Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
125/08.4TASPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: APRECIAÇÃO DA PROVA
RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 05/05/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE S. PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 40º,47º,70º,E 71º DO CP, 127º,374º, Nº2 410º,412º 428º DO CPP
Sumário: 1.O recurso sobre a matéria de facto, garantia que resulta directamente do âmbito do princípio constitucional do direito ao recurso, assumindo-se como uma irrefragável garantia de defesa, não consubstancia um novo julgamento.

2.Do que se trata, com o julgamento do recurso sobre a matéria de facto, é verificar e sanar os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.

3.No recurso amplo sobre a matéria de facto estão em causa todos os casos de erro não notório, na apreciação da prova de que o tribunal de recurso se aperceba na reanálise dos pontos de facto especificados pelo recorrente.

4. O princípio da livre apreciação da prova não é posto em causa quando o Tribunal funda a sua opção probatória de forma sustentada e justificada, de um modo consistente e que permite perceber qual a escolha efectuada, porquê esta opção e não aquela e isso se mostra coerente em todo o percurso analítico efectuado.

5 O Tribunal na motivação da decisão da matéria de facto deve indicar as razões por que lhe mereceu crédito determinado depoimento e de igual modo deve indicar as razões por que não lhe mereceu crédito um outro depoimento.

6. O quantitativo diário da multa, no respeito do artigo 47º,nº2 do CP, deve ser fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

Decisão Texto Integral: 37

I. RELATÓRIO.

No processo Comum singular n.º …./08.4TASPS.C1 o Ministério Público acusou M. imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 181º, nº 1 e 184º, por referência ao disposto na alínea l) do nº 2 do artº 132º, todos do CP.

O ofendido, Dr. J., pediu a condenação do arguido/demandado no pagamento da importância de 1.500 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais decorrentes da alegada conduta do arguido/demandado.

Realizado o julgamento o arguido foi condenado como autor de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo disposto nos artºs 181º, nº 1 e 184º, por referência ao artº 132º, nº 2, al. l), todos do CP, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 10 euros, num total de 800 euros, com 53 dias de prisão subsidiária. Foi ainda condenado a pagar ao demandante João Almeida Martins a importância de 1.500 euros, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4% ao ano, contados a partir do trânsito em julgado da presente sentença, nas custas criminais pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC, bem como 150 euros de procuradoria - artºs 513º, nº 1 e 514º, nº 1, ambos do CPP, 74º, 82º, nº 1, 85º, nº 1, al. c) e 95º, nº 1, estes do CCJ, nas custas do enxerto cível de fls. 100 e s. pelo demandado, com o mínimo de procuradoria - artºs 520º, al. a) do CPP, 446º, nºs 1 e 2 do CPC, 88º e 41º, nº 1, estes do CCJ.

Não se conformando com a decisão, o arguido veio interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos:

1ª O Arguido M, foi condenado pela prática de um Crime de Injúria agravada, todavia, em face da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, deveriam ter sido dados como não provados os pontos 6, 8, 9, 10 e 16 e, por conseguinte, como provado o único ponto dos factos não provados, absolvendo-se o mesmo. E, assim não acontecendo, houve erro na apreciação da prova.

2ª Ora da prova produzida em sede de Julgamento não era possível dar como provado tais pontos, em virtude dos depoimentos do Ofendido J e das testemunhas L, H, E, L, J; M e JH, que se encontram gravados em CD e transcritos em documento anexo.

3ª Ora vejamos: o ofendido nas suas declarações, e contrariamente ao teor constante da Acusação Pública situa os factos num primeiro momento na sala de audiências e num segundo momento nas escadas do Tribunal, e não no átrio do Tribunal. E nos dois momentos as expressões alegadamente proferidas são diferentes conforme é referido pelo Ofendido; o L afirma que ouviu expressões injuriosas na escadaria do Tribunal, as quais não coincidem, com as expressões que o próprio Ofendido diz que lhe foram dirigidas, na escadaria, pelo Arguido e esclarece que o Arguido estava a uma distância de 3 / 4 metros do Ofendido e não viu qualquer gesto brusco, nomeadamente um apontar de dedo por parte do arguido, ao contrário da versão do Ofendido; a Hs é peremptória a afirmar que estava presente no local, mas não ouviu trocas de palavras entre o Arguido e o Ofendido, nem na sala de audiências, nem na escadaria, nem sequer ouviu vozes altas, nem ouviu falar do veterinário; a E nem sequer disfarçou a animosidade que nutre para com o Arguido, em virtude de ser irmã do Réu D, o seu depoimento reflecte claramente uma versão diferente do próprio Ofendido, porque refere que este foi injuriado pelo Arguido na sala de audiência, quando estavam sentados; na sala de audiências quando já estavam em pé, no átrio e, por fim, nas escadas exteriores do Tribunal, coisa que o próprio Ofendido nem sequer o disse; a L contrariando o depoimento do próprio Ofendido, refere que tudo se passa no átrio, dentro das instalações do próprio Tribunal e não na escadaria exterior, e quem lhe diz as expressões alegadamente proferidas pelo Arguido é o Ofendido. Sendo que esta testemunha também refere que o Ofendido estava normal após os alegados factos, ela nem sequer sabia que ele era o veterinário.

4ª A falta de verdade nas declarações do Ofendido e das testemunhas da acusação é tal, que as contradições impressionam qualquer leitor atento às declarações constantes em anexo (doc.1), todavia o Tribunal “a quo” preferiu acreditar nas contradições anteriormente referidas e não atribuir a credibilidade devida às testemunhas J; M e JH, essas sim, cujos depoimentos não apresentam contradições, apenas, veja-se, por serem familiares do Arguido, o que não se pode de forma alguma aceitar.

5ª. As testemunhas J M e JH, embora sejam familiares do Arguido, esclareceram claramente como se processou a saída da sala de audiência e do próprio edificio do Tribunal, explicando que saíram juntamente com o Arguido e outros familiares e explicaram que o Arguido não injuriou, em momento algum o Ofendido, logo andou mal o Tribunal “a quo” ao dar como provado os pontos 6; 8; 9; 10 e 16, pois da prova testemunhal produzida em Audiência de Julgamento, face às contradições flagrantes entre Ofendido e demais testemunhas da Acusação (com excepção de Helena Valadares), outra não podia ser a conclusão, segundo o Princípio in dúbio pró reo, se não a de absolver o Arguido do crime que lhe era imputado.

6ª A sentença do Tribunal “a quo” tal como está fundamentada, traduz-se numa convicção arbitrária do julgador, e não numa convicção baseada na prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, o que implica uma violação dos art°s. 124° e 127° ambos do Código de Processo Penal e não considerou a presunção de inocência, em violação do art. 32° da Constituição da República Portuguesa, logo o Arguido tem de ser absolvido do Crime de Injúria Agravado e da indemnização a que foi condenado.

