Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1627/18.0T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA
PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Data do Acordão: 06/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 55.º, N.º 1, 59.º, 60.º E 62.º DO RGCO; ART. 193.º, N.º 1, DO CPC
Sumário: A providência cautelar interposta no tribunal administrativo impugnando decisão administrativa proferida no âmbito de processo de contra-ordenação (ambiental) não pode, por inadequação substancial, ser objecto de aproveitamento/convolação para a espécie processual de impugnação judicial, sendo a petição respectiva nula e de nenhum efeito por força do disposto no artigo 193.º, n.º 1, do CPC, aplicável no domínio em causa em razão do que prevêem os artigos 2.º da Lei n.º 50/2006, 43.º do RGCO e 4.º do CPP.
Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo de recurso de contra-ordenação 1627/18.0T8CTB da Comarca de Castelo Branco, Juízo Local Criminal de Castelo Branco, Juiz 2, em 9 de Outubro de 2018 foi proferido o seguinte despacho:

Os presentes autos foram registados e autuados como recurso de contra­ordenação, sendo constituídos por duas certidões, uma extraída do Procedimento Cautelar n.º 538/17.0BECTB, e outra da Acção Administrativa n.º 69 /18.1BECTB, que correm termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (doravante, TAFCB).

Tais certidões foram remetidas a este Juízo Local Criminal, pelo referido Tribunal, «a fim de ser apreciada a validade do despacho proferido pelo “IGAMAOT” em 20.11.2017, face à declaração de incompetência material do TAF» - cfr. primeira página do primeiro volume.

Da análise do teor das certidões referidas, decorre, em suma, que:

1 - no dia 24.11.2017, a sociedade A (…), instaurou no TAFCB, contra o “Ministério do Ambiente”, providência cautelar de suspensão da eficácia dos seguintes actos administrativos:

a) despacho do Sr. Inspector (…), da “Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante designado, apenas, por “IGAMAOT”), de 20.11.2017, que aplicou à requerente a medida cautelar de cessação da actividade de secagem de bagaço de azeitona;

b) despacho do Sr. Subinspector-Geral do “IGAMAOT”, que aplicou diversas medidas preventivas à requerente, nomeadamente, a cessação de toda e qualquer recepção de bagaço de azeitona, na lagoa de armazenamento, localizada junto à unidade de secagem de bagaço de azeitona;

proferidos na sequência de uma acção inspectiva realizada, pelo “IGAMAOT”, às instalações da requerente A.;

2 - por despacho proferido em 28.11.2017, no referido procedimento cautelar, foi decretada provisoriamente a suspensão da eficácia dos despachos referidos em 1. - fls. 168 e ss.;

3 - por sentença proferida em 22.05.2018, no referido procedimento cautelar, o “TAFCB” considerou que os despachos referidos em 1. foram proferidos no âmbito de um processo de contra-ordenação ambiental e, como tal, que se trata de matéria subtraída à jurisdição dos Tribunais Administrativos, que compete aos Tribunais Comuns apreciar, mais precisamente aos juízos locais criminais, mediante impugnação judicial;

em conformidade, foi declarada a incompetência material do TAFCB para o conhecimento da suspensão da eficácia dos aludidos despachos, e absolvido o requerido da instância cautelar, mantendo-se o efeito suspensivo decretado, até os autos serem conclusos ao juiz materialmente competente - fls. 385 e ss.;

mais foi ordenada a notificação da requerente para, querendo, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão;

4 - por despacho proferido em 22.05.2018, na acção principal a que respeita a providência cautelar identificada em 1., foi julgado o "TAFCB" materialmente incompetente para o conhecimento da legalidade dos despachos proferidos pela entidade demandada, em 20.11.2017 e 21.11.2017 e, em consequência, absolvida esta da instância, mais se determinando a suspensão da mesma, até ao trânsito em julgado da sentença referida em 3.;

