Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
144/11.3TBFCR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: CONTRATO PROMESSA
EFICÁCIA REAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
REGISTO DA ACÇÃO
ALIENAÇÃO
COISA IMÓVEL
TERCEIRO
REGISTO
Data do Acordão: 04/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 830º DO C. CIVIL.
Sumário: I. O legislador através do contrato promessa dotado de eficácia real visou proteger um direito de crédito já existente ou, por outras palavras, visou proteger aquele que tem um direito à alienação ou constituição de um direito real contra o titular registal inscrito.

Por isso, não o tendo fixado as partes tal efeito, dela não podem beneficiar.

II. A acção de execução específica assume-se como uma acção constitutiva, quase executiva, constituindo a sentença “um sucedâneo ou substitutivo do contrato prometido”.

III. O registo da sentença que decrete a execução específica retroage à data do registo da própria acção, sendo-lhe inoponíveis os registos de aquisições de terceiros posteriores ao registo da acção, evitando-se, assim, o facto de, intentada uma acção de execução específica, o réu poder neutralizar a decisão do tribunal apressando-se a vender o bem a terceiro.

IV. Mas, a execução específica do contrato-promessa sem eficácia real, nos termos do artigo 830° do Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor haver transmitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato prometido antes de registada a acção de execução específica ainda que o terceiro adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção – nesta situação, o registo da acção não confere eficácia real à promessa.

V. Uma terceira causa de incumprimento definitivo ocorrerá quando o devedor declara, inequivocamente, que não cumprirá o contrato, devendo esta perda de interesse ser apreciada objectivamente, em face de cada caso concreto.

VI. Por conseguinte, será com base em critérios de razoabilidade próprios do comum das pessoas que se deverá averiguar a utilidade que a prestação teria - ou não teria - para o credor, atendendo-se às envolventes do negócio e aos interesses que estão subjacentes à celebração do contrato-promessa.

VII. Não basta, por isso, que o credor afirme que já não tem interesse na prestação.

Exige-se, isso sim, que alegue e prove a factualidade indispensável a extrair-se, de forma inequívoca, essa perda de interesse a ponto de impedir a viabilidade de celebração do contrato definitivo.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

M…, C…, P…, residentes na Rua … e A…, residente na Avenida …, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma de processo sumário contra os RR…, pedindo que pelo Tribunal seja proferida decisão:

- Que produza os efeitos da declaração negocial dos promitentes faltosos R… de venda aos Autores dos prédios rústicos objecto dos contratos promessa de compra e venda, inscritos na matriz predial rústica sob o artigo …, correspondente ao seu quinhão 1/2 cada um, … pelo preço € 17,500,00, valor que resulta da diferença do preço acordado e a quantia entregue a titulo de sinal e principio de pagamento; e

- Que produza os efeitos da declaração negocial dos promitentes faltosos A…, e A… de venda aos Autores dos prédios rústicos objecto dos contratos promessa de compra e venda, inscritos na matriz predial rústica sob os artigos …, pelo preço global de € 8.750,00, valor que resulta entre a diferença do preço acordado e a quantia entregue a título de sinal e principio de pagamento.

Para tanto alegaram, em resumo, que M…, pai dos 2º, 3º e 4º Autores e a 1ª Autora celebraram um contrato promessa de compra e venda com a 1ª e 2ª Rés, no qual estas prometeram vender àqueles, pelo preço acordado, os prédios rústicos descritos na matriz predial rústica sob o artigo …, correspondente ao seu quinhão 1/2 cada, dos prédios rústicos inscritos na matriz …, tendo para tal entregue a título de sinal e principio de pagamento a quantia de 1.500.000$00.

Alegam, também, que M…, e a 1ª Autora celebraram um contrato promessa de compra e venda com a 3ª Ré e o marido, no qual estes prometeram vender àqueles, pelo preço acordado, os prédios rústicos inscritos na matriz predial rústica sob os artigos …, tendo para tal entregue a título de sinal e principio de pagamento a quantia de 750.000$00.

Referem que apesar de notificados da data da marcação da escritura de compra e venda, os Réus não só não entregaram a documentação necessária junto da Conservatória do Registo Predial, como não compareceram no dia e hora marcada.

Acrescentam que os Autores mantêm o interesse em comprar e os Réus o interesse em vender, devendo por isso ser proferida pelo Tribunal decisão que substitua a vontade destes últimos na celebração dos contratos definitivos.

Devidamente notificados para o efeito, os Réus apresentaram contestação, admitindo a generalidade dos factos invocados na petição inicial, designadamente a celebração dos referidos contratos promessa, rejeitando contudo a alegação de que mantêm interesse na venda dos prédios rústicos aos Autores.

Invocam, também, que no tocante aos imóveis prometidos vender, a execução especifica não pode proceder, por impossibilidade de cumprimento, uma vez que os Réus, na qualidade de promitentes-vendedores transmitiram, por escrituras públicas de compra e venda datadas de 2.10.2011, a terceiros a propriedade sobre os mesmos, não podendo por isso, o Tribunal proferir decisão que transmita a propriedade desses imóveis para os Autores, já que os mesmos não pertencem mais aos Réus.

