Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
128/12.4TBSBG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: INCIDENTE
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
SERVIDÃO DE VISTAS
VARANDA
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – INST. LOCAL – SEC.CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 321º CPC; 1360º E 1362º DO C. CIVIL.
Sumário: I – O incidente de intervenção acessória ( art.321 CPC) é aquele em que o réu de determinada acção, invocando um direito de regresso ou de indemnização contra terceiro, requer a sua intervenção na causa, vinculando-o à sentença de mérito que julgue a acção procedente, para que no confronto com o chamado, este fique coberto pelo caso julgado, relativamente ao pressuposto do direito de regresso.

II - Cabe ao réu, requerente do pedido de intervenção, o ónus de alegar os factos que permitam ao juiz formular um juízo de prognose favorável à viabilidade da acção de regresso, porque a legitimidade do terceiro chamado não depende da efectiva existência do direito de regresso, mas da sua “afirmação concludente”.

III - Numa acção em que o réu é demandado por alegadamente violar o direito de servidão de vistas, não constitui fundamento para a intervenção acessória do Município a simples alegação de haver licenciado uma obra particular (construção de prédio urbano) sem respeitar o referido direito de servidão de vistas a favor de prédio de terceiros, em face do chamado “princípio da independência das legislações”.

IV - Na servidão de vistas, constituída nos termos do art.1362 do CC, o “corpus” revela-se pela simples verificação da obra, dado que o objecto da servidão não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da janela ou varanda que deite sobre o prédio nas condições do art.1360 do CC, presumindo-se o “animus” naquele que efectua a construção (art.1252 nº2 CC).

V - Provando-se apenas que os autores construíram uma varanda que deita directamente sobre o prédio dos réus, sem que tivessem alegado a existência de parapeito de altura inferior a metro e meio, não está verificada a servidão de vistas, porque só desta forma se revela a possibilidade de devassa do prédio vizinho, ou seja, a demonstração da varanda nas condições legalmente previstas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1.- Os Autores – M... (por sua morte as habilitadas A... e M...) e mulher A... – instauraram na Comarca do Sabugal (actual Comarca da Guarda) acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus – A... e marido R...

            Alegaram, em resumo:

            Os Autores são proprietários de um prédio urbano (casa composta de rés-do-chão e 1º andar), inscrito na matriz sob o art. ..., que confronta a nascente com um  terreno dos Réus.

            Aquando da construção do 1º andar, em 1985, e conforme projecto apresentado na Câmara Municipal do Sabugal, os Autores construíram na fachada do alçado principal, voltada para a rua ..., uma varanda em toda a extensão da mesma (16,90 m) e com 1,50 m de largura, com uma abertura que deita directamente para o terreno dos Réus.

            Esta construção foi feita sem oposição de quem quer que fosse, à vista de toda a gente, passando desde então os Autores a beneficiar de vistas privilegiadas, na convicção e exercer um direito de servidão, constituindo-se, por usucapião, uma servidão de vistas a favor do seu prédio e sobre o prédio dos Réus.

            Em 2011, os Réus construíram no seu terreno uma casa de habitação tendo levantado uma parede de forma a tapar a varanda da casa dos Autores, sem respeitarem a distância legal, tanto de 1,50 m (art.1362 nº2 CC), como a de 5 metros, de acordo com o PDM.

            Esta situação causa danos não patrimoniais aos Autores que ficaram impossibilitados de desfrutar as vistas.

            Pediram cumulativamente a condenação dos Réus:

            a)A reconhecerem o direito de servidão de vistas dos Autores sobre o seu terreno voltado a nascente da sua varanda, constituído por usucapião, e absterem-se de praticar actos que limitem ou impeçam o exercício de tal direito.

            b)A demolirem a construção levantada no ano de 2011 e 2012 de forma a respeitar o direito dos Autores, afastando a construção nova 5 metros do limite nascente da varanda ou pelo menos 1,5 metros, previstos no art.1362 nº2 CC.

            c)A indemnizarem os Autores na quantia de € 100,00 desde a propositura da acção e até á reposição integral dos direitos dos Autores.

            d)A reembolsarem os Autores dos encargos que irão ter com o processo, a liquidar em execução de sentença.

            Contestaram os Réusdefendendo-se, em síntese:

            Os Autores não alegaram factos suficientes para a constituição de uma servidão legal de vistas.