7ª É nula a sentença por omissão de pronúncia sobre os artigos 310, 32°, 36° e 38° da Contestação apresentada pelo Arguido, nos termos do art. 379° n°. 1 alínea a) primeira parte, do Código de Processo Penal, isto porque, o Tribunal “a quo” não se pronunciou acerca de tais factos que tinham (e continuam a ter) relevância para a boa decisão da causa, nomeadamente para aferir das condições económicas, sociais e pessoais do Arguido. Assim, verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 4100 CPP) e tal vício determina o reenvio do processo para novo julgamento para apuramento dos factos referidos, nos termos do art. 426° n°. 1 do Código de Processo Penal, o que se requer desde já.

8ª Das expressões injuriosas de que o Ofendido se queixou, apenas a expressão “você é um bandido, você não vale nada “, foi indicada no respectivo despacho de Acusação Pública, logo apenas por esta expressão alegadamente proferida pelo Arguido podia o mesmo ser acusado, uma vez que todas as demais de que vem acusado não têm correspondência com aquilo que o próprio Ofendido indicou na queixa que apresentou, o que significa que o Ministério Público carecia de legitimidade para, só por si, acusar o Arguido por expressões que o mesmo alegadamente proferiu, mas que não foram dessa forma indicadas na queixa apresentada.

9ª Caso assim se não entenda, o que se admite por dever de patrocínio, e se considere que o Arguido M, no dia, hora e local dos factos, injuriou o Ofendido, sempre se dirá que a pena aplicada ao mesmo é manifestamente excessiva, pois não se atendeu à situação económica do Arguido, pondo em causa a subsistência do Arguido e do seu agregado familiar, violando assim, o disposto nos art. 47° n°. 2 e art. 710 n°2 alínea d) ambos do Código Penal.

10ª Se atendermos à prova produzida em Julgamento, que o Tribunal “a quo”, nem sequer apreciou, fácil é de apurar que a situação sócio — económica e familiar do Arguido, é má, dado que o Arguido se encontra reformado, auferindo uma pensão de cerca de €271,00 (pensão esta de valor muito inferior ao salário mínimo nacional), a esposa é doméstica (não auferindo como tal qualquer rendimento), vivem da ajuda financeira do filho, o Arguido apresenta vários problemas de saúde que o obrigam a andar permanentemente em médicos e a tomar medicação rigorosa — ver depoimentos das testemunhas J, M, JH P, MC, A, os quais se encontravam gravados em CD e transcritos no documento anexo.

11ª Por outro lado, o montante arbitrado a título de indemnização, por danos não patrimoniais, €1 .5 00,00, é manifestamente exagerado e desproporcional, dado que não atendeu à situação económica do Arguido e a fundamentação da sentença na parte do pedido civil assenta apenas no facto de as expressões alegadamente proferidas terem sido causa de experimentação, pelo ofendido, de sentimentos de humilhação, vexame e tristeza, sem sequer dar como provado os pontos 6 e 7 do pedido de indemnização civil, matéria que consubstanciava o dito pedido. Assim, o Ofendido não fez prova de todo o seu pedido, logo não se alcança como pode o Tribunal “a quo”, sem mais, arbitrar a peticionada compensação de €1 .5 00,00. Desta feita, atendendo a todos estes factores, deveria o Tribunal “a quo”, no caso de condenar o Arguido, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, fixar equitativamente uma indemnização no montante não superior a €500,00 (quinhentos euros).

O Ministério, nas suas contra-alegações pronunciou-se pela improcedência do recurso.

O Senhor Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação deu o seu parecer igualmente no sentido da improcedência do recurso.

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II FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir:

Em face das conclusões do recorrente são cinco as questões a decidir: a) erro na apreciação da prova; b) omissão de pronúncia relativa a factos alegados na contestação com relevância para a causa e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; c) ausência de legitimidade do MP para acusar pelos factos dados como provados; d) medida da pena concreta; e) quantia indemnizatória fixada.

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Importa antes de mais atentar na matéria de facto e respectiva fundamentação dada como provada e que consta na decisão em apreciação.

Factos provados e não provados.

«1 – No dia 24.6.08, pelas 9.30 horas, encontrava-se agendada, neste tribunal judicial de S. Pedro do Sul, sito na cidade de S. Pedro do Sul, uma sessão de audiência de julgamento no âmbito dos autos de processo ordinário nº ../06.3TBSPS.

2 - Nesses autos o ora arguido e a sua mulher, MA, figuravam como autores.

3 – Ainda nessa acção figurava como testemunha JM.

4 – Este, que tem a profissão de médico veterinário, exercia à data de 24.6.08, como agora, as funções de autoridade veterinária concelhia em… sendo funcionário da Câmara Municipal …, com a profissão de médico veterinário municipal.

5 – No referido dia 24.6.08 foi a dita audiência de julgamento adiada para o dia 24.2.09, pelas 9.30 horas.

6 – Nessa altura, e seguidamente à comunicação de tal adiamento, no átrio de entrada do edifício deste tribunal judicial de S. Pedro do Sul, bem como nas escadas exteriores que dão acesso a tal átrio, o arguido disse para o referido J M, em voz alta e perante diversas pessoas que ali se encontravam, que “o veterinário é o homem mais ordinário de …l”, que “vende-se por copos de vinho” e “você é um bandido, você não vale nada”.

7 – O dito JM havia sido arrolado como testemunha naqueles autos de processo ordinário nº …/06.3TBSPS devido às suas funções profissionais de autoridade veterinária concelhia.

8 – Com as expressões “o veterinário é o homem mais ordinário de ..”, “vende-se por copos de vinho” e “você é um bandido, você não vale nada”, proferidas pelo arguido nas circunstâncias atrás descritas, ficou aquele J M abalado, humilhado e vexado na sua consideração pessoal e profissional.

9 – Com a conduta atrás descrita o arguido agiu com o propósito, concretizado, de atingir na sua honra e dignidade pessoal e profissional aquele J M, bem sabendo que aquele se encontrava ali enquanto testemunha naquele processo judicial devido às suas funções profissionais de autoridade veterinária no concelho de …l.

10 – Agiu o arguido, em todas as circunstâncias atrás descritas, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.


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11 – O arguido, no âmbito do processo ordinário supra referido em 1, em aditamento ao seu rol de testemunhas aí por si apresentado, mais incluiu, entre outros, o ora ofendido.

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12 – Tendo estado emigrado mais de duas décadas, o arguido encontra-se em Portugal há já cerca de 10 anos.

13 – Encontra-se reformado e vive com a esposa.

14 – É pessoa educada e respeitada no meio social onde se insere.

15 – Não possui antecedentes criminais.

