Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
464/10.4GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
PRESENÇA DO ARGUIDO
AUDIÇÃO DO DEFENSOR
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 63.º, N.º 1, 119.º, ALÍNEA C) E 495.º, N.º 2, DO CPP
Sumário: I - Em conformidade com o disposto no artigo 495.º, n.º 2, do CPP, o juiz, antes de proferir despacho a revogar a suspensão da execução da pena de prisão, deve ouvir presencialmente o arguido.

II - Exigindo a lei que o contraditório se exerça na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta por motivo não imputável ao tribunal, que tudo fez para o referido efeito, deverá ser assegurado aquele princípio estruturante do direito processual penal na sua dimensão mínima, ou seja, através da audição do defensor do condenado.

III - Na situação exposta, a falta de notificação do defensor para se pronunciar, querendo, sobre a questão da eventual revogação da suspensão da pena consubstancia a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. No âmbito dos presentes autos de Processo Comum Singular, por despacho de 07.11.2012, foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A... e determinado, em conformidade o cumprimento efectivo da pena de 6 meses de prisão em que foi condenado.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso, extraindo-se da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. O recorrente, não foi notificado pelo Tribunal a quo para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

2. A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é automática, como resulta claramente do texto da lei, impondo-se, além do mais, a prévia audição do arguido - artigo 495º n.º 2 do CPP.

3. A falta de audição do arguido constitui nulidade insanável prevista no artigo 119º al. c) do CPP.

4. Após a alteração ao artigo 495º nº. 2 do Código de Processo Penal decorrente da Lei 48/07 de 29.8 que substituiu a expressão "audição do condenado" por "ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, a audição presencial do condenado em pena de prisão suspensa na sua execução é obrigatória antes de ser proferido despacho sobre as consequências do incumprimento das condições de suspensão.

5. A falta de audição pessoal e presencial do arguido constituiu nulidade insanável nos termos do artigo 119º al. c) do CPP.

6. A observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32º n.º 5 da CRP, consubstancia-se no "direito/dever do juiz ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elemento de prova e argumento jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem, a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica - Acórdão desta Relação de Coimbra de 05.11.2008 in www.dgsi.pt.

7. O arguido deve ser ouvido, independentemente do motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119º al. c) ( ... ). Aliás, interpretação diversa prejudicaria os direitos de defesa e o princípio do contraditório, sendo por isso de preferir interpretação conforme à Constituição (acórdão o TRE de 22.05.2005 in CJ XXX, 1, 267 e acórdão do TRL de 1.3.2005, in CJ XXX, 2, 123) - Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª Ed., pago 1240.

8. In casu, o recorrente não só não foi ouvido de forma presencial como nem sequer foi notificado para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão. Sendo que, tal notificação teria que ser pessoal.

9. O tribunal a quo, não envidou as diligências necessárias à efectiva notificação do arguido

10. Em face dos elementos presentes nos autos, apenas por manifesta incúria não logrou o Tribunal determinar o paradeiro do arguido.

11. Ab initio, nenhuma relevância poderá ser atribuída à circunstância da correspondência remetida para a morada do TIR ter sido devolvida ao remetente. Com efeito, com a condenação cessou o TIR. Na verdade, as medidas de coacção cessam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 214° n.º 1 al. e) do CPP). Por outro lado, o condenado não está sujeito aos deveres que para o arguido resultam do n.º 3 do artigo 61° do CPP, nomeadamente à obrigação de comunicar ao Tribunal qualquer mudança de residência.

12. Ademais, a fls. 120 e 158 resulta a informação que o arguido se encontra a residir nos Estados Unidos da América, concretamente, no Estado da Flórida. Em face de tal informação podia/devia o tribunal a quo apurar o paradeiro do arguido através da Embaixada de Portugal naquele País ou dos Consulados Gerais sediados naquele Estado.

13. Acresce que, a fls., foi junto aos autos o contrato de trabalho do recorrente, do qual decorre a identificação da entidade patronal, respectiva morada da sede e contactos telefónicos. Ora, nenhuma diligência foi promovida junto desta empresa para se proceder á notificação do arguido.

14. Por outro lado, nem a defensora do arguido foi notificada para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não obstante tal acto até ter sido promovido a fls. 143.

15. Para apreciar e decidir a revogação da suspensão de uma pena de prisão, é necessário que o Juiz reúna os elementos necessários para, em consciência, tomar uma decisão que vai afectar a liberdade do condenado, já que a prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário.