            Edificaram a casa de habitação que foi devidamente licenciada pela Câmara Municipal, no local e modo constante dos respectivos projectos, assistindo-lhe o direito de regresso sobre a edilidade pelos prejuízos decorrentes da eventual procedência da acção.

            Concluíram pela improcedência da acção e requereram a intervenção acessória provocada da Câmara Municipal do Sabugal.

            1.2.- Por despacho de 28/11/2012 decidiu-se deferir o incidente de intervenção acessória provocada do Município do Sabugal.

            1.3.- O Ministério Público, citado nos termos do art.332 nº1 CPC, impugnou ( fls. 66)  toda a matéria da petição inicial.

            1.4. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância, tendo sido fixado o valor da acção em € 50.000,00.

            1.5.- Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu condenar os Réus:

            A reconhecerem o direito de servidão de vistas dos Autores sobre o terreno dos Réus voltado a nascente da varanda dos Autores, constituído por usucapião, e absterem-se de praticar actos que limitem ou impeçam o exercício de tal direito;

            A demolirem a construção levantada no ano de 2011 e 2012 de forma respeitar o direito dos Autores, afastando a construção nova um metro e meio.

            1.6.- Inconformados, os Réus recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

...

            Os Autores não contra-alegaram.

            1.7.- O Município do Sabugal recorreu de apelação do despacho de admissão da intervenção acessória provocada e da sentença, com as seguintes conclusões:

...

            Os Réus contra-alegaram no sentido da improcedência do recurso do Município do Sabugal.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- O objecto do recurso

            As questões submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões (arts.635, 639 CPC), são as seguintes:

            Admissibilidade do incidente de intervenção acessória do Município do Sabugal;

            A (in)existência de servidão de vistas;

            O abuso de direito

            2.2.- Os factos provados ( descritos na sentença )

...

            2.4.- A intervenção acessória provocada do Município do Sabugal

            O recurso do Município do Sabugal incide, desde logo, sobre o despacho de 28/11/2012 que admitiu o incidente de intervenção acessória requerido pelos Réus.

            Porque emitido em data anterior à entrada em vigor do novo CPC, tem aplicação a lei então vigente, ou seja, as normas processuais dos arts. 330 e segs. do CPC (redacção do DL nº 329-A/95 de 12/12).

O incidente de intervenção acessória (actualmente regulado nos arts. 321 e segs. CPC), correspondendo ao anterior chamamento à autoria, é aquele em que o réu de determinada acção, invocando um direito de regresso ou de indemnização contra terceiro, requer a sua intervenção na causa, vinculando-o à sentença de mérito que julgue a acção procedente, para que no confronto com o chamado, este fique coberto pelo caso julgado, relativamente ao pressuposto do direito de regresso. A acção ou direito de regresso configura-se como direito de restituição ou de indemnização do réu contra o terceiro por aquilo que venha a ser condenado a satisfazer ao autor em caso de procedência da acção, direito de regresso que pode emergir da lei, de negócio jurídico ou do enriquecimento sem causa.

Verificam-se duas relações distintas: a relação material controvertida, em que é sujeito activo o autor e passivo o réu; e a relação jurídica de regresso, que fundamenta o chamamento, em que titular activo é o réu da causa principal e passivo o terceiro.

O chamado não é contitular da relação material controvertida, mas sujeito passivo, no confronto do réu, de uma relação conexa com aquela, não sendo indispensável uma “conexão jurídica”, bastando uma mera “conexão prática ou económica”, ou seja, uma “relativa dependência” entre o objecto da causa e o direito de regresso.

Como elucida LOPES DO REGO, “ A utilidade do incidente está, deste modo, na extensão ao chamado da eficácia do caso julgado da sentença, a proferir na acção, obtendo o réu, no confronto do terceiro, a declaração com força vinculativa da relação material controvertida – vista agora como elemento condicionante ou prejudicial da existência do direito de regresso ou de indemnização “ ( “Os Incidentes de Intervenção de Terceiros em Processo Civil”, RMP ano 4º, vol.14, pág.107 ).

Quando o chamado não aceita a autoria, não chega a assumir a posição de parte processual, mas a de terceiro submetido ao caso julgado, não podendo alegar, na acção de indemnização que o réu foi negligente na defesa (arts.327 nº1 do CPC).

