Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1467/15.8T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
RESIDÊNCIA DA CRIANÇA
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1905, 1906 CC, 607, 640 CPC
Sumário:
1. Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância ou suficiência jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente; o mesmo raciocínio se aplica a matéria factual que supervenientemente se tornou inútil/despicienda.

2.- Se tal reapreciação visa meras conclusões de facto, as mesmas não podem ser objecto de consideração já que a lei manda seleccionar na elaboração da sentença apenas factos substantivos, materiais, específicos ou concretos (art. 607º, nº 3 e 4º, 1ª parte do NCPC).

3. Quando se impugna a matéria de facto, deve afirmar-se e especificar-se as respostas que, na óptica do recorrente, devem ser dadas em concreto aos respectivos pontos de facto que tal recorrente pretende ver alterados; a omissão desse ónus de especificação imposto pelo art. 640º, nº 1, c), do NCPC, implica a rejeição do recurso em matéria de facto;

4.- Se após a separação do casal, os pais ficarem a residir muito longe um do outro (cerca de 2.000 km) não é possível optar por uma solução de residência alternada, devendo fixar-se residência única à menor junto de um deles.

5.- Se os elementos fácticos dos autos demonstram uma equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores – em que ambos garantiriam o superior interesse da menor - mas não é possível uma guarda compartilhada, impõe-se a opção pelo regime da guarda conjunta, fixando-se a residência da menor junto do progenitor que evidencia os seguintes três factores: a circunstância de a menor estar junto da família alargada (avós maternos e paternos e tia paterna) na residência do pai, o que não sucederia com a mãe; o facto da residência com a mãe implicar uma alteração de rotinas escolares e sociais e necessidade de aprender rapidamente uma língua estrangeira para acompanhar o percurso escolar; a opinião da menor de 7 anos de idade que manifestou preferência em estar durante o período escolar com o pai (em Portugal) e nas férias com a mãe (na Bélgica).

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. N (…), residente em …, instaurou acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra M (…) residente no mesmo concelho, relativamente à filha de ambos, L (…), alegando ter contraído casamento, o nascimento da L (…) em ….2011, e a sua separação de facto.
Em sede de conferência de pais, foi fixado o seguinte regime provisório: as responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância seriam exercidas em comum por ambos os progenitores, ficando a menor a residir alternadamente 15 dias em casa da mãe e 15 dias em casa do pai.
Notificados para o efeito, alegaram ambos os progenitores.
Entretanto o pai da criança veio requerer a alteração urgente do regime em vigor, invocando que a criança se recusava a acompanhar a mãe para a Bélgica, pedindo que seja ele a exercer as responsabilidades parentais em exclusivo. Em resposta, a mãe impugnou a factualidade alegada, e terminou pedindo que seja ela a exercer as aludidas responsabilidades em exclusivo.
Em sede de nova conferência de pais, foi fixado, de novo, outro regime provisório: - as responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância seriam exercidas em comum por ambos os progenitores, ficando a menor a residir junto do pai, que exercia as responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente; - a mãe, quando se deslocasse a Portugal, o que deveria avisar o pai com a antecedência de 8 dias, poderia ter a filha na sua companhia durante dois períodos de quatro dias não seguidos, indo busca-la ao infantário a partir das 16 horas e entregando-a, ou no infantário às 9,30h ou em casa do pai às 17,30h; - a L (…) estaria com a mãe entre os dias 19 e 30 de Dezembro de 2015, sendo recolhida em casa dos pai às 10h do primeiro dia e entregue às 20h do último dia, podendo deslocar-se com a filha para a Bélgica; - nas férias escolares da Páscoa de 2016, a L (…) estaria com a mãe desde o dia 20 de Março até ao dia 31 de Março, nos mesmos horários e condições da cláusula anterior; - no aniversário seguinte da menor, caso a progenitora se deslocasse a Portugal, poderia almoçar com a filha, indo buscá-la a casa do pai às 10h e entregá-la às 17h, de forma a que o pai pudesse jantar com a filha; - os pais comunicariam entre si os assuntos relativos à filha através dos seguintes endereços electrónicos: (…)- a L (…) deveria passar a frequentar o infantário (…) …, ficando o pai obrigado a autorizar a sua recolha pela mãe de acordo com o estipulado na cláusula terceira; - a mãe pagaria a título de pensão de alimentos à menor a quantia de 150 €, até ao dia 10 de cada mês, através de depósito ou transferência bancária.
Foram juntos aos autos relatórios sociais relativos ao pai e à mãe.
Na sequência de acórdão desta Relação que revogou a anterior decisão provisória, foi fixado um terceiro regime provisório: - o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância cabia a ambos os progenitores em comum; – o exercício das responsabilidades parentais nos actos da vida corrente cabia ao pai da L (…), com quem esta vivia habitualmente; – a mãe poderia ter a L (…) na sua companhia, em Portugal, durante 8 dias, seguidos ou interpolados, por mês, avisando o pai dos períodos em questão com a antecedência de oito dias, indo buscá-la ao infantário a partir das 16 h (ou a casa do pai caso se trate de um sábado, domingo ou feriado) e entregando-a no infantário às 9,30h ou em casa do pai às 17,30h; – no próximo aniversário da L (…), caso a mãe se deslocasse a Portugal, poderia almoçar com a filha, indo buscá-la ao infantário ou a casa do pai às 10 horas e entregando-a em casa do pai às 17,30h, de forma a que o pai pudesse jantar com a filha; – os pais comunicariam entre si os assuntos relativos à filha através dos endereços electrónicos mencionados anteriormente no processo; – os pais poderiam comunicar com a filha diariamente, pelo telefone ou via facetime, entre as 19,45h e as 20h (hora portuguesa), devendo ambos manter os respectivos aparelhos ligados; – a mãe pagaria a título de alimentos à filha a quantia mensal de 150 euros, até ao dia 10 de cada mês, através de depósito/transferência para a conta mencionada anteriormente nos autos.
Foi ordenada a realização de uma avaliação psicológica à menor, a fim de se apurar o seu real sentir relativamente à vivência com o pai e com a mãe e a vinculação da criança a ambos os progenitores e junto o respectivo relatório.
*
A final foi proferida sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais em relação à menor nos termos seguintes:
a) – as responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em comum por ambos os progenitores;
b) – a criança fica entregue ao pai, ficando determinada a sua residência junto deste, a quem compete o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da L (…);
c) – a L (…) passará as férias escolares de carnaval (desde o sábado antecedente até quarta-feira de cinzas) e da Páscoa (aqui se incluindo os fins-de-semana imediatamente anteriores ou posteriores aos dias de férias) na companhia da mãe, podendo deslocar-se à Bélgica;
d) - nas férias escolares de verão, a L (…) passará de 24 de Junho até 15 de Julho e de 1 a 15 de Agosto com um progenitor; e de 16 a 31 de Julho e de 16 de Agosto a 6 de Setembro com o outro; de forma alternada, podendo deslocar-se à Bélgica quando estiver com a mãe, iniciando em 2018 os primeiros períodos com o pai e os segundos períodos com a mãe;
e) - nas férias escolares de Natal, a L (…) estará com um progenitor desde o último dia de aulas do primeiro período até ao dia 26 de Dezembro; e estará com o outro desde então até á véspera do início do segundo período, de forma alternada, podendo deslocar-se à Bélgica quando estiver com a mãe, iniciando em 2018 o primeiro período com o pai e o segundo com a mãe;
f) - nos períodos de férias, a criança será recolhida e entregue pela mãe no aeroporto português e no horário que a progenitora indicar ao pai com 15 dias de antecedência (sendo que a entrega da L (…) ao pai, nas vésperas das aulas, não pode ser depois das 17 horas);
g) - nos meses em que a L (…) não esteja dias de férias com a mãe, poderá permanecer na companhia desta, em Portugal, dois fins-de-semana, de quinta-feira a segunda-feira, assegurando a mãe a frequência escolar da filha;
h) - nos meses em que a L (…) passe dias de férias com a mãe, poderá permanecer na companhia desta, em Portugal, um fim-de-semana, de quinta-feira a segunda-feira, assegurando a mãe a frequência escolar da filha;
i)- os fins-de-semana não poderão coincidir com os dias, nas férias escolares de Natal e de verão, em que a L (…) está com o pai e deverão ser comunicados pela mãe ao pai com 30 dias de antecedência;
j) - nos fins-de-semana que a L (…) passe com a mãe em Portugal, a criança será recolhida pela mãe, ou na escola após as actividades lectivas (cujo horário é comunicado pelo pai à mãe), ou em casa do pai posteriormente, cabendo à mãe a escolha do local;
l) - se os fins-de-semana escolhidos pela mãe para estar com a filha forem antecedidos de feriado à quinta-feira ou seguidos de feriado à segunda-feira, o convívio entre mãe e filha iniciar-se-á à quarta-feira e terminará à terça-feira, respectivamente;
m) - a L (...)passará o seu dia de aniversário, nos anos ímpares com a mãe e nos anos pares com o pai, sem prejuízo das actividades lectivas, pernoitando com esse progenitor de 23 para 24 de Janeiro;
n) – os pais comunicam entre si os assuntos relativos à filha através dos seguintes endereços electrónicos: (…)
o) – os pais podem comunicar diariamente com a filha pelo telefone ou pelo facetime, entre as 20 e as 20,30h, devendo ambos manter os respectivos aparelhos ligados, com carga e em local com rede, interrompendo o banho ou a refeição da criança, se for caso disso, e evitando ligar a outras horas;
p) – a mãe pagará a título de alimentos à filha a quantia mensal de 150 €, até ao dia 10 de cada mês, por depósito ou transferência bancária.
q) – os progenitores suportarão em partes iguais as seguintes despesas :
- livros e material escolar de início do ano;
- despesas com consultas médicas de especialidade e intervenções cirúrgicas;
- tratamentos oftalmológicos e de ortodôncia.
Para este efeito, o pai remeterá à mãe, por email, os documentos comprovativos da despesa no prazo de 8 dias após a sua realização e a mãe pagará a sua quota-parte no prazo de 15 dias após a interpelação, por depósito ou transferência bancária para a conta identificada na alínea anterior.
r) – a mãe pagará a título de alimentos vencidos na pendência da presente acção o montante de 900 euros.
*
2. A Mãe recorreu, tendo formulado as seguintes extensas conclusões (eram inicialmente 106 e apesar de despacho de aperfeiçoamento ainda se mantém 73 !?):
(…)
3. O pai contra-alegou concluindo que:
(…)
4. O Mº Pº alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II - Factos Provados