16. O tribunal deve por isso averiguar se as finalidades se encontram ou não comprometidas, o que obriga o Tribunal a proceder oficiosamente às diligências necessárias á demonstração de que as finalidades que subjazem à suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.

17. Constituindo a revogação da suspensão da pena de prisão a aplicação e cominação de outra pena ter-se-á de processar de acordo com os princípios gerais que presidem ao processo penal, designadamente, o consagrado no artigo 32° nº 1 da CRP, segundo o qual o processo penal assegura todas as garantias de defesa em respeito pelo princípio do contraditório.

18. A observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32º nº 5, da Constituição da República, consubstancia-se no direito/dever do juiz de ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica• Acórdão desta Relação de Coimbra de 30.04.2003 in CJ XXVIII, T II, pag. 50.

19. Seria gravemente atentatório das garantias de defesa que a revogação da suspensão se pudesse processar sem que este se pudesse pronunciar nos termos do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal o que significa que lhe deve ser concedida a possibilidade de exercício do direito do contraditório e, mais, do direito de audiência pessoal. _ Acórdão desta Relação de Coimbra de 5.11.2008 in www.dgsi.pt

20. Pelas razões supra expostas, a não audição do arguido neste momento processual afecta gravemente os direitos de defesa do arguido e a dimensão constitucional do princípio do contraditório (art. 32° nº 5 da Constituição da República Portuguesa). A concreta violação desse princípio está patente nestes autos.

21. Não é concebível que uma decisão tão gravosa para o condenado em pena suspensa, como é a da revogação da suspensão da execução da pena possa ser decidida sem que lhe seja facultada a possibilidade de expor as razões que conduziram ao incumprimento das condições que lhe foram impostas.

22. É, assim, nula a douta decisão por não ter sido ouvido o arguido ou o seu defensor em momento prévio à revogação da suspensão da pena de prisão.

23. Sem prescindir; não resulta dos autos demonstrado um juízo de culpa de tal forma grave que autorizasse a revogação da suspensão da pena de prisão. Ademais, também se assume como indemonstrada a violação grosseira e repetida dos deveres e regras de conduta que pendiam sobre o recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 56° do CP.

24. Conforme vem sendo entendido de forma generalizada pela jurisprudência, a revogação da suspensão não opera de forma automática, mas dependente da análise do caso concreto no que concerne ao preenchimento dos pressupostos enunciados nas duas alíneas do artigo 56º n.º 1 do CP.

25. Nas palavras de Figueiredo Dias, só deve decidir-se pela revogação da suspensão se dali nascer "a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade" (Direito Penal Português • As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, Lisboa, 1993, p. 356).

26. Como salienta o Acórdão da Relação de Lisboa de 19-02-1997, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 166, a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta expostas, de que se fala no art. 56 nº 1 al. a) do CP, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada.

27. É necessário que fique demonstrado que o condenado não cumpriu, falhou, por vontade própria, é necessário apreciar a sua culpa" - Ac. desta Relação de Coimbra de 7-05-2003, Rec. 612/03.

28. Escreve Maia Gonçalves em anotação ao art. 55 do seu CP anotado e comentado, 12ª edição, que só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto o juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, caso positivo, qual a que melhor se molda à situação. Assim, se o condenado deixou de cumprir uma condição devido a caso fortuito ou de força maior que definitivamente o inibe de lhe dar cumprimento, não deve ser aplicada qualquer sanção.

29. In casu não foram devidamente apuradas as razões que determinaram o incumprimento, não sendo, por conseguinte, possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de culpa do arguido nesse incumprimento, reveladora da necessidade de cumprimento efectivo da pena de prisão.

30. Acresce que, nos autos, salvo o devido respeito por melhor opinião, existiam dados bastantes para formular, com segurança, um juízo de não culpa.

31. Na verdade, conforme decorre da informação a fls. 158 e do contrato de trabalho junto pela Ilustre defensora, o recorrente, após a prolação da sentença, mudou-se para os Estados Unidos da América, aí passando a residir e a trabalhar, sendo que, não mais voltou a Portugal. Sintomático é a circunstância do arguido não ter procedido ao levantamento do título de condução, apreendido á ordem do Tribunal a quo, não obstante o período de inibição ter findado em 02.05.2012.

32. Encontra-se justificado o motivo pela qual o recorrente não cumpriu a injunção a que estava submetido. Deve-se, assim, à circunstância superveniente de ter mudado de residência para um Continente diferente e não uma infracção grosseira e repetida.

