Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
899/08.2TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
REDE ELÉCTRICA
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.10, 204, 1305, 1308, 1310 CC, DL Nº 43335 DE 9/11/1960
Sumário: 1. Face ao disposto nos artigos 43.º e 44.º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, o proprietário pode exigir da concessionária a deslocação dos postes e linhas eléctricas que passam pelo seu prédio, quer quando pretende ampliar um edifício existente, quer mesmo nos casos em que visa construir um edifício novo ou ampliar um existente, mas para afectar a fim diverso do prosseguido até então.

2. Quer se trate de construir ou ampliar edifícios, quer de executar outro tipo de actividade apropriada à optimização da exploração dos prédios, como é o caso da instalação de um pivot de rega rotativo, a deslocação dos postes justifica-se com os mesmos argumentos: interesses relevantes e justificativos do proprietário e ausência de inconvenientes de ordem técnica.

3. A previsão normativa relativa apenas à construção ou ampliação de edifícios deixa de fora outros casos em que os interesses do proprietário requerem tratamento igual, resultando de tal restrição uma lacuna de regulamentação a preencher por aplicação analógica do mesmo regime previsto para construção ou ampliação de edifícios.

4. Só nos casos em que a existência da lacuna, respectiva detecção e integração, com recurso a norma aplicável por analogia, estejam ao alcance do bonus pater famílias é que se poderá impor ao obrigado o dever de diligência que resulte desta operação de interpretação, integração e aplicação da lei.

5. Tendo o Autor pedido a alteração do traçado da linha em 2 de Agosto de 2007, sem ter instruído o pedido com qualquer proposta de traçado alternativo, e tendo a Ré concessionária apresentado, em 27 de Março seguinte, o projecto de alteração a licenciamento pela entidade administrativa competente, tendo carecido de estudar a situação no local, de elaborar o respectivo levantamento topográfico, necessário ao estudo e decisão do novo traçado, o qual exigiu a alteração das linhas em 641 metros de extensão, com a colocação de cinco postes (apoios), não se pode concluir pela negligência da Ré se do processo não constam factos que mostrem exactamente que esta obra poderia ter sido executada em menos tempo.

6. A Ré não tem direito a ser indemnizada relativamente aos custos originados pela mudança dos postes, devido ao facto de não ter adoptado os procedimentos previstos nos artigos 44.º e 45.º do mesmo decreto-lei, no âmbito dos quais se decidiria se ela tinha ou não tinha o direito de ser indemnizada e respectivo montante.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente/Autor ….N (…), portador do BI n.º ..., residente em (…) , Tomar.

Recorrida/Ré…….E.D.P. Distribuição – Energia, S.A., com sede na Rua Camilo Castelo Branco, n.º 43, 1050-944 Lisboa.


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I. Relatório.

a) O Autor instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, com o fim de obter a condenação da Ré a desviar dois postes integrados na sua rede de distribuição eléctrica e que se encontravam colocados numa propriedade agrícola do Autor.

O Autor pretendeu tal deslocação devido ao facto de ter decidido implementar um sistema de rega na sua propriedade, conhecido por pivot rotativo, o que implicava a deslocação dos postes por estes constituírem um obstáculo que impedia o funcionamento de tal sistema de rega.

Alega que pediu à Ré a mudança dos postes, pela primeira vez, em 2 de Agosto de 2007, e que, decorridos onze meses, a Ré ainda não tinha efectuado a mudança dos postes.

Como o Autor já tinha estabelecido compromissos comerciais relativos à venda da produção agrícola nesses terrenos, ficou impedido, devido à demora na deslocação dos postes, de efectuar nesse período uma sementeira de milho, em Agosto de 2007, bem como uma sementeira de trigo em Outubro do mesmo ano e ainda uma segunda sementeira de milho em 2008 e de obter as correspondentes receitas.

Por esta razão, o Autor pede a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €68940,00 euros, a título de indemnização pelos rendimentos que podia ter obtido e não obteve.

Pediu ainda a condenação da Ré em sanção pecuniária compulsória, no montante de €50,00 euros, por cada dia de atraso no desvio dos dois postes, a partir do trânsito em julgado da decisão que o determine.

A Ré contestou.

Diz que a mudança dos postes não é tarefa que se realize de um dia para o outro e que atendeu ao pedido do Autor com a diligência devida, tendo já desviado os postes, não podendo, por isso, ser responsabilizada por quaisquer prejuízos.

Deduziu reconvenção para pedir do Autor a quantia de €5 866,00 euros a título de comparticipação, na proporção de metade, no custo das respectivas obras.

O Autor contestou o pedido reconvencional alegando que nada tem a pagar à Ré por ser obrigação desta e só dela deslocar os postes para local onde não causem prejuízos aos proprietários dos terrenos.

O processo prosseguiu. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que absolveu a Ré do pedido, por se ter considerado que a Ré procedeu à deslocação dos postes com a diligência devida, e absolveu também o Autor do pedido reconvencional.

b) O Autor recorre, em síntese, por continuar a entender que a Ré não agiu com a diligência devida.

Concluiu, assim:

«A) O recorrente tem uma exploração agrícola com um área de 5,678 Hectares, onde se encontravam implantados dois postes da recorrida;

B) O recorrente enviou à recorrida sucessivas interpelações para desvio dos postes, mesmo antes de instalar o sistema de rega pivot rotativo, tendo a primeira interpelação ocorrido em 02.08.2007 e a última em 09.06.2008 NJA;

C) Na data da NJA informou a R. que já tinha um prejuízo de € 41.200,00;

D) A exploração agrícola do recorrente é mais rentável e técnica e economicamente mais viável com o sistema de rega pivot rotativo;

E) O Pivot Rotativo não pode funcionar com os postes implantados no meio da exploração, o que obsta à rega das sementeiras;

F) No período de Agosto de 2007 a Agosto de 2008, o recorrente não pôde realizar qualquer sementeira;

G) No período sub iudice o recorrente poderia ter realizado pelo menos duas sementeiras;

H) A R., só ao fim de 8 meses é que encomenda 1 poste;

I) A R. só ao fim de 1 ano (13 de Agosto de 2008) é que desvia os dois postes que obstavam à rega pelo sistema pivot;