Terminam invocando não ser ainda possível aos Autores recorrer à execução específica dos contratos promessa, porquanto não afastaram a presunção derivada da existência do sinal, já que pelos mesmos foi alegado terem pago a titulo de sinal e principio de pagamento as quantias de 1.500.000$00 e 750.000$00.

Em sede de respostas, vieram os Autores alegar que registaram a presente acção em data anterior ao registo de aquisição dos imóveis objecto dos contratos promessa efectuado pelo terceiro adquirente, pelo que o seu registo deve prevalecer sobre este último, de acordo com o principio da prioridade do registo.

Os Autores deduziram incidente de intervenção principal provocada de J…, pretendendo o seu chamamento aos autos a fim de fazer valer o seu direito de intervir na qualidade de Autor, invocando que os direitos e obrigações emergentes dos contratos-promessa outorgados pelos Réus se transmitiram a ele também na qualidade de herdeiro do falecido promitente-comprador.

Por despacho de fls. 232 e seguintes, foi este incidente de intervenção principal deferido, tendo J…, representado por sua mãe L…, sido admitido como interveniente principal.

Citado nos termos e para os efeitos do art. 327º, do CPC, veio o interveniente associar-se aos Réus, declarando fazer seus os articulados destes, pretendendo, dessa forma, que a decisão do pleito seja favorável aos Réus.

A Sra. Juiz, do Tribunal de Figueira de Castelo Rodrigo, tendo considerado que os elementos constantes do processo facultam a apreciação imediata da viabilidade da presente acção, sem necessidade de produção de prova, conheceu do mérito da causa, de acordo com o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 510.º do Código de Processo Civil, tendo proferido a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo a presente acção, formulada por M…, A…, C… e M…, em que é interveniente J…., representado por sua mãe L…, totalmente improcedente, por não provada, e consequentemente, absolvo os Réus … de todo peticionado”.

2.O Objecto da instância de recurso

Nos termos do art. 684°, n°3 e 685º do Código do Processo Civil, o objecto do recurso - os recursos são um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso - acha-se delimitado pelas alegações de M… e outros, AA., devidamente identificados nos, que assim concluíram:

Os réus apresentaram contra-alegações que alinhavam desta forma:

...

3. Do Direito

As questões a decidir são as seguintes:

I. Da viabilidade do recurso pelos Autores à execução específica em caso de alienação a terceiro dos imóveis objecto dos contratos promessa por parte dos promitentes-vendedores R…, A… e A… – prevalência ou não do registo da acção de execução específica sobre anterior alienação a terceiro dos imóveis objecto de contrato-promessa, sendo o registo dessa aquisição feito em data posterior à data do registo da acção.

II. Da viabilidade do recurso pelos Autores à execução específica em caso de incumprimento definitivo da obrigação por perda do interesse na prestação por parte da promitente-vendedora P...

III. Da necessidade de organizar a base instrutória atentos os factos controvertidos indicados nos artigos 33, 58 e 59 da acção e artigos 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35 e 36 da contestação, os quais impugnaram a factualidade vertida nos artigos 18, 29 a 36, 39 a 56, 58 a 65 da acção, com vista a ajuizar se uma vez feita a prova é possível ou não enquadrar tais factos no regime a que aludem, designadamente, os art.º 804.º, 805.º e 808 do C. Civil.

Matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância:

...

Temos, para conhecer nesta instância, duas situações, aparentemente distintas, ambas relacionadas com a possibilidade de os promitentes-compradores lançarem mão da execução específica dos contratos celebrados.

Por um lado, o contrato promessa celebrado entre M…, pai dos 2º, 3º e 4º Autores e a 1ª Autora e as 1ª e 2ª Rés, no qual estas prometeram vender àqueles, pelo preço acordado, os prédios rústicos descritos na matriz predial rústica sob o artigo …, correspondente ao seu quinhão 1/2 cada, dos prédios rústicos inscritos na matriz …, tendo para tal entregue a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 1.500.000$00.

Estes prédios foram, entretanto, vendidos a terceiro.

Por outro lado, o contrato promessa celebrado entre o dito M… e a 1ª Autora e a 3ª Ré e o marido, no qual estes prometeram vender àqueles, pelo preço acordado, os prédios rústicos inscritos na matriz predial rústica sob os artigos …, tendo para tal entregue a título de sinal e principio de pagamento a quantia de 750.000$00.

Vamos à 1.ª situação.

Em face da factualidade assente, dúvidas não restam de que a Ré R…, a Ré P… e a Ré A… e o marido A…, bem como M… e à 1ª Ré M… celebraram entre si, em 16.08.1994, dois contratos-promessa de compra e venda através das várias e sucessivas declarações de vontade expressas nos escritos referidos em C) e E), tendo por objecto os prédios rústicos aí referidos.