33. Em face de tal quadro, poderia/deveria o Tribunal a quo, optar por qualquer uma das medidas alternativas previstas no artigo 55° do CP, ao invés de, desde logo, ordenar a imediata revogação da suspensão da pena de prisão.

34. Optando o Tribunal a quo pela revogação, impunha-se que ficasse demonstrado que o recorrente não cumpriu por vontade própria. Seria necessário apreciar e indagar sobre a sua culpa.

35. Impunha-se, assim, a verificação ope judice, do incumprimento "grosseiro ou repetido dos deveres ou das regras de conduta".

36. Toda a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta, significando este princípio não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas pressuposto e fundamento da validade da pena, mas afirma-se como limite máximo da mesma. E, sendo que a pena, além de dever ser uma retribuição justa do mal praticado, deve contribuir para a reinserção social do agente, de modo a não prejudicar a sua situação senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentimento de justiça e servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade - neste sentido Acórdão do STJ, de 24/11/93, in C. P. Anotado, Leal Henriques/Simas Santos, Vol. I, pág. 567.

37. Importaria ainda inferir, pelo Tribunal a quo, se as circunstâncias revelam que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam por meio dela ser alcançadas, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40° n.º 1 CP).

38. Em caso de incumprimento dos deveres impostos ao arguido, deve o tribunal perceber se a violação da suspensão nos moldes em que a mesma foi fixada, importa a sua revogação, atendendo às finalidades que a sanção visa salvaguardar. Deve o tribunal perceber se os fundamentos da suspensão se mantêm válidos ou seja, se o juízo de prognose relativamente às finalidades da punição alcançadas com a mera censura do acto e a ameaça da prisão é ainda favorável ou não.

39. Não tendo o Tribunal a quo logrado obter tal demonstração, padece da decisão de nulidade por insuficiência da matéria de facto provada.

40. Acresce que, in casu, as necessidades que imperaram à decisão de suspender a execução da pena privativa da liberdade, mormente, a necessidade de reintegração do agente estão perfeitamente alcançadas.

41. O recorrente, encontra-se plenamente integrado na sociedade, desenvolve actividade profissional e constituiu família.Com efeito, o recorrente passou a residir nos Estados Unidos da América. Aí obteve trabalho, conforme contrato de trabalho junto aos autos.

42. Ademais, nesse país casou e obteve estatuo de residência permanente, conforme documento que se junta sob o N.º 1 e cujo conteúdo se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legas.

43. Desde a condenação operada nos presentes autos, o recorrente não voltou a praticar crimes, estado perfeitamente integrado na sociedade do local de residência, sendo por todos considerado e tido como uma pessoa pacífica, amiga e trabalhadora.

44. O Juízo de prognose positivo, tem que se concluir, encontra-se verificado.

45. Ou seja, resulta plenamente preenchido o efeito ressocializador e de prevenção especial que esteve na base da decisão de suspender a execução da pena de prisão.

46. A aplicação de tal medida, nesta fase, atenta a total integração do arguido na sociedade, teria, justamente o efeito contrário.

47. Devendo a pena de prisão ser aplicada como ultima ratio não se afigura adequado impor ao recorrente o cumprimento da pena de prisão agora que se encontra a pautar o seu comportamento de acordo com os ditames do ordenamento jurídico e com a sua vida familiar e profissional estabilizada, ainda para mais, em país estrangeiro.

48. Pelo que, não deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão. Ao invés, dado o decurso do prazo de suspensão, deverá a pena considerar-se extinta por cumprimento.

49. Ao decidir na forma exposta, o tribunal a quo violou o estatuído nos artigos 495 n.º 2 do CPP e nos artigos 55° e 56° do CP.

50. O tribunal a quo, violou os artigos 111° e 113° do CP, o artigo 32° n.º 1 e n.º 5 da CRP, sendo o Despacho recorrido nulo, nos termos do artigo 119º al. c) do CPP.

51. O tribunal a quo violou, ainda, artigo 71° e 40° n.º 1do CP.

Nestes termos e, sobretudo naqueles que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o douto Despacho proferido, nos termos supra expostos, com o que Vossas Excelências farão seguramente JUSTIÇA

                                      *

3. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

4. Desacompanhado de qualquer sustentação, o Sr. Juiz limitou-se a admitir o recurso e ordenar a subida dos autos a esta Relação (cfr. fls. 211).

5. Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser mantida a decisão recorrida.

6. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (arts 403º e 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito.

