Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
62768/13.2YPRT.C1.
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EMPREITADA
PROVA PERICIAL
DEFEITOS
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Data do Acordão: 02/21/2017
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - C.-A-NOVA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.388, 428, 1207 CC
Sumário: 1 - Pronunciando-se, de entre três peritos (engenheiros), dois, maxime o designado pelo tribunal, no sentido de que as infiltrações havidas numa casa não advieram do telhado edificado pelo empreiteiro, este facto, porque outra prova não infirmou a especial força probatória da perícia, não pode ser dado como provado.

2 - A procedência da exceção de não cumprimento, apurados que sejam os direitos e interesses em causa, deve implicar, por razões de celeridade na composição do litigio e economia de meios, não a absolvição do pedido, mas antes a imediata condenação no cumprimento simultâneo e recíproco.

Decisão Texto Integral:

1.

D (…), Lda. apresentou requerimento de injunção contra A (…)

Pediu:

O pagamento da quantia de €6.000,48 de capital, acrescido de juros de mora no montante de €110, 47, e ainda outras despesas no valor de €300,12.

Alegou:

No âmbito da sua atividade de construção civil e obras públicas, compra, venda e permuta de bens imóveis, revenda dos adquiridos para esse e afins, forneceu ao requerido artigos diversos e prestou-lhe vários serviços da sua especialidade, em resultado emitiu e entregou ao requerido as faturas, n.ºs  55 a 57.º, cujos montantes e datas de vencimento especifica, alegando que perfazem o quantitativo de €6.000, 48, devidos pelo requerido, a que acrescem juros de mora.

Mais adianta que interpelado para pagar as faturas, o Requerido não o fez, estando em divida aquele valor, a que acrescem juros de mora, mais despesas de cobrança extrajudicial da divida na quantia de €300,12.

O requerido deduziu oposição.

Invocou, no que ora releva:

Celebrou com a Requerente um contrato de empreitada para substituição do telhado da casa de sua habitação, mas que a obra final, apresentava defeitos que comunicou à Requerente.

Pretendendo que aquela reparasse os defeitos comunicados, a Requerente não procedeu à eliminação total dos defeitos da obra contratada, os quais persistem.

Assim, a quantia peticionada pela Requerente não foi paga, porquanto esta não cumpriu com a sua obrigação e por não ter rececionado as faturas referidas.

Pediu: a absolvição.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Em face do exposto e face às disposições legais supra citadas, julgo a ação parcialmente procedente e em consequência, condeno o Requerido a pagar à Requerente a quantia de €6.000,48 (seis mil euros e quarenta e oito cêntimos) contra a simultânea eliminação dos defeitos (descritos nos pontos 12., 14., e 17.dos factos provados) por parte da Requerente.

3.

Inconformada recorreu a requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – (im)procedência parcial do pedido do requerido.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Por conseguinte - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

5.1.2.

Por outro lado e nos termos do artº 388º do CC:

«A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.»

Nesta conformidade a prova pericial incide sobre factos e destina-se a elucidar o tribunal sobre o seu significado e alcance, no pressuposto que a sua natureza e complexidade técnica exijam conhecimentos especiais que escapam ao juiz.

Ou seja, tal prova é produzida por pessoas dotadas de especiais conhecimentos no domínio científico, técnico, artístico, experimental e profissional e tem por objeto, à luz desse tipo de conhecimento, a perceção, apreciação e valoração de factos determinados cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 17.10.1996, dgsi.pt,p.0074676 e Ac. do STJ de 26.09.1996, BMJ, 459º, 513.

 E ainda que tal meio probatório não vincule o julgador quanto à existência dos factos, ele não se limita à mera perceção dos mesmos, podendo, outrossim, os peritos apreciá-los, ie. emitir um juízo de valor  sobre eles.

Certo é que o juiz pode apreciar e valorar livremente tal meio probatório: «atribuindo-lhe o valor que entenda dever dar-lhe» – artºs 389º do CC e 591º do CPC e Prof. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 4º, 185.

