sua redução.

Consideramos como adequadas as seguintes penas parcelares e única, quanto ao arguido FF: (surgem a negrito as que sofrem redução):

            A) arguido AA:        

            1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 26.º, 72.º, 73.º, 161.º, n.º 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artigo 158º nº 2 al. e), todas do Código Penal, e no artigo 86 n.ºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.

            2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Código. Penal, e no artigo 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artigo 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artigo 212º nº 1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artigos 143º nº 1, 145º nº 1 al. a) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artigos 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.

            B) arguida BB:        

            h.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artigo 158º nº 2 al. e), todos do Código Penal, e no artigo 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            h.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            h.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            h.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            h.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            C) arguido CC:

            i.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            i.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            i.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

             i.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            i.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            i.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.

            D) DD:

            j.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            j.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            j.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            j.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            j.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            E) arguido EE:        

            l.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            l.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            l.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 10 meses de prisão.

            l.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 5 meses de prisão.

            l.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 7 meses de prisão.

            l.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 4 anos de prisão.

            l.7) um crime de resistência e coação sobre funcionário, na forma consumada, p.e p. no artº 347º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            F) FF:

            m.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos 8 meses de prisão.

            m.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            m.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            m.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            m.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            m.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 4 anos de prisão.

            G) GG:

            n.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            n.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            n.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            n.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            n.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            n.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 4 anos de prisão.

                                                                                   *

            H) HH:

             a.1) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artigos 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.

                                                                       ****

****

            Há, agora, que elaborar o cúmulo jurídico das penas acabadas de elencar, quanto a todos os arguidos, salvo quanto ao arguido HH (condenado apenas pela prática de um crime).

O critério da medida da pena resultante do cúmulo jurídico tem consagração legal na parte final do n.º 1 do artigo 77.º, do Código Penal, na parte em que dispõe que “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, o que não significa que esta norma esgote na sua totalidade os fatores a ponderar.

Também a pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares pressupõe o recurso às exigências de prevenção, geral e especial, e também ela encontra limite na medida da culpa.

Como refere o Ac. do STJ, de 15/12/2011, (Proc. nº 222/07.3PBCLD-A.L1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jstj), “na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Claro que a gravidade relativa de cada um dos factos criminalmente relevantes foi já considerada na determinação da correspondente pena parcelar. Em sede de cúmulo jurídico de penas, o que essencialmente releva é a visão de conjunto.

A visão individual de cada facto deve esbater-se perante a visão de conjunto, pois só esta permitirá correlacionar os factos entre si em ordem à verificação de uma verdadeira tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade, a primeira afirmando-se como verdadeiro reflexo de uma personalidade que optou decididamente pela senda do crime e a segunda a refletir essencialmente uma resposta conjuntural a condições de vida mais adversas, a um circunstancialismo mais propício ao cometimento dos crimes, ou a qualquer outro estímulo exógeno que não permite afirmar os factos como produto da natureza intrínseca do arguido, isto é, da sua personalidade.

Assim, para a determinação da pena unitária, num primeiro momento, há que encontrar a moldura do concurso, segundo os ditames do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal.

  A moldura penal do concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em causa e como limite mínimo a mais elevada das penas em concurso (2 anos e 6 meses de prisão).                                                                                       

Aplicando as regras de punição previstas no artigo 77.º, n.º 2, do CPP, as penas aplicáveis aos seguintes arguidos têm como limites mínimo e máximo de prisão:

1) AA -  4 anos e 6 meses - 14 anos e 4 meses.

            2) BB -  4 anos e 3 meses de prisão - 9 anos e 2 meses.

            3) CC -  4 anos e 3 meses - 13 anos e 2 meses.

            4) DD - 4 anos e 3 meses – 9 anos e 5 meses.

            5) EE - 4 anos e 3 meses – 14 anos e 8 meses

            6) FF - 4 anos e 3 meses – 13 anos e 11 meses.

            7) GG – 4 anos e 3 meses – 13 anos e 4 meses.

A determinação da pena única pressupõe uma visão de conjunto relativamente aos factos praticados, no seu ordenamento histórico e cronológico em interação com a personalidade do agente.

Na aplicação prática desta perspetiva, é-nos dado verificar que os crimes em apreço ocorreram em dois dias bem próximos um do outro.