*Mais se provou, sobretudo com interesse para o pedido civil deduzido, a seguinte factualidade:

16 – O demandante, em consequência da conduta do demandado descrita supra em 6, mais experimentou sentimentos de desgosto e tristeza»

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Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os anteriores, e designadamente:

- que o arguido não tenha proferido as expressões supra descritas em 6 da factualidade apurada»

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Para fundar a sua decisão o Tribunal sustentou-se na seguinte fundamentação:

«Fundou-se a convicção do tribunal, desde logo, nos elementos documentais de fls. 12 a 39 (cópia da petição inicial e da contestação apresentadas no âmbito dos autos de processo ordinário nº …./06.3TBSPS), de fls. 40 a 42, 45, 46, 134 e s. (róis de testemunhas e aditamento de testemunhas apresentados/efectuado pelas partes no âmbito da dita acção), bem como de fls. 43, 44, 47 e 48 (actas das audiências [adiamentos] efectuadas nos dias 30.1.08 e 24.6.08, no âmbito daquele mesmo processo).

De igual modo nas declarações do ofendido JM, o qual esclareceu a sua intervenção no âmbito do procedimento administrativo (licenciamento de viteleiro) subjacente ao litígio em resolução no âmbito do processo em que são autores o aqui arguido e a sua esposa, e intervenção essa que encontra eco, nomeadamente, no teor da petição inicial aludida a fls. 12 e ss. (cfr. o artigo 46º daquele articulado). Descreveu ainda, por sua vez, a conduta que o arguido assumiu para consigo logo após a comunicação do adiamento da audiência de julgamento que, no âmbito do dito processo, encontrava-se agendada para o dia 24.6.08. Tais declarações não nos mereceram, de resto, e no essencial, qualquer reserva, até porque nenhuma das pessoas inquiridas em audiência apontou qualquer prévio desentendimento pessoal entre o arguido e o ofendido que pudesse fazer despoletar, inveridicamente, a queixa que o segundo apresentou contra o primeiro. Ou seja, e de outra perspectiva, não se aflorou qualquer circunstância que conduzisse o ofendido a ‘inventar’ a queixa que apresentou.

Mas tais declarações foram, por outra via, confortadas pelos depoimentos das testemunhas L, E e LU, e até, ainda que de outra perspectiva, pela testemunha H.

Assim, a testemunhas L referiu, em síntese do seu depoimento, que o arguido, nas escadas de acesso ao tribunal, dizia em voz alta que o veterinário é o homem mais ordinário de …, e que se vende por copos de vinho. De igual modo a testemunha E.. referiu que, dirigindo-se para o ofendido, o arguido dizia, além de outras expressões para o caso irrelevantes, que se vendia por 2 copos de vinho, além de ter apelidado o ofendido de bandido. Ainda a testemunha LU… referiu ter ouvido, já que falava em voz alta, alguém, que então desconhecia, dizer que o veterinário de .. era um bêbado e que se vendia por um copo de vinho, mais tendo esclarecido que a testemunha E..s posteriormente a elucidou (a ela testemunha) quanto à identidade da pessoa que formulava tais expressões, apontando-a como o autor da acção na qual o irmão da referida E.. era Réu.

Neste contexto, no qual o ofendido não possuía qualquer razão ou fundamento para apresentar uma queixa que não correspondesse à verdade, e no qual as suas declarações prestadas em audiência foram essencialmente confirmadas pelas 3 testemunhas já relevadas, aquelas declarações mereceram-nos todo o crédito. Acresce que o ofendido, na descrição da sua intervenção no processo administrativo subjacente ao litígio em discussão na dita acção ordinária, apontou ter elaborado um parecer que iria, no seu conteúdo, contrariar a pretensão do ora arguido e sua esposa em sede daquele mesmo processo, pelo que, desse modo, a conduta do arguido apresenta alguma compreensibilidade, ainda que não justificação.

Não impressiona, por outra via, as aparentes contradições verificadas entre as ditas testemunhas quanto à narração que efectuaram dos factos. Pelo contrário, a eventual ausência de contradições é que impressionaria – e negativamente – este tribunal, posto que, consabidamente, é distinta em cada pessoa a capacidade de apreensão de uma mesma realidade fáctica, sobremaneira quando a mesma é em si dinâmica, como é distinta a capacidade de retenção de pormenores, e como é ainda distinta a natural reconstrução que cada qual efectua da realidade observada quando ‘obrigado’ a descrevê-la. Mas no essencial o quadro traçado pelas testemunhas L, E, LU e J M foi concordante, sendo pouco mais que anódino esclarecer aspectos como se as expressões começaram a ser ditas no ponto x, naquele y ou eventualmente em z quando, bem vistas as coisas, estamos, no caso concreto, a falar de um átrio de entrada do edifício de um tribunal (deste tribunal), e da escadaria exterior a tal átrio. Como inócuo se apresentam outros pormenores e contradições, mormente no confronto (também) de testemunhas de defesa. Assim, v. g., ao passo que para a testemunha J estavam, no interior da sala de audiências, aquando do adiamento ocorrido em 24.6.08, cerca de 20 pessoas, mais referindo uma sala quase cheia, já para a testemunha M estava pouca gente na dita sala, cerca de 10 pessoas.

E sendo certo que as testemunhas J, M e JG referiram que acompanhavam o arguido aquando da saída do edifício deste tribunal, e que não ouviram da voz do arguido o proferir de qualquer expressão injuriosa, ou sequer o levantar de voz, tais depoimentos não lograram infirmar ou sequer por em crise a convicção por nós firmada do modo supra exposto. Abstraindo até da circunstância de estas testemunhas serem cunhados e irmã do arguido, o conteúdo dos seus depoimentos não logrou colocar-nos em dúvida quanto à veracidade dos factos supra apontados como apurados. De resto, confirmaram a presença no local de algumas das testemunhas de acusação, designadamente a testemunha E (cuja presença foi confirmada pelas testemunhas J e J G), bem como a da testemunha LU (presença confirmada pela testemunha M

Em sede das consequências ‘morais’ da conduta do arguido foram relevantes as regras da normalidade, posto ser facto evidente o tipo de sentimentos que emergem nas pessoas quando se veêm directamente destinatárias de expressões como aquelas dadas como provadas, independentemente da maior ou menor capacidade de ‘controlo’ da reacção emocional emergente em tais situações ou momentos.

Mais foi relevante o teor do CRC de fl. 79.

Já para a situação socio-familiar do arguido foram relevantes os depoimentos das testemunhas J, M, J G, P, C, M e A»

Sobre a pena concreta aplicada a sentença diz o seguinte:

« Assim posto este enquadramento, cumpre agora determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido:

Atenta a estatuição dos já referidos art°s 1810, n° 1 e 184°, por referência ao art° 132°, n° 2, ai. 1), todos do CP, é o aplicador colocado na alternativa entre a pena de prisão ou a pena de multa. Ora, atento o princípio exarado no art° 70° do CP, deve o tribunal preferir a pena não privativa da liberdade, desde que esta se mostre adequada e suficiente às finalidades da punição - vide o art° 40°, n° 1 daquele diploma legal.

