Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2139/09.8TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CASO JULGADO
DECISÃO ARBITRAL
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU - 1º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: 664,ºDO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.; 23.º, 1 E 5 E 27.º, N.º 3 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário: 1. A decisão arbitral, não obstante ter o valor e a força de uma decisão judicial, dado que é proferida por um tribunal arbitral necessário, apenas tem eficácia no que tange à declaração da medida da indemnização.
2. Impugnada a mesma por qualquer das partes por ela abrangidas, é posta em causa toda a decisão, incluindo os critérios jurídicos de qualificação que motivaram a fixação da indemnização a atribuir aos expropriados, sem esquecer que a indagação da qualificação jurídica dos factos está reservada ao juiz que não está vinculado pela apreciação que dos mesmos é feita na decisão arbitral.

3. Daí que a diferente qualificação unanimemente dada pelos peritos e acolhida na sentença recorrida, de que uma parcela de 400 m2 integrada em área de expansão se deve considerar como “solo apto para construção”, diferente do usado na decisão arbitral, não constitui violação do caso julgado formal.

4. No cálculo do valor da indemnização pela expropriação da parcela em causa deve atender-se, em conformidade com o disposto no art. 23º nºs 1 e 5 e no art. 27º nº3 do CE, não só ao valor do solo, mas também ao valor das árvores aí existentes, pelo que haverá duplicação de valores num caso em que para a valorização do terreno florestal, se considerou a produção expectável de pinho e depois se atribuiu ainda, como valor de benfeitorias, o dos pinheiros existentes.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante “E.P. - Estradas de Portugal, S.A.” e expropriados A... e outros foi por despacho nº 25804-C/2004 do Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado no Diário da República, II série, em 14.12.2004, e rectificado pelo Despacho nº 13297-G/2006 do mesmo Secretário de Estado, publicado no Diário da República, II série, em 23.06.2006 declarada a utilidade pública de uma parcela de terreno com o n.º 168, com a área total de 11.128 m2, sito à Corga de Cima, em Routar, freguesia de Torredeita, Concelho de Viseu, a confrontar de norte, sul e poente com caminho e a Nascente com Henrique Lopes de Sousa, a desanexar do prédio rústico com a área total de 34.060 m2, situado na freguesia de Torredeita, concelho de Viseu, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1254º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº 2692/20000927, por ser necessária à execução da obra da SCUT Beiras Litoral e Alta - A25/IP5 – lanço nó do IC2-Viseu – Variante a Viseu, sublanço nó da Boa Aldeia – IP3 (do km 0 + 000 ao Km 3 +500).

Foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela em causa em 12 de Janeiro de 2005.

Em 9 de Fevereiro de 2005 a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela expropriada.

Procedeu-se à arbitragem perante a entidade expropriante, tendo os árbitros, por unanimidade, atribuído a título de indemnização pela parcela expropriada o valor global de 37.039 euros (8.610 Euros pelo terreno agrícola, 13.874 Euros pelo terreno florestal e 14.555 Euros pelas benfeitorias).

Em 20 de Dezembro de 2006 a entidade expropriante efectuou o depósito da quantia supra referida na filial da Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Tribunal.

Por despacho proferido em 24/07/2009 foi adjudicada a parcela de terreno em causa à entidade expropriante.