Não lhes atribuíram eficácia real – não o tendo feito a sua eficácia é meramente obrigacional e vinculativa inter partes, apenas gerando para o promitente-comprador o direito subjectivo à prestação de facto, consubstanciado no direito de exigir – em certas situações – a declaração de vontade da contraparte para outorga do contrato definitivo -.

O legislador através do contrato promessa dotado de eficácia real visou proteger um direito de crédito já existente ou, por outras palavras, visou proteger aquele que tem um direito à alienação ou constituição de um direito real contra o titular registal inscrito.

Por isso, não o tendo fixado as partes tal efeito, dele não podem beneficiar.

Como refere o Galvão Telles – no seu livro, Direito das Obrigações I, pág. 214 -, a acção de execução específica assume-se como uma acção constitutiva, quase executiva, constituindo a sentença “um sucedâneo ou substitutivo do contrato prometido”.

Pretendem os apelantes a execução específica dos contratos assinados.

O art. 830º do Código Civil – será o diploma que citamos sem menção da sua origem - estipula que:

“1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (sempre que o contrato prometido não possa ser válido e eficazmente substituído por uma sentença ou apresente uma índole pessoal que justifique deixar-se às partes liberdade de não celebrar o contrato prometido). 2. Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.

3. O direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o nº3 do artigo 410º; a requerimento do faltoso, porém, a sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato nos termos do artigo 437º, ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à mora (…)”.

Assim, como decorre do texto da lei a execução específica tem, em princípio, uma natureza supletiva, porquanto as partes podem afastá-la por convenção em contrário - no entanto tratando-se de contrato-promessa relativo à celebração de contrato oneroso constitutivo ou translativo de direito real sobre edifício ou fracção autónoma do mesmo, já assume natureza imperativa -.

No caso dos autos os imóveis objecto de promessa de compra e venda são rústicos.

Assim, existindo sinal e dada a natureza rústica do prédio, o contraente não faltoso só pode obter a execução específica do contrato se ilidir a presunção prevista no art.830º, n.º2.

Ora a lei diz que se “presume”, mas não diz “sempre“, à semelhança de outras presunções legais – por ex. as normas dos art.243º, n.º1 - má-fé do terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação - e 1260º, nº3 - qualificação da posse como de má-fé quando adquirida por violência -, pelo que é ilidível.

Ou seja, mesmo existindo sinal, podem as partes pretender não excluir o recurso à execução específica.

Foi o que fizeram, na sua ampla liberdade negocial, ao escreverem que “Os primeiros e segundos outorgantes acordam conferir, a este contrato, força e vinculação para a eventual execução específica, em caso de incumprimento do presente contrato, por qualquer dos outorgantes”.

Quanto à (im)possibilidade do contraente não faltoso recorrer à execução específica, eis o que dizem os teóricos.

Menezes Leitão - “Direito das Obrigações”, vol. I, 7ª ed., pág. 229 - escreve que desta norma resulta que o não cumprimento da promessa atribui à outra parte o direito de recorrer à execução específica. A referência legal a “não cumprimento” deve ser entendida em sentido amplo, uma vez que para efeitos de execução específica é suficiente a simples mora, já que o credor mantém interesse na prestação, exercendo o seu direito a ela. Aliás, a execução específica deixa de ser possível a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento.

Já Calvão da Silva - “Sinal e Contrato-Promessa”, pág.97 - salienta ser importante reter que “o pressuposto da chamada execução específica do contrato-promessa é a mora e não o incumprimento definitivo.”

Henrique Mesquita - “Obrigações e ónus reais”, pág. 233, citado por Fernando de Gravato Morais, “Contrato-Promessa em Geral; Contratos-Promessa em Especial”, 2009, pág. 106 – escreve que, conquanto releve que “a lei não se encontra redigida, relativamente a este ponto, de modo inequívoco, mas é assim [no sentido da aplicação aos casos de mero atraso] que deve ser interpretada”, pelo que não se [torna] necessário que o beneficiário da promessa transforme esta situação em não cumprimento definitivo, através da fixação de um prazo suplementar razoável para o cumprimento nos termos do nº 1 do art. 808º”.

Também Gravato Morais - Ob. cit., pág. 109 -  adere a esta posição ao afirmar que “a mora representa uma condição necessária e suficiente para o recurso à execução específica, precludindo tal via o incumprimento definitivo do contrato, dada a sua incompatibilidade com tal mecanismo, sendo que, por outro lado, inexistindo qualquer atraso, não se verifica um dos pressupostos da execução específica. Desta sorte, o estado anterior à mora ou a situação a ela posterior não permitem a actuação de tal procedimento.”

Lendo atentamente a norma do nº 3 do art. 830º, na sua parte final, escreve-se “ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à mora” e, por outro lado, ao determinar-se que a obtenção de “sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso” - nºs 1 e 3 do referido preceito -, tal só parece fazer sentido na hipótese de ser ainda possível o cumprimento ou, dito de outro modo, no caso de não ser ele definitivo.