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Neste ponto, ou seja, quanto à opção a tomar, apresenta-se decisiva a circunstância de o arguido não apresentar antecedentes criminais.

Por isso se nos afigura suficiente a opção pela pena de multa, pois que esta, não o privando do contacto com o meio social e familiar onde se insere, apresenta inegáveis vantagens do ponto de vista da recuperação do arguido, sendo que, in casu, a necessidade de reafirmação da validade da norma violada, ou seja, a necessidade de prevenção geral, não exige a aplicação de medida mais gravosa, bastando-se, consequentemente, com a censura ético-jurídica contida numa condenação penal de carácter não detentivo.

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Já no que concerne à medida concreta da pena, a mesma determinar-se-á em função dos critérios fixados no n° 1 do art° 71° do CP, ou seja, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, densificados, ambos, pelos factores operativos exemplificativamente elencados nas diversas alíneas do n° 2 do referido preceito.

Tomando em consideração tais factores conclui-se ser elevada a culpa do arguido, embora sejam despiciendas as necessidades de socialização, pois que se está perante delinquente primário.

Porém, fruto da inusitada frequência com que ocorrem desmandos ou incontinências verbais, quase sempre destituídas de fundamento, sentido ou compreensão, além de perfeitamente evitáveis, não são despiciendas as necessidades de prevenção geral, posto que haverá de ser dada adequada tutela ao bem ofendido pela conduta do arguido, em reafirmação da validade da norma violada.

Sopesado então o circunstancialismo que ficou exposto, e considerando a moldura abstracta em apreço, afigura-se-nos equilibrada a pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 10 euros.

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Por seu turno, qualificada a conduta do arguido como criminalmente ilícita, necessariamente a mesma configura um ilícito civil, cujo ressarcimento haverá de fazer-se em função das regras do direito civil - art°s 129° do CP, 483°, n° 1, 496°, no 1 e 562° e ss., todos estes do CC.

Ora, de acordo com as regras de direito civil aplicáveis, encontra-se o demandado obrigado a ressarcir os danos causados na esfera do outro, nomeadamente reconstituindo a situação patrimonial que existiria na esfera do lesado acaso não sobreviesse a conduta lesiva, e compensando-o dos danos de carácter não patrimonial sobrevindos à sua conduta, sendo que quanto a estes deverá o aplicador fazer uso de critérios de equidade e razoabilidade - n°s 1 e 3, 1” parte do referenciado art° 496°.

Assim, atenta a matéria apurada quanto às consequências danosas sobrevindas em consequência do comportamento do arguido, enquanto demandado, constata-se que as mesmas se revelaram, apenas, no plano não patrimonial. De facto, ao imputar determinados juízos de valor que, objectiva e subjectivamente, são depreciativos da honra e consideração do respectivo destinatário, atingiu o demandado alguns vectores da personalidade moral do demandante, e por modo que merece a tutela do direito, atenta o carácter ofensivo das expressões por si utilizadas. Tanto assim que as mesmas foram causa da experimentação, pelo ofendido, de sentimentos de humilhação, vexame e tristeza.

Considerando pois o exposto, afigura-se-nos equilibrado, a título compensatório, o arbitramento da peticionada compensação [1500 euros, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4% ao ano, contados a partir do trânsito em julgado da presente sentença]

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Vejamos cada uma das questões suscitadas.

I) Erro na apreciação da prova.

Importa ante de mais constatar, face às alegações de recurso efectuadas pelo recorrente sintetizadas nas suas conclusões, que a sua discordância incide num eventual erro de julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal, não invocando, no entanto, qualquer prova diversa que sustentasse outra decisão.

O recurso sobre a matéria de facto, garantia que resulta directamente do âmbito do princípio constitucional do direito ao recurso, assumindo-se como uma fortíssima garantia de defesa, não consubstancia, em momento alguma um novo julgamento.

O que se trata, com o julgamento do recurso sobre a matéria de facto, é despistar e sanar os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso – vejam-se os Ac. do STJ de 16.6.2005, Recurso n.º 1577/05), e de 22. 6. 2006 do mesmo Tribunal.

Assente este princípio fundamental, a dimensão normativa estabelecida no CPP relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume duas dimensões:

a) a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no artigo 410º nº 2 referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida;

b) a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido que se alude no artigo 412º nº 3.

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No que respeita ao conhecimento do recurso sustentado nos vícios a que se refere o artigo 410º nº 2, é jurisprudência pacífica a praticamente uniforme que aqueles vícios, em todas as suas alíneas (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência (cf. Ac. STJ 17 de Março de 2004).

Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no artigo 410º n.º 2 alínea b), e o erro notório na apreciação da prova, consubstanciam, respectivamente, a inexistência de factos provados suficientes, a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório da apreciação da prova efectuada pelo Tribunal.

Tudo isto, repete-se, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.

Recorde-se que estes vícios, podendo e devendo ser alegados, são no entanto de conhecimento oficioso.

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Todo o campo de possibilidade de recurso em matéria de facto que se não limita aos vícios do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal ou seja, que saiem fora desta previsão balizadora (na expressão utilizada no Ac da RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa) constituem a segunda dimensão do recurso sobre a matéria de facto. Estão neste âmbito todos os casos de erro, não notório, na apreciação da prova de que o tribunal de recurso se aperceba na reanálise dos pontos de facto apreciados e permitidos pelo recurso em matéria de facto. Igualmente estão em causa os erros de julgamento, nos quais se incluem os erros na apreciação das declarações orais prestadas em audiência e devidamente documentadas e a não ponderação ou errada ponderação de qualquer prova que, não sendo notórios, impõem uma diversa ponderação. Assim como o uso inadequado de presunções naturais, conhecimentos científicos, regras de experiência comum ou simples lógica.

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No que respeita ao recurso sobre a matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, a que se alude no artigo 412º nº 3, impõe-se ao recorrente o cumprimento do ónus de impugnação especificada contido nos números 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Nesse sentido o artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal refere que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. Ou seja, nestes casos ao recorrente é exigida a i) indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal); ii)- A indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (alínea b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal; iii) A indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal).

Ao estabelecer que o recorrente tem que indicar as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto o legislador quer sublinhar que «o recurso não é um novo julgamento, [mas] sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico (conforme se refere no Ac. RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa). Ou seja, o que se quer sublinhar é que esta identificação das provas que impõem uma diversa apreciação diz-nos que não está em causa uma divergência entre o modo como se decidiu e o modo como o recorrente pretende ver decidida a questão. Está em causa um erro na prova que sustenta os factos, cometido pelo Tribunal que não levou em consideração essas provas (que têm que ser identificadas) que impõem uma diversa apreciação da que foi efectuada pelo Tribunal.