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A entidade expropriante interpôs recurso da decisão arbitral, sustentando, para tanto e em síntese que, conforme decidiu colectivo arbitral o solo da parcela deve ser avaliado como solo para outros fins, considerando que dos 11.128 m2 da área expropriada, 3.200 m2 constituem terreno agrícola e 7928 m2 terreno florestal de 1ª, todavia, não concorda com o valor atribuído pelo colectivo arbitral quanto à valorização do terreno agrícola de regadio, dado que se baseiam num rendimento anual excessivo e longínquo da realidade local, sendo que o solo agrícola deverá ser calculado com base numa rotação nula de cultura de batata na Primavera/Verão e Forragens no período de Outono/Inverno, culturas correntes na região e tendo em consideração uma taxa de capitalização de 4%, pelo que o valor deste solo, de acordo com os cálculos que apresenta, deverá ser de 6.400 Euros. Quanto ao terreno apto para culturas florestais, defende que o mesmo deve ser calculado com base numa produção de madeira de pinho, considerando uma taxa de capitalização de 3%, pelo que, o valor deste solo, de acordo com os cálculos que apresenta, deverá ser de 11.099,20 Euros. Relativamente às benfeitorias, não concorda com a metodologia adoptada pelo colectivo arbitral que avalia a parcela tendo por base a produção da madeira do pinho e depois valoriza os pinheiros como benfeitorias. Entende que existe uma dupla valorização do mesmo objecto e que os pinheiros existentes na parcela não podem ser avaliados em separado, dado que já contribuíram para a valorização do solo, com base na capitalização do seu rendimento. No que concerne às demais benfeitorias, designadamente o poço, videiras, castanheiros, oliveiras e carvalhos aceita o valor atribuído no montante total de 2.535 Euros.

Conclui dizendo que o valor da indemnização se deve fixar em 20.34,20 euros.

Por despacho proferido em 8/10/2009 foi admitido o recurso interposto pela entidade expropriante e ordenada a notificação aos expropriados para responder no prazo legal.

A expropriada A... respondeu ao recurso interposto pela entidade expropriante, pugnando em síntese pela improcedência do mesmo.


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            Procedeu-se à avaliação, tendo sido apresentado um único relatório pericial subscrito por todos os peritos que foram nomeados, os quais atribuem à parcela o valor total de 34.222,67 Euros (6.360 Euros a título do valor do terreno urbanizável; 8.000 Euros pelo valor do terreno agrícola; 11.894,24 Euros pelo valor do terreno florestal, 5.860 Euros a título das benfeitorias e 2.108,43 Euros pela desvalorização/ónus de servidão non aedificandi da área sobrante). 

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A entidade expropriante apresentou alegações, ao abrigo do disposto no artigo 64º, nº 1, do C.E., nos termos e pelos fundamentos constantes a fls. 244 e segs.

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Após o que foi proferida a sentença de fl.s 272 a 296, na qual se decidiu o seguinte:

“Face ao exposto decide-se julgar o recurso interposto pela entidade expropriante improcedente e, em consequência mantém-se a indemnização já fixada em sede da arbitragem e cujo montante se encontra já depositado nos autos.

Custas pela entidade expropriante (art. 446º, n.º 2 do Código de Processo Civil).”.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a expropriante, Estradas de Portugal, EP, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida nos próprios autos, imediatamente e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 325), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que condenou a expropriante no pagamento de uma indemnização no montante de €. 37.039,00
2. A expropriante não se conforma com a presente decisão, no que se refere a avaliação de 400m2 de área como solo para construção, ao valor apurado para o poço e da valorização dos pinheiros como benfeitorias.   
3. O Tribunal a quo baseou a decisão tomada no relatório pericial unânime subscrito pelos peritos, apenas com o fundamento de que este lhe oferecia melhor credibilidade, ignorando contudo as provas vertidas no presente processo, bem como a correcta aplicação da lei. 

4. O presente processo de expropriação diz respeito a uma parcela de terreno denominada 168 com 11.128m2, que segundo o Planta de Ordenamento do Território anexa ao Plano Director Municipal de Viseu (PDM), se encontra inserida em Espaço Florestal, área de Expansão e Espaço agrícola.

5. Segundo a vistoria ad perpetuam rei memoriam (VAPRM) esta parcela tinha topografia plana, solo de origem granítica de boa profundidade. Está inserida em zona de pinhal e não é dotada de qualquer infra-estrutura urbanística.