Não obstante e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, ainda que a prova pericial possa ser livremente apreciada pelo juiz – artº 591º do CPC e 389º do CC – certo é que, por via de regra, não pode nem deve o julgador afastar-se do parecer dos peritos, se cientificamente fundamentado, contrariando-o, sem que esta postura de oposição se fundamente cabalmente em outros elementos de provacfr- Acs. da Relação de Évora de 06.07.1993, BMJ, 429º, 910 e da Relação de Coimbra de 16.11.2004, dgsi.pt, p.2759/04 e Prof. Alberto dos Reis, CPC, Anotado, 1981, 4º, p.184 e segs.

É pois evidente que a prova pericial se revela o meio probatório mais fiávelrectius por comparação com a prova testemunhal - para a apreciação e dilucidação do tipo de factos e situações que ora nos ocupam.

5.1.3.

No caso vertente.

Em causa estão as respostas aos pontos 12, 13, 17, 19 e 20.

Têm eles o seguinte teor:

12. Após conclusão da obra em causa, o requerido e sua esposa detetaram que esta apresentava vícios/defeitos de construção, nomeadamente:

- Humidades nos tectos e paredes interiores do quarto do 1º andar;

- Humidades nos tectos e paredes interiores das salas de jantar e de estar;

- Humidades nos tectos e paredes interiores da cozinha;

- Gotejam águas provenientes do trabalho no interior da cozinha, da marquise e da sala de estar;

- Paredes interiores do sótão em betão totalmente manchadas e com infiltrações de água;

- Escorrência de água pela parede exterior junto à porta de entrada do R/Ch, provenientes do telhado;

- Gotejamentos na face interior das telhas e escorrência no vigamento do telhado, empoçando a água no chão do sótão sempre que chove.

13. Os defeitos têm vindo a acarretar prejuízos ao requerente e sua esposa, na sequência das infiltrações constantes, agravadas com as intempéries que se fizeram sentir, causando danos na estrutura do edifício, e no próprio mobiliário.

17. Segundo os mencionados peritos as infiltrações na moradia resultam de orifícios de fixação existentes na telha, que ficaram a descoberto.

19. A requerente limitou-se a substituir apenas parte do telhado, permanecendo todo o restante com defeito, tendo apenas tapado os orifícios da restante telha com resina epóxi.

20. Até ao presente, a Requerente não procedeu à eliminação dos (restantes) defeitos/vícios de obra.

A recorrente pretende que aos mesmos sejam dadas as seguintes respostas:

Ponto 12 -  «após conclusão da obra em causa, e com causalidade nos trabalhos da Autora foram detectados os seguintes vícios ou defeitos:

- apesar da substituídas por telhas sem qualquer furação nas 5 fiadas da zona do beirado do alçado posterior e embora a maioria das telhas com furação estejam já tapadas com resina epóxida/produto à base de silicone, falta aplicar resina epóxida/silicone exaustivamente em todas a telhas que integram o telhado;

- existem 16 telhas com pernes partidos numa fiada junto à viga de apoio intermédia que podem deslizar em situações extremas;

- junto ao beirado do alçado posterior é insuficiente a sobreposição das telhas que aí se encontram;

- os trabalhos que a Autora deverá desenvolver em ordem a remoção cabal dos vícios ou defeitos que assolaram a sua prestação são repor as fiadas de telha que não estão em condições e vedar os orifícios da telha em falta.

Ponto 13 - Deveria ter sido julgado não provado, a não ser pela sua formulação de pendor genérico e abstracto, pela indeterminação, sempre pela falta de prova a propósito do mesmo;

Ponto 17 - Deveria ter sido julgado não provado [provou-se, isso sim, que as infiltrações encontram causalidade no mau estado anterior generalizado do imóvel (paredes e empenas), com irregularidades, fissurações exteriores e ausência de qualquer impermeabilização destas];

Ponto 19 - Deveria ter sido julgado provado que a Autora substituiu parte do telhado junto ao beirado com telha com orifício totalmente tapado e, com resina epóxida tapou a maioria das demais telhas, impedindo o gotejamento de água pelos respectivos orifícios para pregagem; a tapagem de todos os orifícios com resina epóxida é de molde a eliminar completamente o defeito;

Ponto 20 - Deveria ter sido julgado provado que até ao presente, a Autora não procedeu :

- à tapagem com resina epóxida de rigorosamente todos os orifícios de pregagem da telha;

- à substituição das 16 telhas com pernes partidos junto à viga de apoio intermédia;

- ao ajuste da sobreposição das telhas junto ao beirado do alçado posterior.