Enquadrada, normativamente, a possibilidade legal de conhecer do recurso sobre a matéria de facto, importa desde já referir que o recorrente, no caso sub judice, não fez uso de qualquer dos mecanismos disponibilizados pelo artigo 412º n.º 3.

Limita-se tão só a questionar a forma como o Tribunal valorou a prova, nomeadamente a prova decorrente do depoimento das testemunhas, num outro juízo diferente daquele que foi utilizado pelo Tribunal.

Para o recorrente deveriam ter sido valorados depoimentos de testemunhas que o Tribunal justificou adequadamente como não sendo de valorar e não as provas em que o Tribunal fundou, válida e justificadamente, a sua decisão.

Nesse sentido e porque não cumpriu o recorrente o dispositivo legal que se lhe impunha, a apreciação do recurso sobre a matéria de facto incidirá tão só na apreciação de um eventual erro notório na apreciação da prova nos termos em que foi referido: o mesmo resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência. Isto porque os vícios em causa são sempre, como se referiu de conhecimento oficioso.

E sobre este vício sublinhe-se desde já que não se encontra qualquer verificação na sentença objecto de recurso que permite concluir pela sua existência.

O trabalho do Tribunal ao dar as suas razões no modo como fundamentou a decisão é absolutamente claro. Os factos provados (na dimensão que o arguido recorrente quer pôr em causa) resultam da prova produzida em julgamento, nomeadamente na bem fundada justificação efectuada pelo Tribunal que, para além das próprias declarações do ofendido (que o Tribunal aceita fundadamente como válidas) resultam da prova testemunhal identificada (Luís Almeida, Elisa Marques e Luciana Rodrigues, e Helena Valadares). E sobre esta prova o Tribunal é claríssimo ao referir qual a sua razão de ciência, absolutamente válida e justificada, relativa à sua sustentação probatória dos vários depoimentos.

O Tribunal não se limita a indicar os meios de prova fazendo uma análise critica e justificada do porquê da sua opção, não se constatando, de todo, qualquer vício discurso analítico do Tribunal na fundamentação.

Ainda neste âmbito, embora de um modo superficial, o recorrente invoca um eventual violação do princípio da livre apreciação da prova, por não ter o Tribunal valorado depoimentos de determinadas testemunhas que o recorrente entendiam ser mais credíveis em relação ao depoimento daquelas em que o Tribunal sustentou a sua opção.

Ora sobre isto, apenas se diz que o princípio da livre apreciação da prova não sendo (que não é!) um princípio de livre arbítrio na valoração prova, quando é invocado deve ser cuidadosamente percepcionado. Ou seja, quando o mesmo é invocado deve atentar-se no modo como o mesmo está estabelecido no CPP e em que medida é que o mesmo, in casu, foi posto em causa. E ele não é posto em causa quando o Tribunal funda a sua opção probatória de forma sustentada e justificada, de um modo consistente e que permite perceber qual a escolha efectuada, porquê esta opção e não aquela e isso se mostra coerente em todo o percurso analítico efectuado.

Ora no caso (e mais uma vez, em relação à dimensão da prova que está em causa) o Tribunal justificou clara e fundadamente as suas opções. E também justificou porque não valorou as provas (testemunhais) que o arguido pretendia ver como aquelas que para si seriam o sustentáculo da sua versão.

Para além disso e num esforço (de realçar, diga-se ) de tornar completamente transparente o seu modo de decidir, o Tribunal esclareceu ainda aquilo que entendeu ser as aparentes contradições das testemunhas sobre pontos concretos dos seus depoimentos e que sendo mais do que razoáveis, evidenciam não só grande honestidade intelectual de quem elaborou a decisão como também um conhecimento real do modo como se passam as coisas na vida. Ou seja, o Tribunal ao referir, na sua fundamentanção que «Não impressiona, por outra via, as aparentes contradições verificadas entre as ditas testemunhas quanto à narração que efectuaram dos factos. Pelo contrário, a eventual ausência de contradições é que impressionaria – e negativamente – este tribunal, posto que, consabidamente, é distinta em cada pessoa a capacidade de apreensão de uma mesma realidade fáctica, sobremaneira quando a mesma é em si dinâmica, como é distinta a capacidade de retenção de pormenores, e como é ainda distinta a natural reconstrução que cada qual efectua da realidade observada quando ‘obrigado’ a descrevê-la. Mas no essencial o quadro traçado pelas testemunhas L, E, LU e JM foi concordante, sendo pouco mais que anódino esclarecer aspectos como se as expressões começaram a ser ditas no ponto x, naquele y ou eventualmente em z quando, bem vistas as coisas, estamos, no caso concreto, a falar de um átrio de entrada do edifício de um tribunal (deste tribunal), e da escadaria exterior a tal átrio. Como inócuo se apresentam outros pormenores e contradições, mormente no confronto (também) de testemunhas de defesa. Assim, v. g., ao passo que para a testemunha J estavam, no interior da sala de audiências, aquando do adiamento ocorrido em 24.6.08, cerca de 20 pessoas, mais referindo uma sala quase cheia, já para a testemunha M. estava pouca gente na dita sala, cerca de 10 pessoas» está afinal a contrariar o que dogmaticamente é criticado às fundamentações formalmente coerentes mas substancialmente manipuladas.

O Tribunal não «manipulou» os depoimentos prestados a seu bel prazer, antes os valorou como eles são efectivamente prestados, com os seus «altos» e «baixos», com as sua fragilidades absolutamente normais num depoimento prestado por uma testemunha sobre um facto passado.

O Tribunal refere ainda porque não valorou os depoimentos em que o arguido pretende ver sustentada a sua versão e fê-lo de uma forma inequívoca não deixando dúvidas sobre o modo como valorou livremente a prova. Em nenhum momento da sua fundamentação é visível qualquer (dir-se-ia, a mínima!) ponta de livre arbítrio.

Daí que o que o vicio que recorrente invoca não tenha qualquer sustentação.

*

b) Omissão de pronúncia relativa a factos alegados na contestação com relevância para a causa e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Alega o recorrente que se constata uma omissão de pronúncia referente aos factos constantes dos artigos 310, 32°, 36° e 38° da Contestação apresentada pelo Arguido, nos termos do art. 379° n°. 1 alínea a) primeira parte, do Código de Processo Penal, isto porque, o Tribunal “a quo” não se pronunciou acerca de tais factos que tinham (e continuam a ter) relevância para a boa decisão da causa, nomeadamente para aferir das condições económicas, sociais e pessoais do Arguido. Assim, verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410º CPP).

Importa antes de mais identificar os factos que constituem os artigos citados.

Assim na contestação do arguido, no artigo 31º é referido que «o arguido é pessoa cordata e pacífica; no artigo 32º é alegado que «apresenta vários problemas de saúde que o obrigam a andar permanentemente em médicos e a tomar medicação rigorosa»; no artigo 36º alega-se que «é de modesta condição sócio-económica»; finalmente no artigo 38º refere-se que «é pessoa bem aceite e integrado no meio social onde vive».