6. O colectivo arbitral avaliou a parcela como solo para outros fins que não o da construção, considerando que 3.200 constituíam solo agrícola e os restantes 7.928 m2, solo florestal de 1.ª.

7. A expropriante interpôs recurso daquela decisão arbitral tendo aceite a classificação do solo mas manifestado o seu desacordo relativamente a valorização do terreno agrícola de regadio e das culturas florestais, bem como da inclusão das +árvores como benfeitorias.

8. A expropriada não recorreu limitando-se apenas a responder ao recurso da EP, ou seja relativamente a esta operou-se o trânsito em julgado da matéria fixada pelo colectivo arbitral.         
9. Não obstante o Tribunal aceitou a avaliação de uma parte do solo expropriado (400m2) como apto para construção Não teve portanto em conta que a matéria em discussão nos processos de expropriação, como é o caso do presente processo é delimitada pela matéria deduzida nas alegações de recurso interposto pelas partes, sendo que relativamente ao restante transita em julgado.
10. A expropriada não interpôs recurso quer principal ou subordinado, pelo que aceitou o montante indemnizatório, estabelecido na decisão arbitral, deixando-o transitar em julgado e com ele se conformou.
11. A expropriante não se opôs à classificação dos solos dada pelo colectivo arbitral pelo que o Tribunal a quo não poderia conhecer tal matéria.
12. Teria pois, de limitar a sua avaliação á classificação de solos apontada pelos árbitros visto que as partes se conformaram com tal matéria.
13. Além de que na fixação do valor das benfeitorias o Tribunal a quo fixa montante superior ao poço, quando as partes também o deixaram transitar em julgado.
14. Ora o Tribunal ao atribuir estas duas indemnizações parcelares exceder o objecto de recurso colocado pelas partes, conhecendo matéria que não foi por elas invocada, excedendo assim a sua pronúncia.       
15. Neste sentido vai a nossa jurisprudência quando refere o Acórdão do STJ de 09.10.70, no BMJ 200, a pág. 168, o acórdão dos árbitros proferido no processo de expropriação por utilidade pública, não é um simples arbitramento, antes representa o resultado de um julgamento, constituindo verdadeira decisão susceptível de recurso em sentido próprio e sujeita portanto, ás normas respectivas do Código de Processo Civil.
16. Por isso mesmo é que o âmbito do recurso da decisão arbitral é fixado pelas alegações referidas no art.º 52º do C.E., sabendo assim o Tribunal de Recurso quais as partes da decisão, que o recorrente impugna, e quais as que aceita, operando quanto a estas o transito em julgado.    
17. Daí que se possa considerar como decidiu, e bem, no Ac. Do STJ de 09.05.90, no BMJ n.º 397, pág.423, que os árbitros não intervém como peritos, não tendo o resultado da sua actividade carácter de meio de prova de livre convicção do juiz. Deste modo, delimitado o objecto de recurso pelas conclusões, não pode o tribunal de comarca, que neste caso intervém já em Segunda instancia, proceder à alteração das partes da decisão arbitral não impugnadas, e que por isso transitam em julgado. Tanto mais que os efeitos do caso julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo – art.º 684.º n.º 4 do C.P.C.