Sem prejuízo de termos por adquirido que os usos e costumes das chamadas minorias não se podem sobrepor às leis do País em que estão a viver, no caso concreto não deve ser esquecido que, dos factos correspondentes aos referidos crimes, resulta uma agressividade motivada pela falta de respeito por um compromisso assumido, cuja importância é grande no seio da comunidade cigana, o que deve ser levado em consideração.

A pena final resultará, sempre, da visão de conjunto dos factos praticados em sintonia com as conclusões que se possam retirar relativamente à personalidade do agente, através da avaliação da gravidade global do ilícito, sopesando – quando exista – o modo de interligação dos factos em concurso, já que a pena do concurso é ainda uma pena limitada pela culpa, ainda que culpa pelos factos no seu conjunto, pelo que haverá agora que ajuizar se esse conjunto de factos traduz uma solução de continuidade na ação do agente, verificável através da sequência temporal dos ilícitos cometidos e da natureza dos bens jurídicos ofendidos.

Ora, a nosso ver, estamos no domínio da mera pluriocasionalidade que se esgotou num curto período e não de uma tendência criminosa no sentido de uma conduta violenta sistemática, através de atos semelhantes aos descritos nos presentes autos.

Na realidade, devemos entender a conduta dos arguidos como estando inserida num quadro de revolta e de vingança que se esgotou no momento da prática dos factos, do que é exemplo a libertação da menor LL poucas horas após a subtração de sua casa.

Se bem que altamente censuráveis os factos descritos, convém enfatizar que é indubitável que tudo aconteceu em dias próximos sem que se tivesse consumado o casamento da menor LL e sem que esta tivesse sido, em algum momento, molestada fisicamente ou sequer tivesse sido ameaçada de que tal pudesse acontecer.

Pelos motivos expostos, consideramos adequado aplicar aos seguintes arguidos as penas únicas de:        

1) AA - PENA ÚNICA de 7 anos e 3 meses de prisão.

            2) BB - PENA ÚNICA de 5 anos e 3 meses de prisão.

            3) CC - PENA ÚNICA de 7 anos de prisão.

            4) DD - PENA ÚNICA de 6 anos de prisão.

            5) EE - PENA ÚNICA de 7 anos e 6 meses de prisão.

            6) FF - PENA ÚNICA de 7 anos e 3 meses de prisão.

            7) GG – PENA ÚNICA de 5 anos e 6 meses de prisão.

                                                           ****

Relativamente à pena aplicada ao arguido HH, importa deixar aqui expresso que o mesmo nasceu em 25 de abril de 2003, pelo que se coloca, desde já, a questão de saber se deve beneficiar do regime especial para jovens.

O tribunal a quo entendeu que não é de aplicar tal regime.

A avaliação das vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem delinquente tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido, e não perante considerações vagas e abstratas desligadas da realidade.

Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que o regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o tribunal equacionar a sua aplicação ao caso se a idade do agente se inscrever nos limites ali previstos.

Neste sentido, a título de exemplo, encontramos o Acórdão do STJ, de 12/11/2008, in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta o seguinte:

I - Como decidiu este STJ no acórdão de 20-12-2006 (Proc. n.º 3169/06 - 3.ª), a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos – regime regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária – não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória como oficiosa.    II - O juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial centra-se fundamentalmente na importância que a mesma poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na reinserção social do menor.                                            

III - Nesse juízo deve começar-se por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável; depois, o tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Haverá, assim, que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do ilícito e os seus motivos determinantes.

No mesmo sentido, podemos ver o Acórdão do STJ, de 31/3/2016, in www.dgsi.pt, do qual consta o seguinte:

“Assim, verificamos que a atenuação especial não constitui um “efeito automático” derivado da juventude do arguido, mas uma consequência, a ponderar caso a caso, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo como foram cometidos, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto e que nos permitam concluir que a reinserção social do delinquente será facilitada se for condenado numa pena menor. Conciliando as exigências especiais de prevenção no sentido de integração do delinquente na sociedade e as exigências de prevenção geral, deve a pena ser reduzida para que aquelas exigências de prevenção especial sejam asseguradas considerando o legislador que ainda assim as exigências de prevenção geral não são demasiadamente comprimidas. Ou seja, cabe ao julgador, por força do disposto no art. 9.º, do CP, averiguar se é possível aplicar as normas especiais aplicáveis a delinquentes com idade entre os 16 anos e os 21 anos, devendo aplicá-las sempre que admita, com uma razoabilidade evidente, que daí possam resultar vantagens para a ressocialização daquele jovem.