No caso vertente e vistas as conclusões dos recursos, as questões suscitadas são essencialmente as seguintes:

1 - Se foi violado o princípio do contraditório:

a) pelo facto do arguido não ter sido ouvido presencialmente, na sequência do que decorre do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal; ou

b) pelo facto de não ter sido notificada a defensora do arguido para se pronunciar quanto à promovida revogação da suspensão da execução da pena.

2 - Se estão ou não verificados os pressupostos que determinaram a revogação da suspensão da execução da pena, e nessa medida, se será de manter ou revogar a decisão recorrida.

Por forma a podermos tomar posição desde já em relação à primeira questão, importa fazer, ainda que de forma sintética, uma resenha da evolução/tramitação dos autos desde a sentença condenatória até ao despacho recorrido. Ora constata-se que:

1. Por sentença proferida em 01.06.2011 foi o ora Recorrente condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artigo 292º nº 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, com a condição de frequentar o programa “STOP” – Responsabilidade e Segurança da DGRS, suportando os custos, em data e hora a definir antecipadamente pela DGRS e com o conteúdo a definir. Mais foi condenado pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 8 meses.

2. Tal sentença foi, em 25/08/2011, pessoalmente notificada ao arguido, o qual entregou a carta de condução a fim de também cumprir a pena acessória de proibição de conduzir. Tal carta, presentemente ainda se encontra junta aos autos (cfr. fls.89), apesar de já ter sido proferido despacho a julgar extinta a pena acessória.

3. Em 19/01/2012 a DGRS informa o tribunal a quo de que, apesar do envio de duas convocatórias (a segunda devolvida com a informação de que ao arguido não atendeu e não levantou o auto) o arguido faltou à entrevista e não informou da impossibilidade de comparência.

4. Nessa sequência, e sob promoção do Ministério Público, a fim de se pronunciarem sobre a informação da DGRS, em 08.02.2012, foi enviadas carta registada com PR ao arguido e foi enviada carta registada à sua defensora.

5. Devolvida que foi a carta que havia sido enviada ao arguido (com informação de não reclamado) foi ordenada a sua notificação pessoal por OPC, tendo a GNR de Vila Nova de Poiares vindo informar que o arguido se encontra “a residir e a trabalhar nos Estados Unidos da América”.

6. Entretanto a sua defensora, em 05/04/2012, tinha vindo informar que através de familiares do arguido soube que o mesmo se encontra nos EUA e que lhe tem sido impossível o contacto com o arguido. Juntou cópia de um contrato de trabalho redigido em inglês (fls. 121 a 123).

7. Na sequência destas duas informações, o Ministério Público, em 17/04/2012, promoveu que “os autos aguardem o decurso do prazo da suspensão, abrindo então vista com o CRC actualidade e registo de pendência processual” (fls. 124), promoção a que o Sr Juiz aderiu em 24/04/2012 (fls. 125).

8. Em 30/06/2012 a DGRS informa ter enviado duas novas convocatórias ao arguido mas que este não compareceu na frequência do curso. Mais informa ter junto da GNR de Vila Nova de Poiares obtido informação de que o arguido se encontra emigrado na França já há algum tempo (fls. 127 a 129).

9. Após isso é junto aos autos o CRC do arguido onde não consta registada qualquer condenação posterior à dos presentes autos (fls. 130 a 139) e o relatório de pendência processual apenas dá conta dos presentes autos (fls. 140).

10. Na sequência da vista que então lhe foi aberta em 11/09/2012, o Ministério Público (a fls. 141 e 142) expressa a seguinte posição (transcrição):

“O arguido A... foi julgado e condenado por sentença proferida a fls 67 a 72, transitada em julgado em 22/6/2011, na pena de 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo art. 292º n. 1 do Código Penal, a qual foi suspensa pelo período de um ano, com a condição de frequentar o programa STOP, nos termos melhor descritos na referida sentença.

De acordo com as informações da DGRS de fl. 109, 127 e 128 não foi possível dar execução ao estabelecido na sentença porquanto o arguido nunca compareceu quando convocado.

Encontra-se, pois, em incumprimento das condições da suspensão.

Foi tentada a notificação do arguido para alegar o que tivesse por conveniente quanto ao incumprimento, tendo sido inviável a notificação face ao teor de fls. 120 e 120 verso.

O arguido encontra-se, objectivamente, em situação de incumprimento das condições da suspensão pelo que se impõe apreciar da eventual revogação da suspensão da execução da pena, nos termos do disposto no art. 56 do Código de Processo Penal.