18. Como se afirma no Ac. Proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 12.02.98, na CJ, tomo I pág. 117, secundado pelo da Relação de Évora  de 30.01.97, no BMJ n.º 463, pág. 664, a decisão arbitral consubstancia o resultado de um julgamento, e no recurso dela interposto são aplicáveis as regras gerais sobre os recursos – logo, as questões não suscitadas no recurso da decisão arbitral não podem ser apreciadas na sentença do tribunal de Comarca.
19. Além de que determina o Ac. proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 29.10.98 “ I- O Acórdão dos árbitros, nos processos de expropriação por utilidade pública, constitui verdadeira decisão, susceptível de recurso em sentido próprio e sujeita às normas do C.E. e do Código do Processo Civil, em matéria de recursos. Isso mesmo resulta dos art.º 51.º e 56 a 64.º do actual C.E..
20. II- O âmbito dos recursos da decisão arbitral é fixado pelas alegações a que se refere agora o art.º 56.º do C.E. e essas alegações têm natureza e função das que se referem nos art.ºs 705.º e 743.º do anterior C.P.C., agora 698.º, n.º 2 e 743.º do C.P.C..
21. III- É através dessas alegações, onde deverão ser expostas as razões da discordância que o recorrente impugna a decisão recorrida e quais as partes em concreto que dela são colocadas em causa, pois em relação às que o não forem, opera-se o caso em julgado – art.º 684.º n.º 3 e 4 do CPC. .”
22. Relativamente a avaliação dos Pinheiros como benfeitorias a expropriante não concorda com as razões invocas pelo Tribunal quo pois, 
23. Sendo o solo avaliado com base no rendimento possível de obter, tendo em conta a produção de culturas florestais, no caso concreto de pinhal, não poderão como é óbvio, os pinheiros serem valorizados como benfeitorias, sob pena dai resultar uma duplicação de valores como se tem vindo, aliás a defender.
24. Efectivamente, só a existência dos pinheiros no local permitiria o rendimento apurado, estando portanto, os pinheiros existentes na parcela amplamente abrangidos nos esteres de madeira de pinho.
25. Assim, ao somar o valor dos pinheiros, que constituem um povoamento florestal, ao valor do solo, calculado com base no rendimento de um povoamento florestal, os árbitros duplicaram o valor da parcela.
26. A este propósito entende Pedro Elias da Costa, no Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, p. 335, que, "Em regra, não devem ser valorizadas autonomamente, pois tendo como objectivo evitar a deterioração ou perda da coisa, já se encontram contempladas no justo preço a pagar pelo bem".
27. Sustentando ainda que as árvores "se inseridas em terreno avaliado como florestal não são contabilizadas como benfeitorias, mas sim indirectamente pela valorização do rendimento florestal do solo" (Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Almedina, p. 334).
28. Também Alípio Guedes, in "Valorização de Bens Expropriados" 3.ª ed. Almedina, pág. 135, chama a atenção de forma a "evitar a dupla valorização de benfeitorias úteis, não as valorizando autonomamente quando façam parte da estrutura produtiva do prédio e o valor do bem seja determinado através da capitalização do seu rendimento líquido".
29. Fica pois demonstrada a impossibilidade de conhecer da avaliação da parcela de 400m2 de solo de expansão como apto para construção, do valor do poço e dos pinheiros como benfeitorias. 