Do ponto de vista substancial, face à forma dualista como a lei se encontra estruturada decorrerá ainda um importante argumento a favor da posição sustentada pelo autor supra referido: “a execução específica pressupõe o incumprimento temporário, assim como a resolução pressupõe o incumprimento definitivo”.

Bipartição que também se constata no plano sancionatório: a indemnização moratória pressupõe o incumprimento temporário, enquanto que a indemnização em caso de sinal pressupõe o incumprimento definitivo.

Em sentido oposto, Januário Gomes - “Em tema de contrato-promessa”, Lisboa, 1990, pág. 17, citado por Fernando de Gravato Morais, “Contrato-Promessa em Geral; Contratos-Promessa em Especial”, 2009, pág. 107- afirma que “o interesse do credor pode sobreviver, pode subsistir para além do incumprimento definitivo... Se o credor mantiver interesse na prestação, não parece haver justificação plausível que obste ao recurso à execução específica, já que o incumprimento definitivo não determina, por si só, a resolução do contrato”.

Menezes Cordeiro - “O novíssimo regime do contrato-promessa”, Estudos de Direito Civil, pág. 85 -, por sua vez, sustenta que o incumprimento definitivo “é um passo que abre as portas à execução específica ou à indemnização.”

No que toca à jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a mesma tem-se encaminhado maioritariamente no sentido de que o pressuposto da execução específica do contrato-promessa é a existência de mora e não o incumprimento definitivo – neste sentido, por ex., os Acórdãos do STJ de 4.3.2008,de 19.5.2010,de 9.12.2010; Acórdãos da Rel. Porto de 8.5.2006, de 9.5.2007, de 6.3.2008, de 9.10.2012todos disponíveis in www.dgsi.pt. -.

Escreve-se no Acórdão desta Relação de Coimbra de 20-11-2012, que ” a execução específica do contrato promessa é compatível com o não cumprimento definitivo das obrigações de facto jurídico positivo que dele emergem, se o contrato prometido ainda for possível e a sua celebração continuar a interessar ao promitente fiel.”

Pode ler-se no Acórdão do STJ de 14.10.2010 – retirado da Col. Jur. Ano XVIII, Tomo 3, pág. 131 – “ que os pressupostos da execução específica consentida pelo artigo 830.º é a mora e não o incumprimento”.

É a interpretação que seguimos e que melhor se adequa ao regime em causa nestes autos.

De facto, como escreve a Sr.ª Juiz da 1.ª instância, “… Podemos, ainda, ler da factualidade provada, por um lado, que às promessas de venda aos Autores dos prédios rústicos descritos em C) e E) da matéria assente não foi atribuída eficácia real e, por outro lado, que os Réus R…, A… e o marido A…, em 12 de Outubro de 2011, venderam uma terça parte indivisa do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … e o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, uma nona parte indivisa do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, uma terça parte indivisa do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, uma terça parte indivisa do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …., uma terça parte indivisa do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … e uma terça parte indivisa do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, que constituem o objecto daquelas mesmas promessas, a F…–Sociedade de Gestão Imobiliária, S.A., mediante escrituras públicas de compra e venda.

Daí que, tendo em conta o acima exposto, fácil é concluir que, in casu, o recurso à execução específica não se encontra já na disponibilidade do Autores, na medida em que nos encontramos na situação de falta definitiva de cumprimento: alienação dos bens imóveis objecto dos contratos promessa em causa a terceiro.

A circunstância de os Réus R…, A… e o marido A…/promitentes-vendedores terem vendido as coisas a terceiro fez extinguir a obrigação de contratar, por impossibilidade superveniente, pois que os mesmos já não poderão vender aos Autores/promitentes-compradores aquilo que deixou de lhes pertencer.

Tal implicaria que os Réus, promitentes-vendedores, passassem a vender coisa que não é sua pela segunda vez, recebendo o preço duas vezes, cometendo dessa forma um ilícito civil e, eventualmente, um ilícito criminal, com as respectivas consequências.

E de igual modo fica o Tribunal impossibilitado de proferir sentença judicial em substituição da declaração negocial dos faltosos, na medida em que isso conduziria a uma venda de coisa alheia…”

Para a procedência da execução específica é determinante que o contrato prometido seja ainda possível, deixando a execução específica de ser viável a partir do momento em que se verifique a impossibilidade definitiva de cumprimento.

No sentido de “que não pode ser objecto de execução específica um contrato promessa de compra e venda sem eficácia real se o promitente transmite, entretanto a terceiro a coisa prometida” vimos os Acórdãos da Relação de Évora, de 7.7.1992, de Lisboa, de 6.7.1995, do STJ de 5.3.1996.

Avançando.

Invocam, ainda, os Autores que procederam ao registo da presente acção em 18.10.2011, isto é, em data anterior ao registo da aquisição dos imóveis pelo terceiro adquirente, o qual só ocorreu em 24.10.2011 e que pelas regras da prioridade do registo, consagradas nos artigos 5º, n.º 1 e 6º, n.º 1, ambos do Código de Registo Predial, a sua pretensão deve prevalecer face à aquisição por banda daquele.