Cabe ao réu, requerente do pedido de intervenção, o ónus de alegar os factos que permitam ao juiz formular um juízo de prognose favorável à viabilidade da acção de regresso, porque a legitimidade do terceiro chamado não depende da efectiva existência do direito de regresso, mas da sua “afirmação concludente”, significando, por isso, que o juízo de viabilidade da acção de regresso e o da conexão com a acção principal são formulados em abstracto, confrontando os fundamentos da acção com os fundamentos alegados para o direito de regresso.

            A presente acção, de natureza real, contende com o direito de vizinhança, mais concretamente sobre as restrições ao direito de propriedade, implicando saber se está ou não constituída uma servidão de vista a favor do prédios dos Autores (dominante) e sobre o prédio dos Réus ( serviente) e se estes com a edificação da casa de habitação ao taparem a janela, violaram ou não o alegado direito de servidão de vistas.

            Os Réus fundamentam o direito de regresso contra o chamado na circunstância de a Câmara Municipal haver aprovado o projecto de construção, exigindo de acordo com o PDM a implantação nesse local, apesar da edilidade (através da arquitecta responsável) haver sido alertada para eventuais prejuízos, pelo que “os réus cumpriam as exigências camarárias ( encosto da casa à casa existente e implantação no local em que foi implantada) ou tal obra não era licenciada pela Câmara” ( art.35º Contestação ).

            O despacho recorrido justificou o juízo de viabilidade do direito de regresso, nestes termos:

            “ Este preceito ( art.70 nº1 do DL nº 555/99 de 16/12) conjugado com os factos em causa nos autos, analisados na sua globalidade, permite, num juízo de prognose póstuma, e em abstracto concluir pela possibilidade de o Município do Sabugal vir a ser civilmente responsabilizado numa acção de regresso a intentar noutro foro pelos Réus, pelo licenciamento de uma obra em contravenção( por exemplo) com o disposto no artigo 1362 nº2 do Código Civil (CC), posto que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483 do CC ( cf. ainda o artigo 497 nº2 do CC)”.

            O Apelante Município objecta essencialmente com dois argumentos: a especialidade da jurisdição administrativa e o princípio da independência das legislações, visto que, por imposição legal, a licença de construção é emitida “sob reserva de direitos de terceiros”, logo não pode haver acção de regresso por violação de direitos privados.

            Quanto ao primeiro argumento, uma vez que o tribunal não vai pronunciar-se sobre a acção de regresso, tem-se entendido não obstar à intervenção acessória o facto da eventual acção de regresso ser da competência da jurisdição administrativa, ou seja, “a natureza da relação jurídica objecto da acção de regresso não interfere com a competência material do tribunal para conhecer do objecto da acção em que foi suscitada a intervenção acessória” ( cf. Ac STJ de 22/10/201,  proc. nº 678/11, em www dgsi.pt ).

            No licenciamento das operações urbanísticas há uma relação jurídica entre a Administração e os interessados, visando-se o cumprimento das regras urbanísticas, e o controlo da administração não abrange a totalidade do ordenamento jurídico. Por isso, “a licença de construção não é um instrumento adequado para verificar o respeito por situações jurídico-privadas, cuja definição não cabe à Administração Pública, mas sim aos tribunais” (ALVES CORREIA, As grandes linhas da recente Reforma, pág. 126 ).

Vigora neste domínio o chamado “princípio da independência das legislações”, do qual resulta que a Administração ao licenciar uma operação urbanística apenas terá que considerar as normas do direito urbanístico, e, uma vez concedido o licenciamento, os direitos privados de terceiros não são afectados.

Significa que a Administração não tem de levar em conta as regras civilista dos direitos de servidão de vistas, porque se entende que o art. 1362 do CC não é uma das “normas legais” para as quais remete o art.24, nº1, a) do DL nº 555/99 de 16/12.

A jurisprudência adopta o princípio da independência das legislações:

Ac STA de 7/2/2002 (proc. nº 048295), em www dgsi.pt - “ Não incumbe à administração no acto de licenciamento de obras particulares assegurar o respeito por normas de direito civil, designadamente das que tutelam servidões de passagem de terceiros sobre o prédio onde se situa a obra licenciada”

Ac STA de 24/9/2009 (proc. nº 0707/09) (em www dgsi.pt) decidiu – “ O licenciamento de uma obra não pode ser recusado a pretexto de que ela pode ferir uma servidão de vistas constituída em proveito de um prédio limítrofe”.