30. Assim como se demonstrou o Tribunal a quo colocou em causa os Princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, quando aderiu aos critérios defendidos no relatório dos peritos.

31. Pois mesmo atendendo que a determinação do valor do bem expropriado é uma questão essencialmente técnico-construtiva, e sendo verdade que deve o juiz dar a sua concordância ao parecer unânime dos peritos, não poderemos ignorar que esta não pode ser aplicada quando se suscitem questões de direito com relevância para o cálculo do valor do bem expropriado ou que existam elementos de prova suficientemente sólidos que habilitem o Tribunal a divergir dos peritos, o que é o caso.

32. Com tal decisão o Tribunal o quo violou os princípios constitucionais da proporcionalidade, dado que atribui uma indemnização superior ao valor das parcelas; da igualdade pois beneficiou os expropriados relativamente aos seus vizinhos e da justa indemnização, dado que tão injusta é a indemnização que peca por defeito, como a que peca por excesso.       
 


Assim e na posse de todos os elementos que agora se alegaram e de outros que fazem parte dos presentes autos, deve o recurso da expropriante ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a sentença recorrida na parte da avaliação de 400m2 como solo para construção, do valor atribuído ao poço e da valorização dos pinheiros como benfeitorias.

Desta forma fazendo a esperada JUSTIÇA.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Se o tribunal ao qualificar parte do solo expropriado (400 m2) como apto para construção e ao fixar um valor superior, relativamente ao fixado na decisão arbitral, ao poço, está a exceder a sua pronúncia e a violar o trânsito em julgado da referida decisão arbitral e;

B. Se sendo o solo avaliado com base no rendimento possível de obter, tendo em conta a produção de culturas florestais, no caso concreto de pinhal, não poderão os pinheiros serem valorizados como benfeitorias, sob pena daí resultar uma duplicação de valores.

            É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:

         1. Por despacho nº 25804-C/2004 do Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado no Diário da República, II série, em 14.12.2004, e rectificado pelo Despacho nº 13297-G/2006 do mesmo Secretário de Estado, publicado no Diário da República, II série, em 23.06.2006, foi declarada a utilidade pública de uma parcela de terreno com o n.º 168, com a área total de 11.128 m2, sito à Corga de Cima em Routar, freguesia de Torredeita, Concelho de Viseu, a confrontar de norte, sul e poente com caminho e a Nascente com Henrique Lopes de Sousa, a desanexar do prédio rústico com a área total de 34.060 m2, situado na freguesia de Torredeita, concelho de Viseu, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1254º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº 2692/20000927, por ser necessária à execução da obra da SCUT Beiras Litoral e Alta - A25/IP5 – lanço nó do IC2-Viseu – Variante a Viseu, sublanço nó da Boa Aldeia – IP3 (do km 0 + 000 ao Km 3 +500).

2. Foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela em causa em 12 de Janeiro de 2005.

3. Em 9 de Fevereiro de 2005 a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela expropriada.

4. Procedeu-se à arbitragem perante a entidade expropriante, tendo os árbitros, por unanimidade, atribuído a título de indemnização pela parcela expropriada o valor global de 37.039 euros (8.610 Euros pelo terreno agrícola, 13.874 Euros pelo terreno florestal e 14.555 Euros pelas benfeitorias).

5. Em 20 de Dezembro de 2006 a entidade expropriante efectuou o depósito da quantia supra referida na filial da Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Tribunal.

6. Por despacho proferido em 24/07/2009 foi adjudicada a parcela de terreno em causa à entidade expropriante.

7. De acordo com o Plano Director Municipal do Concelho de Viseu vigente à data da declaração de utilidade pública, a parcela expropriada encontra-se em área de expansão em 400 m2, em Espaço Agrícola I em 3200 m2 e em Espaço Florestal II em 7528 m2.

8. A parcela a expropriar tem uma configuração irregular, mas próximo de uma forma rectangular.

9. A referida parcela situa-se no limite sul/poente do núcleo urbano de Routar e está a cerca de 1700 m do núcleo urbano de Boal Aldeia e a cerca de 200 m dos núcleos de Torredeita e de Vila Chã do Monte.

10. Na data da vistoria o terreno encontrava-se cultivado na parte agrícola e inculto na restante, com algum mato, revelando um índice de fertilidade média e medianamente profundo, e dispunha de água para rega.

11. Nessa data verificou-se ainda a existência na parcela de:

- Um poço forrado a pedra, com 1,20 m de diâmetro e 9 m de profundidade;

- Um castanheiro de grande porte;

- Seis castanheiros de médio porte;

- Seis oliveiras de médio porte;

- Cinco oliveiras velhas e de pequeno porte

- Noventa e nove videiras em plena produção;

- Dezoito pilares de pedra com 2,5 m de comprimento;

- Duas fiadas de arame, a suportar todas as videiras;

- Trinta e quatro pinheiros com DAP de 50 cm;

- Setenta e oito pinheiros com DAP de 40 cm;

- Cinquenta e dois pinheiros com DAP de 30 cm;

- Vinte e cinco pinheiros com DAP de 20 cm;

- Vinte e quatro pinheiros com DAP de 10 cm;

- Trinta e dois carvalhos de médio porte;

- 1720 m2 de pinhal miúdo, com DAP compreendido entre os 5 e 10 cm e com uma densidade média de um pé por metro quadrado.