J) A R. é a única responsável pela deslocalização dos postes, ainda que não o pudesse realizar como se compreende de um dia para o outro, certamente que levar um ano para o fazer (sem informar o A.) do tempo que poderia demorar não é aceitável;

L) A imputação de responsabilidades a terceiros por parte da R., não colhe frutos como se demonstrou, pois como resulta da prova a demora de um ano em desviar os postes só à R. pode ser imputada;

M) A R. é a única responsável pela alteração e modificação das linhas de alta tensão, tendo o A., direito a exigir do concessionário, o afastamento ou substituição dos apoios das linhas; (DL 43335 de 19.11.1960);

N) O A. (proprietário do terreno) deverá ser indemnizado pelo concessionário ou proprietário da linha sempre que daquela utilização resulte redução de rendimento ou diminuição da área de propriedade; (DL 43335 de 19.11.1960);

O) O A. já tinha acordado (fls.175 a 176) a venda de toda a produção de cereais que retirasse da exploração indicada em A.;

P) A R. é única responsável por tais prejuízos, por não ter diligenciado no afastamento dos postes da propriedade do recorrente, originando consequentemente a perca de rendimento que já se demonstrou;

R) Verificando-se toda a prova produzida e os factos assentes que serviram de fundamento à decisão, se o recorrente entre Agosto de 2007 e Agosto de 2008, não realizou qualquer sementeira, e poderia ter realizado pelo menos duas,

S) Sendo um delas de milho OGM (art.19 sentença), e outra de trigo, deixou de ter rendimento pelo menos relativamente a duas sementeiras;

T) E, pela inércia da R., esta deverá ser condenada a indemnizar o recorrente na perca de rendimento relativamente a uma sementeira de milho OGM (organismos geneticamente modificáveis) e outra de trigo;

U) Pelos factos assentes que serviram de fundamento à douta decisão, deverá a R. ser condenada a indemnizar o recorrente pela perca de rendimento, com base nos valores dados como provados, assim se condenando a recorrida em indemnização a favor do recorrente, nos seguintes termos;

Milho OGM (14.000 kg/Hectare x 5,678 hectares x €0,24/Kg) = €19.078,08;

Trigo ( 6.000Kg/Hectare x 5,678 hectares x 0,25/Kg) = € 8.517,00;

V) A R. ora recorrida é única responsável pelos prejuízos causados na pessoa do A., nos termos do disposto no Art.º 37 do D.L. 43335 de 19.11.1960, devendo em consequência a ser condenada na indemnização ora calculada de acordo com os factos dados como provados numa indemnização global de €27.595,08;

Termos em que, deve a decisão ora sob recurso ser alterada, assim se condenando a Recorrida nos exactos termos do requerido sub iudice, e no mais de acordo com a fundamentação da douta sentença, assim condenando a R. no pagamento da indemnização global de € 27.595,08, pela perca de rendimento originada pela omissão da R. na remoção dos postes que impediam a rega das sementeiras; Sem prescindir, e caso assim se não entenda,

Deve a sentença recorrida ser revogada, julgando-se:

- Nula a douta sentença, nos termos do disposto na al. c) do Artº 668º, com as demais consequências legais».

A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido, reafirmando a sua diligência na resolução do caso, que passou pelo estudo da situação, obtenção das licenças necessárias e execução da obra.

Interpôs recurso subordinado relativamente à improcedência do pedido reconvencional.

Concluiu desta forma:

«1. A Ré logrou demonstrar:

 Na sequência do pedido efectuado pelo Autor a Ré encetou estudo do traçado da modificação da linha eléctrica.

3. A Ré procedeu à elaboração do projecto da obra.

4. Elaborou levantamento topográfico da zona da modificação.

5. O novo traçado veio interferir com a zona de influência do rio Nabão.

6. Nestas circunstâncias a realização da obra de modificação da rede de MT implicou um processo prévio de licenciamento a correr na Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo do Ministério da Economia.

7. O processo foi enviado para licenciamento em 27/3/2008 instruído com os seguintes documentos: 4 exemplares do projecto; 1 exemplar cruz Telecom; 1 exemplar do Projecto MAOTDR; e 1 requerimento.

8. O processo a partir de 27 de Março de 2008 ficou sob a égide da Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo do Ministério da Economia, entidade responsável pelo licenciamento das redes eléctricas.

9. A modificação pretendida pelo A. implica a alteração do traçado entre o apoio nº 10 e o PT LMR 0050D numa extensão de 641 metros.

10. A modificação pretendida pelo Autor implica a implantação de 2 apoios de 16 metros, 2 apoios de 18 metros e um apoio de 22 metros.

11. Foram encomendados apoios de betão para a obra.

12. Foi necessário o transporte especial de tais apoios para o local.

13. A modificação executada pela Ré e pretendida pelo Autor teve custos.

14. A R. executou o desvio pretendido.

15. Nestas circunstâncias tem direito ao respectivo preço.

16. Face ao exposto, deve o A. reconvindo ser condenado a pagar a modificação que solicitou.

17. Tanto mais que para a situação subjacente não se aplica o disposto nos artºs 43 e 44 do DL 43.335, de 19.11.60, por não estar em causa nenhum edifício.

Termos em que deve negar-se provimento ao recurso do A. e julgar-se procedente o recurso subordinado, condenando-se o A. reconvindo a pagar à R. reconvinte o montante por esta pedido, tudo com as legais consequências».

O Autor não contra-alegou.

II. Objecto dos recursos.

O objecto dos recursos consiste no seguinte:

Em primeiro lugar, por se tratar de questão processual, será analisada a arguição da nulidade da sentença.

Em segundo lugar, se a primeira questão improceder, cumpre verificar se a actuação da Ré se revelou ilícita e culposa, por forma a gerar na esfera jurídica do Autor um direito de indemnização correspondente aos rendimentos agrícolas que deixou de auferir e cuja causa imputa à acção da Ré.

Em terceiro lugar, se for caso disso, determinar o montante da indemnização a favor do Autor.