- na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, pelo Ministério do Ambiente e pela requerente, em 11.07.2018 foi proferido o acórdão do "Tribunal Central Administrativo Sul" (doravante "TCAS"), junto a fls. 518 e ss., que decidiu:

- que o despacho identificado em 1.a) constitui uma medida cautelar no âmbito contra-ordenacional, cuja apreciação compete aos tribunais comuns, sendo-lhe aplicável as disposições da "LQCO" e da "LQCO", e as garantias similares às do processo penal, e não os artigos 1122.º e ss. do CPTA ou o 362.º e ss. do CPC;

- que os TAF são materialmente competentes para apreciar o pedido cautelar referente ao despacho identificado em 1.b);

- revogar a decisão recorrida na parte em que manteve o decretamento provisório da suspensão da eficácia do acto referido em 1.a);

6 - em 03.09.2018, após trânsito em julgado das decisões referidas em 4. e 5., a requerente solicitou ao TAFCB a remessa dos autos (providência cautelar e acção principal) ao Tribunal Competente, mais precisamente ao Juízo Local Criminal de Castelo Branco, para a apreciação da legalidade do acto referido em 1.a), nos termos previstos no artigo 14.º, n.º 2, do CPTA - fls. 573;

7 - nessa sequência, em 06.09.2018, o “TAFCB” proferiu despacho a determinar a extracção de certidões de todo o processado (providência cautelar e acção principal) e a remessa das mesmas ao presente Juízo.

Visto o processado dos autos, apreciemos.

II.

Nos termos do disposto no artigo 130.º, n.º 2, al. d), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, compete aos juízos locais criminais, nomeadamente, a competência para:

«d] Julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação, salvo os recursos expressamente atribuídos a Juízos de competência especializada ou a tribunal de competência territorial alargada;.»

Da conjugação deste normativo legal, com o artigo 61.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (doravante RGCOC), decorre, de forma clara, que a competência material para julgar os recursos das decisões proferidas pelas autoridades administrativas, no âmbito de processos de contra-ordenação, recai sobre os tribunais criminais.

Importa, porém, apurar em que termos.

No presente processo, pretende-se que seja apreciada a legalidade do despacho proferido pelo “IGAMAOT”, em 20.11.2017, mediante o qual, ao abrigo do disposto no artigo 41.º, n.º 1, al. a), da Lei 50/2006, de 29.08, foi determinada a cessação imediata da actividade de secagem de bagaço de azeitona, por parte da requerente A., por não dispor de título válido para o efeito.

O normativo legal citado integra a Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, e prevê as medidas cautelares que podem ser adaptadas pelas entidades administrativas, no âmbito dos processos de contra-ordenações daquela natureza.

A questão de saber se a decisão de aplicar tais medidas cautelares pode ser judicialmente impugnada de imediato, ou apenas quando da impugnação da decisão final, não é pacífica na jurisprudência.

A Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais não o esclarece, nomeadamente, nos seus artigos 41.º e ss., que regulam a tramitação do processo de contra-ordenação ambiental.

No sentido de que as decisões provisórias, sendo alvo de impugnação, apenas serão apreciadas com a eventual impugnação da decisão final, decidiu-se, nomeadamente, no acórdão da Relação do Porto de 14-07-2008, relativamente à apreensão provisória de objectos, prevista no artigo 48.º-A, do RGCOC.

No acórdão proferido pela Relação do Porto, de 05-03-2008, por seu turno, decidiu-se que:

«Da decisão de um inspector da ASAE que, no âmbito de uma acção de fiscalização, decreta a medida cautelar de suspensão da actividade de um estabelecimento comercial a funcionar sem a devida licença cabe recurso para o tribunal indicado no art. 61 º do DL nº 433/82.».