A revogação, nos termos da al. a) do mencionado normativo, exige que o arguido tenha infringido grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostas.

A nosso ver, estão verificados esses pressupostos, pois o arguido tinha pleno conhecimento do teor da sentença e não obstante decidiu, voluntariamente, furtar-se ao seu cumprimento.

Com efeito, existe informação nos autos, prestada pela própria defensora do arguido, de que este se encontra a trabalhar nos Estados Unidos (cfr. fls. 121 e seguintes) e o arguido, ademais de ter requerido a dispensa de estar presente na leitura da sentença (cfr. fls. 66 e 79), foi pessoalmente notificado da mesma, conforme fls. 86.

Ou seja, tinha o mesmo pleno conhecimento do conteúdo da obrigação a que estava sujeito como condição da suspensão de execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, não obstante, quis eximir-se à obrigação imposta.

Face ao exposto, e inexistindo a possibilidade de aplicação do disposto no art. 55º do Código Penal, promovo que se revogue a suspensão de execução da pena aplicada ao arguido nos termos do disposto no art. 56, n.º 1, al. a) do Código Penal e se determine o cumprimento da pena de seis meses de prisão em que foi condenado, nos termos do n.º 2 desse normativo.”

11. Sobre tal promoção recaiu o seguinte despacho do Sr. Juiz, constante de fls. 143 (transcrição):

“Antes de mais, pesquise nas bases de dados pelo paradeiro do arguido, oficie ao OPC competente e à DGRS para que averigúem, nomeadamente junto de familiares, a actual morada do arguido e notifique a sua ilustre mandatária para informar se conhece tal morada (prazo: 10 dias), a fim de ser assegurado o contraditório quanto à eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão por falta do cumprimento das obrigações impostas. Caso as diligências ora ordenadas se revelem positivas, abra conclusão.

No caso negativo, tendo em conta o lapso de tempo decorrido desde a notificação de fls. 113, circunscrita ao teor de fls. 109 e anterior à tomada de posição do Ministério Público, notifique a ilustre mandatária do arguido para, em 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, após o que abra conclusão. (…)” – sublinhado nosso).

12. Na sequência do cumprimento do determinado na primeira parte de tal despacho, a DGRS veio informar que por contacto telefónico para a GNR de Vila Nova de Poiares teve conhecimento que se encontraria emigrado em França e a defensora do arguido (a fls. 156) veio informar que “desconhece o paradeiro do arguido, sabendo apenas que se encontra nos EUA, a trabalhar, conforme documento que já junto no processo em 05/04/2012”, documento esse cuja cópia junta novamente. Por sua vez a GNR de Vila Nova de Poiares informa que “segundo informação colhida junto de familiares o mesmo (o arguido) já não vem a Portugal há mais de um ano estando actualmente nos Estados Unidos da América a trabalhar no Estado da Florida não se tendo apurado a sua atual residência”(cfr. fls. 158 e 159).

13. Após isso, e sem que tivesse sido dado cumprimento ao que havia sido determinado na segunda parte daquele despacho de fls. 143 (e que atrás deixámos sublinhado), foi aberta vista ao Ministério Público que (a fls. 160) renovou a anterior promoção de fls. 141 e 142.

14. É então proferido o despacho recorrido (constante de fls. 161 e 162) que tem o seguinte teor (transcrição):

“Por sentença proferida em 01.06.2011, transitada em julgado em 22.06.2011, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, além do mais, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a condição de frequentar o programa “STOP – Responsabilidade e Segurança”, suportando os seus custos, em data e hora a definir pela DGRS e com o conteúdo a definir por esta entidade (cfr. fls. 67-78).

Segundo as informações da DGRS de fls. 109 e 127-129, não foi possível executar a condição fixada na sentença, dado que o arguido nunca compareceu quando convocado, nem apresentou qualquer justificação.

Decorre do exposto que o arguido não tem observado as indicações da DGRS, pelo que se encontra em situação de incumprimento da obrigação que lhe foi imposta.

Apesar de todas as diligências realizadas para o efeito, não foi possível notificar o arguido para esclarecer as razões do incumprimento.

Ora, diz-se no n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Volvendo ao caso em apreço, pese embora tenha requerido a dispensa de comparência no dia designado para leitura da sentença (cfr. fls. 66 e 79), o arguido foi pessoalmente notificado da mesma (cfr. fls. 86), pelo que tinha pleno conhecimento do seu teor, designadamente da condição imposta.