Por fim, será analisado o pedido reconvencional, para verificar se a Ré tem direito a ser indemnizada das despesas que efectuou com a deslocação dos postes e, se também for caso disso, determinar o respectivo montante.

III. Fundamentação.

1) Factos provados.

1 - Encontram-se inscritos a favor do Autor, na respectiva matriz predial rústica, os seguintes prédios: artigos matriciais números 66, 67, 68, 95, 96, 97, 99, 102, 103, 104, 105 e 106 – al. a) dos factos assentes.

2 - Nos prédios referidos em a) dos factos assentes, o Autor tem instalada uma exploração agrícola destinada ao cultivo de cereais com a área de 5, 678 hectares – quesito 1.º.

3 - Para rentabilizar a exploração, o Autor adquiriu um sistema de rega Pivot Rotativo – quesito 2.º.

4 - A Ré é detentora de uma rede eléctrica de média tensão denominada linha MT a 30 kV para o PT TMR 0050D – Santa Cita, ..., Tomar – al. f) dos factos assentes.

5 - A licença de estabelecimento desta rede foi concedida a 13 de Novembro de 1994 – Documentos fols.186 e 137.

6 - Na instalação agrícola referida em a) dos factos assentes encontram-se implantados dois postes – quesito 3.º.

7 - A rega no local é mais viável técnica e economicamente com o referido pivot – quesito 4.º.

8 - O pivot não pode funcionar com os postes na exploração, obstando à rega das sementeiras – quesito 5.º.

9 - Por carta datada de 02 de Agosto de 2007, o Autor solicitou à Ré o desvio dos referidos dois postes, não obtendo resposta escrita – quesito 6.º.

10 - Por carta datada de 18 de Outubro de 2007, o Autor solicitou de novo à Ré o desvio dos referidos dois postes, não obtendo resposta escrita – quesito 7.º.

11 - No dia 06 de Novembro de 2007, o Autor entregou em mão um requerimento a solicitar à Ré o desvio dos referidos dois postes, não obtendo resposta escrita – quesito 8.º.

12 - Por fax datado de 30 de Novembro de 2007, o Autor solicitou de novo à Ré o desvio dos referidos dois postes, não obtendo resposta escrita – quesito 9.

13 - No dia 11 de Dezembro de 2007 o Autor entregou em mão um requerimento a solicitar à Ré o desvio dos referidos dois postes, não obtendo resposta – quesito 10.º.

14 - No dia 26 de Fevereiro de 2008 o Autor entregou em mão um requerimento a solicitar à Ré o desvio dos referidos dois postes – quesito 11.º

15 – Com o pedido de modificação efectuado, o Autor não instruiu nenhuma proposta de traçado alternativo – al. h) dos factos assentes.

16 - O Autor recebeu da Ré a carta datada de 01 de Abril de 2008, na qual esta informou que a empresa iria modificar a instalação da linha MT a 30 KV para o PT TMR 0050D – Santa Cita, trabalhos a iniciar em data oportuna e que, como a linha de Média Tensão atravessava a propriedade do Autor este devia facultar o acesso à mesma para implantação de apoios, podendo surgir prejuízos decorrentes dos trabalhos a realizar, sendo os mesmos avaliados e atribuída indemnização – al. b) dos factos assentes.

17 - Por carta datada de 28 de Abril de 2008, o Autor solicitou de novo à Ré o desvio dos referidos dois postes – quesito 12.º.

18 - O Autor recebeu da Ré a carta datada de 02 de Maio de 2008, na qual esta informou que tinha dificuldades na execução do referido desvio, por falta de entrega por parte do fabricante dos apoios de betão necessários à modificação – al. c) dos factos assentes.

19 - Por notificação judicial avulsa a Ré foi notificada pelo Autor no dia 09 de Junho de 2008 que deveria iniciar os trabalhos de desvio dos 2 postes no prazo de 10 dias úteis e que os prejuízos do Autor ascendiam a €41.200,00 – al. d) dos factos assentes.

20 - Na sequência do pedido efectuado pelo Autor, a Ré encetou estudo do traçado da modificação da linha eléctrica – quesito 23.º.

21 - A Ré procedeu à elaboração do projecto da obra – quesito 24.º.

22 - Elaborou levantamento topográfico da zona da modificação – quesito 25.º.

23 - O novo traçado veio interferir com a zona de influência do rio Nabão – quesito 26.º.

24 - Nestas circunstâncias a realização da obra de modificação da rede de MT implicou um processo prévio de licenciamento a correr na Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo do Ministério da Economia – quesito 27.º.

25 - O processo foi enviado para licenciamento em 27/3/2008 instruído com os seguintes documentos: 4 exemplares do projecto; 1 exemplar cruz Telecom; 1 exemplar do Projecto MAOTDR; e 1 requerimento – quesito 28.º.

26 - O processo a partir de 27 de Março de 2008 ficou sob a égide da Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo do Ministério da Economia, entidade responsável pelo licenciamento das redes eléctricas – quesito 29.º.

27 - A modificação pretendida pela Autora implica a alteração do traçado entre o apoio n.º 10 e o PT LMR 0050D numa extensão de 641 metros – quesito 30.º.

28 - A modificação pretendida pelo Autor implica a implantação de 2 apoios de 16 metros, 2 apoios de 18 metros e um apoio de 22 metros – quesito 31.º.

29 - Foi encomendado um apoio de betão para a obra (É esta a resposta que consta da resposta à matéria de facto – fls. 272. Na sentença escreveu-se «Foram encomendados apoios de betão para a obra») – quesito 32.º.

30 - Foi necessário o transporte especial dos apoios de betão para o local – quesito 33.º.

31 - A Ré executou a modificação pretendida pelo Autor – al. g) dos factos assentes.

32 - A modificação executada pela Ré e pretendida pelo Autor teve custos – quesito 35.º.

33 - O Autor nunca recebeu contrapartida pela ocupação do terreno – quesito 13.º.

34 - Por cada hectare de terra retiram-se 14.000 kg de milho – quesito 15.º

35 - O preço do milho é € 0,22Kg – quesito 16.º.

36 - Por cada hectare de terra retiram-se 6.000 kg de trigo – quesito 17.º.

37 - O preço do trigo é € 0,25/kg – quesito 18.º.