12. O acesso à parcela era efectuado por um caminho em terra batida, o qual ficou afectado pela expropriação.

13. Junto da parcela existem as seguintes infra-estruturas:

- Acesso rodoviário com pavimentação em betuminoso;

- Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão;

- Rede telefónica.

A. Se o Tribunal ao qualificar parte do solo expropriado (400 m2) como apto para construção e ao fixar um valor superior, relativamente ao fixado na decisão arbitral, ao poço, está a exceder a sua pronúncia e a violar o trânsito em julgado da referida decisão arbitral.
Como se constata do que acima se referiu, entende a recorrente, Estradas de Portugal, que por apenas por ela ter sido interposto recurso da decisão arbitral, na qual se qualificou todo o terreno expropriado como “apto para outros fins” e se valorizou o poço ali existente na quantia de 1.125,00 €, transitaram em julgado tais questões, pelo que não se podia, na sentença recorrida, vir a acolher diferente enquadramento e valorização.

Ao invés, na sentença recorrida, considerou-se que a decisão arbitral não forma caso julgado relativamente à classificação ou qualificação dos solos feitas em sede de arbitragem, bem como se aderiu ao valor fixado ao poço no Laudo Pericial.

A decisão desta problemática demanda que, previamente, nos debrucemos sobre a questão da força da decisão arbitral na fixação da indemnização, isto é, se a mesma, tem ou não força de caso julgado.

Por nós, pensamos que a decisão arbitral, a qual, não obstante tenha o valor e a força de uma decisão judicial, dado que é proferida por um tribunal arbitral necessário, apenas tem eficácia no que tange à declaração da medida da indemnização.

Impugnada a mesma por qualquer das partes por ela abrangidas, é posta em causa toda a decisão, incluindo os critérios jurídicos de qualificação que motivaram a fixação da indemnização a atribuir aos expropriados, sem esquecer que a indagação da qualificação jurídica dos factos está reservada ao juiz que não está vinculado pela apreciação que dos mesmos é feita na decisão arbitral – neste sentido, entre outros, por último, os Acórdãos desta Relação, de 30/05/2006, Processo 178/06; de 28/03/2006, Processo 59/06 e de 02/03/2004, Processo 4142/03, os dois primeiros disponíveis in http://www.dgsi.pt/jtrc e o último em http://www.trc.pt e o da Relação do Porto, de 11/05/2006, Processo 0631941, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.

Contra, o Acórdão desta Relação, de 08/03/2006, in CJ, ano XXXI, tomo 2, pág.s 10 a 15 (com um voto de vencido).

Pelas razões acima expostas, entendemos que a decisão arbitral apenas tem valor no que se refere à fixação do quantitativo da indemnização e não quanto aos respectivos pressupostos, pelo que a diferente qualificação unanimemente dada pelos Peritos e acolhida na sentença recorrida, de que a parcela de 400 m2 integrada em área de expansão se deve considerar como “solo apto para construção”, diferente do usado na decisão arbitral, não constitui violação do caso julgado formal.

De resto, mesmo para quem entende que a decisão arbitral tem força de caso julgado, afasta-a no que concerne à qualificação dos solos, a qual envolve uma conclusão ou qualificação jurídica, pelo que, nos termos do artigo 664.º CPC, em caso de recurso, pode ser alterada pelo tribunal – neste sentido, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 26/11/2009, Processo 2416/04.4TJVNF.S1 e de 13/07/2010, Processo 4210/06.9TBGMR.S1, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.

Quanto à metodologia de cálculo do valor da indemnização e critérios que presidem à qualificação do solo, no Laudo Pericial, encontram-se os mesmos, unanimemente, explicados e justificados pelos Sr.s Peritos, pelo que a eles, tal como na sentença recorrida, se adere, sendo um facto adquirido que aquela parcela de terreno (os referidos 400 m2) se encontra inserida em “Área de Expansão”, cf. item 7 dos factos provados e não impugnado.