1. O requerente e a requerida casaram um com o outro em 20/6/2007.
2 L (…) nasceu em … de 2011 na freguesia de …, concelho de …, sendo filha do requerente e da requerida.
3. A ruptura entre o requerente e a requerida ocorreu quando a L (…) tinha 2 anos de idade.
4. Na altura requerente e requerida eram colaboradores da HHH. Em Fevereiro de 2013 a requerida conheceu L (…) num seminário da HHH, tendo-se apaixonado mutuamente.
5 Em data não exactamente apurada de Abril de 2013, a requerida saiu da casa de morada de família, sita em …, e passou a habitar num apartamento sito em … que arrendou.
6. Posteriormente, ainda em 2013, a requerida passou a habitar num apartamento sito em …, pertencente à mãe do requerente.
7. Nesse período, requerente e requerida acordaram em que a filha passasse a residir com ambos, de forma alternada e em períodos não fixos, dependendo inclusivamente das deslocações ao estrangeiro que a progenitora fazia, gerindo bem entre si o exercício das responsabilidades parentais.
8. O relacionamento entre os progenitores da L (…) não era afectado pelo relacionamento amoroso mantido entre a requerida e L (…), de tal modo que conviviam todos, o mesmo sucedendo com uma namorada que o requerente teve naquele período.
9. Em Setembro de 2013 a requerida deslocou-se durante três semanas até à Amazónia com L (…), tendo a L(…) ficado, por acordo, na companhia do requerente.
10. A L (…) dava-se bem na alternância entre a casa do pai e a casa da mãe, inexistindo problemas quando transitava entre as duas habitações.
11. Em finais de 2014 a requerida passou a residir na Bélgica com o L (…) pretendendo manter a residência alternada da filha, entre Portugal, com o pai, e a Bélgica, consigo, com o que o requerido não concordou.
12. A partir de então o relacionamento entre requerente e requerida deteriorou-se.
13. Não obstante, a L (…) chegou a ir com a mãe até à Bélgica, sendo que pelo menos numa ocasião a mãe fê-lo sem comunicar tal situação ao pai, que teve conhecimento de que a filha estava naquele país, através desta, por comunicação telefónica/telemática.
14. No dia 23/3/2015, foi fixado o seguinte regime provisório: As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância seriam exercidas em comum por ambos os progenitores, ficando a menor a residir alternadamente 15 dias em casa da mãe e 15 dias em casa do pai.
15. Após 23 de Março a L (…) esteve com a mãe na Bélgica a passar uma quinzena numa ocasião: o requerente explicou à filha que ia ficar naquele país durante quinze dias, a criança chorou, dizendo que não queria ir. No dia combinado com a progenitora para a entrega, o requerente levou a L (…)até um parque infantil sito em …; a criança não chorava quando ficou na companhia da mãe embora não estivesse alegre.
16. Foi o requerente que, a pedido da requerida, foi buscar a filha à Bélgica.
17. Antes da segunda ida da menor para a companhia da mãe, em cumprimento do regime referido no ponto 12, quando o requerente falou à menor da viagem, a L (…) começou a chorar, a dizer que não queria ir para Bélgica, que não gostava, estando muito abalada.
18. Então, o requerente comunicou o comportamento da filha à requerida, e não lhe entregou a L (…) quando ela se dirigiu a sua casa para a ir buscar.
19. A partir daí, a requerida, quando se deslocava a Portugal, convivia com a filha em casa do requerente, por imposição deste, privando com a L (…) no quarto da criança durante algumas horas.
20. A requerida fazia-se acompanhar, nas suas deslocações a Portugal, de L (…). Porém, o requerente não o deixava entrar em casa, até que em determinada altura, a pedido da L (…), L (…) também foi autorizado a conviver com a menor.
21. A atitude do requerente descrita no ponto 19 deveu-se ao receio de a requerida fixar a residência da filha na Bélgica, tanto mais que inscrevera a L (…) num infantário naquele país, que a criança frequentou quando ali se deslocava com a mãe, e tentara contratar uma senhora portuguesa para ali cuidar da menor.
22. Pela mesma razão, o requerente deixou de levar a L (…) ao infantário, que frequentava desde Setembro de 2012, ficando a criança na companhia dos avós maternos enquanto o requerente estava a trabalhar.
23. Em 14/10/2015, em sede de nova conferência de pais, foi fixado o seguinte regime provisório:
- as responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância seriam exercidas em comum por ambos os progenitores, ficando a menor a residir junto dopai, que exercia as responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente;
- a mãe, quando se deslocasse a Portugal, o que deveria avisar o pai com a antecedência de 8 dias, poderia ter a filha na sua companhia durante dois períodos de quatro dias não seguidos, indo buscá-la ao infantário a partir das 16 horas e entregando-a, ou no infantário às 9h 30m ou em casa do pai às 17h 30m;
- a L (…) estaria com a mãe entre os dias 19 e 30 de Dezembro de 2015, sendo recolhida em casa dos pai às 10h do primeiro dia e entregue às 20h do último dia, podendo deslocar-se com a filha para a Bélgica;
- nas férias escolares da Páscoa de 2016, a L (…) estaria com a mãe desde o dia 20 de Março até ao dia 31 de Março, nos mesmos horários e condições da cláusula anterior;
- no aniversário seguinte da menor, caso a progenitora se deslocasse a Portugal, poderia almoçar com a filha, indo buscá-la a casa do pai às 10h e entregá-la às 17h, de forma a que o pai pudesse jantar com a filha;
- os pais comunicariam entre si os assuntos relativos à filha através dos seguintes endereços electrónicos: (…).
- a L (…) deveria passar a frequentar o infantário (… ) Cernache, ficando o pai obrigado a autorizar a sua recolha pela mãe de acordo com o estipulado na cláusula terceira;
- a mãe pagaria a título de pensão de alimentos à menor a quantia de € 150,00, até ao dia 10 de cada mês, através de depósito ou transferência bancária para conta com o IBAN : (…)
24. A L (…), que nas primeiras deslocações à Bélgica, chorava antes de ir para o pé da mãe, e quando regressava verbalizava não compreender os colegas do infantário belga, progressivamente passou a deslocar-se àquele país com agrado.
25. Quando a requerida se deslocava a Portugal para estar com a filha, pernoitavam no apartamento referido no ponto 6.
26. Em 6/6/2016 foi homologado o plano de férias da L (…) com os progenitores no verão de 2016: primeiras quinzenas de Julho e Agosto com a mãe e segundas quinzenas dos mesmos meses com o pai.
27. Em 21/9/2016 foi a L (…) autorizada a permanecer com a sua mãe de 25/9/2016 a 2/10/2016, podendo deslocar-se para a Bélgica, devendo a progenitora ir buscá-la e entregá-la em casa do pai, de forma a participar no casamento da requerida com L (…)