38 - No ano de 2007 o Autor não procedeu a nenhuma sementeira de milho geneticamente modificado – quesito 19.º.

 39 - Por cada hectare de terra retiram-se 14.000 kg de milho geneticamente modificado – quesito 20.º.

40 - O preço do milho geneticamente modificado é € 0,24Kg – quesito 21.º.

41 - Durante o ano, em regra, o Autor faz duas sementeiras e no período de 2007 e Agosto de 2008 o Autor não procedeu a qualquer sementeira nos prédios dos autos – quesito 22.º (Na sentença não foi transcrita esta parte que consta da resposta ao quesito 22.º: «Durante o ano, em regra, o Autor faz duas sementeiras e» – cfr. fls. 272).

b) Apreciação das questões objecto do recurso.

1 – Quanto à nulidade da sentença.

O Autor arguiu a nulidade da sentença nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, onde se prescreve que a sentença é nula «Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão».

Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis, «Quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?» ([1]).

A sentença não padece deste vício, pois lendo a sua fundamentação sem chegar a ler o seu dispositivo verifica-se que se chega à mesma conclusão que consta deste último, ou seja, a decisão é a esperada face aos fundamentos invocados, não ocorrendo, por tal razão a nulidade apontada.

2 – Vejamos agora se a actuação da Ré se revelou ilícita e culposa, por forma a gerar na esfera jurídica do Autor um direito de indemnização correspondente aos rendimentos agrícolas que deixou de auferir entre o momento que fez o pedido de alteração dos postes e a efectiva deslocação destes para outro local.

Para boa compreensão dos interesses que estão em causa no processo, cumpre transcrever, como se fez na sentença, parte do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, que ainda rege esta matéria:

«8. A expansão das redes de alta tensão, condição essencial do desenvolvimento da electrificação das povoações rurais, está dando origem a conflitos cada vez mais frequentes entre a obrigação dos concessionários, de construírem e manterem essas linhas, e os direitos dos proprietários dos terrenos por elas atravessados. A legislação vigente, que impõe aos proprietários, com algumas restrições, o dever de suportar a servidão de passagem das linhas, mediante justa indemnização dos prejuízos causados, garante-lhes, no entanto, o direito de exigirem a remoção dos elementos da linha sempre que pretendam fazer quaisquer obras de construção, reparação ou ampliação. À sombra deste direito, alguns abusos se têm cometido, forçando deslocação de traçados para dar lugar a pequenas construções que, sem prejuízo sensível, se poderiam edificar umas dezenas de metros mais para a direita ou mais para a esquerda.

Por outro lado, as linhas eléctricas de transporte e de distribuição de energia têm uma função de interesse público que transcende de longe as conveniências dos respectivos concessionários; e sobretudo as grandes artérias da rede eléctrica nacional, designadamente as de tensão igual ou superior a 60 kV, não podem estar sujeitas a frequentes deslocações, porque delas resultam inconvenientes de ordem técnica e até irregularidades no abastecimento de energia, como facilmente se compreende. Evidentemente, há que respeitar o direito de propriedade, mas há também que subordiná-lo ao interesse público.

Restringe-se agora, prudentemente, o direito de exigir a remoção de linhas, que estava reconhecido com demasiada latitude: mantendo-o intacto quando se mostre que o seu exercício não provém de simples capricho e que dele não resultam inconvenientes de ordem técnica; condicionando-o, em certos casos, ao pagamento de uma indemnização relativamente moderada; proibindo-o, se os inconvenientes de ordem técnica tornarem desaconselhável a deslocação da linha ou se ao proprietário não convier o pagamento da indemnização referida».

Vejamos então o caso concreto, começando por verificar o que se encontra estabelecido na lei sobre a matéria.

Como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960, a relação que se estabelece nestes casos entre as partes é de natureza extracontratual ([2]), pois resulta do facto de existir uma entidade concessionária da rede eléctrica e de esta ter de passar no espaço aéreo dos prédios de sujeitos privados, apoiada em postes resultando, porém, da lei a obrigação de todos os sujeitos jurídicos, indiscriminadamente, respeitarem o direito de propriedade dos donos desses prédios (artigo 1305.º do Código Civil).

A relação entre as partes não resulta, portanto, de um qualquer contrato entre ambas, situação que colocaria a questão no domínio da responsabilidade contratual.

Apesar do proprietário gozar em exclusivo e plenamente dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, os interesses gerais da comunidade podem impor restrições a estes poderes dos particulares.

O Código Civil prevê, com efeito, no seu artigo 1308.º, que, «nos casos previstos na lei», o proprietário possa ser privado no todo ou em parte dos seus direitos, caso em que terá direito a indemnização (artigo 1310.º do mesmo Código).

A questão dos autos insere-se neste campo, isto é, na restrição do direito de propriedade originada por interesses de natureza pública, como é o caso dos autos relativo à distribuição de energia eléctrica às populações do país.

Remetendo o artigo 1308.º do Código Civil para legislação especial, no que respeita a este tipo de restrições ao direito de propriedade, mostra que a respectiva regulamentação não passa pelas disposições do Código Civil.

Já vimos que a regulamentação da matéria consta do mencionado decreto-lei.

Vejamos então.

Recapitulando, o Autor sustenta que tem direito a ser indemnizado por prejuízos gerados pela acção da Ré que se traduziu numa demora excessiva quanto à deslocação dos postes, facto este que o impediu de instalar um pivot rotativo de rega e de efectuar algumas colheitas que teria levado a cabo se a Ré tivesse sido mais diligente.

O diploma em causa prescreve no seu artigo 43.º o seguinte:

«Os proprietários dos terrenos atravessados por linhas de alta tensão terão sempre o direito de exigir do concessionário, sem que lhe devam qualquer indemnização, o afastamento ou substituição dos apoios das linhas quando isso for necessário para a realização de obras de ampliação em edifícios existentes, desde que delas não resulte alteração do fim a que os mesmos se destinam.

§ único. Quando o proprietário do terreno for o próprio consumidor servido directamente pela linha de alta tensão, o direito a que se refere este artigo só poderá ser exercido mediante o pagamento da indemnização prevista no corpo do artigo seguinte».