O tribunal fundamentou as respostas dadas nos seguintes termos:

(…)

Nesta conformidade, e na essencial procedência desta pretensão,  as respostas aos  pontos ora impugnados são as seguintes:

12 -  Após conclusão da obra, e posterior intervenção da autora na mesma,  foram  ainda detetados os seguintes vícios ou defeitos:

- falta aplicar resina epóxida/silicone exaustivamente em todas a telhas com furação que integram o telhado;

- existem 16 telhas com pernes partidos numa fiada junto à viga de apoio intermédia que podem deslizar em situações extremas;

- junto ao beirado do alçado posterior é insuficiente a sobreposição das telhas que aí se encontram;

13 - não provado.

17 - não provado

19. A requerente interveio no telhado, para a sua reparação, permanecendo, porém, os defeitos elencados no ponto 12.

20. Até ao presente, a Requerente não procedeu à eliminação dos  defeitos/vícios de obra referidos no ponto 12.

5.1.4.

Por conseguinte, os factos a considerar são os seguintes:

1. A requerente dedica-se à construção civil e obras públicas, compra, venda e permuta de bens imóveis, revenda dos adquiridos para esse e afins.

2. No exercício dessa atividade e por solicitação do requerido, forneceu-lhe artigos diversos e prestou-lhe serviços da sua especialidade, em resultado do que e afim de serem pagos, emitiu e entregou ao requerido as faturas, nº 55, emitida em 06.10.2012 e vencida em 06.11.2012, no valor de €115,25; nº 56, emitida em 10.10.2012 e vencida em 10.11.2012, no valor de €5.317,07; nº 57, emitida em 10.10.2012 e vencida em 10.11.2012, no valor de €568,16.

3. A Requerente suportou despesas extrajudiciais no valor de €300,12.

4. A quantia total das faturas mencionadas, é de €6.000,48.

5. A Requerente comunicou ao Requerido que o montante global em dívida era de €6.513,07.

6. O Requerido não pagou à Requerente a quantia mencionada em 5.

7. O requerimento de injunção deu entrada no dia 22.04.2013.

8. O réu foi citado para deduzir oposição em 3.5.2013.

9. Entre a Requerente e o Requerido foi acordado a celebração de um contrato de empreitada para a substituição da cobertura existente (telhado) da casa de habitação deste, sita em Rua da Portela nº8, São Sebastião, Penela.

10. A Requerente apresentou a 01/09/2012 o respetivo orçamento (da obra), no qual fez constar os trabalhos a executar pela requerente no âmbito da referida empreitada.

11. A empreitada ocorreu (teve início) em Setembro de 2012.

12. -  Após conclusão da obra, e posterior intervenção da autora na mesma,  foram  ainda detetados os seguintes vícios ou defeitos:

- falta aplicar resina epóxida/silicone exaustivamente em todas a telhas com furação que integram o telhado;

- existem 16 telhas com pernes partidos numa fiada junto à viga de apoio intermédia que podem deslizar em situações extremas;

- junto ao beirado do alçado posterior é insuficiente a sobreposição das telhas que aí se encontram;

13…

14. Em 21/01/2013, enviou carta registada com A/R, à Requerente, a denunciar os defeitos na “substituição do telhado” (contratada), e solicitando a sua eliminação urgente, lendo-se:

“ - Humidades (manchas acastanhadas) nos tectos e paredes interiores do quarto do 1º andar;

- Humidades (manchas acastanhadas) nos tectos e paredes interiores das salas de estar e de jantar;

- Humidades (manchas acastanhadas) nos tectos e paredes interiores da cozinha;

- Gotejam águas provenientes do trabalho no interior da cozinha, da marquise e da sala de estar;

- Paredes interiores do sótão em betão totalmente manchadas e com infiltrações de água;

- Escorrência de água pela parede exterior junto à porta de entrada do R/Ch, provenientes do telhado;

- Gotejamentos na face interior das telhas e escorrências no vigamento do telhado, empossando a água no chão do sótão sempre que chove.”