Como supra referimos, os contratos em apreço não estão dotados de eficácia real, atento o disposto no art. 413º, pelo que a promessa não adquiriu qualquer eficácia real.

Como é sabido, a execução específica relativa a imóveis está sujeita a registo, nos termos do artigo 3°n.º 1, al. a), do Código do Registo Predial, sendo tal registo provisório por natureza, podendo manter-se por três anos.

 Transitada a acção que dê provimento à execução específica, a decisão está sujeita a registo – artigo 3°n.º 1, al. c) – e é averbada ao registo da acção – artigo 101° n.º 2, c) – o qual se converte em definitivo, com a prioridade que lhe advém da inscrição inicial.

O registo da sentença que decrete a execução específica retroage à data do registo da própria acção, sendo-lhe inoponíveis os registos de aquisições de terceiros posteriores ao registo da acção, evitando-se, assim, o facto de, intentada uma acção de execução específica, o réu poder neutralizar a decisão do tribunal apressando-se a vender o bem a terceiro.

Também, a doutrina tem entendido que o registo da acção de execução específica faz retroagir, à data deste, a decisão que vier a ser proferida no seu termo – por ex. Oliveira Ascensão e Paula Silva - Alienação a terceiro de prédio objecto de contrato promessa e registo da acção de execução específica, Revista Ordem dos Advogados,1992, pág.193/226, em anotação ao Acórdão do STJ de 08.05.1991; Galvão Telles - Registo de acção judicial (sua relevância processual e substantiva), parecer junto ao Ac do STJ de 12/03/1991 , publicado na revista O direito, 124 (1992).

No seguimento de decisões contraditórias, em 1998 o STJ uniformizou jurisprudência - Acórdão n.º4/98 de 05.11.1998 - no sentido de que “ A execução específica do contrato-promessa sem eficácia real, nos termos do artigo 830° do Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor haver transmitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato prometido antes de registada a acção de execução específica ainda que o terceiro adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção; o registo da acção não confere eficácia real à promessa.”

No entanto, como se salienta neste acórdão, a questão colocada à consideração daquele tribunal reportava-se à hipótese de o promitente vendedor alienar a coisa objecto do contrato prometido antes do registo da acção.

Foi o que aconteceu nestes autos.

À data do registo da acção, os Autores nada ainda tinham adquirido, ao contrário da sociedade F…, S.A., cuja propriedade sobre os imóveis já havia adquirido por mero efeito dos contratos de compra e venda (Cfr. art. 408º, n.º 1, do Código Civil).

            Como escreve a 1.ª instância, “No nosso caso, a alienação ocorreu antes do registo da acção e embora essa alienação só haja sido registada após o registo desta, este registo não confere aos Autores o direito à execução específica. “É que o registo da acção apenas amplia os efeitos da respectiva sentença, tornando-a eficaz, não só entre as partes, mas também relativamente a terceiros que adquiriram direitos sobre a coisa na pendência do pleito”, mas esse registo nunca modifica “a natureza do direito que o autor invoca. De outro modo, criar-se-ia, com inobservância dos requisitos do artigo 413º do Código Civil, uma segunda via de atribuição de eficácia «erga omnes» ao direito de crédito à realização do contrato prometido, de que é titular o beneficiário da promessa…Assim, o direito dos Autores/promitentes-compradores tem simples carácter obrigacional, cuja impossibilidade de cumprimento da obrigação a ele subjacente já ocorreu em momento anterior, aquando da celebração das escrituras de compra e venda com a sociedade F…, S.A.

Não tendo os contratos promessa celebrados dos autos eficácia real, não podemos falar aqui em conflito entre dois direitos reais distintos e conflituantes, mas antes num confronto entre um direito de crédito dos Autores, enquanto promitentes-compradores, destituído de eficácia «erga omnes» e um direito real do terceiro adquirente das coisas prometidas vender.

Um conflito desta natureza, não pode deixar de ser resolvido dando prevalência ao direito real do terceiro sobre as coisas, com sacrifício do direito de crédito dos Autores, promitentes-compradores, dado que este direito é ineficaz em relação àquele terceiro.

Desta forma, não procede o argumento dos Autores quanto referem que tal entendimento viola o princípio da prioridade do registo, previsto no art. 6º, n.º 1 e n.º 3, do Código de Registo Predial e da Segurança do Comércio Jurídico Imobiliários, uma vez que, como se disse, o conflito que se verifica não é entre dois titulares de direitos reais (da mesma natureza), mas entre titulares de um direito de crédito e o titular de um direito real, e a prevalência dada por esta norma ao que proceder ao registo em primeiro lugar pressupõe que duas ou mais pessoas já tenham adquirido os bens, e por isso de arroguem de direitos reais conflituantes” – fim de citação -.

Assim sendo, e atento os argumentos supra citados, indefere-se o pedido formulado pelos Autores de substituição da vontade negocial que competia aos Réus, em virtude da celebração dos contratos promessa de compra e venda dos prédios rústicos descritos na matéria de facto dada como provada, relativamente aos Réus R…, A… e o marido A...