Por sua vez, no artigo 44.º, determina-se o seguinte:

«No caso de construção de novos edifícios ou de ampliação de edifícios existentes, em condições diferentes das previstas no artigo anterior, o direito a que se refere o mesmo artigo será condicionado ao pagamento prévio de uma indemnização ao concessionário, equivalente a metade do custo das indispensáveis modificações a efectuar nas linhas.

§ 1.º Não haverá lugar à indemnização prevista no corpo do artigo se a fiscalização do Governo verificar que as características do terreno não permitem a execução da obra projectada com outra localização.

§ 2.º Se a tensão das linhas for igual ou superior a 60 kV, não poderá o proprietário exigir a deslocação dos apoios se a fiscalização do Governo a considerar tècnicamente inconveniente.

§3.º …».

Face às normas destes artigos verifica-se que os proprietários gozam de protecção quanto à pretensão de deslocação dos postes.

Sucede porém, que a lei apenas prevê a possibilidade de deslocação dos postes quando o proprietário pretende construir novos edifícios ou ampliar os edifícios existentes.

Significará isto que a lei não conferiu ao Autor direito a obter a deslocação dos postes no caso destes impedirem o funcionamento de um pivot de rega rotativo?

Em termos literais vê-se claramente do texto da lei que esta só concede direitos ao proprietário no caso deste pretender construir ou ampliar edifícios.

Ora, um pivot rotativo de rega é um mecanismo móvel e não pode seguramente ser qualificado como edifício.

Qual o conceito de edifício para este decreto-lei?

Como referiram Pires de Lima/Antunes Varela, depois de assinalarem a imprescindível incorporação do edifício no solo, «A lei não diz o que deve entender-se por edifícios, tratando-se de um noção fundamentalmente pré-jurídica.

Edifício é uma construção que pode servir para fins diversos (habitação, actividades comerciais ou industriais, arrecadação de produtos, etc.) constituída necessariamente por paredes que delimitam o solo e o espaço por todos os lados, por uma cobertura superior (telhado ou terraço), normalmente por paredes divisórias interiores e podendo ter um ou vários pisos» ([3]).

Mas não é líquido que a noção de edifício que o legislador utiliza neste decreto-lei corresponda a esta que fica assinalada e construída a propósito do conceito de prédio urbano a que alude o artigo 204.º do Código Civil, diploma que foi publicado posteriormente ao decreto-lei aqui em análise.

As dúvidas resultam do facto das linhas eléctricas atravessarem inúmeros prédios rústicos onde podem existir edificações que não têm que consistir em «casas», como é o caso das pontes, barragem para represar água, poços, canais de rega, aquedutos ou muros e de qualquer uma destas construções poder justificar a deslocação de postes.

Ora, estas construções podem ser incluída no conceito de edificação, muito embora sejam refractárias ao conceito de edifício que ficou indicado, conceito este que está ligado, de facto, à ideia de «casa», isto é, a um espaço delimitado por paredes e cobertura e com alicerces fundidos (incorporados) no solo.

Seja como for, um pivot rotativo de rega, é por definição móvel, pelo menos, o grosso da sua composição, não podendo ser considerado um edifício ([4]).

Afigura-se, porém, que esta regulamentação dos direitos do proprietário contra a concessionária, limitada à hipótese do proprietário pretender ampliar edifícios existentes ou construir edifícios novos não foi intencional, isto é, não foi intenção do legislador excluir quaisquer outros casos que justificassem igual tratamento.

Com efeito, as finalidades tidas em vista pelo legislador quando se propôs regular esta matéria estão claramente expressas no texto do preâmbulo quando diz: «Restringe-se agora, prudentemente, o direito de exigir a remoção de linhas, que estava reconhecido com demasiada latitude: mantendo-o intacto quando se mostre que o seu exercício não provém de simples capricho e que dele não resultam inconvenientes de ordem técnica; condicionando-o, em certos casos, ao pagamento de uma indemnização relativamente moderada; proibindo-o, se os inconvenientes de ordem técnica tornarem desaconselhável a deslocação da linha ou se ao proprietário não convier o pagamento da indemnização referida».

São estes os fins tidos em vista: permitir a deslocação dos postes sempre que os interesses do proprietário o justifiquem e não haja inconvenientes de ordem técnica.

Ora, a deslocação dos postes justifica-se com os mesmos argumentos quer se trate de construir ou ampliar edifícios, quer de executar outro tipo de actividade apropriada à optimização da exploração dos prédios.

Sucede, porém, como se disse, que o texto da lei não diz isto, com esta amplitude, antes restringe os direitos do proprietário à construção ou ampliação de edifícios.

Sendo assim, pode-se defender que a previsão legal ao não prever quaisquer outras situações diversas das protagonizadas por edifícios, implica que o proprietário não tenha direito a obter a deslocação dos postes fora dos casos de construção ou ampliação de edifícios.

Não se afigura, contudo que seja esta a solução jurídica adequada ao caso.

Como se disse, face à intenção do legislador que ficou evidenciada, verificamos que o legislador pretendeu regular em geral e de forma equilibrada os conflitos de interesses entre proprietários e concessionária no que respeita ao posicionamento dos postes e linhas aéreas nos prédios.

A previsão normativa relativa apenas à construção de edifícios pode deixar e deixa efectivamente de fora outros casos em que os interesses de ambas as partes requerem tratamento igual.

Por conseguinte, esta restrição que fica assinalada parece gerar, sim, uma lacuna de regulamentação ([5]).

Não se retira dos autos, nem se trata de facto notório que possa ser considerado oficiosamente pelo juiz, se em 1960, data em que a lei foi publicada, existiam no nosso país sistemas de rega iguais ou semelhantes àquele a que alude o autor.

Se tais sistemas de rega não existiam, é óbvio que o legislador não os podia ter contemplado quando regulou a matéria, pelo que a situação de facto deste processo acabaria por mostrar que a lei era naturalmente lacunosa neste aspecto.

Efectivamente estamos perante um facto em que os interesses do proprietário justificam a deslocação dos postes e não há inconvenientes de ordem técnica que a inviabilizem, afirmação que se faz baseada no facto da Ré ter procedido já à alteração e não ter suscitado tal problemática, porém, a lei nada diz sobre a forma como devem ser geridos os interesses do proprietário e da concessionária em tal caso.