Aliás, como os Sr.s Peritos salientam a fl.s 209 (item 5 do capítulo III), já no auto de vistoria aprm, se encontram classificadas na parcela expropriada três classes de espaços, o que se confirma (cf. fl.s 38): “Espaço Florestal”, “Área de Expansão” e “Espaço Agrícola”.

Classificação que se repete no Laudo de Arbitragem (cf. fl.s 134 – item 4) mas sem que, posteriormente, no mesmo, se tenham tirado todas as ilações desta classificação, tendo-se, na fase de arbitragem, classificado toda a parcela como integrando “solo apto para outros fins”, sem atentar na diferente implantação da área a expropriar em diferentes classificações.

Assim, pelos motivos expostos na Laudo Pericial, mantém-se a classificação do solo como aqui efectuada e consequentemente, entende-se que a parcela de 400 m2 inserida em Área de Expansão, é de qualificar como “solo apto para construção”, bem como, no que respeita ao valor do poço, se adere ao fixado a fl.s 218, no montante de 2.250,00 €.

Pelo que, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

B. Se sendo o solo avaliado com base no rendimento possível de obter, tendo em conta a produção de culturas florestais, no caso concreto de pinhal, não poderão os pinheiros, serem valorizados como benfeitorias, sob pena daí resultar uma duplicação de valores.

Não obstante no Relatório de Arbitragem se ter fixado um valor autónomo para os pinheiros existentes na parcela expropriada, critério que não foi seguido na Peritagem posteriormente realizada e de na sentença recorrida se acolher o entendimento vertido na Arbitragem, entende a expropriante que os pinheiros não podem ser autonomamente considerados como benfeitorias, sob pena de duplicação de valores na fixação da indemnização, porque só a existência de pinheiros no local permitiria o rendimento apurado e tido em conta na quantificação da indemnização, tendo por reporte a utilização dada ao terreno (exploração florestal).

Quanto a tal, na sentença recorrida considerou-se o seguinte:

         “Entendemos que para o cálculo do valor da indemnização pela expropriação do parcela em causa se deve atender, em conformidade com o disposto no art. 23º nºs 1 e 5 e no art. 27º nº3 do CE, não só ao valor do solo, mas também ao valor das árvores aí existentes, designadamente os pinheiros, uma vez que o valor das mesmas é autonomizável do valor do solo, pois que se tratam de bens susceptíveis de ser objecto de negócios jurídicos diferenciados.

         Com efeito, entendemos que nada obsta ao aproveitamento ou venda pelos expropriados dos pinheiros existentes, pelo que o valor daquelas, deve ser computado na indemnização, sob pena de esta não corresponder ao ressarcimento integral do prejuízo emergente da expropriação.

         Ora, no acórdão arbitral os Srs. Árbitros calcularam, por um lado o valor do solo, mas independentemente das árvores de facto nele implantadas e, por outro lado, o valor do arvoredo existente à data da DUP, não existindo, contrariamente ao sustentado pela entidade expropriante, qualquer duplicação de valores.

         Assim, entendemos ser de fixar, a título de benfeitorias, pelas árvores existentes na parcela à data da DUP, incluindo os pinheiros, bem como do poço, os valores indicados no acórdão arbitral, no montante global de 14.555 Euros, por se afigurarem adequados.”.

         Pensamos que, nesta parte, a decisão recorrida não poderá subsistir, sob pena de, como refere a recorrente, se estar a atribuir uma duplicação de valores.

Como consta de fl.s 136 e 137, na fase de Arbitragem, atribuiu-se ao valor das benfeitorias (nela se englobando os pinheiros existentes) a quantia de 14.555,00 €, do mesmo modo que para a valorização do terreno florestal, se considerou a produção expectável de pinho, como melhor ali se descreve.