Consequentemente, e tendo ocorrido a alienação a terceiros, e ao contrário do que defendem os alegantes, não haveria que apreciar a resolução operada pelos recorridos através da notificação judicial avulsa n.º 23/11.4TBFRC.

Tratemos, agora, da 2.ª situação, ou seja, o contrato promessa celebrado entre o dito M…. e a 1ª Autora e a 3ª Ré e o marido, no qual estes prometeram vender àqueles, pelo preço acordado, os prédios rústicos inscritos na matriz predial rústica sob os artigos …, tendo para tal entregue a título de sinal e principio de pagamento a quantia de 750.000$00.

Para colocar em crise a decisão do Tribunal de Figueira de Castelo Rodrigo, dizem os apelantes:

“No que concerne ao contrato promessa de compra e venda celebrado com a Ré P…, o saneador – sentença equivocou-se rotundamente, ao considerar o incumprimento definitivo por parte dos AA. baseado na notificação judicial avulsa com o n.º 23/11.4TBFCR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Figueira de Castelo Rodrigo, onde os RR. notificaram os AA., em 11.02.2011 e em 14.02.2011, “da sua perda de interesse na venda dos imóveis prometidos vender, constantes da factualidade dada com assente em C) e D), por goradas as expectativas na sua celebração, até por decorridos longos anos desde a sua outorga e desde os prazos consensualmente fixados para a sua celebração.”

 A invocação pelos RR., “por goradas as expectativas na sua celebração, até por decorridos longos anos desde a sua outorga e desde os prazos consensualmente fixados para a sua celebração”, não se enquadra numa interpelação para o cumprimento ou numa interpelação admonitória, conforme decorre no disposto nos artigos 805.º e 808.º do CC.

 O princípio consagrado no n.º 1 do art.º 805.º é que, sendo a obrigação pura, como é o caso dos presentes autos, sem a interpelação o devedor pode não saber que está em atraso no cumprimento.

 Tendo os RR. fundamentado a sua perda de interesse por terem consensualmente fixado prazo para o cumprimento, essa interpelação deveria obedecer ao n.º 1 e 2 do art.º 217.º do CC. Não tendo os RR., invocando de que forma foi feita a declaração, isto é, a interpelação para o cumprimento, e quais os prazos que foram estabelecidos para o seu cumprimento, não pode, como o fez, o Tribunal ad quo, declarar o incumprimento definitivo dos AA., tendo por base a notificação judicial avulsa n.º 23/11.4TBFCR, por perda de interesse, nos termos do art.º 808.º do CC, pois que os AA., ainda nem sequer se tinham constituído em mora.

O incumprimento definitivo nos casos em que inexiste convenção em contrário, como é o caso dos presentes autos, e tal como é pacificamente entendido por toda a jurisprudência, só ocorre se lhe sobreviver a impossibilidade da prestação, o que não aconteceu, se o credor perder o interesse na prestação, ou, por, fim em consequência da inobservância de um prazo suplementar e peremptório que o credor fixe ao devedor relapso, transformando a mora em incumprimento definitivo, o que não ocorre.

 O que no caso dos presentes autos pode ocorrer é quando muito, e salvo melhor entendimento, apenas uma situação de mora dos RR.. Mora essa que não pode ser tida como convertida em incumprimento definitivo, pois, por um lado, não foi feita qualquer declaração admonitória, e, por outro lado, não existe um perda objectiva de interesse, na medida em que “a objectividade da perda de interesse do credor na prestação, reclamada pelo art.º 808.º do C. Civil, determinante do incumprimento definitivo, é verificável se fundada em causa objectiva ainda que em fase de mora por parte dos AA. (Ac. STJ de 10-3- 2005)”.

Assentamos, desde já que, relativamente à Ré P…, não resultou dos autos que a mesma tivesse alienado a terceiro os imóveis, ou parte destes a si pertencentes, que constituíam objecto dos contratos-promessa discutidos nos autos, que as partes não colocaram no texto dos contratos qualquer prazo para a realização das respectivas escrituras de compra e venda dos imóveis, nem a quem caberia a iniciativa, e que os promitentes-compradores entregaram à 3ª Ré e marido, a titulo de sinal e princípio de pagamento a quantia de setecentos e cinquenta mil escudos – als. I e H -.

Assim, quantos a estes, e porque não foram alienados a terceiros, é, pois, preciso, saber da viabilidade ou não do recurso ao instituto da execução específica.

Da matéria provada resultou que o Réus (e entre eles a Ré P…, para o que aqui nos interessa) através de notificação judicial avulsa, com o n.º 23/11.4TBFCR, que correu termos no Tribunal Judicial de Figueira de Castelo Rodrigo, notificaram os Autores, em 11.02.2011 e em 14.02.2011, da sua perda de interesse na venda dos imóveis descritos em C) e E) da factualidade assente, por goradas as expectativas na sua celebração, até por decorridos longos anos desde a sua outorga e desde os prazos consensualmente fixados para a sua celebração, dando como definitivamente incumpridos e resolvidos os contratos referidos naquelas alíneas.