Mas a lei não poderia ter previsto esta hipótese factual.

Com efeito, realça-se mais uma vez, verifica-se uma paridade de interesses, em relação ao proprietário do terreno rústico, entre um hipotético caso em que ele pretende ampliar ou construir um novo edifício no seu prédio, certamente para melhorar as suas comodidades ou o desempenho da produção agrícola, e um caso como o dos autos em que ele pretende implementar um sistema de rega para, através dele, melhorar a produção agrícola do prédio ([6]).

A questão podia colocar-se também, por exemplo, com a abertura de um poço se se verificasse que ele era imprescindível para obter uma exploração óptima do prédio e se mostrasse que ele só podia ser aberto em certo local e esta circunstância conflituasse com a existência de um poste em certo ponto do prédio.

Conclui-se, pois, pela existência de uma lacuna de regulamentação ([7]).

Prosseguindo agora em direcção à solução do caso.

Nos termos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 10.º do Código Civil, a lacuna supera-se procurando e aplicando uma norma prevista para casos análogos, ocorrendo casos análogos sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei ([8]).

Verifica-se, face aos artigos 43.º e 44.º do mencionado decreto-lei, que o proprietário pode exigir da concessionária a deslocação dos postes e linhas mesmo quando pretenda construir um edifício de raiz, ou ampliar um existente mas para afectar a fim diverso do prosseguido até então.

Porém, nestes casos, o proprietário tem de pagar previamente metade do custo da obra à concessionária.

Ficará, porém, isento de qualquer pagamento se as autoridades administrativas competentes reconhecerem que a obra pretendida executar pelo proprietário, dadas as características do terreno, não pode ser executada em outro local (cfr. § 1.º do artigo 44.º) e, claro está, não se mostra abusiva.

Expostas estas considerações, verificamos que a situação dos autos é convenientemente tutelada pela aplicação analógica das normas em questão.

Ou seja, o que vale para a construção ou ampliação de edifícios, vale de igual forma para o caos dos autos.

Conclui-se, por conseguinte, pela aplicação do mesmo regime.

Vejamos então o que resulta da sua aplicação ao caso dos autos, isto é, como devia ter procedido o Autor:

Por um lado, o Autor devia ter promovido o consenso com a concessionária no sentido de encontrarem por acordo um valor para o custo da deslocação dos postes. Não havendo acordo, o Autor devia então promover o início do processo de arbitragem para determinar o custo da obra, quanto à qual, em princípio, tinha de pagar, previamente, metade do seu custo, conduta esta imposta pelo disposto no § 3.º do artigo 44.º, que remete para o processo previsto nos anteriores artigos 38.º a 42.º.

Quando se diz «promover o consenso» quer-se dizer que o Autor devia assumir a iniciativa de expor a situação à concessionária e de a convidar para conversações com vista a encontrar uma solução consensual.

E quando se alude em «promover a arbitragem», na falta de acordo, quer-se dizer que sendo o Autor o interessado na alteração dos postes, era a ele que incumbia o ónus de impulsionar o procedimento.

Por outro, se, porventura, o Autor entendia que a situação o dispensava do pagamento dos custos, por se enquadrar no § 1 do artigo 44.º, então devia expor esta sua pretensão devidamente instruída à entidade administrativa competente para ela mesma decidir se, dadas as características do terreno e do pivot de rega, poderia ou não funcionar noutro local, de outra forma, ou, inclusive, se existiam ou não alternativas de rega ao mencionado pivot que não implicassem a deslocação dos postes nem despesas desproporcionadas.

Verifica-se que o Autor não procedeu nem de uma forma nem de outra e limitou-se a ordenar à concessionária que deslocasse os postes porque queria instalar o mencionado sistema de rega.

Quais as implicações para a pretensão indemnizatória do Autor, derivadas do facto de não ter procedido desta forma?

Isto é, na hipótese que se formula, apenas para efeitos de raciocínio, do Autor ter direito a ser indemnizado, terá esta postura do Autor alguma influência sobre a sua pretensão indemnizatória, que se funda na imputação de negligência por parte da Ré relativamente à deslocação atempada dos postes?

Afigura-se que a resposta é afirmativa pelas seguintes razões:

Como o Autor não agiu nos termos que ficaram indicados, isto é, segundo as regras legais apontadas, então dispensou a Ré, ainda que involuntariamente, de observar este mesmo procedimento.

Ou seja, o Autor ao dispensar a Ré dos procedimentos legais que ficaram indicados, colocou a questão da deslocação dos postes numa área carecida de regulamentação e a Ré passou a agir com a diligência que entendeu ser a adequada.

Pergunta-se, então: consistindo a negligência na violação de um dever de cuidado ou diligência ([9]), que dever legal ou outro infringiu a Ré?

Dir-se-á que devia ter agido com mais rapidez e que o espaço de tempo que levou para alterar a colocação dos postes foi excessivo.

Ora, mesmo que se considere que há o dever geral na ordem jurídica de ser diligente na protecção dos bens ou situações patrimoniais vantajosas de terceiros, os factos provados não permitem concluir que a Ré tenha agido negligentemente.

Com efeito, o Autor pediu a alteração em 2 de Agosto de 2007, mas não instruiu o pedido com qualquer proposta de traçado alternativo.

Em face deste pedido, a Ré teve de proceder necessariamente ao estudo da situação no local, com elaboração do respectivo levantamento topográfico necessário à elaboração do traçado por onde deviam passar as linhas e pontos de implantação dos postes e características destes.

Verifica-se que a pretensão do Autor implicou alterar 641 metros de traçado de linhas e a colocação de cinco postes (apoios).

A Ré em 27 de Março apresentou o projecto a aprovação da entidade administrativa competente (licenciamento).

Demorou até então sete meses.

Houve negligência?

A resposta é negativa por duas razões:

Primeira – De salientar que a questão da negligência da Ré se torna duvidosa quando o comportamento que a outra parte lhe exige mostra que existe uma lacuna na lei e o dever de diligência acaba por resultar da integração da lei através da sua aplicação por analogia ao caso concreto em apreciação que não previu.