28. Nesta ocasião, quem entregou a L (…) à mãe foi a empregada do requerido: antes de a mãe chegar, na presença dos avós maternos, a L (…)dizia que não queria ir e chegou a chorar. Porém, quando a empregada a levou até ao exterior, ao pé da requerida, mãe e filha beijaram-se e a L (…)ficou bem, tendo perguntado pelos filhos do L (…) e se voltava para Portugal.
29. Em 12/12/2016 foi estabelecido que a L (…) passasse na companhia da sua progenitora o período que decorre entre os dias 26-12-2016 e 15-1-2017, passando na companhia do seu pai, pelo menos, a semana que antecede aquele dia.
30. Em 21/12/2016, por ter sido revogado o regime aludido no ponto 23, foi fixado o seguinte regime provisório:
a) - o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância cabia a ambos os progenitores em comum;
b) – o exercício das responsabilidades parentais nos actos da vida corrente cabia ao pai da L (…), com quem esta vivia habitualmente;
c) – a L (…) estaria com a mãe entre os dias 26/12/2016 e 15/1/2017;
d) – a mãe poderia ter a L (…) na sua companhia, em Portugal, durante 8 dias, seguidos ou interpolados, por mês, avisando o pai dos períodos em questão com a antecedência de oito dias, indo buscá-la ao infantário a partir das 16 horas (ou a casa do pai caso se trate de um sábado, domingo ou feriado) e entregando-a no infantário às 9h 30m ou em casa do pai às 17h 30m;
e) – no próximo aniversário da L (…) caso a mãe se deslocasse a Portugal, poderia almoçar com a filha, indo buscá-la ao infantário ou a casa do pai às 10 horas e entregando-a em casa do pai às 17h 30m, de forma a que o pai pudesse jantar com a filha;
f) – os pais comunicariam entre si os assuntos relativos à filha através dos endereços electrónicos mencionados anteriormente no processo;
g) – os pais poderiam comunicar com a filha diariamente, pelo telefone ou via facetime, entre as 19h 45m e as 20h (hora portuguesa), devendo ambos manter os respectivos aparelhos ligados;
h) – a mãe pagaria a título de alimentos à filha a quantia mensal de 150 euros, até ao dia 10 de cada mês, através de depósito/transferência para a conta mencionada anteriormente nos autos.
31. Em 23/2/2017 foi estabelecido que a L (…) passasse na companhia da sua progenitora de 22/4/2017 a 27/4/2017 e na companhia do progenitor de 27/4/2017 a 3/5/2017. Porém, existindo acordo dos pais noutro sentido, em 30/3/2017 foi determinado que a L (…) estivesse com a mãe de 9 a 17 de Abril de 2017 e de 25 de Abril a 1 de Maio.
32. Em 6/6/2017 foi determinado que a L (…) passaria de 23-6-2017 a 15-7-2017 e de 1-8-2017 a 15-7-2017 na companhia da mãe, podendo deslocar-se até à Bélgica, e passaria de 16-7-2017 a 31-7-2017 e de 16-8-2017 a 31-8-2017 na companhia do pai.
33.Enquanto viveram juntos, requerente e requerido cuidavam ambos da filha, partilhando entre si as tarefas de a levar e buscar à creche, de mudar a fralda, de dar banho, etc.
34. Sempre tiveram grande apoio dos avós maternos, bem como da avó e da tia paternas, apoios estes que mantêm ao requerente nos cuidados a prestar à L (…) quer na recolha da escola, quer quanto ao banho e jantar, que várias vezes são tomados em casa da avó paterna.
35. Inclusivamente, até ir para a creche, a L (…)ficava com os avós maternos enquanto os pais iam trabalhar, excepto no período em que a requerida a amamentou, em que a avó materna se deslocava e permanecia no local de trabalho da requerida.
36. O requerente era director técnico de uma farmácia em … e dava formações de nutrição na HHH, geralmente ao fim-de-semana.
37. A requerida trabalhava na HHH, dando formações geralmente em horário pós-laboral.
38. Os rendimentos auferidos pela requerida na HHH dependiam do volume de vendas que efectuava, sendo que receberia entre 2.250 e 2.500 euros ilíquidos por mês.
39. Após a separação das partes, o requerente manteve-se a viver na casa de morada de família: uma moradia de tipologia T4, com boas condições de habitabilidade e conforto
40. O requerente continua a ser proprietário e director técnico da farmácia, tendo horário flexível, sendo que não faz trabalho nocturno por causa da filha.
41. Os rendimentos mensais do requerente atingem os 2.313,19 euros.
42. Suporta as seguintes despesas:
- 600 euros de prestação bancária da casa;
- 170 euros de consumos domésticos e internet;
- 10 euros de seguros;
- 186 euros de mensalidade do infantário da filha (até Agosto de 2017);
- 30 euros de natação da filha.
43. A requerida vive com o marido e, em semanas alternadas, com os filhos deste, de 11 e 14 anos de idade, numa moradia com 900 metros quadrados, composta por 4 quartos, 2 salas, 4 casas de banho, 2 escritórios, sauna, sala de cinema e sala de fitness.
44. A requerida trabalha a partir de casa para a HHH, sendo remunerada pela empresa do marido, recebendo mensalmente 1.000 euros.
45. O marido da requerida aufere mensalmente 25.000 euros ilíquidos.
46. O marido da requerida tem uma empregada doméstica interna e jardineiro.
47. Em Setembro de 2017 a L (…) iniciou a escolaridade obrigatória.
48. A L (…) frequenta o judo e a natação.
49. Os avós maternos da L (…) cortaram relações com a requerida quando esta se separou do requerente e por causa disso.
50. Requerente e requerida nem sempre conseguem falar ao telefone com a filha, ou porque esta não quer falar com eles naquele momento, ou porque ligam a horas em que ela está a comer ou a dormir, ou porque o outro progenitor está num sítio sem rede ou sem bateria.
51. A interacção pai/filha é forte, de tal modo que na presença daquele a criança nem sequer reparar nos noutros familiares. O pai prioriza as necessidades e bem-estar da filha.
52. Existe uma boa relação afectiva entre mãe e filha. A L (…) mantém bom relacionamento com o marido da mãe e os filhos deste. A requerida cuida bem da filha.
53. Requerente e requerida exercem com a filha modelos parentais pautados por aceitação e expressão de apoio, estabelecendo com a L (…) uma comunicação clara e positiva. São ambos adequados na interacção com a filha, com quem trocam afectos, existindo forte proximidade e cumplicidade entre a criança e os pais.
54. A L (…)mantém boas relações com ambos os progenitores, sendo feliz com os dois. Gosta de estar na Bélgica e em Portugal, preferindo passar o período escolar em Portugal e as férias na Bélgica, pois gosta mais de estar na casa do pai e a seguir na casa da mãe.
*
Factos não provados:
(…)
c- que a requerida tenha emigrado sobretudo por razões profissionais, para obter um trabalho que lhe proporcionasse maiores rendimentos dos que os que tinha;
(…)
e- que o requerente tenha montado uma estratégia de afastamento da menor da mãe;
(…)