Sufragamos este segundo entendimento, por ser, em nosso entendimento, mais conforme:

- aos princípios do direito sancionatório, que permitem a reacção imediata quanto a actos susceptíveis de lesar a esfera jurídica dos arguidos, sendo certo que tais medidas cautelares se podem considerar semelhantes às medidas de coacção, aplicadas em processo criminal;

- bem como ao RGCOC, mais precisamente, ao seu artigo 55.º, que prevê a possibilidade de impugnar judicialmente as decisões e despachos proferidos pelas autoridades administrativas, no decurso dos processos de contra-ordenação, regime que é consabidamente de aplicação subsidiária às contra-ordenações ambientais, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, da Lei 50/2006.

Todavia, a impugnação judicial das decisões administrativas tem que obedecer a determinados requisitos e seguir uma tramitação específica, até chegar, eventualmente, ao Tribunal, para ser apreciada.

Assim, dispõe o artigo 59.º do RGCOC, que:

«1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.

2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.

3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.»

Recebida a impugnação Judicial, a autoridade administrativa pode:

- revogar, total ou parcialmente, a decisão de aplicação da coima ou sanção acessória;

- ou enviar os autos, no prazo de 20 dias úteis, ao Ministério Público, podendo juntar alegações, informações ou oferecer meios de prova que repute relevantes para a decisão da causa - artigo 52.º da Lei 50/2006 de 29.08.

O Ministério Público, por seu turno, apresentará os autos ao juiz, valendo este acto como acusação, podendo, ainda, desistir da acusação, com a concordância da autoridade administrativa, até à prolação da decisão judicial - artigos 52.º, n.º 5, da Lei 50/2006, de 29.08 e 65.º-A do RGCOC.

Por último, com relevo para a apreciação dos presentes autos, dispõe o artigo 63.º, n.º 1, do RGCOC que:

«1 - O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.».

No caso em apreço, conforme decorre do ponto 1., do presente despacho, não foi apresentado recurso de impugnação judicial do despacho proferido pelo “IGAMAOT”, que determinou a cessação parcial da actividade da requerente "Centroliva", junto daquela entidade, por escrito, com alegações e conclusões.

A autoridade administrativa não remeteu qualquer recurso ao Ministério Público, nem se pronunciou sobre o mesmo, alegando ou juntando prova.

O Ministério Público, por seu turno, não apresentou ao Tribunal qualquer recurso, que constitua a acusação dos presentes autos, sobre a qual nos possamos pronunciar.

O que existe nos autos é, apenas, a petição inicial de uma providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho do Senhor Inspector da IGAMAOT, que aplicou a medida cautelar de cessação de actividade de secagem de bagaço de azeitona, bem como a petição inicial de uma acção administrativa a peticionar, além do mais, a declaração de nulidade ou de anulabilidade daquele, ambas instauradas contra o Ministério do Ambiente, e o processado subsequente a tais peças processuais.

Tanto significa que, nos presentes autos de contra-ordenação, inexiste recurso de impugnação judicial com os requisitos legalmente previstos no artigo 59.º, n.º 3, do RGCOC, assim como não houve, até ao momento, qualquer intervenção da autoridade administrativa que proferiu a decisão, ou do Ministério Público, junto deste juízo local criminal.

Pese embora tal ocorra em virtude de a requerente A. ter requerido a suspensão da eficácia do acto em questão, e a respectiva declaração de nulidade ou anulabilidade, junto dos Tribunais Administrativos, que se declararam materialmente incompetentes para apreciar tais questões, não pode este Tribunal ignorar os requisitos e tramitação legalmente exigidos, pelos normativos legais acima citados, para poder apreciar a supra mencionada decisão, proferida pelo “IGAMAOT”.

Sobretudo quando a consequência legalmente prevista para a inobservância dos requisitos de forma do recurso de contra-ordenação, é a respectiva rejeição - artigo 63.º, n.º 1, do RGCOC.

Acresce que mesmo que se pudesse equacionar a desconsideração, no caso concreto, dos requisitos de forma que o recurso de impugnação judicial carece de conter, para ser admissível, atendendo a que a requerente reagiu contra o despacho em questão, noutra jurisdição, materialmente incompetente (o que, ainda assim, consideramos legalmente inadmissível), não vemos como seria possível suprir a falta de intervenção da autoridade administrativa e do Ministério Público na tramitação do “recurso”, até à respectiva apresentação em juízo.