Muito embora as normas sobre lacunas legais e sua superação se mostrem aplicadas geralmente em decisões judiciais, estas normas, como é propriedade das normas, salvo disposição em contrário, dirigem-se a todos os sujeitos e não apenas ao tribunal, mas certamente o dever de diligência exigível a um sujeito é de grau bem menor ou poderá mesmo não existir, quando a norma que o impõe resulta da sua criação ad hoc através da aplicação de outra norma ao caso por analogia.

Ou seja, referindo-se a lei quanto ao direito do proprietário a obter a deslocação dos postes apenas aos casos de construção ou ampliação de edifícios, é duvidoso que se possa exigir à concessionária um grau de diligência tal que, tratando-se da implementação de um pivot rotativo de rega e não da construção ou implantação de um edifício, ela analise o caso e chegue à conclusão de que a situação da outra parte goza da protecção do direito porque se deve aplicar ao caso, por analogia, a norma relativa aos casos de construção ou ampliação de edifícios.

É de ponderar, pois, que a ordem jurídica não exige aos sujeitos a observação de condutas que não resultem claramente da lei e, por isso, deve considerar-se que não são obrigados a assumir comportamentos que a lei não lhes impõe e que só emergem como devidos depois da integração da lei através da sua aplicação analógica.

Por conseguinte, só nos casos em que a existência da lacuna, respectiva detecção e integração com recurso a norma aplicável por analogia estejam ao alcance do bonus pater famílias é que se poderá impor ao obrigado o dever de diligência que resulte desta operação de interpretação, integração e aplicação da lei.

E no presente caso só não se isenta a Ré do dever de previsão da lacuna e sua integração, na medida em que sendo ela uma entidade concessionária de um serviço com relevância pública, se presume que tem recursos materiais e humanos na área jurídica que lhe permitem aceder a este tipo de conhecimento e tomar consciência, através dos seus órgãos sociais, dos deveres que podem resultar da lei, mesmo nos casos em que a lei não regula expressamente a situação concreta.

De salientar, porém, na parte prática que aqui interessa, que a celeridade de decisão quanto a um caso como o dos autos pode implicar mais demora, precisamente devido ao facto de não se tratar de um caso expressamente previsto na lei e demandar também estudo jurídico prévio.

Segundo – Não se pode concluir pela negligência da Ré desde logo por não haver informação nos autos que mostre exactamente o que era necessário fazer e o que foi feito em termos de trabalho material.

Só face a este tipo de informações se poderia concluir se a obra poderia ter sido executada em menos tempo face aos recursos humanos e técnicos da Ré, quer próprios, quer contratáveis a terceiros.

E outro tanto se diga a partir do momento em que o licenciamento foi concedido, desde logo pela razão de ser desconhecida nos autos a data do deferimento do pedido e só face a ela se poderia depois ponderar se  houve negligência na execução da obra.

E é às partes que incumbe instruir o processo nestes aspectos, pois o tribunal só pode servir-se dos factos alegados pelas partes, como dispõem os artigos 264.º, n.º 2 e 664.º do Código de Processo Civil, podendo o juiz considerar apenas oficiosamente os factos notórios, aqueles de que tenha conhecimento devido ao exercício das suas funções e os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.

Concluindo:

Desde o momento em que o Autor formulou o pedido, até a Ré ter apresentado o projecto da alteração da linha eléctrica a licenciamento, decorreram sete meses.

A alteração exigiu o estudo do meio com vista a escolher o novo percurso; houve que proceder a um levantamento topográfico, tendo sido alterada a linha numa extensão de 641 metros, com implantação de cinco novos postes.

Não há no processo matéria de facto através da qual se possa concluir que existiu uma acção negligente da Ré geradora de prejuízos para o Autor, que teriam sido evitados por uma acção alternativa mais diligente.

Improcede, pois, a recurso do Autor, não se colocando a terceira questão acima enunciada, relativa à determinação do montante da indemnização a favor do Autor.

3 – Passando agora à questão colocada pelo recurso subordinado da Ré e que tem por objecto o pedido reconvencional, através do qual a Ré pediu do Autor uma indemnização pelas despesas que efectuou com a deslocação dos postes e da linha.

Não é devida tal indemnização pelas razões que passam a ser indicadas.

Como se deixou referido acima, a presente matéria atinente à deslocação de postes da rede eléctrica obedece a um procedimento específico que é, repete-se, o seguinte:

Face ao disposto nos artigos 43.º e 44.º do mencionado decreto-lei, quando o proprietário exige a deslocação dos postes pode ocorrer que ele seja responsável pelo pagamento prévio à concessionária de metade do custo da obra.

Mas este pagamento depende também da observação de procedimentos formais destinados a verificar se o pagamento é devido ou não é e, sendo-o, qual o montante a pagar.

É que o proprietário pode ficar isento de qualquer pagamento se as autoridades administrativas competentes reconhecerem que a obra pretendida executar pelo proprietário é justificada e, dadas as características do terreno, não pode ser executada em outro local (cfr. § 1.º do artigo 44.º).

Ora, este passo processual não foi promovido pela Ré e, não o tendo sido, inviabilizou a possibilidade das autoridades administrativas verificarem, previamente à execução da obra, se esta, dadas as características do terreno, podia não ser executada em outro local.

Além disso, face aos custos da obra, só determináveis após escolhido o traçado alternativo, o proprietário poderá desistir do seu projecto e tudo ficará com antes.

Ou, então, nos termos do artigo 45.º do mesmo decreto-lei «Se não lhe convier o pagamento da indemnização prevista no artigo anterior, ou se se der o caso previsto no § 2.º do mesmo artigo, o proprietário poderá requerer perante (…) que o concessionário lhe adquira pelo justo valor o prédio atravessado pelas linhas».

 Verifica-se, por conseguinte, que pretendendo a Ré ser indemnizada devia ter acautelado, previamente, esse seu eventual direito, sob pena de agora não ser possível obter a indemnização.

Diz-se «eventual» na medida em que a autoridade administrativa poderia até concluir que, dadas as características do terreno, a concretização da pretensão do proprietário não podia ser executada em outro local.