Desde já importa referir que sobre a personalidade do arguido e as suas condições pessoais, matéria que está em causa, o Tribunal na sentença deu como provado que o arguido «Tendo estado emigrado mais de duas décadas, o arguido encontra-se em Portugal há já cerca de 10 anos; Encontra-se reformado e vive com a esposa. É pessoa educada e respeitada no meio social onde se insere. Não possui antecedentes criminais.

Trata-se de matéria de facto que não constava da acusação e que por isso não consubstancia matéria de facto passível de enquadrar-se no âmbito dos factos que constituem o objecto do processo como tal descrito na acusação (ou na pronúncia), mas decorre da factualidade que encerra a contestação apresentada pelo recorrente e também decorre dos poderes oficiosos atribuídos ao juiz para, de acordo com o modelo processual vigente, aquilatar de todos os factos que permitam efectuar a determinação da sanção.

Importa recordar que o modelo processual penal, nesta matéria, assenta na «cesure», ou seja, na efectiva distinção entre os momentos processuais da produção, valoração e decisão sobre a prova no que respeita aos factos que constituem o objecto do processo e o momento processual em que o tribunal procede à produção recolha e valoração da prova sobre os factos relativos à personalidade do arguido necessários para a questão da determinação da sanção. É esta divisão que decorre formal e inequivocamente do disposto nos artigos 369º a 371º do CPP, por contraposição aos artigos 368º do CPP.

A usual e comum não distinção das duas fases processuais efectuada pelos Tribunais (e que no caso também ocorreu) não permite que se omita que dogmaticamente é assim que a questão da determinação da sanção deve ser vista.

O que decorre do que vem sendo dito, com relevância para a questão suscitada, tem a ver com o facto de o Tribunal, no que respeita aos factos relevantes para a determinação da sanção, seguiu e valorou em parte os factos que o arguido arrolou na sua contestação (embora não tomando tais factos «à letra») e valorou outros factos que decorreram da audiência e que entendeu por bem dar como provados para fundar a sua decisão.

Para tanto ou seja para fundar tais factos provados, como bem decorre da fundamentação, sustentou-se aliás na prova das testemunhas arroladas pelo arguido na contestação, J, M, JG, C Costa, MC e A C».

Tanto no que respeita aos factos que constavam na acusação, que constituíam o objecto do processo, como aos factos alegados pelo arguido que pretendiam pô-la em causa, nomeadamente que o arguido tivesse proferido as expressões injuriosas (veja-se a contestação e, sinteticamente, o artigo 30º), como aos outros factos que o arguido alegou na sua contestação o Tribunal referiu, tabular e expressamente que «Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os anteriores, e designadamente: que o arguido não tenha proferido as expressões supra descritas em 6 da factualidade apurada».

Ou seja no que respeita à essência da factualidade objecto da acusação o tribunal foi expresso ao referir que não se provou a versão do arguido (negação dos factos). E basta uma análise da fundamentação para verificar as suas razões – que já foram analisadas supra.

No que respeita aos factos alegados pelo arguido que se pretendiam provar com interesse para a decisão da sanção, embora incluídos na mesma afirmação, não pode deixar de interpretar-se a declaração genérica do Tribunal como uma tomada de posição quanto aos mesmos: «não ficaram provados quaisquer outros factos». A inequivocidade da afirmação do Tribunal só pode ser interpretada desta forma: não ficaram provados mais factos do que aqueles que estão na sentença, tanto os factos alegados na contestação como eventualmente outros factos vindos a juízo no âmbito dos poderes inquisitórios do Tribunal. Não entendeu o Tribunal, face à natureza dos factos em causa ser suficiente qualquer outra afirmação mais pormenorizada nomeadamente quanto à factualidade referente à situação pessoal e social do arguido. Apenas fez uma precisão, correcta, quanto à versão do arguido de que não tinha praticado os factos, expressamente referindo que essa versão não tinha sido provada. E entendeu bem, diga-se.

Esquece-se, por vezes, que na importantíssima norma que configura artigo 374º nº 2 do CPP e estabelece o quadro normativo do programa da fundamentação das sentenças penais, há um inciso absolutamente relevante que não está na norma por acaso. Trata-se da afirmação de que a fundamentação tem que ser concisa ou seja «consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamentam a decisão(…)».

Ora a concisão, juntamente com a generalidade, indisponibilidade, completude e publicidade, é uma dos requisitos estruturais que modelam o princípio da fundamentação da sentença penal e que a percorre em toda a sua construção.

Em síntese, ao aludir de forma tabular (e concisa) aos factos não provados, referindo que «não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os anteriores» o Tribunal tomou posição sobre os factos alegados pelo arguido na contestação que não constam na sentença como factos provados.

Nessa medida não se constata qualquer nulidade da sentença, nomeadamente nos termos do artigo 379º n.º 1 alínea a).

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c) Ausência de legitimidade do MP para acusar pelos factos dados como provados.

O recorrente invoca que Das expressões injuriosas de que o Ofendido se queixou, apenas a expressão “você é um bandido, você não vale nada “, foi indicada no respectivo despacho de Acusação Pública, logo apenas por esta expressão alegadamente proferida pelo Arguido podia o mesmo ser acusado, uma vez que todas as demais de que vem acusado não têm correspondência com aquilo que o próprio Ofendido indicou na queixa que apresentou, o que significa que o Ministério Público carecia de legitimidade para, só por si, acusar o Arguido por expressões que o mesmo alegadamente proferiu, mas que não foram dessa forma indicadas na queixa apresentada.