Nesta medida, entendemos que os presentes autos não podem ser recebidos e tramitados, a título de recurso de contra-ordenação, em virtude de não estarem verificados os requisitos de forma e de tramitação legalmente previstos para os autos dessa natureza.

Também não se nos afigura possível convolar os autos noutra espécie processual, porquanto os mesmos não possuem cabimento legal nas espécies atribuídas à jurisdição criminal.

Nesta medida, não resta senão rejeitar os presentes autos de contra-ordenação, por inexistência de recurso de impugnação judicial e respectiva tramitação, nos termos legalmente previstos.

 

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 63.º, n.º 1, do RGCOC, rejeita-se o presente "recurso de contra-ordenação", por inobservância dos requisitos previstos nos artigos 55.º e 59.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, bem como por incumprimento da tramitação prevista nos artigos 52.º da Lei 50/2006, de 29.08 e 65.º-A do RGCOC.

 

Notifique:

- o Ministério Público; 

- as partes nos processos que correram termos no “TAFCB” (A., Ministério do Ambiente e (…); v - a “IGAMAOT”.

Comunique a presente decisão aos processos de onde foram extraídas as certidões que originaram os presentes autos.

Após trânsito em julgado, diligencie pela devolução das “pen drive” juntas aos autos, aos ilustres mandatários que as juntaram.

Inconformado com o decidido, recorreu a arguida A., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

A. O presente recurso é interposto do Despacho do Juízo Local Criminal de Castelo Branco de 09.10.2018, que rejeitou o recurso de contra-ordenação remetido pelo TAFCB, com fundamento na alegada inobservância dos requisitos previstos nos artigos 55.º e 59.º/3 do RGCO, bem como por incumprimento da tramitação prevista nos artigos 52.º da Lei n.º 50/2006, de 29.08 e artigo 65.ºA do RGCO.

B. A interpretação perfilhada na Decisão recorrida, de que não seria possível acolher a remessa dos autos vindos do tribunal administrativo, por a tramitação processual observada naquela jurisdição e a tramitação específica do RGCO não serem coincidentes, viola o disposto no artigo 14.º/2 do CPTA, que assegura à Requerente o direito processual de manutenção dos efeitos civis decorrentes da interposição da acção junto de tribunal incompetente.

C. A decisão recorrida violou ainda o poder-dever que sobre si impendia de adaptação processual, consagrado no artigo 33.º/1 do CCP aplicável ex vi artigo 41.º/1 do RGCO, que prevê que, declarada a incompetência do tribunal, o processo é remetido para o tribunal competente, o qual anula os actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo e ordena a repetição dos actos necessários para conhecer da causa.

D. A Decisão recorrida incorreu ainda em erro de julgamento, ao decidir que não é possível suprir a falta de intervenção da autoridade administrativa e do Ministério Público, se o Ministério do Ambiente e o Ministério Público já se pronunciaram sobre a medida cautelar decretada através do Despacho da IGAMAOT de 20.11.2017, quer no âmbito da providência cautelar, quer no âmbito da acção administrativa, cujos autos foram remetidos ao Tribunal a quo.

E. Sem conceder, a entender-se que tais pronúncias não são suficientes, sempre poderia o Tribunal o quo, sem prejuízo para o processo, convidar a IGAMAOT a pronunciar-se, que revogaria o acto ou o remeteria ao Ministério Público, para este desistir da acusação ou devolvê-la ao tribunal, nos termos dos artigos 52.º/5 da Lei n.º 50/2006, de 29.08 e artigo 65.ºA do RGCO.

Termos em que,

Deve o presente recurso ser julgado procedente e a Decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita o recurso de contra-ordenação do Despacho da IGMAOAT de 20.11.2017 e que ordene a prática dos actos processuais necessários ao seu conhecimento.