Por outro lado, resulta dos elementos carreados para os autos pela ilustre defensora do arguido e pela DGRS (cfr., respectivamente, fls. 121-123 e 129) que este estará a trabalhar no estrangeiro (Estados Unidos da América ou França). Todavia, o arguido nunca comunicou ao tribunal, nem à DGRS a sua nova morada.

Tendo em conta o lapso de tempo decorrido e a conduta processual do arguido, que se quis eximir à condição da suspensão de execução da pena de prisão, revelando manifesto desrespeito pelas suas obrigações, estamos perante uma violação grosseira do dever imposto na sentença.

Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 56.º, nºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, revoga-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e determina-se o cumprimento da pena de 6 meses de prisão fixada na sentença condenatória.

Notifique e, após trânsito, emitam-se os competentes mandados para cumprimento de pena.

(…)

Feito esta resenha do evoluir dos autos, constatamos que efectivamente o tribunal recorrido não procedeu à audição do arguido em conformidade com o estabelecido no artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam as demais disposições citadas sem menção de origem).

Dispõem os nºs 1 e 2 do artigo 496º (que tem como epígrafe “Falta de cumprimento das condições de suspensão”:

1 – Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.

2 - O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.

O princípio do contraditório tem tutela constitucional expressa no art. 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa).

O artigo 61º do Código de Processo Penal, que trata dos direitos e deveres do arguido, distingue nas suas als. a) e b), respectivamente, o direito de presença – “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito” – e o direito de audiência – ser ouvido pelo juiz sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.

Decorre do art. 113º, nº 9 do Código de Processo Penal que todas as notificações que visem o arguido devem ser notificadas ao seu advogado ou defensor oficioso (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, 4ª edição, pag 304), independentemente de o terem de ser, em alguns casos, também ao arguido (AFJ nº 6/2010, D.R., Iª Série, pags. 1747-1759: “nos termos do nº 9 do art. 113º do CPP, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado” - ponto I da fixação de jurisprudência).

O T.I.R. é um meio processual de limitação de liberdade pessoal, que serve a eficácia do procedimento (art. 191º, nº 1 do CPP), do qual resultam deveres de identificação, de indicação de residência, de não mudança de residência sem comunicação, de comparência, de manutenção à disposição da autoridade (art. 333ºdo CPP). Mas do art. 214º, nº1, al. e) do Código de Processo Penal (na redacção vigente à data do despacho recorrido)  resultava  que o T.I.R., como qualquer medida de coacção, se extinguia “com o trânsito em julgado da sentença condenatória”. Actualmente, e por força das alterações introduzidas pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, da aliena e) decorre do nº 1 do artigo 214º decorre que o “termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.”

O art. 61º, al. f) do Código de Processo Penal confere ao arguido o direito de ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar, impondo o art. 64º a obrigatoriedade de assistência em determinadas situações.

Por último, o art. 119º, al. c) do Código de Processo Penal comina com nulidade insanável “a ausência do arguido e do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”

São estes os preceitos legais convocáveis para a decisão desta parte do recurso.

Deles resulta que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena é, por imperativo legal explícito, obrigatoriamente precedida de audição do arguido – o tribunal decide, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado.

Esta audição é, hoje (como também de modo praticamente unânime considerado pela jurisprudência (cfr. entre muitos outros outros os Acs desta Relação de 01/07/2009 e de 18/05/2010, in www.dgsi.pt) necessariamente presencial, uma vez que o condenado tem de ser ouvido na presença do técnico, outra interpretação não sendo possível desde 2007, data em que foi aditado à versão anterior (pela Lei nº 48/2007 de 29/08) o segmento “na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão”.

A obrigatoriedade de audição, manifestação exponencial do princípio do contraditório, visa fazer preceder a decisão judicial sobre a alteração de pena de substituição (maxime, a sua revogação) da audição presencial do sujeito processual nela mais directa e pessoalmente interessado – o arguido.

O legislador é, mais uma vez, claro no enunciado de normas que evidenciam a importância da decisão sobre a pena. Cumpre assegurar à pena a consideração que merece, no processo (prático) de decisão do caso.

Também no AFJ nº 6/2010, o STJ considerou que o despacho de revogação da suspensão da pena é complementar da sentença; que tem como efeito directo a privação de liberdade do condenado; que as consequências se aproximam das da sentença que condena em pena de prisão; que na fase da execução da pena se atenua a presunção de certeza de um acompanhamento/relacionamento próximo entre o defensor e o condenado; que as razões que teleologicamente conduziram à solução legislativa de impor a notificação da sentença ao defensor e ao arguido justificam que este regime de notificação seja estendido à notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena.