15. Por carta datada de 12/02/2013, a requerente respondeu que ia proceder à substituição do telhado e correção dos defeitos existentes, lendo-se o seguinte: “ Em resposta (…) vimos indicar datas para substituição das telhas e correção dos eventuais defeitos conforme passamos a discriminar (…)”.

16. A Requerente em carta datada de 21/01/2013, enviada ao Requerido, refere entre outros, que:”(…) Após análise do serviço efetuado verificámos que por existir um avanço no espaçamento entre as quatro primeiras fileiras de telhas (…)originaria a indicada infiltração.(…)” mencionou por duas vezes, a comparência de peritos da fábrica fornecedora da telha.

17…

18. O Requerido solicitou à Requerente, a eliminação urgente dos defeitos, sugerindo para o efeito datas para correção dos mesmos, pelo teor da carta registada com A/R datada de 21/02/2013.

19. A requerente interveio no telhado, para a sua reparação, permanecendo, porém, os defeitos elencados no ponto 12.

20. Até ao presente, a Requerente não procedeu à eliminação dos  defeitos/vícios de obra referidos no ponto 12.

21. O requerido recusa o pagamento da obra à Requerente, enquanto esta não eliminar (todos) os defeitos da obra.

5..2.

Segunda questão.

A julgadora decidiu de jure, a causa, nos seguinte, fulcrais, termos:

«No caso concreto, dúvidas não há de que entre a Requerente e o Requerido, se  celebrou um contrato de empreitada…

…verifica-se que a Requerente (aqui empreiteira) efetuou a prestação a que estava obrigada, a obra, mas fê-lo de modo defeituoso, uma vez que veio a revelar-se ter cumprido a sua prestação com defeitos, atentos os factos que se provaram nos pontos 12. a 17.

Não obstante ter conhecido da denuncia dos mesmos defeitos pelo Requerido, e até ter-se prontificado a eliminá-los, provou-se em 18. a 20., que a obra ainda ficou com defeito por eliminar, que até ao presente a Requerente não eliminou…

Invoca o Requerido, a exceção de não cumprimento do contrato, como recusa legitima do pagamento da dita obra levada a cabo pela Requerente, por considerar que a mesma o fez defeituosamente e não eliminou, até ao presente, todos os defeitos da obra.

Estipula o artigo 428.º do Código Civil, que:

“1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.”

Ora relativamente a esta questão, do Requerido devedor do preço da empreitada poder excecionar o não cumprimento da sua prestação enquanto não forem eliminados os defeitos da obra, já se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, como se pode lêr no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.01.2013, processo n.º17498/11.4YIPRT.C1, concluindo nos seguintes termos: «Num contrato de empreitada, o dono da obra pode opor a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428º do CC), recusando-se a pagar o preço, se a obra apresentar defeitos.(…) Sendo seguro que o art.428º CC se aplica também ao contrato de empreitada (cf. VAZ SERRA, BMJ 67, pág.26, e RLJ ano 105, pág.287) e porque o cumprimento defeituoso é uma das formas de incumprimento (art.798º e 799º CC), a excepção do não cumprimento funciona quando há falta de cumprimento, na modalidade de cumprimento defeituoso da prestação(…) e concluiu que: “ A procedência da excepção do não cumprimento do contrato implica, não a absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo.”

A posição tomada neste Acórdão considera-se ser a mais justa e eficaz, em virtude de dirimir de uma só vez o litígio entre as partes, evitando-se que apenas se dilate no tempo a resolução definitiva da contenda.

Com efeito, como bem salienta e afirma no Ac STJ de 30/9/2010, citado pelo acórdão supra, - “Se procedente (a exceptio), conduz à absolvição do pedido, mas não    definitiva (cf. o artigo 673º do Código de Processo Civil quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária, sendo, por este motivo, doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando como excepção peremptória (…)”.