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1- Quanto à invocada questão em como a interpretação perfilhada na decisão recorrida, de que não seria possível acolher a remessa dos autos vindos do tribunal administrativo, por a tramitação processual observada naquela jurisdição e a tramitação específica do RGCO não serem coincidentes, viola o disposto no art. 14°, n.º 2 do CPTA que assegura à recorrente o direito processual de manutenção dos efeitos civis decorrentes da interposição da acção junto do tribunal competente, há que dizer que a mesma não deve proceder.

2- E isto porque, a questão é controversa, e passível de várias interpretações, sendo que este Tribunal Judicial de Castelo Branco abraçou a interpretação em como não compete aos juízos locais criminais, apreciar/julgar recursos das decisões proferidas pelas autoridades administrativas, no âmbito de processos de contra-ordenação nos casos em que não tenham sido cumpridos e verificados os requisitos legalmente previstos no art. 59°, n.º 3 do RGCO, entendendo que é esse o caso dos presentes autos.

3- Efectivamente, e seguindo o raciocínio do despacho recorrido, no caso em apreço, não foi apresentado recurso de impugnação judicial do despacho proferido pelo IGAMAOT que determinou a cessação parcial da actividade da requerente "Centroliva, S. A.", junto daquela entidade, por escrito, com alegações e conclusões, além de que a entidade administrativa não remeteu qualquer recurso ao Ministério Público, nem tão pouco este se pronunciou sobre o mesmo, pelo que inexiste "acusação" (constituída pela recepção da matéria de facto da decisão administrativa, acrescida da indicação da prova que a sustenta).

4- O que existe nos presentes autos é apenas a petição inicial de uma providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho do Sr. lnspector da IGAMAOT que aplicou a medida cautelar de cessação da actividade de secagem de bagaço de azeitona, bem como a petição inicial de uma acção administrativa a peticionar, além do mais, a declaração de nulidade ou de anulabilidade daquele, ambas instauradas contra o Ministério do Ambiente.

5- Nestes termos, foi considerado que inexiste recurso de impugnação judicial com os requisitos previstos no art. 59°, n.º 3 do RGCO, e, como tal, a consequência legalmente prevista para a inobservância dos requisitos de forma do recurso de contra-ordenação, nos termos do disposto no art. 63°, n.º 1 do RGCO, é a sua rejeição.

6- Uma vez que se concorda com os argumentos expendidos no despacho recorrido, apenas se dirá que, de facto, ao contrário do que alega a recorrente, este Tribunal Judicial de Castelo Branco - Instância Local Criminal - é incompetente para apreciar as certidões remetidas pelo TAF de Castelo Branco, sendo que não vislumbramos que esta decisão viole o disposto no art. 14°, n.º 2 do CPTA, que assegura à recorrente o direito processual de manutenção dos efeitos civis decorrentes da interposição da acção junto de tribunal incompetente.

7- Assim, entendemos que este ponto do recurso não deve merecer provimento. Embora, e como é óbvio, uma vez que se trata de questão controversa, Vossas Excelências melhor apreciarão e decidirão quanto a esta matéria.

8- Quanto à invocada questão em como a decisão recorrida violou o poder­-dever que sobre si impendia de adaptação processual consagrado no art. 33º, n.? 1 do CCP (aqui deverá tratar-se de lapso, e será C. Processo

Penal), aplicável ex vi art. 41°, n.? 1 do RGCO, que prevê que, declarada a incompetência do tribunal, o processo é remetido para o tribunal competente, o qual anula os actos que se não teriam praticado se perante ele tivesse corrido o processo e ordena a repetição dos actos necessários para conhecer da causa, há que dizer que igualmente se discorda das conclusões apresentadas, porque a legislação invocada não tem aplicação à questão “sub judice”.