No enfiamento de tal notificação, os Autores, só em 04.10.2011 e 07.10.2011, através de notificação judicial avulsa, com o n.º 197/11.4TBPNH, que correu termos no Tribunal Judicial de Pinhel, notificaram as Rés A… e P… e o Réu A…, da marcação das escrituras de compra e venda referentes aos prédios rústicos descritos em C) e E), que se realizariam na Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de Figueira de Castelo Rodrigo no dia 13 de Outubro de 2011 pelas 14h00.

Como sabemos, no que aos contratos em geral concerne, existem três formas de não cumprimento: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso – sobre o tema, ver o Prof. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, 9ª ed., II, págs. 62 e segs. -.

A falta de cumprimento ocorre quando a prestação deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida por se tornar impossível - art.ºs 801º e 802º -.

Pode, ainda, o não cumprimento definitivo resultar da falta irreversível de cumprimento, equiparado por lei à impossibilidade - art.º 808º, n.º 1 -.

Tal sucede quando a prestação, sendo materialmente possível, perdeu o interesse, objectivamente justificado, para o credor.

Com efeito, dispõe o referido artº 808º, n.º 1, que “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, (...) considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”. Estatui, por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito que “a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente”.

Naquele artigo consagram-se, assim, duas causas de inadimplemento definitivo: em primeiro lugar, quando se verifica a perda do interesse do credor na prestação devida, com a demora do devedor e, em segundo lugar, quando o devedor moroso não cumprir no prazo razoável, adicional e peremptório (admonitório), fixado pelo credor.

Uma terceira causa de incumprimento definitivo ocorrerá quando o devedor declara, inequivocamente, que não cumprirá o contrato – neste preciso sentido o Acórdão do STJ, CJ/STJ, 1999, Tomo I, pág. 61-.

Portanto, a perda de interesse susceptível de legitimar a resolução do contrato afere-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, embora atendendo a elementos capazes de serem valorados pelo comum das pessoas.

Esta perda de interesse deverá, porém, ser apreciada objectivamente, em face de cada caso concreto - art. 808º, nº 2 - .

Por conseguinte, será com base em critérios de razoabilidade próprios do comum das pessoas que se deverá averiguar a utilidade que a prestação teria - ou não teria - para o credor, atendendo-se às envolventes do negócio e aos interesses que estão subjacentes à celebração do contrato-promessa.

Não basta, por isso, que o credor afirme que já não tem interesse na prestação.

Exige-se, isso sim, que alegue e prove a factualidade indispensável a extrair-se, de forma inequívoca, essa perda de interesse a ponto de impedir a viabilidade de celebração do contrato definitivo.

Acontece que tal “perda de interesse” é apreciada objectivamente, não operando de modo imediato e automático, donde se mostrar necessária uma declaração resolutiva dirigida ao devedor, “que deve ser feita assim que ocorra a perda de interesse” - Manuel Januário Gomes, in “Em tema de contrato-promessa”, 6ª reimpressão, Lisboa, 2005, a pags. 9 -, sendo certo que a dita “perda de interesse” não é de índole subjectiva, “não bastando para o efeito uma simples vontade de não contratar, só porque a outra se atrasou no cumprimento; aquele não querer deve ter na sua base uma causa objectiva, razoavelmente compreensível e aceitável ao juízo comum” – neste preciso sentido o Acórdão desta Relação de Coimbra de 30.01.2006, retirado do site www.dgsi.pt. -.

Como referem Pires de Lima e A.Varela, no seu Código Civil Anotado, vol.II, pág.27, “ A perda do interesse do credor deve, nos termos do n.º 2, (Artigo 808) ser apreciada objectivamente. Pretende-se evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele ou à perda infundada do interesse na prestação. Atende-se, por conseguinte, ao valor objectivo da prestação, não ao valor da prestação determinado pelo credor, mas à valia da prestação medida (objectivamente) em função do sujeito”.

Daí que para Baptista Machado - Pressupostos da resolução por incumprimento “, Obra Dispersa, vol.1º, pág.159 e segs. -, “a disposição do art.808.º nº2 tenha um significado semelhante à do nº2 do art.793.º, sendo que a objectividade do critério há-de ser aferida em função do interesse subjectivo do credor afectado pelo incumprimento, embora apreciada objectivamente.

Para tanto, impõe-se o apelo ao “critério da utilidade”, ou seja, a estrita relação entre a prestação e o particular emprego que o credor lhe pretende dar, referindo o mesmo autor, ser “susceptível de justificar o direito de resolução toda aquela inexecução ou inexactidão do cumprimento - quer sob a forma de atraso de cumprimento, quer sob a forma de inexactidão quantitativa ou qualitativa da prestação - que torne inviável um certo emprego do objecto da prestação ou que impossibilite o credor de o aplicar ao uso especial que ele tinha em mira“.