            Ac STA de 24/3/2011( proc. nº 0331/10) em www dgsi.pt - “ A existência de uma servidão de vistas em favor de um prédio dominante não é um elemento que as Câmaras Municipais devam ponderar ao licenciarem construções”.

            Neste contexto, baseando-se o chamamento no licenciamento da obra e não tendo sido alegada qualquer actuação ilícita da Câmara Municipal, o juízo de prognose à acção de regresso não é favorável, verificando-se a ausência de requisitos para a intervenção acessória do Município do Sabugal.

            2.6.- A (in) existência da servidão de vistas

            A sentença recorrida, porque a varanda da casa de habitação dos Autores, construída em 1985, deita directamente sobre o prédio dos Réus, considerou verificar-se uma servidão de vistas, constituída por usucapião, a favor do prédio dos Autores e sobre o prédio dos Réus, com fundamento no art.1362 CC. Por isso, ordenou a demolição da construção da casa dos Réus, a fim de ser resposta a distância legal de metro de meio, de modo a respeitar o direito de servidão dos Autores.

            Os Réus/Apelantes questionam, desde logo, a comprovação dos pressupostos da servidão de vistas, nomeadamente pela total ausência de alegação do parapeito da varanda.

O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção, não pode abrir janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho, sem deixar entre este e cada uma daquelas obras um intervalo de metro e meio (art.1360 nº1 do CC). E igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela (art. 1360 nº2 CC).

A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei pode importar, nos termos gerais, a constituição de servidão de vistas, por usucapião (1362 nº1 do CC).

Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio, desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras em que a servidão se materializa, o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão das obras ( art.1362 nº2 do CC ).

Não se consideram abrangidos pela restrições da lei, a frestas, seteiras, ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho, no entanto, levantar, a todo o tempo, a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas – art. 1363 nº1 do CC.Também não se consideram abrangidas pelas restrições da lei, aplicando-se-lhes o disposto no nº1 do art.1363 CC, as aberturas, quaisquer que sejam as a suas dimensões, com grades de ferro fixo, ou outro metal (janelas gradadas), de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros ( art.1364 do CC ).

Apesar de constituída a servidão de vistas, poder-se-á levar a cabo construções mais baixas, situadas a um nível inferior, por forma a não prejudicar a entrada de ar e luz, ou seja, a função normal da janela (cf. ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol.III, 2ª ed., pág. 221 e 222).

Na verdade, o proprietário onerado com a servidão, embora sujeito à limitação de construir no espaço correspondente ao interstício legal, não perde o direito de propriedade sobre este. O que tem é de guardar a distância de metro e meio na extensão da janela, em que se exterioriza a servidão de ar e luz e já não em toda a extensão da parede onde essas obras foram feitas. De resto, era já este o entendimento expresso a propósito do Código Civil de 1867 (cf. CUNHA GONÇALVES, Tratado, XII, pág.87 e RLJ ano 96, pág.336 ), o qual se mantém actual.

Exposto o regime geral, a primeira questão que importa indagar é a de saber se os factos provados são suficientes para a existência da servidão de vistas, cujo ónus da prova impendia sobre os Autores (art.342 nº1 do CC).

Na servidão de vistas, constituída nos termos do art.1362 do CC, o “corpus” revela-se pela simples verificação da obra, dado que o objecto da servidão não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da janela ou varanda que deite sobre o prédio nas condições do art.1360 do CC, presumindo-se o “ animus” naquele que efectua a construção (art.1252 nº2 CC)

            Ora, no tocante às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes a lei exige agora, contrariamente ao regime do anterior Código Civil, que “sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela” (art.1360 nº2 CC).

            A restrição, está, assim, dependente da existência de um parapeito, pois o bem tutelado não são as vistas propriamente ditas, mas o devassamento.

Justificando a inovação legislativa, ensinam P.LIMA/A VARELA:

            “Traduz esta disposição uma nova orientação que é a de facilitar as relações de vizinhança, não impedindo aqueles actos que não afectam gravemente os interesses do vizinho e que, pelo seu exercício continuado, poderiam conduzir à constituição de servidões.