9- E isto porque, em primeiro lugar, o art. 41°, n.º 1 do RGCO, prevê, expressamente, que o direito subsidiário são os preceitos reguladores do processo criminal, devidamente adaptados.

1 O- Ora, segundo o que alega a recorrente, por força do art. 41.º, n.º 1 do RGCO, deverá ser aplicado, subsidiariamente, o art. 33°, n.? 1 do CPP, ou seja, quando for declarada a incompetência, o processo é remetido para o tribunal competente.

11- Mas, com o devido respeito, tais preceitos legais não têm, em nosso entender, aplicação à presente situação, porque, em bom rigor, a decisão recorrida não é uma decisão “formal” em que se declara a incompetência da Instância Local Criminal de Castelo Branco, mas uma decisão material em que o que existe é a rejeição do recurso de contra-ordenação por inobservância dos requisitos legais.

12- Deste modo, não há lugar à aplicação de nenhuma norma do código de processo penal a título subsidiário, como pretende a recorrente, uma vez que o RGCO tem normas específicas para o caso “sub judice”, as quais constam da decisão recorrida, e que são os artigos 55°, 59°, n.º 3 e 63º e 65°-A do RGCO, bem como o disposto no art. 52° da Lei 50/2006 de 29.08.

13- Portanto, em nosso entender, não há qualquer violação do poder-dever de remeter ou reenviar o processo para o Tribunal competente.

14- Foi esta a posição do Tribunal “a quo”, com a qual se concorda inteiramente.

15- Assim, entendemos que este ponto do recurso também não deve merecer provimento.

16- Finalmente, e quanto à invocada questão em como a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao decidir que não é possível suprir a falta de intervenção da autoridade administrativa e do Ministério Público, se o Ministério do Ambiente e o Ministério Público já se pronunciaram sobre a medida cautelar decretada através do Despacho do IGAMAOT de 20.11.2017, quer no âmbito da providência cautelar, quer no âmbito da acção administrativa, cujos autos foram remetidos ao Tribunal "a quo".

Sem conceder, entende a recorrente que, a entender-se que tais

pronúncias não são suficientes, sempre poderia o Tribunal “a quo”, convidar o IGAMAOT a pronunciar-se, que revogaria o acto ou o remeteria ao Ministério Público, para este desistir da acusação e devolvê-la ao tribunal, nos termos dos arts. 52°, n.º 5 da Lei 50/2006 de 29.08 e 65°-A do RGCO, há que dizer que igualmente se discorda das conclusões apresentadas, porque o que é alegado pela recorrente seria correcto apenas em termos abstractos, mas não no caso concreto destes autos.

17- E isto porque, aquilo que consta, expressamente, da fundamentação da decisão recorrida, é que (e passa-se a citar): "( ... ) inexiste recurso de impugnação judicial com os requisitos legalmente previstos no art. 59º, n. 0 3 do RGCOC, assim como não houve, até ao momento, qualquer intervenção da autoridade administrativa que proferiu a decisão, ou do Ministério Público, junto deste juízo local criminal".

18- Ou seja, segundo a recorrente, a posição da IGAMAOT no processo que corre termos no TAF de Castelo Branco e do Ministério Público junto daquele Tribunal, quando se pronunciaram sobre a medida cautelar decretada pelo despacho do IGAMAOT no âmbito da decisão administrativa, serve como intervenção da autoridade administrativa e do Ministério Público que, segundo a decisão recorrida, se encontram em falta no caso dos autos. Isto é, com o devido respeito, o preenchimento de uma "lacuna", já não com recurso a direito subsidiário (como ocorria na conclusão anterior), mas com recurso à posição já assumida num outro processo, de outra jurisdição, levando ao extremo o Princípio do aproveitamento dos actos processuais.