Por sua vez, os Peritos, como resulta de fls 211 (refere-se aqui, por lapso o Cap. XII, quando será XIII, como se vê de fl.s 218), apenas consideraram a título de benfeitorias, no que se refere ao “arvoredo” os castanheiros, oliveiras e videiras, cifrando-se, segundo eles, a indemnização a tal título devida em 5.860,00 €.

Encontrando-se (a fl.s 217 e 218) justificados os cálculos efectuados para determinar o valor do terreno florestal, por referência ao respectivo povoamento com pinheiro bravo e consequente rendimento, em moldes que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

Isto é, para o cálculo de tal valor, já se tomou em linha de conta a existência do pinhal e respectiva densidade e características, pelo que, sob pena de dupla valoração, não se poderão contabilizar autonomamente os pinheiros, como benfeitorias.

É certo que, como se refere na sentença recorrida, os pinheiros poderão ser objecto de negócios autónomos, designadamente a venda.

Mas, a tal acontecer, reverterão os respectivos proveitos para o expropriado, pelo que nenhum prejuízo existe, até tendo em consideração que o valor a atender, mesmo para as árvores, será o da data de declaração de utilidade pública – cf. artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações.

Ou seja, o facto de as árvores terem de ser cortadas, não acarreta nenhum prejuízo patrimonial autónomo para o expropriado, que as poderá vender de acordo com as regras do mercado e a sua existência já se repercutiu no aumento de valor do terreno onde estavam implantadas, que não fora a exploração que lhe estava a ser dada, teria um valor mais diminuto do que o que teve considerando a concreta exploração que lhe estava a ser dada, pelo que neste particular, não concordamos com o decido no Acórdão deste Tribunal de 12/12/2006, Processo 5191/04.9TBLRA.C1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc, no qual se considerou que deve, também, para além do valor do solo, ser considerado o valor patrimonial das árvores, com o mesmo argumento do usado na sentença recorrida.

Ao invés, reputamos de mais correcta a decisão a que se chegou no Acórdão deste mesmo Tribunal de 18/11/2008, Processo 365/05.8TBCLB.C1, disponível no mesmo sítio do ora por último citado, em que se decidiu que as árvores que componham a estrutura produtiva do terreno em que se inserem, não devem ser, em caso de perda, autonomamente valorizadas para efeito de indemnização.

Esta posição é igualmente a defendida por Pedro Elias da Costa, in Guia das Expropriações Por Utilidade Pública, 2.ª Edição Revista, Actualizada E Aumentada, Almedina, 2003, a pág. 334, quando ali refere que “… as árvores inseridas em terreno florestal não são contabilizadas como benfeitorias mas, sim, indirectamente, pela valorização florestal do solo.”.

Acrescentando a fl.s 335 que “Em regra, não devem ser valorizadas autonomamente pois tendo como objectivo evitar a deterioração ou a perda da coisa, já se encontram contempladas no justo preço a pagar pelo bem.”.

Assim sendo, não pode subsistir a decisão recorrida, na parte em que valorizou os pinheiros como benfeitorias, mantendo-a quanto ao restante, o que equivale a fixar a indemnização devida na quantia de 34.222,67, tal como resulta do Relatório de Peritagem.

Pelo que, quanto a esta questão, tem de proceder o recurso interposto.

Nestes termos se decide:       

Julgar por parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pela expropriante, em função do que se revoga a sentença recorrida, na parte em que valorizou os pinheiros como benfeitorias, mantendo-a quanto ao restante, ou seja, fixa-se a indemnização devida pela expropriação em causa, na quantia de 34.222,67 € (trinta e quatro mil duzentos e vinte e dois euros e sessenta e sete cêntimos), tal como calculado na fase de peritagem, a actualizar, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do Código das Expropriações, tal como referido na sentença recorrida.

            Custas pela expropriante e expropriados, na proporção dos respectivos decaimentos.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Francisco dos Santos

António Beça Pereira