E seria provavelmente essa a conclusão a que se chegaria, pois a instalação de um pivot rotativo de rega implicará a passagem do mesmo pela totalidade da área a regar, a mesma onde se encontrariam os postes, não se vislumbrando à partida outra alternativa.

Ou seja, se a Ré pretendia ser indemnizada, antes da Ré proceder à alteração, comunicava ao Autor que estava disposta a fazer a mudança, mas o Autor poderia ser obrigado a pagar previamente metade do custo da obra, pelo que, caso concordasse teriam ambos, ou algum deles, de desencadear os procedimentos estabelecidos na lei.

Não tendo a Ré promovido este procedimento, inviabilizou o pedido de indemnização, porque esse direito de indemnização formava-se (ou não, pois podia ser negado ou haver desistência da pretensão por parte do proprietário) no âmbito de observação do procedimento prévio apontado, já inviabilizado, destinado, precisamente, a apurar de seria ou não devida indemnização e respectivo valor.

Resumindo: a Ré não tem direito a ser indemnizada relativamente aos custos originados pela mudança dos postes, devido ao facto de não ter adoptado os procedimentos previstos nos artigos 44.º e 45.º do mesmo decreto-lei, no âmbito dos quais se decidiria se ela tinha ou não tinha o direito de ser indemnizada e respectivo montante.

Acresce que, mesmo na hipótese de se considerar ainda possível a indemnização, por ser outra a interpretação adequada da lei, não é agora possível, neste processo, estabelecer qualquer indemnização ainda que em termos genéricos, na medida em que não há factos que permitam decidir que ela é sequer devida, mesmo nestes termos.

É que, como se disse, os factos não afastam a hipótese de não ser devida qualquer indemnização, devido a não existir uma execução alternativa relativamente à pretensão do Autor.

Conclui-se, por conseguinte, pela improcedência do recurso da Ré.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julgam-se ambos os recursos improcedentes e confirma-se a decisão recorrida.

Custas da acção e do recurso do Autor, pelo Autor

Custas da reconvenção e do recurso subordinado pela Ré.


*

Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )

Judite Lima de Oliveira Pires

Carlos Pereira Gil



[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, (reimpressão), Coimbra Editora/1984, pág. 141.
[2] Cfr. sobre a distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, Manuel de Andrade, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 127, Coimbra/1987.
[3] Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição revista e actualizada, pág. 195.
[4] «O sistema consiste basicamente de uma tubulação (ou tubagem) metálica onde são instalados os aspersores. A tubulação que recebe a água de um dispositivo central sob pressão, chamado de ponto do pivô, se apoia em torres metálicas triangulares, montadas sobre rodas, geralmente com pneu. As torres movem-se continuamente acionadas por dispositivos elétricos ou hidráulicos, descrevendo movimentos concêntricos ao redor do ponto do pivô. O movimento da última torre inicia uma reação de avanço em cadeia de forma progressiva para o centro. Em geral, os pivôs são instalados para irrigar áreas de 50 a 130 ha, sendo o custo por área mais baixo à medida que o equipamento aumenta de tamanho. Para otimizar o uso do equipamento, é conveniente além da aplicação de água, aproveitar a estrutura hidráulica para a aplicação de fertilizantes, inseticidas e fungicidas» - in http://pt.wikipedia.org/wiki/Irriga%C3%A7%C3%A3o.
[5] Karl Larenz refere-se a estas lacunas, que são as mais comuns, desta forma: «Todavia, na maior parte dos casos em que falamos duma “lacuna”, não é uma proposição jurídica individual que é em si incompleta, de modo que não pode aplicar-se sem ser integrada, mas incompleta é uma determinada regulamentação na sua totalidade. Denominamos estas lacunas (…) “lacunas de regulamentação”. A regulamentação de uma determinada matéria não contém nesta hipótese uma disposição especial para uma questão que também tem de ser regulada no contexto dessa regulamentação. Não que a lei não deixe a possibilidade duma resposta: na falta de uma ordenação legal de consequência jurídica poderia deixar-se a situação de facto em questão sem qualquer consequência jurídica. Mas isso não corresponderia ao sentido, à ideia fundamental e ao contexto teleológico do conjunto da regulamentação» - Metodologia da Ciência do Direito, edição da Fundação Calouste Gulbenkian/1978, pág. 430.
[6] «A aplicação analógica das normas jurídicas é de regra, não porque o art. 10.º do Código Civil o diga, mas porque tal corresponde a uma exigência do princípio supremo da justiça, ou princípio da igualdade, que manda dar um tratamento igual ao que é igual e desigual ao que é desigual. Sem este princípio o próprio direito não pode ser pensado. Por isso é que o " argumento de analogia " representa por assim dizer a espinha dorsal do discorrer jurídico» - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 326.

[7] Trata-se de uma lacuna e não de um caso de interpretação extensiva. Como referiu Miguel Reale, «Na interpretação extensiva, ao contrário, parte-se da admissão de que a norma existe, sendo susceptível de ser aplicada ao caso, desde que estendido o seu entendimento além do que usualmente se faz. É a razão pela qual se diz que entre uma e outra há um grau a mais na amplitude do processo integrativo» - Lições Preliminares de Direito, 10.ª edição revista, Almedina/1982, pág. 293.
No caso dos autos, seguindo os critérios interpretativos previstos no artigo 9.º do Código Civil, verificamos que não é possível estender o conceito de «edifício» ao ponto de aí incluir estruturas metálicas móveis de rega, como um pivot rotativo.
[8] «A analogia exige, portanto, em primeiro lugar, uma comparação do facto não regulado com uma ou várias previsões reguladas na lei, a qual conduz à verificação de características comuns, e exige, além disso, um juízo de valor que diz que precisamente aquilo em que as previsões comparadas coincidem é essencial para a sua valoração jurídica, ao passo que aquilo em que se distinguem não é essencial» - Karl Larenz, ob. cit., pág. 439.

[9] No âmbito da negligência cabem em primeiro lugar os casos «Em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar», assim como se compreendem os casos «em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I,  4.ª edição, pág. 491 e 492 .