*
III - Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Alteração da matéria de facto.
- Residência da criança, com a mãe ou com o pai.

2.1. A recorrente impugna o facto provado 16. (cfr. conclusões de recurso 1º a 4º), pretendendo que a ele seja feito o pequeno acrescento que indica.
Para decidir a residência da menor não é importante saber se o facto descrito sob 16. aconteceu uma única vez. Para se solucionar tal questão o que é importante é saber, no superior interesse da criança, se ela fica melhor na residência exclusiva do pai ou da mãe, já que dada a distância geográfica entre as casas de ambos não é possível fixar uma residência alternada estável.
Ora, é apodíctico que a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.
Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.
Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.
Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide A. Geraldes, ob. cit., nota 11. ao art. 712º, pág. 298, e Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).
Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será inócua e insuficiente se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.
Considerando todo o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pela recorrente a tal facto 16. visa facto que se torna irrelevante, face à solução de direito a tomar, então a referida impugnação tem de ser indeferida.
2.2. A apelante impugna o facto provado 21. (cfr. conclusões de recurso 5º a 13º), defendendo que o “receio” nele referido não pode ser dado como provado. Cabe perguntar, então como fica a resposta a tal facto ?
Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.
Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:
i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
ii) Que o recorrente especifique o sentido concreto e correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;
iii) Que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;
iv) E por que razão assim seria, com análise crítica criteriosa;
v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.
A dita impugnação não pode proceder.
Na verdade, o referido facto, que está conexionado com o 19., não é tão simples que se adeqúe a uma resposta também directa de provado ou não provado, pois acaba por nele conter partes diversas, não podendo a impugnante dizer simplesmente que o facto não pode ser dado por provado, no referido segmento, antes se impondo que tome posição concreta sobre qual a decisão de facto a proferir, como resulta do acima mencionado art. 640º, nº 1, c). Portanto, na nossa situação concreta, atento esse diverso acervo fáctico, a apelante teria que manifestar qual a resposta a dar, designadamente se o facto deviam ser dado por não provado por inteiro, ou se apenas provado parcialmente, e nesta hipótese com que redacção, o que não fez em lado algum. Ou seja, não especificou qual a resposta que no seu entender se impunha fosse dada.
Nem se cogitando como possível ou admissível que seja o tribunal ad quem a fazê-lo, porque se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que a parte, além de indicar os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento, tenha de indicar qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do apelante, se impõe seja dado a tais impugnados pontos de facto.
No caso, vê-se que o recorrente não refere qual o sentido da decisão a proferir relativamente ao apontado ponto de facto, isto é, se devia ser considerado totalmente não provado, ou provado parcialmente ou com limitações (restritivas ou explicativas), e neste caso quais. Em suma, devia ter especificado ou indicado do facto que em concreto considera não provado se tal acontecia na totalidade ou se provado parcialmente, restritiva ou explicativamente, explicitando-o claramente, com a redacção que considerava apropriada.
Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente nas aludidas b) e c) do nº 1 do art. 640º do NCPC não se satisfaz, por exemplo, com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, ou que houve uma errada valoração da matéria de facto, ou que esta está incorrectamente julgada, ou que não vislumbra em que provas produzidas se baseou o tribunal a quo para dar como provados tais factos. Antes se exigindo ao impugnante que afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objectiva questão para apreciar, sendo que só sobre estas (a não se lhe impor qualquer situação excepcional de conhecimento oficioso, que não é o caso), se poderá pronunciar.
Aliás, a não se entender assim, haver-se-ia de concluir, por absurdo, que estava cometido ao tribunal de recurso averiguar as diversas soluções possíveis (ao nível da decisão da matéria de facto), e depois responder, fosse tal resposta favorável, menos favorável, ou prejudicial ao recorrente, impedindo-se, desta forma, que o mesmo pudesse concluir pela existência de uma das situações possíveis (vide Ac. da Rel. Porto, de 16.5.2005, Proc.0550879, em www.dgsi.pt), Inclusive esta interpretação que já decorria pacificamente da interpretação do art. 685º-B, nº 1, b), do CPC, é hoje ponto assente, por expressamente ter sido previsto no mencionado art. 640º, nº 1, c).
Em resumo e conclusão, pelas apontadas e explicitadas razões é de rejeitar a impugnação da matéria de facto apresentada pela apelante, relativamente ao apontado facto provado.
2.3. A recorrente também impugna o facto não provado e) (cfr. conclusões de recurso 14º a 20º), pretendendo que ele passe a provado com o acrescento temporal que indica.
É sabido que a lei manda considerar na elaboração da sentença que se seleccionem apenas factos substantivos, materiais, específicos ou concretos, como dimana do estatuído no art. 607º, nº 3 e 4º, 1ª parte do NCPC.
No nosso caso, o julgador de facto referiu na sua motivação que tal matéria era conclusiva “A matéria aludida na alínea e-, além de conclusiva …...”. E temos por acertada esta asserção, pois a afirmação de que o recorrido “tenha montado uma estratégia de afastamento” da menor da mãe só pode ser aceite como uma conclusão factual a extrair dos pertinentes factos que a ela conduzam.
Tendo em conta, então, que a impugnação de facto deduzida pela recorrente visa facto conclusivo, e não concreto ou material, a mesma tem de ser indeferida.
Mesmo que se configurasse tal matéria como um facto, por outra razão, ainda assim, a dita impugnação teria de improceder. Como se explicou supra no ponto 2.1., não se deve conhecer de impugnação de matéria irrelevante. O mesmo argumentário deve ser aplicado a matéria inútil/despicienda ou assim tornada supervenientemente.
Na verdade, como foi notado na fundamentação de direito da sentença recorrida (que mais abaixo será transcrita) a partir de 14.10.2015, data do segundo regime provisório fixado, tudo passou a correr bem, passando a requerida a conviver com a filha de forma regular e frequente, como demonstram aliás os factos provados 24. a 32., pelo que se algum estratégia de obstaculização havia por parte do pai ela dissipou-se posteriormente e de modo aparentemente definitivo.
2.4. A apelante também impugna o facto 54. (cfr. conclusões de recurso 21º a 24º), pretendendo que ele receba uma resposta restritiva, expurgando-se do mesmo a parte final. Isto porque é meramente conclusiva, além de o relatório de avaliação de onde foi retirado nada referir nesse sentido.
Começamos por rejeitar a afirmação de que se trata de um facto conclusivo. Na verdade, o gosto que um filho tem por preferencialmente estar numa das casas dos pais, é um dado apreensível e compreensível pelo comum dos cidadãos, e como tal um verdadeiro facto, embora de natureza sensorial, exteriorizável e social.