E embora naquele AFJ se trate já da questão da notificação de decisão de revogação de pena suspensa e, aqui, estamos a analisar a omissão procedimental prévia à decisão da revogação dessa suspensão, consideramos que as razões que acabámos de eleger se elegem para o caso sub judice, tratando-se sempre e só de decisão que ordena a privação de liberdade, o cumprimento de prisão.

Assim, decorre do art 495º, nº 2 do Código de Processo Penal que o juiz, antes de proferir despacho a revogar a suspensão da execução pena de prisão deve ouvir presencialmente o arguido. Está em causa a alteração/revogação da pena de substituição, com a probabilidade séria de ser ordenado o cumprimento da pena de prisão.

Trata-se, no fundo, de procurar manter o mesmo patamar de contraditório para lá daquele que é conatural ao julgamento.

Na prática, o pensamento será este: a possibilidade de pena (de determinação da pena) pressupõe uma audiência de discussão e julgamento; não há processo determinativo e aplicativo de pena fora do julgamento; a decisão de alteração/revogação da pena de substituição é ainda decisão sobre a pena; no limite, está em causa a conversão de pena de substituição em prisão.

Assim, uma decisão de revogação da suspensão da execução da pena, pressupõe a prévia audição presencial do arguido; e a ausência do arguido ou do seu defensor nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência constitui nulidade insanável.

No caso em apreço, o tribunal recorrido, previamente à prolação da decisão recorrida, e na sequência das informações de incumprimento veiculadas pela DGRS, diligenciou pela localização do arguido, quer junto da sua defensora, quer junto do OPC, quer através das bases de dados disponíveis.

Todavia, nenhuma informação foi conseguida tendente à obtenção da actual e concreta morada do arguido (apenas resultaram informações vagas indicando o Estado da Florida, nos EUA e a França).

 E das frustradas diligências de indagação do paradeiro, sem que tivesse sido pela Secção do tribunal recorrido tivesse dado cumprimento ao que havia sido determinado na segunda parte daquele despacho de fls. 143, passou-se, de imediato, à decisão que determinou o cumprimento da pena principal de prisão.

Ora, do art. 495º, nº2 do Código de Processo Penal, decorre que o direito de audiência concorre com o direito de presença, ou seja, a garantia de contraditório implica a audição presencial do arguido.

Todavia, desta garantia de contraditório na modalidade de “direito de presença” não decorre a inviabilização de decisão “ad eternum” motivada pela falta do arguido, ou seja, na impossibilidade de o fazer comparecer perante o juiz – pois que, no limite, colocaria a decisão judicial na disponibilidade deste, ou pelo menos, a possibilidade de poder retardar intoleravelmente o processo.

É que a inviabilização da audição presencial – por comportamento imputável ao próprio arguido que depois de ter sido alvo de uma condenação vem a retirar-se da morada que havia indicado nos autos e não fornece qualquer outra – não pode contagiar nem comprometer o exercício do contraditório na vertente de direito de audiência.

Ou seja, exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta por motivo não imputável ao tribunal, será ainda possível garantir o contraditório na sua expressão mínima – audição no processo através de defensor (“o defensor exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido” – art. 63º, nº1 do Código de Processo Penal).

Ora, não tendo sido possível a sua audição pessoal, por motivo imputável ao próprio arguido, não se pode dizer que ao decidir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão o tribunal tivesse cometido a nulidade por falta do cumprimento do disposto no artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal, conjugada com o artigo 119º c) do Código de Processo Penal.

Não tendo sido possível, por circunstâncias apenas imputáveis ao próprio arguido, assegurar o contraditório máximo (consiste na audição presencial), não vislumbramos que nessa perspectiva tivesse sido cometida aquela concreta nulidade. O contrário é que seria destituído de sentido porque proporcionaria a um arguido incontactável (e sabendo que tem “contas a prestar” na sequência de uma condenação) um prémio em manter essa incontactibilidade e assim entorpecer a acção da justiça. As parcas informações de que o arguido estaria em França ou nos EUA só por si seriam insuficientes para que fosse imposta ao tribunal a obrigação de fazer várias e morosas diligências junto de tais Estados com vista a apurar do seu concreto paradeiro, diligências essas que, para além de morosas e dispendiosas, poderiam ser totalmente infrutíferas.