            (…)

            Começam somente os prejuízos a ser atendíveis se existir um parapeito, porque, neste caso, tal como numa janela, a pessoa pode debruçar-se ocupando parcialmente o prédio alheio e arremessar com facilidade objectos para dentro deste “ (Código Civil Anotado, III, 2ª ed. Pág. 215).

            Por conseguinte, um dos requisitos legais, como facto constitutivo do direito de servidão de vistas é não apenas a varanda, mas a comprovação da existência de parapeito de altura inferior a metro e meio, porque só desta forma se revela a possibilidade de devassa do prédio vizinho, ou seja, a demonstração da varanda nas condições legalmente previstas.

            Comprovou-se que os Autores construíram na fachada do alçado principal, uma varanda em toda a extensão da mesma (16,90m), com 1,16 metros de largura e com uma abertura ao terreno dos réus de cerca de 3 metros de altura, varanda deita directamente para o terreno dos réus. 4º)

            Não foi sequer alegada a existência de parapeito, cujo ónus impendia sobre os Autores, pelo que não está verificada a servidão de vistas (cf., por ex., Ac RP de 12/10/1998, CJ. Ano XXIII, IV, pág.211, Ac RC 9/5/2006, proc. nº 536/06, Ac RC de 17/11/2015, proc. nº 39/14, disponíveis em www dgsi.pt ).

            Não se comprovando a servidão de vistas, não podem os Autores a coberto do art. 1362 nº2 do CC limitar o direito de propriedade dos Réus à edificação na linha divisória, sem a restrição do espaço mínimo de metro e meio.

            Para quem admita a constituição, nestes casos, de uma mera servidão predial, que confere ao titular a possibilidade de manter tais aberturas em condições irregulares, o proprietário serviente não sofre qualquer limitação ao direito de edificar, podendo construir junto à linha divisória do prédio (cf. HENRIQUE MESQUITA, RLJ ano 128, pág. 151 e segs.).

            Procede a apelação, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.

            2.7.- Síntese conclusiva

i)O incidente de intervenção acessória (art.321 CPC) é aquele em que o réu de determinada acção, invocando um direito de regresso ou de indemnização contra terceiro, requer a sua intervenção na causa, vinculando-o à sentença de mérito que julgue a acção procedente, para que no confronto com o chamado, este fique coberto pelo caso julgado, relativamente ao pressuposto do direito de regresso.

ii) Cabe ao réu, requerente do pedido de intervenção, o ónus de alegar os factos que permitam ao juiz formular um juízo de prognose favorável à viabilidade da acção de regresso, porque a legitimidade do terceiro chamado não depende da efectiva existência do direito de regresso, mas da sua “afirmação concludente”.

iii) Numa acção em que o réu é demandado por alegadamente violar o direito de servidão de vistas, não constitui fundamento para a intervenção acessória do Município a simples alegação de haver licenciado uma obra particular ( construção de prédio urbano) sem respeitar o referido direito de servidão de vistas a favor de prédio de terceiros, em face do chamado “princípio da independência das legislações”.

iv) Na servidão de vistas, constituída nos termos do art.1362 do CC, o “corpus” revela-se pela simples verificação da obra, dado que o objecto da servidão não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da janela ou varanda que deite sobre o prédio nas condições do art.1360 do CC, presumindo-se o “ animus” naquele que efectua a construção ( art.1252 nº2 CC ).

v) Provando-se apenas que os autores construíram uma varanda que deita directamente sobre o prédio dos réus, sem que tivessem alegado a existência de parapeito de altura inferior a metro e meio, não está verificada a servidão de vistas, porque só desta forma se revela a possibilidade de devassa do prédio vizinho, ou seja, a demonstração da varanda nas condições legalmente previstas.


III - DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar procedente as apelações e em consequência:

a)Revogar o despacho de 28/11/2012 ( fls. 60) que admitiu o incidente de intervenção acessória do Município do Sabugal.

            b) Revogar a sentença de 1/9/2014 ( fls. 268 e segs.) e absolver os Réus dos pedidos.


2)

            Condenar os Autores nas custas, em ambas as instâncias.

            Coimbra, 16 de Fevereiro de 2016.


 Jorge Arcanjo

 Manuel Capelo

Falcão de Magalhães