No demais, concorda-se com a apelante. Efectivamente, como consta da motivação da decisão da matéria de facto, a julgadora baseou-se unicamente em tal relatório para responder ao mencionado facto, nos seguintes termos: “O relatório de avaliação psicológica de fls. 592 e ss fundou a factualidade inserta nos pontos 53 e 54, tanto mais que a L(...) até foi levada pela mãe à entrevista forense, Esta avaliação não foi posta, de forma alguma, em crise pelas gravações de conversas com a criança juntas ao processo …..”.
E o que é certo, é que compulsado tal relatório (cfr. fls. 603 e 605) em lado algum vem referido o aludido segmento. Pelo que tal facto tem de ser expurgado da sua parte final, ficando com a nova redacção a negrito (e o anterior em letra minúscula).
54. A L (…)mantém boas relações com ambos os progenitores, sendo feliz com os dois. Gosta de estar na Bélgica e em Portugal, preferindo passar o período escolar em Portugal e as férias na Bélgica.
2.5. Para finalizar a recorrente também deduziu impugnação quanto ao facto 38. e aparentemente quanto ao facto não provado c), pois ambos vêm referidos no corpo das alegações (cfr. parte A.IV), embora este último facto não provado já não venha referido nas conclusões de recurso (cfr. conclusões de recurso 25º a 32º),
Só por si esta circunstância já afastaria o conhecimento da impugnação em recurso sobre tal facto não provado, pois como é sabido e foi resumido acima (em III deste acórdão) o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, nos termos dos arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC, pelo que se aprecia, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Por outro lado, verifica-se que a recorrente nada requer sobre tal facto não provado, pelo que a entender-se que a impugnação o abarca ela acabaria por volver-se numa impugnação inócua e vazia.
Assim, a verdadeira impugnação que há que apreciar é ao facto 38., pretendendo a apelante que ele receba uma resposta explicativa, com os acrescentos que propõe.
(…)
Pelo que, a resposta explicativa que a recorrente pretendia com os acrescentos que sugeriu deve ser feita, assim se deferindo a impugnação quanto a este ponto, ficando o novo facto 38. a negrito (e o anterior em letra minúscula).
38. Os rendimentos auferidos pela requerida na HHH dependiam do volume de vendas que efectuava, sendo que receberia entre 2.250 e 2.500 euros ilíquidos por mês, conjuntamente com o ex-marido/recorrido, despendendo a mesma, pelo menos 600 € mensais em arrendamento de espaço onde desenvolvia a sua actividade.
3. Relativamente ao exercício das responsabilidades parentais e suas diversas modalidades podemos afirmar, sem grandes dúvidas, que se destacam quatro (com mais ou menos variáveis), modalidades estas também reconhecíveis pela doutrina e jurisprudência.
A “guarda exclusiva” correspondente ao exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva. A “guarda conjunta” correspondente ao exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva a um dos progenitores e um regime de visitas a outro. A “guarda alternada” será a residência alternada com exercício exclusivo nos respectivos períodos de residência de cada um dos pais. E a “guarda compartilhada” é vista como o exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada.
A lei, como decorre claramente do art. 1906º, nº 1 e 2, do CC, estabelece, em regra, as soluções de guarda conjunta ou compartilhada, pois permite que o exercício das responsabilidades parentais seja levado a cabo por ambos os pais relativamente às questões de particular importância para a vida do filho.
Nas circunstâncias do caso concreto dado que os pais residem em locais afastados um do outro em cerca de 2000 quilómetros é destituído de qualquer sentido prático e útil fixar uma residência alternada. Pelo que a solução lógica e natural era optar pela guarda conjunta. Que foi a solução escolhida pela decisão recorrida e bem.
A questão seguinte era escolher qual das residências para a menor. Optou-se pela do pai, com a seguinte fundamentação.
Conforme salienta Rui Epifânio (in Organização Tutelar de Menores, Contributo para uma visão interdisciplinar do direito de menores e de família, p. 328), «A decisão sobre o exercício do poder paternal deverá ser norteada prioritariamente pela defesa dos interesses do menor, visando em suma, como condição do seu equilíbrio e desenvolvimento a integração do menor num núcleo familiar estável, com respeito pela posição igualitária de ambos os progenitores quanto aos direitos e deveres da sua educação e manutenção».
A referência ao «interesse do menor» é feita em diversos textos legais, como o princípio 2 do anexo à Recomendação nº R (84) 4, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28/9/84, que estabelece: «qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como essas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos».
Trata-se de um conceito jurídico indeterminado que, portanto, o legislador não definiu, e que há-de ser casuisticamente concretizado, tendo como meta «o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade» - cfr. Almiro Rodrigues, in Interesse do Menor – Contributo para uma Definição.
As crianças necessitam de ambos os progenitores, e os conflitos conjugais devem deixar intactas as relações parentais.
Em suma, compete ao Tribunal, averiguando o concreto interesse da criança, optar pela solução que atenue a desestabilização e descontinuidade na sua vida, sempre inerente à separação dos seus progenitores.
As responsabilidades parentais – expressão que com a Lei nº 61/2008 substituiu o tradicional «poder paternal» - reportam-se de forma mais nítida a um poder-dever, isto é, ao conjunto de direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, cujo exercício deve ter em mente o interesse das crianças, e não tanto um direito subjectivo dos pais perante o Estado e os filhos. Nas palavras de Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, p. 20, «A natureza jurídica do cuidado ou da responsabilidade parental consiste numa função destinada a promover o desenvolvimento, a educação e a protecção dos filhos menores não emancipados».
(…)
Nos termos do artigo 1878º do C.C., compete aos pais velar pela segurança e saúde dos filhos, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e ainda proceder à administração dos seus bens.
Residência da L (…)
O artigo 1906º do C.C., na redacção dada pela Lei nº 61/2008 de 31/10, dispõe, na parte que aqui interessa, o seguinte:
«1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
5. O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
7. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.».
Dúvidas não temos, no caso em apreço, em determinar que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da L (…) continuem a ser exercidas em comum por ambos os progenitores, por não se verificar a previsão do nº 2 do artigo 1906º do C.C..
A noção de «questões de particular importância» não nos é dada na Lei, cabendo à Jurisprudência e à Doutrina a sua definição.
Porém, é inequívoco que o legislador pretendeu restringir o âmbito deste conceito, como se retira da Exposição de motivos do Projecto de Lei nº 509/X (que esteve na origem da Lei nº 61/2008): «espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças. Pretende-se que o regime seja praticável … e para que isso aconteça pode ser vantajoso não forçar contactos frequentes entre os progenitores.».