Importa referir que na sentença, o Tribunal de primeira instância tomou posição sobre o problema, em «questão prévia» identificada como tal, referindo que «Enquanto questão prévia suscitada pelo arguido nos artigos 1° a 16° da sua contestação, cumpre iniciar por analisar se o MP dispunha de legitimidade para proceder pelos factos, no sentido de expressões, apontados na acusação pública. Designadamente se o ofendido exercera, quanto às mesmas, o seu direito de queixa, exercício esse condicionante da posterior actuação do MP, maxime através da dedução da acusação. Ora, nesta sede, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, ser manifesto não assistir ao arguido qualquer razão. Assim, sendo indubitável concluir, da simples leitura e comparação entre o da queixa de fis. 2 e s. e aquele da acusação pública de fis. 93 e s., pela não integral correspondência entre as expressões constantes numa e noutra, tal circunstância afigura-se-nos totalmente anódina, atendendo a que o crime denunciado e aquele objecto da acusação são os mesmos. De facto, no exercício do direito de queixa, o ofendido denunciou a prática, pelo arguido, de factos ocorridos no dia 24.6.08, cerca das 10.45 horas, no interior da sala de audiências deste tribunal judicial de S. Pedro do Sul, e nos espaços que lhe são adjacentes, factos esses que integrariam a prática de um crime de injúrias, expresso este com o proferir de determinadas expressões. Por sua vez os factos objecto da acusação correspondem ao crime denunciado, ou seja, vem o arguido a ser acusado de ter proferido determinadas expressões injuriosas, nas circunstâncias de tempo e lugar já referidas na queixa, sendo em ambas apontado o Dr. JM como destinatário de tais expressões. Como refere Germano Marques da Silva (aliás citado pelo arguido), nos crimes semipúblicos “... a lei condiciona o procedimento à queixa, mas tão-só. O Ministério Público há-de investigar o crime noticiado em todas as suas possíveis dimensões, há-de procurar esclarecê-lo integralmente... A queixa delimita a investigação relativa aos factos de certo tipo de crime que dela são objecto, mas não ao esclarecimento integral dos seus elementos essenciais e acidentais”. Ou mais à frente na sua obra refere que “... nos crimes semipúblicos, os factos que hão-de ser objecto da acusação serão os indiciados no inquérito...” — cfr. Curso de Processo Penal, vol. III, 96 e s.. Ora neste contexto, e ainda que ‘linguisticamente’ inexista, no caso concreto, a ‘reprodução semântica’ (pelo menos integral) que o arguido aparenta defender dever subsistir entre a queixaldenúncia e a ulterior acusação, a mesma não conduz à conclusão que se imporia para efeitos de afastar a legitimidade do MP, ou seja, que o crime acusado e o denunciado sejam distintos. Pelo contrário, e como já salientado, os factos objecto da queixa e aqueloutros da acusação pública consubstanciam, em abstracto, o preenchimento do mesmo crime, sendo as diferenciações em sede das expressões injuriosas produto, certamente, das investigações e/ou recolha de elementos probatórios realizados ao longo do inquérito.

Improcede, como tal, a arguida falta de legitimidade do MP para proceder criminalmente por algumas das expressões retratadas na acusação pública, concretamente aquelas vertidas no artigo 16° da contestação.»

O objecto do processo fixa-se na acusação, sendo esta que delimita os poderes de conhecimento e decisão do Tribunal.

O «pedaço de vida», na expressão de Figueiredo Dias, que constitui o objecto do processo sustenta-se na factualidade que consubstancia a eventual prática de um crime. Ou seja factos ocorridos num determinado momento histórico com uma relevância jurídica negativa no sentido que enformam a ocorrência de um qualquer tipo criminal.

No caso dos autos o Ministério Público deduziu acusação por factos ocorridos em 24 de Junho de 2008, pelas 10h45 no átrio de entrada do edifício deste tribunal judicial de S. Pedro do Sul, bem como nas escadas exteriores que dão acesso a tal átrio, o arguido disse para o referido JM em voz alta e perante diversas pessoas que ali se encontravam, que “o veterinário é o homem mais ordinário de. ..l”, que “vende-se por copos de vinho” e “você é um bandido, você não vale nada”.

Tais factos constavam na participação efectuada pelo ofendido contra o arguido em 24.06.2008 em que entre outros factos, se imputavam ao arguido, as seguintes afirmações: “tanto os juízes como os funcionários da Câmara são todos uns corruptos e uns comilões”, “estão todos comprados”, “não estão interessados em resolver qualquer problema”, “de entre eles todos os veterinário municipal é o pior, que quer é encher a barriguinha, é o maior ordinário de…, que até por copos de vinho se vira”, «você é um bandido, você não vale nada”.

Tratando-se de uma queixa, foi a mesma objecto de investigação por parte do Ministério Público que veio a deduzir acusação nos termos já referidos, sendo certo que se estava em presença de um crime de natureza semi-publica, atendo o facto de o odefndi ser funcionário público.

Importa constatar que a queixa-crime, segundo Germano Marques da Silva, Manual de Processo Penal, Vol. III, p. 96, apenas «delimita a investigação relativa aos factos de certo tipo de crime que dela são objecto, mas não o esclarecimento integral dos seus elementos essenciais e acidentais. A investigação dos factos objecto da queixa não pode deixar de ser limitada pelo queixoso, devendo no inquérito praticar-se todas as diligências que forem julgadas indispensáveis para o seu pleno esclarecimento, para a descoberta da verdade». É essa investigação a charge et a descharge que também traduz a vertente de legalidade imposta ao Ministério Público no exercício da acção penal.

O que se quer referir é que tendo sido efectuada uma queixa crime com base em factos concretos que consubstanciavam para o ofendido queixoso, a ocorrência de um crime cometido «contra si», o Ministério Público, no exercício das suas competências, sem as ultrapassar levou o inquérito a termo e construiu a hipótese acusatória sustentada naqueles factos concretos inicialmente objecto de queixa, que, tendo sido deduzida, terminou na condenação do arguido por tais factos.

Não se entende onde e em que dimensão deste percurso procedimental se vê uma falta de legitimidade do Ministério Público, sendo que o «pedaço de vida» objecto do processo desde o primeiro momento (da queixa) foi perfeitamente identificado, tendo apenas, no decurso do inquérito sido efectuada uma averiguação no sentido de precisar e delimitar o mais precisamente possível o que efectivamente aconteceu.

Daí que careça de total sentido a alegada falta de legitimidade do Ministério Público para acusar o arguido nos termos em que o fez.

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d) Pena concreta excessiva.

Segundo o recorrente a pena aplicada é manifestamente excessiva, pois não se atendeu à situação económica do Arguido, pondo em causa a subsistência do Arguido e do seu agregado familiar, violando assim, o disposto nos art. 47° n°. 2 e art. 710 n°2 alínea d) ambos do Código Penal.

Para justificar a sua afirmação o recorrente refere que a situação sócio — económica e familiar do Arguido, é má, dado que o Arguido se encontra reformado, auferindo uma pensão de cerca de €271,00 (pensão esta de valor muito inferior ao salário mínimo nacional), a esposa é doméstica (não auferindo como tal qualquer rendimento), vivem da ajuda financeira do filho, o Arguido apresenta vários problemas de saúde que o obrigam a andar permanentemente em médicos e a tomar medicação rigorosa.

Uma precisão importa antes de mais referir.

Embora o não diga nas conclusões, o requerente quer referir-se apenas (sublinhado nosso) ao quantitativa diário da pena de multa que o Tribunal fixou em 10,00 euros. É isso que decorre expressamente da sua motivação (cf. fls 231 e 238), sendo pois só essa a questão em apreciação no recurso.

Da matéria de facto provada e que interessa sobre a questão em apreço – e é sobre essa que importa atentar – resultou provado que o arguido, Tendo estado emigrado mais de duas décadas, o arguido encontra-se em Portugal há já cerca de 10 anos, encontra-se reformado e vive com a esposa. É pessoa educada e respeitada no meio social onde se insere. Não possui antecedentes criminais.