Daí que, mostrando-se inviável a possibilidade de audição presencial do arguido (como se constata dos autos por se desconhecer o seu paradeiro, desconhecimento esse, aliás, reconhecido pela sua própria defensora/mandatária) consideramos que essa não audição presencial não acarreta a pretendida nulidade decorrente da inobservância do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal.

Por isso, falece a primeira parte da primeira pretensão do recorrente nos termos em que vinha propugnada.

Todavia, mesmo assim, consideramos que o tribunal recorrido cometeu uma nulidade decorrente da inobservância do princípio do contraditório por, previamente à prolação do despacho recorrido, não ter sido notificada a ilustre mandatária do arguido para se pronunciar quanto à revogação da suspensão da execução da pena que havia sido promovida pelo Ministério Público.

É que, compulsados os autos, e na sequência da resenha que fizemos do evoluir dos mesmos, constata-se que a secção do tribunal recorrido não deu cumprimento ao que havia sido determinado na segunda parte do despacho de fls. 143 que estabelecia o seguinte: “No caso negativo [isto é se não for obtida informação da actual morada do arguido] tendo em conta o lapso de tempo decorrido desde a notificação de fls. 113, circunscrita ao teor de fls. 109 e anterior à tomada de posição do Ministério Público, notifique a ilustre mandatária do arguido para, em 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, após o que abra conclusão”.

Esta ordem de notificação da ilustre mandatária do arguido para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão visava assegurar um dos mais elementares direitos de defesa do arguido – ao caso dar observância ao princípio do contraditório (não presencial porque já não possível) na sua vertente menos ampla de audição ou defesa escrita por intermédio da sua defensora.

Ora, como dissemos e repetimos, a defensora/mandatária do arguido não foi notificada para se pronunciar quanto a essa questão da eventual revogação, sendo que o outro sujeito processual (o Ministério Público) em momento oportuno se havia manifestado no sentido da revogação. Por isso, a igualdade de armas - que tem assento constitucional por via do princípio do contraditório plasmado no artigo 32º nº 5 da Lei Fundamental – foi postergada em prejuízo da defesa do arguido.

E qual o vício que a omissão da prévia audição do arguido acarreta? Consideramos que é o da nulidade insanável a que alude o artigo 119º c) do CPP. Segundo tal normativo, constitui nulidade insanável “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.”

A “ausência” a que alude a al. c) do artº 119º não é apenas a física, mas também a processual (neste sentido cfr. Acs. da RL, de 14OUT97 e da RP, de 1ABR98, in CJ, ano XXII-1997, t. IV, p. 150, e ano XXIII-1997, t. II, p. 243, respectivamente).

Efectivamente, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada. É o que estatui o artº 9º, nº 1 do Cód. Civil.

Ora, não poderá perder-se de vista que está em causa uma decisão que afecta particularmente a posição do Arguido (a revogação da suspensão determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença – artº 56º, nº 2 do CP), o que exige que lhe seja plenamente assegurado o exercício de todos os direitos inseridos no direito constitucional de defesa, maxime o seu irrecusável direito de audição prévia.

E essa garantia processual – a que a Lei Fundamental, repete-se, confere dignidade constitucional – só se torna efectiva se a lei processual fulminar com nulidade insanável o acto que a tenha desrespeitado.

Em suma: a revogação da suspensão da execução da pena sem a prévia audição do arguido (neste caso através da sua defensora por não ter sido possível a audição presencial) constitui a nulidade insanável cominada na al. c) do citado artigo 119º.

É essa a solução que se retira da conjugação do preceituado nos citados art.ºs 495º, nº 2 e 119º, al. c) com o disposto no artº 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa.

Este vício, insanável, determina a nulidade do despacho recorrido que deve ser substituído por outro que, em observância do princípio do contraditório e da salvaguarda dos mais elementares direitos de defesa do arguido, determine o que seja dado cumprimento do que já havia sido determinado na segunda parte do despacho de fls. 143.

Nesta sequência, fica prejudicado o conhecimento do que demais havia sido suscitado no recurso.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e fundamentos expostos, acordam os Juízes desta Relação em, concedendo provimento ao recurso, declarar a nulidade da decisão recorrida que deve ser substituída por outra que, em observância do princípio do contraditório, determine o cumprimento do que havia sido determinado na 2ª parte do despacho de fls. 143 a fim de que, após a audição do arguido através da sua defensora e com a realização de diligências que porventura sejam ainda venham a ser consideradas úteis, seja proferida nova decisão sobre a revogação, ou não, da suspensão da execução da pena.

Sem custas.

                                                  *

(Luís Coimbra - Relator)

(Cacilda Sena)