No caso dos autos os réus, na referida notificação judicial avulsa, fundamentam a sua perda de interesse na venda dos imóveis descritos em C) e E), “por goradas as expectativas na sua celebração, até por decorridos longos anos desde a sua outorga e desde os prazos consensualmente fixados para a sua celebração”.

Ao assim proceder, os Réus (designadamente a Ré P…), comunicaram aos Autores a sua perda de interesse na celebração dos contratos prometidos, nos termos do art. 808º do Código Civil.

Como escreve a 1.ª instância, escrita com a qual concordamos, “Ora, objectivamente, temos que o contrato-promessa celebrado pela Ré P… foi celebrado em 16 de Agosto de 1994 e que logo em 24 de Agosto de 1995, M…, promitente-comprador, procedeu ao pagamento do imposto de SISA relativo aos imóveis objecto daquele contrato.

Entre a data do pagamento daquele imposto, até 14 de Fevereiro de 2011, data em que os Autores foram notificados da perda de interesse na venda por parte dos Réus (nomeadamente por parte da Ré P…), passaram mais de 15 anos.

Desta notificação judicial avulsa, decorre como justificação para a perda de interesse por parte dos Réus na venda dos imóveis, a frustração das expectativas na sua celebração, “até por decorridos longos anos desde a sua outorga e desde os prazos consensualmente fixados para a sua celebração”.

Ainda que os Autores, nos seus articulados, tivessem contestado a existência de mora na celebração dos contratos prometidos a si imputável, invocando que nunca foram judicial ou extrajudicialmente interpelados pelos Réus, verdade é que nunca questionaram o facto de terem sido consensualmente fixados entre as partes prazos para a celebração dos mesmos, o que leva o Tribunal a considerar o conteúdo da notificação judicial avulsa, emitida a 14.02.2011, admitido como verdadeiro.

Por outro lado, resultou da matéria assente que só em 13 de Outubro de 2011 os Autores diligenciaram, através de notificação judicial avulsa, pela marcação da data para realização das escrituras públicas de compra e venda dos imóveis, ou seja, apenas após terem sido informados da perda por parte dos Réus do interesse em celebrar a venda.

Tendo em conta todos estes elementos, dúvidas não restam que, em face da inércia demonstrada pelos Autores, objectivamente, a Ré P… perdeu o interesse em vender os imóveis objecto do contrato promessa por si celebrado com M… e a 1ª Autora, considerando-se incumprida definitivamente a prestação, nos termos do art. 808º, n.º 1, do Código Civil” – fim de citação -.

            Como se escreve no Acórdão do STJ de 8 de Março de 2005 – retirado da Col. Jur. Ano XIII, Tomo I, pág. 126 – “a objectividade da perda do interesse na prestação, determinante do incumprimento definitivo, é verificável se fundada em causa objectiva, razoavelmente compreensível e aceitável ao juízo comum das pessoas normais em actuação negocial, de boa-fé, de lisura e de honestidade no trato, ainda que em fase de mora por parte de uma delas”.

            Em face desta posição prejudicada fica o conhecimento do Ponto III da instância recursiva.

Assim sendo, confirmamos a decisão proferida pela 1.ª instância – Tribunal Judicial de Figueira de Castelo Rodrigo.

Passemos ao sumário:

I. O legislador através do contrato promessa dotado de eficácia real visou proteger um direito de crédito já existente ou, por outras palavras, visou proteger aquele que tem um direito à alienação ou constituição de um direito real contra o titular registal inscrito.

Por isso, não o tendo fixado as partes tal efeito, dela não podem beneficiar.

II. A acção de execução específica assume-se como uma acção constitutiva, quase executiva, constituindo a sentença “um sucedâneo ou substitutivo do contrato prometido”.

III. O registo da sentença que decrete a execução específica retroage à data do registo da própria acção, sendo-lhe inoponíveis os registos de aquisições de terceiros posteriores ao registo da acção, evitando-se, assim, o facto de, intentada uma acção de execução específica, o réu poder neutralizar a decisão do tribunal apressando-se a vender o bem a terceiro.

IV. Mas, a execução específica do contrato-promessa sem eficácia real, nos termos do artigo 830° do Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor haver transmitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato prometido antes de registada a acção de execução específica ainda que o terceiro adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção – nesta situação, o registo da acção não confere eficácia real à promessa -.

V. Uma terceira causa de incumprimento definitivo ocorrerá quando o devedor declara, inequivocamente, que não cumprirá o contrato, devendo esta perda de interesse ser apreciada objectivamente, em face de cada caso concreto.

VI. Por conseguinte, será com base em critérios de razoabilidade próprios do comum das pessoas que se deverá averiguar a utilidade que a prestação teria - ou não teria - para o credor, atendendo-se às envolventes do negócio e aos interesses que estão subjacentes à celebração do contrato-promessa.

VII. Não basta, por isso, que o credor afirme que já não tem interesse na prestação.

Exige-se, isso sim, que alegue e prove a factualidade indispensável a extrair-se, de forma inequívoca, essa perda de interesse a ponto de impedir a viabilidade de celebração do contrato definitivo.

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

(José Avelino - Relator)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)