No Acórdão do TRC, enveredou-se pela solução mencionada, com fundamento de que: “ (…) é legalmente possível uma condenação quid pro quo (uma coisa pela outra), ou, “condenação num cumprimento simultâneo”, pelo que a comprovação da excepção implica, não absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo (…)e considerando quanto aos juros peticionados que “uma vez suspensa a obrigação do pagamento do preço  por parte da Ré, enquanto o Autor não cumprir (reparar os defeitos), aquela não está em     mora, logo não são devidos os juros peticionados (cf., por ex., Ac STJ de 26/10/2010 - proc. nº 571/2002, em www dgsi.pt)”.

Pelo exposto, considera-se legitimo e lícita a recusa do pagamento do preço da obra, por parte do Requerido, com base na alegada exceção de não cumprimento do contrato,  assistindo à Requerente o direito ao pagamento do preço da obra mas devido em simultâneo com a sua prestação de eliminação total dos defeitos da dita obra.

Encontrando-se a Requerente em mora relativamente à dita prestação de eliminação dos defeitos da obra, a contraprestação do Requerido ficou suspensa, não se vencendo os juros peticionados, nem sendo devido o pagamento por despesas extrajudiciais que a Requerente peticionou, uma vez que enquanto esta não cumprir a sua prestação, não são aqueles juros/outras despesas, devidos pelo Requerido, indo nesta parte indeferido o peticionado.»

Esta postura exegética mostra-se curial, havendo que chancelá-la.

Na verdade, por razões de celeridade e de justa composição dos interesses em presença, a procedência da exceção de não cumprimento deverá implicar, não apenas a absolvição do pedido, mas antes e desde logo a condenação no cumprimento imediato e simultâneo do que se apurar.

Aliás, a recorrente não coloca em crise a subsunção jurídica dos factos apurados ao direito pertinente.

Apenas tendo pugnado pela condenação em função da factualidade que ela entendia dever dar-se como provada.

Tendo  obtido ganho de causa quanto a tal factualismo, naturalmente que a condenação terá de respeitar e adequar-se aos factos ora apurados.

Procede, brevitatis causa, o recurso:

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - Pronunciando-se, de entre três peritos (engenheiros), dois, maxime o designado pelo tribunal, no sentido de que as infiltrações havidas numa casa não advieram do telhado edificado pelo empreiteiro, este facto, porque outra prova não infirmou a especial força probatória da perícia, não pode ser dado como provado.

II - A procedência da exceção de não cumprimento, apurados que sejam os direitos e interesses em causa, deve implicar, por razões de celeridade na composição do litigio e economia de meios, não a absolvição do pedido, mas antes a imediata condenação no cumprimento simultâneo e recíproco.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente:

Julga-se a ação parcialmente procedente e em consequência, condena-se o requerido a pagar à requerente a quantia de €6.000,48 (seis mil euros e quarenta e oito cêntimos) contra a simultânea eliminação, por parte da requerente, dos defeitos  ora descritos no ponto 12 dos factos provados.

Custas na proporção de metade para cada parte.

Coimbra, 2017.02.21.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo ( com declaração de voto)

Fonte Ramos

Declaração de voto

Voto a decisão porque restrita aos pressupostos em que ela assenta: os de que o recorrido não interpôs recurso, nem contra-alegou, assim aceitando a parte decisória em que foi condenado a pagar à Autora a quantia aí referida contra a simultânea eliminação dos defeitos por parte da mesma.

Todavia, sob esta temática – efeitos da procedência da excepção de não cumprimento do contrato – não se acompanha a posição tomada no acórdão de haver uma condenação simultânea ( ou uma coisa por outra ), antes se perfilhando a tese de que deve ser proferida sentença de absolvição do pedido ( embora temporário).

Na verdade, o direito nacional não prevê sentença de condenação sob condição ou sentença condicional, como resulta com clareza do actual art.621 do NCPC ( e assim era já nas anteriores versões desse diploma) da justificação convincente apresentada por A. Reis, em CPC Anotado, vol.III, pág.80 e segs.) e da jurisprudência do STJ, no seu Ac de 15.3.2012, Proc. 925/08.5TBSJM.

Moreira do Carmo