Assim sendo, se, a partir da avaliação feita, for de formular um prognóstico favorável à ressocialização do condenado será, em princípio, de considerar positiva a aplicação do regime previsto no art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, pelo que será de atenuar especialmente a pena, quando esteja em causa uma pena de prisão; no caso contrário, isto é, se não for possível formular aquele juízo positivo, ou o juízo de prognose for desfavorável, obviamente que se terá de excluir a aplicação daquele regime.

O tribunal deve, em síntese, começar por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável, e, depois, apenas aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Por isso, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes. 

No essencial, há que, em cada caso concreto, apreciar se estamos perante um mero desvio transitório e ocasional, propiciador da delinquência juvenil, caso em que se justificará a formulação de um juízo de prognose favorável à atenuação especial.

No entanto, nunca pode ser colocada de lado a necessidade da defesa do ordenamento jurídico, ou seja, salvaguardadas que sejam, naturalmente, as exigências de prevenção geral ligadas à proteção de bens jurídicos, que, sendo acentuadas, poderão obstar a essa atenuação especial da pena.

                                                           ****

No caso concreto, o arguido ora em casa interveio na prática de um crime grave.

À data da prática dos factos, já sofrera uma condenação em pena de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de roubo agravado.

Constatamos, pois, que não estamos perante uma conduta esporádica de um indivíduo, mas sim perante um cidadão que manifestou indiferença pela oportunidade que lhe foi concedida através da suspensão da execução da mencionada pena.

Acresce que, dos factos provados a.203) a a.208), resulta que o arguido HH não encontrou, ainda, a desejada estabilidade emocional que permita concluir que, de futuro, venha a estar afastado de atos como os que merecem agora a nossa atenção.

Por conseguinte, não descortinamos como possa ser feito um juízo de prognose favorável ao arguido, em sede de aplicação do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.

                                                           ****

Num outro patamar, coloca-se, ainda a questão de saber se este arguido deve beneficiar da suspensão da execução da pena.

O artigo 50.º, do Código Penal, estabelece que o tribunal decretará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Encontramo-nos face a um poder-dever, sendo certo que a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.

A suspensão da execução da pena «une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal ao chamamento, pela ameaça de executar no futuro a pena, à própria vontade do condenado para reintegrar-se na sociedade». É uma pena, porque oriunda de condenação produtora de antecedentes criminais. É uma medida de correção, enquanto busca, a reparação do delito ou «prestações socialmente úteis». Aproxima-se das medidas de ajuda social, se no domínio respetivo se desenham instruções que «afetam o comportamento futuro do condenado». E tem uma coloração sócio-pedagógica ativa, pelo «estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade» (Jescheck, Tratado, versão espanhola, vol. II, págs. 1152 e 1153).

Ora, a suspensão da execução de uma pena só tem razão de ser quando for possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido.

Como tem vindo a ser entendido pelos nossos tribunais superiores, “na suspensão da execução da pena de prisão, não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições de vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”, conforme Acórdão do STJ, de 25/6/2003, CJ, Acs. do STJ, ano XXI, tomo II, pág. 21.

Mais, a suspensão da execução da pena não deverá ser utilizada pelo julgador se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

Na realidade, o valor da socialização em liberdade tem que estar balizado por exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, de acordo com o que defende Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 344.

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Está dado como provado que a conduta deste arguido esteve inserida na execução de um plano gizado com outras pessoas, relativamente a que aconteceu no dia 6 de junho de 2021.

A sua participação direta no referido plano cinge-se, é certo, ao que consta dos factos provados a.61) e a.63), mas isso não invalida que a sua atuação tenha feito parte de algo mais complexo e que visou a privação de liberdade da menor LL.

Nada existe nos autos que demonstre ter o arguido interiorizado o desvalor da sua conduta.

Assim sendo, não vislumbramos que seja possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Está em causa a prática de um crime que gera acentuado desconforto no cidadão comum, pelo clima de segurança que cria junto das pessoas em geral.

Concluindo, entendemos que não é possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido, pelo que não é de suspender a execução da pena.

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            B) das indemnizações:

            Os arguidos FF e GG pugnam no sentido de que os pedidos de indemnização civil devem ser substancialmente reduzidos, ainda que não referindo em que medida, por excederem a medida da culpa a eles imputada,       

            Estão em causa danos não patrimoniais.

A indemnização do dano não patrimonial visa dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é suscetível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade.