Ou seja, o legislador consagrou um regime mitigado de exercício conjunto das responsabilidades parentais – apenas nas questões de particular importância, abrangendo estas um número reduzido de situações, sob pena de se paralisar a vida das crianças por haver necessidade de aguardar o acordo dos pais ou a decisão do tribunal.
De qualquer modo, parece haver unanimidade na doutrina acerca de considerar como questão de particular importância a residência da criança num país estrangeiro:
- Helena Bolieiro e Paulo Guerra, in A Criança e a Família – uma Questão de Direito(s), p. 175-176, assim consideram a saída do filho para o estrangeiro em mudança de residência, com carácter duradouro;
- Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Baptista Carvalho, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal e Felicidade d´Oliveira, in Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, p. 138 e ss, assim também tendencialmente consideram a mudança de residência para local que implique um grande afastamento geográfico, mormente se para as Ilhas ou estrangeiro;
Daqui retira-se que nenhum dos progenitores da L (…) poderia fixar a residência desta no estrangeiro sem o consentimento do outro.
No caso em apreço, os progenitores da L (…)pretendem que a residência habitual da filha fique fixada junto de si. É certo que, quando se separaram, os progenitores acordaram extrajudicialmente em que a filha passasse a residir com ambos, de forma alternada e em períodos não fixos (que dependiam das deslocações ao estrangeiro que a progenitora fazia), e que tal regime funcionou, a bem da L (…), durante mais do que um ano.
Porém, quando a requerida passou a residir na Bélgica e pretendeu que a residência da filha, quando estivesse consigo, ocorresse na Bélgica, e o requerente não concordou, tal inviabilizou o estabelecimento desse regime, por se tratar de uma questão de particular importância, a exigir o acordo de ambos os progenitores.
Mais, tal regime – 15 dias em Portugal e 15 dias noutro país – é nitidamente contrário aos interesses de qualquer criança, dada a distância existente entre Portugal e a Bélgica, com a agravante de se tratar de países com línguas distintas !
(…)
Assim, importa decidir se a L (…) continua a residir habitualmente com o pai, ou se passa a residir habitualmente com a mãe, cabendo àquele ou a esta, respectivamente, o exercício das responsabilidades parentais nos actos da vida corrente.
Mais uma vez, é na perspectiva do interesse da criança que deve ser decidida esta questão, importando averiguar se ambos os progenitores são idóneos para dela cuidar e, em caso afirmativo, analisar os factores favoráveis a um e a outro.
O legislador não elencou os factores a atender pelo Juiz nesta tarefa de decidir com quem fica a criança a residir habitualmente.
Seguimos então os critérios avançados por Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, p. 44-47:
A – Factores relativos à criança:
- as suas necessidades físicas, religiosas, intelectuais e materiais;
- o seu sexo;
- a sua idade;
- o seu grau de desenvolvimento físico e psíquico;
- a continuidade das relações afectivas da criança;
- a adaptação da criança ao ambiente extra-familiar de origem (escola, amigos, comunidade, actividades não escolares) ;
- os efeitos de uma eventual mudança de residência causados por uma ruptura com este ambiente;
- o seu comportamento social;
- a sua preferência .
B – Factores relativos aos pais:
- a capacidade dos pais para satisfazer as necessidades do filho;
- o tempo disponível para cuidar deste;
- a sua saúde física e mental;
- o seu sexo;
- a continuidade das relações afectivas da criança;
- o afecto que cada um dos progenitores sente pelo filho;
- o seu estilo de vida e comportamento moral;
- a sua religião;
- a sua situação financeira;
- a sua ocupação profissional;
- a estabilidade do ambiente que cada um deles pode facultar ao filho;
- a vontade que cada um deles manifesta de manter e incentivar a relação dos filhos com o outro progenitor.
C – Outros factores:
- condições geográficas – proximidade da casa de um dos pais da escola do filho;
- condições materiais – características físicas de cada casa, possibilidade de criação de um espaço próprio para a criança, número de ocupantes da casa;
- condições familiares – companhia de outros irmãos, assistência prestada a um dos pais por outros membros da família, relação da criança com os novos cônjuges/companheiros dos progenitores .
No caso em análise, ambos os progenitores são pessoas idóneas e capazes de assegurar o bem-estar e o desenvolvimento harmonioso da filha.
Importa então analisar, dos factores acabados de elencar, os favoráveis a cada uma das posições.
A idade da L (…) não é minimamente impeditiva de ficar a residir habitualmente com a mãe ou com o pai.
Ambos os progenitores revelam capacidade para satisfazer as necessidades da filha, nomeadamente a nível emocional – cfr. o ponto 53 dos factos provados.
Ambos foram pais «cuidadores» enquanto viveram todos juntos, ou seja, nos primeiros tempos de vida da filha (cfr. o ponto 33 dos factos provados).
A situação financeira dos progenitores, embora diversa, não assume relevo no caso em apreço. O mesmo se diga das respectivas casas.
Porém, a manutenção da residência da L (…)junto do pai, proporcionar-lhe-á um contacto regular com a família alargada, onde se destacam os avós maternos, a avó paterna e a tia paterna; o que não sucederá se passar a residir habitualmente com a mãe.
Por outro lado, a manutenção da residência da L (…) junto do pai garante que a criança mantenha a frequência da mesma escola (repare-se que iniciou entretanto a escolaridade obrigatória), a ligação aos colegas e a frequência das actividades extra-curriculares que pratica; enquanto que a residência junto da mãe implica uma alteração de todas estas rotinas e a necessidade de aprender rapidamente uma língua estrangeira para acompanhar o percurso escolar belga.
A mãe terá mais disponibilidade (leia-se tempo) para acompanhar a filha do que o pai, dado que trabalha em casa. Contudo, este tem o apoio de familiares próximos em quem pode delegar esse acompanhamento, além de que adaptou a sua vida profissional em função da filha, ao deixar de fazer trabalho nocturno.
A L (…) relaciona-se bem com o marido da sua mãe e com os filhos deste (cfr. o ponto 52 dos factos provados). Contudo, tal não constitui uma desvantagem para o progenitor.
A requerida invoca que o requerente obstaculariza o convívio da filha consigo, sendo que a vontade que cada um dos progenitores manifesta de manter e incentivar a relação dos filhos com o outro progenitor é um dos factores elencados supra e que deve ser considerado pelo julgador na determinação da residência da criança (cfr. o nº 5 do artigo 1906º do C.C.).
Analisemos o comportamento do requerente:
Após a fixação do regime provisório aludido no ponto 14 dos factos provados, a L (…) esteve na Bélgica com a mãe uma vez a passar 15 dias. Ao saber que ía ficar 15 dias na Bélgica, a criança chorou, dizendo que não querida ir. Porém, no dia da entrega à mãe, a L (…)ficou na companhia da requerida sem chorar, embora não estivesse alegre.
Antes da segunda ida, quando o requerente lhe falou na viagem, a L (…) voltou a chorar e a dizer que não queria ir para a Bélgica, que não gostava, ficando muito abalada.
Na sequência, o requerente contou à requerida a reacção da filha, e não lhe entregou a L (…) quando ela se dirigiu a sua casa para a ir buscar.
Mais, analisando os autos, verificamos que no imediato (em 28/4/2015) o requerente descreve o sucedido no processo e requer a alteração do regime provisório.