Deve dizer-se que poderia o Tribunal ter sido mais profíquo na determinação factual da situação pessoal do arguido no sentido de esclarecer qual a sua situação pessoal de modo a aproximar tanto quanto possível a realidade da decisão a tomar.

Recorde-se que é muito claro o artigo 47º n.º 2 quando impõe, na determinação da quantia diária da multa, que «o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

Na fixação do quantitativo diário da multa deve o Tribunal balancear a sua decisão em função de dois parâmetros: situação económica e financeira do condenado e os encargos que demonstra ter.

A fixação do montante diário da multa é uma operação autónoma da fixação prévia do número de dias de multa, seja como pena principal seja como pena subsidiária, que com ela se não pode confundir, nomeadamente pelo facto de se proibir a dupla valoração de circunstâncias.

A fixação do montante diário da multa é, no entanto, ainda uma operação que se insere no âmbito da aplicação concreta da pena de multa e nessa medida não podem colocar-se de lado as finalidades que subjazem à própria pena, nomeadamente os princípios decorrentes do artigo 40º do Código Penal, ou seja a protecção de bens jurídicos, a reintegração do arguido e a culpa que vinculam quem aplica em concreto as penas – o que, repete-se, não se confunde com a proibição da dupla valoração.

Por outro lado importa constatar que o princípio da fundamentação das decisões, estabelecido constitucionalmente no artigo 205º da CRP, impõe que em qualquer decisão seja efectuada uma justificação, suficiente, coerente e concisa sobre o que se decidiu.

A exigência de uma determinada fundamentação deve ser sempre concretizável de modo a puder ser sindicada pelo Tribunal Superior, assim se concretizando uma das finalidades endo processuais exigidas pelo princípio da fundamentação das decisões (para além das restantes finalidades seja, ainda, de natureza endo-processual, como é o acaso do auto-controlo, ou das garantias de defesa, seja de natureza extraprocessual).

Exigência constitucional e normativa que se impõe igualmente quando está em causa uma parcela da decisão que pode ser sujeita a posterior verificação pelo Tribunal de recurso, como é caso do quantitativo diário da pena de multa.

Ora, como se referiu poderia o Tribunal ter sido mais explícito e não o foi na fundamentação da sua decisão quanto a esta matéria.

E sobre a situação do arguido temos apenas como provado que Tendo estado emigrado mais de duas décadas, o arguido encontra-se em Portugal há já cerca de 10 anos, encontra-se reformado e vive com a esposa.

O quantitativo diário da multa varia, actualmente entre 5 euros e 500 euros.

Face a alguma debilidade da matéria de facto apurada importa constatar, no entanto que a factualidade mínima apurada evidencia uma determinada realidade sócio económica do arguido que permite cumprir as exigências de fundamentação estabelecidas. Assim sabido que as situações de reforma não são em regra muito diferentes do salário mínimo nacional e que o arguido vive com a esposa, entende-se que o quantitativo diário fixado não é desproporcional à exigências que são devidas também na fixação da pena de multa, que como vem sendo dito, é uma pena e como tal não pode ser vista como um simulacro da punição (cf., neste sentido o Acórdão desta Relação de 23.01.2008 (proce. 932/05, Colectânea de Jurisprudência, on line).

e) Quantia indemnizatória fixada de forma exagerada.

O arguido vem ainda questionar o montante da quantia indemnizatória fixada pelo Tribunal, invocando nas suas conclusões que o montante arbitrado a título de indemnização, por danos não patrimoniais, €1 .5 00,00, é manifestamente exagerado e desproporcional, dado que não atendeu à situação económica do Arguido. Para além disso invoca que a fundamentação da sentença na parte do pedido civil assenta apenas no facto de as expressões alegadamente proferidas terem sido causa de experimentação, pelo ofendido, de sentimentos de humilhação, vexame e tristeza, sem sequer dar como provado os pontos 6 e 7 do pedido de indemnização civil, matéria que consubstanciava o dito pedido. Assim (…)atendendo a todos estes factores, deveria o Tribunal “a quo”, no caso de condenar o Arguido, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, fixar equitativamente uma indemnização no montante não superior a €500,00 (quinhentos euros).

Conforme é jurisprudência e doutrina pacifica, «danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação(…)» (cf., por todos, Sousa Diniz, «Avaliação e Reparação do dano Patrimonial e não patrimonial», Julgar, nº 9, Dezembro 2009, p. 32, e também neste sentido o Ac. Relação de Coimbra de 3.2.2010, in www.dgsi.pt)

Para a sua fixação importa reter que os mesmos danos são dogmaticamente entendidos como mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função mista, essencialmente compensatória com uma envolvência em certa medida sancionatória (neste sentido, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 532).

O entendimento jurídico dogmático da natureza do dano não patrimonial, nos termos que vêm sendo expostos, vem assumindo na jurisprudência uma dimensão quantitativa proporcional à relevância que a sociedade dá aos valores do dano. Nesse sentido a uma restritiva interpretação do valor que deve configurar a indemnização/compensação os Tribunais superiores têm vindo a densificar os montantes que devem fixar-se neste domínio (cf. neste sentido os Acórdãos desta Relação de 3.2.2010 e 20.01.2010, que falam em «aplicar indemnizações não miserabilistas, mas ajustados à realidade, ajustados a compensar, com dignidade, os padecimentos causados».

Com base nesta configuração dogmática importa atentar no caso sub judice e no que foi a decisão do Tribunal.

Com base nos factos que consubstanciam a acusação, a que acresce o facto consequencial de que o demandante, em consequência da conduta do demandado descrita supra em 6, mais experimentou sentimentos de desgosto e tristeza, o Tribunal fixou em função do conjunto de factos estabelecidos na matéria de facto provada o quantitativo de 1 500€ de indemnização por danos não patrimoniais devidos ao demandante JM.

Estando em causa a honra, com o bem jurídico protegido, importa não esquecer, no entanto que há que atentar em dois critérios fundamentais na fixação dos danos não patrimoniais que não podem deixar de ser levados em conta pelo Tribunal: de um lado a lei impõe a gravidade dos danos (sendo que só estes merecem a tutela do direito; de outro lado o tribunal deve atender aos casos de mera culpa (que não é o caso) e à equidade.

Ora entendida a equidade como uma dimensão efectiva da justiça concreta, sem se estar preso a critérios normativos prefixados, há que reconhecer que o valor atribuído, face à situação em causa, vai um pouco além do que se deve considerar justo como quantitativo indemnizatório devido.

Assim entende-se equitativo, face à matéria de facto apurada e às consequências que resultaram para o ofendido dos factos, fixar a indemnização em 1000 euros (mil euros).

III. DECISÂO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, confirmando-se parcialmente a decisão recorrida, alterando apenas o montante de indemnização cível devido pelo arguido, que se fixa em mil euros (1000,00€).
Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).

Coimbra, 5 de Maio de 2010


Mouraz Lopes


Félix de Almeida