A lei é terminante na declaração de que o montante da indemnização do dano não patrimonial será fixado equitativamente, de acordo com o artigo 496.º n.º 3, 1ª parte, do Código Civil).

Aquando da respetiva fixação, deve ser tido em consideração, designadamente, o carácter do bem jurídico atingido, a natureza e a intensidade do dano causado, o género e a idade da vítima, sem esquecer que a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, correspondentemente, do valor da sua reparação deve ocorrer sob o signo do princípio regulativo da proporcionalidade, de acordo com o qual a danos mais graves deve corresponder uma indemnização mais generosa, e numa perspetiva de uniformidade, já que a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adotados para casos análogos, tendo em atenção o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.

Uma indemnização por danos não patrimoniais não deve ser meramente simbólica.

No caso em apreço, estamos perante danos de gravidade suficiente para justificarem a intervenção reparadora do direito, decorrentes de condutas graves, realizadas com culpa, consubstanciadas na violação de diversos bens jurídicos.

Assim sendo, não merecem reparo os valores atribuídos.

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IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra:

1) em conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, indo, em consequência, os mesmos condenados pela prática dos respetivos crimes, da seguinte forma, mantendo-se no mais o acórdão recorrido:

            A) arguido AA:        

            1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º, 26.º, 72.º, 73.º, 161.º, n.º 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artigo 158º nº 2 al. e), todas do Código Penal, e no artigo 86 n.ºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.

            2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Código. Penal, e no artigo 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artigo 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artigo 212º nº 1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artigos 143º nº 1, 145º nº 1 al. a) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artigos 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão. 

            - Em cúmulo jurídico, vai este arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão.

            B) arguida BB:        

            h.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artigo 158º nº 2 al. e), todos do Código Penal, e no artigo 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            h.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            h.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            h.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            h.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            - Em o cúmulo jurídico, vai esta arguida condenada na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

            C) arguido CC:

            i.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            i.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            i.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

             i.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            i.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            i.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.

            - Em cúmulo jurídico, vai este arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

            D) DD:

            j.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            j.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            j.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            j.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            j.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            - Em pena única, vai este arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

            E) arguido EE:        

            l.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            l.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            l.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 10 meses de prisão.

            l.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 5 meses de prisão.

            l.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 7 meses de prisão.

            l.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 4 anos de prisão.

            l.7) um crime de resistência e coação sobre funcionário, na forma consumada, p.e p. no artº 347º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            - Em cúmulo jurídico, vai este arguido condenado na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

            F) FF:

            m.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos 8 meses de prisão.

            m.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            m.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

            m.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            m.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            m.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 4 anos de prisão.

            - Em cúmulo jurídico, vai este arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão.

            G) GG:

            n.1) um crime de rapto agravado, na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 da Lei das Armas (Lei nº 5/2006, de 23/02), na pena de 2 anos e 8 meses de prisão.

            n.2) um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado pelo uso de arma, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 22º, 23º, 26º, 72º, 73º, 131º e 132º nºs 1 e 2 al. h) do Cod. Penal, e no artº 86º nºs 3 e 4 e 90º nºs 1 a 3, ambos da Lei das Armas, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 10 anos.

            n.3) um crime de detenção de arma proibida na forma consumada, p. e p. no artº 86º nº 1 al. c) da Lei das Armas, na pena de 1 ano de prisão.

            n.4) um crime de dano simples na forma consumada, p. e p. no artº 212º nº 1 do Cod. Penal, na pena de 6 meses de prisão.

            n.5) um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 143º nº 1, 145º nº 1 al. b) e nº 2 e 132º nºs 1 e 2 als. c) e h) do Cod. Penal, na pena de 9 meses de prisão.

            n.6) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artºs. 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Cod. Penal, na pena de 4 anos de prisão.

            Em cúmulo jurídico, vai esta arguida condenada na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

            H) HH:

             a.1) um crime de rapto agravado, na forma consumada, p.e p. nas disposições conjugadas dos artigos 26º, 161º nº 1 al. b) e nº 2 al. a), por Refª. ao artº 158º nº 2 al. e), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.

            Sem custas.

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2) em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

Sem tributação.

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            (Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado pelo signatário – artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

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                                     Coimbra, 10 de maio de 2023

           

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[1] Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. I, pág. 211.
[2] Cfr., Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, pág. 202-206.
[3] Cfr. Prof. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 302).
[4] Paulo Saragoça da Mata, A livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade da Universidade de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, com a colaboração do Goerthe Institut, Almedina, pág. 261-279.