Ora, o requerente, como pai, não podia ficar inerte, passivo em face do sofrimento da filha, na altura com apenas quatro anos de idade, ao confrontar-se com a ida para outro país durante 15 dias, ainda que na companhia da mãe.
É o dever de protecção que explica o aparente incumprimento do regime mencionado no ponto 14 dos factos provados, tanto mais que, na conferência de pais seguinte, o regime provisório foi alterado.
Continuando a analisar o comportamento do requerente, a partir de então, o requerente impôs à requerida que o convívio com a filha ocorresse em sua casa do requerente, durante algumas horas.
Esta atitude deveu-se ao receio de a requerida fixar a residência da filha na Bélgica, tanto mais que inscrevera a L (…) num infantário naquele país, que a criança frequentou quando ali se deslocava com a mãe, e tentara contratar uma senhora portuguesa para ali cuidar da menor.
Pela mesma razão, o requerente deixou de levar a L (…) ao infantário, que frequentava desde Setembro de 2012, ficando a criança na companhia dos avós maternos enquanto o requerente estava a trabalhar.
Com este comportamento, o requerente efectivamente limitou o convívio da L (…) com a sua mãe, na medida em que, ao invés de estar com ela durante meio mês, apenas privavam algumas horas nos dias em que a requerida se deslocava a Portugal.
Contudo, afirmar que tal comportamento foi absolutamente imotivado não corresponde à verdade, pois além do que consta do ponto 21 dos factos provados, anteriormente a requerida havia-se deslocado com a filha para a Bélgica sem avisar o requerente – cfr. o ponto 13.
De qualquer modo, desde que foi estabelecido, em 14/10/2015, novo regime provisório, que a requerida tem estado a conviver com a sua filha de forma regular e frequente, pelo que está afastado o fantasma de o requerente vir a obstacularizar o convívio da filha com a mãe, de futuro.
A opinião da L (…) também tem de ser considerada. O artigo 12º da Convenção sobre os Direitos da Criança consagra o dever de os Estados Partes garantirem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
Ora, a L (…), pese embora seja feliz com ambos os progenitores, sendo, por isso, de lamentar que estes não residam na mesma localidade, de forma a que pudesse ser instituído o regime de «residência alternada», prefere passar o período escolar em Portugal e as férias na Bélgica, pois gosta mais de estar na casa do pai e, a seguir, na da mãe.
Pesando todos estes aspectos, entendo que é do interesse L (…) manter a situação actual, que tem vindo a garantir o seu desenvolvimento, a sua educação e estabilidade emocional.
Subscrevendo o Acórdão da Relação do Porto de 13/7/2006 (processo 0633817, relator: Fernando Baptista, in www.dgsi.pt), «essencial é salvaguardar a satisfação da necessidade básica da criança de continuidade das suas relações afectivas sob pena de se criarem graves sentimentos de insegurança e ser afectado o seu normal desenvolvimento».”.
Descendo ao caso em análise, os factos provados mostram que há uma forte relação afectiva da criança com cada um dos pais e destes com a filha. Ambos têm demonstrado disponibilidade para prestar à criança os cuidados necessários à sua saúde, alimentação, educação social e cultural e ambos foram cuidadores. Ambos têm apoio familiar, mantendo a criança com tais familiares relações de carinho e afectividade. Ambos têm condições económicas e habitacionais regulares para ter a filha.
Desta maneira, sobressai uma equivalência de condições oferecidas por cada um dos progenitores, quer pela ligação afectiva que ambos os progenitores mantêm com a menor, quer pela capacidade de qualquer um deles para desempenhar o papel de “cuidador primário” ou de “referência” da menor, sem que se consiga afirmar que só um deles se apresenta como a figura parental de referência. De sorte que no nosso caso, a solução a adoptar na 1ª instância, pelo pai ou pela mãe corresponderia seguramente ao superior interesse da criança. Mas como, no nosso caso concreto, só se pode escolher, por força das circunstâncias, a residência de um dos pais a sentença recorrida optou pela do pai e entendemos que acertadamente.
A recorrente objecta que os quatros factores que levaram à decisão recorrida – o facto de a menor estar junto da família alargada na residência do pai, o que não sucederia com a mãe; o facto da residência com a mãe implicar uma alteração de rotinas e necessidade de aprender rapidamente uma língua estrangeira para acompanhar o percurso escolar; o facto de o recorrido não obstaculizar o convívio da sua filha com a recorrente; a opinião da L (…) – não foram configurados correctamente (conclusões de recurso 33º e segs.). Mas em rigor não é bem assim, se ponderados equilibradamente e sensatamente os factores referidos na fundamentação jurídica da sentença sob recurso
Repita-se que, face sobretudo aos factos 51. a 53., ambos os pais são figuras de referência da menor e em qualquer um poderia ser fixada a residência da menor, pois certamente cuidariam bem da menor.
O terceiro factor erguido pela recorrente é neste momento despiciendo, visto que, como já acima mencionado, desde que foi estabelecido, em Outubro de 2015, o segundo regime provisório a recorrente tem estado a conviver com a sua filha de forma regular e frequente, não se divisando algum obstáculo para o futuro, por parte do pai, para impedir ou dificultar o convívio da filha com a mãe.
O segundo factor, com que a apelante objecta, é indesmentível e corresponde, objectivamente vistas as coisas, à verdade, pois a mudança da menor, actualmente com 7 anos, para a residência com a mãe implicaria uma alteração de rotinas e hábitos e necessidade de aprender rapidamente uma língua estrangeira para acompanhar o percurso escolar. Pelo contrário, a permanência da residência da menor junto do pai assegura garante que a mesma mantenha a frequência da mesma escola, pois entretanto iniciou a escolaridade obrigatória, e a ligação aos colegas e continuidade da frequência das actividades extra-curriculares que pratica.
Por outro lado, quanto ao primeiro factor, é verídico que a permanência da residência da mãe junto do pai lhe proporcionar um contacto regular com a família alargada, onde se destacam os avós maternos, a avó paterna e a tia paterna, família que conhece desde que nasceu, e que sempre revelaram, também, características de cuidadores e figuras de referência da criança, o que não acontece com a mãe, pois até hoje nem o marido da mãe L (…) nem os 2 filhos deste foram referências essenciais e contínuas na vida da menor. Dir-se-á que a mãe terá actualmente mais disponibilidade, mais tempo, para acompanhar a filha do que o pai, dado que trabalha em casa, mas como justamente se observa na decisão recorrida, o pai tem o apoio de familiares próximos em quem pode delegar parte desse acompanhamento, além de ter adaptado a sua vida profissional em função da filha, ao deixar de fazer trabalho nocturno.
Last but not the least, a opinião da menor tem de ser equacionada e salvo alguma razão relevante que a dispense tem manifestamente o seu peso. Ora, como resulta do facto 54. a L (…), apesar de ser feliz com ambos os progenitores, prefere passar o período escolar em Portugal e as férias na Bélgica.
Sopesando, portanto, os três aludidos factores, entendemos que a decisão recorrida decidiu de maneira acertada, não merecendo censura.
4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância ou suficiência jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente; o mesmo raciocínio se aplica a matéria factual que supervenientemente se tornou inútil/despicienda;

ii) Se tal reapreciação visa meras conclusões de facto, as mesmas não podem ser objecto de consideração já que a lei manda seleccionar na elaboração da sentença apenas factos substantivos, materiais, específicos ou concretos (art. 607º, nº 3 e 4º, 1ª parte do NCPC);

iii) Quando se impugna a matéria de facto, deve afirmar-se e especificar-se as respostas que, na óptica do recorrente, devem ser dadas em concreto aos respectivos pontos de facto que tal recorrente pretende ver alterados; a omissão desse ónus de especificação imposto pelo art. 640º, nº 1, c), do NCPC, implica a rejeição do recurso em matéria de facto;

iv) Se após a separação do casal, os pais ficarem a residir muito longe um do outro (cerca de 2.000 km) não é possível optar por uma solução de residência alternada, devendo fixar-se residência única à menor junto de um deles;

v) Se os elementos fácticos dos autos demonstram uma equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores – em que ambos garantiriam o superior interesse da menor - mas não é possível uma guarda compartilhada, impõe-se a opção pelo regime da guarda conjunta, fixando-se a residência da menor junto do progenitor que evidencia os seguintes três factores: a circunstância de a menor estar junto da família alargada (avós maternos e paternos e tia paterna) na residência do pai, o que não sucederia com a mãe; o facto da residência com a mãe implicar uma alteração de rotinas escolares e sociais e necessidade de aprender rapidamente uma língua estrangeira para acompanhar o percurso escolar; a opinião da menor de 7 anos de idade que manifestou preferência em estar durante o período escolar com o pai (em Portugal) e nas férias com a mãe (na Bélgica).



IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.
*
Custas pela apelante.
*

Coimbra, 16.10.2018

Moreira do Carmo ( Relator )
Fonte Ramos
Maria João Areias