19- Sucede, porém, que, em nosso entender, e no entender da douta decisão recorrida, essa falta de tramitação prévia ao recebimento do presente recurso de contra-ordenação, não pode ser suprida da forma alegada pela recorrente, porque são intervenções completamente diferentes, no âmbito de jurisdições diferentes, de duas entidades que, apesar de terem a mesma designação (autoridade administrativa e Ministério Público) têm múltiplas atribuições legais e intervenções distintas, consoante as matérias, os processos e as jurisdições em que actuam.

20- Portanto, em nosso entender, não existe qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal "a quo", nem tão pouco a solução preconizada pela recorrente, em caso de se de entender que tais pronúncias não são suficientes, convidando-se a IGAMAOT a se pronunciar, revogando o acto ou remetendo para o Ministério Público, não tem cabimento no caso em apreço, uma vez que não se vislumbra como poderia o Ministério Público desistir da acusação (nos termos do art. 65°-A do RGCO e 52°, n.º 5 da Lei 50/2006 de 29.08), uma vez que o problema é precisamente esse, a falta de “acusação”.

21- Foi esta a posição do Tribunal “a quo”, com a qual se concorda inteiramente.

22- Portanto, em nosso entender, não há qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal “a quo”,

23-Assim, e ao contrário do alegado pelo recorrente, entende-se que 0 recurso, neste ponto, também não deve merecer provimento.

Porém, vossas Excelências melhor apreciarão, e analisando as alegações de recurso apresentadas, julgarão do bem ou mal fundado das mesmas.

Pelo exposto, e sem mais considerações, dir-se-á que se nos afigura, daquilo que ficou exposto, que o recurso interposto pela recorrente/arguida não merece provimento.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:

A medida cautelar em causa está prevista no n.º 1, alínea a) do artigo 41.º da Lei Quadro das Contra-ordenações ambientais e aí se refere que «quando se revele necessário para a instrução do processo ou estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente, a autoridade administrativa pode determinar ... a)Suspensão da laboração ou encerramento preventivo no todo ou em parte da unidade poluidora».

Esta Lei é omissa sobre o processado desta medida e a sua articulação com o processo das contra-ordenações, recaindo-se por tal motivo no regime de impugnação de medidas restritivas de direitos decorrente do artigo 55.0 do Regime Geral das Contra-ordenações, isto no pressuposto de que a mesma foi aplicada no âmbito de um processo de contra-ordenação, o que pode não ser líquido.

A impugnação destas medidas administrativas segue o regime do recurso de impugnação previsto nos artigos 59 e ss. do Regime Geral das Contra­ordenações que terá necessariamente de ser adaptado face às particularidades da decisão a impugnar.

 

Resulta do n.º 3 daquele artigo, que o «recurso é feito por escrito», devendo, na parte que releva no âmbito deste recurso, «constar de alegações e conclusões».

Está em causa no presente recurso e apenas saber se o expediente recebido dos tribunais administrativos preenche as exigências de forma decorrentes deste artigo.

A recorrente entende que o facto de o recurso ter sido de facto interposto pela via da remessa do expediente dos tribunais administrativos não deveria impedir que o tribunal conhecesse do recurso.

Afigura-se-nos que tem razão.

O requerimento de interposição de um recurso de impugnação viabiliza o acesso dos cidadão aos tribunais e as exigências de forma, relativamente ao exercício deste direito têm de ser entendidas de forma a que aquele direito fundamental seja viabilizado.

Atenda-se a que o requerimento de interposição pode ser apresentado pelo próprio arguido, não sendo obrigatória a constituição de mandatário.

A própria jurisprudência do Tribunal Constitucional orientou-se no sentido de que no caso de insuficiências de forma, deve ser o recorrente convidado a supri-las de forma a garantir o direito de acesso aos tribunais. Veja-se, neste sentido, a jurisprudência citada por Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Regime Geral a pag. 264.

Por outro lado, no caso dos autos, a petição apresentada pelo requerente da providência cautelar e todo o processo que da mesma derivou, permite ao tribunal localizar claramente o litígio, nomeadamente, os fundamentos da medida cautelar e os motivos de divergência do aqui recorrente face à mesma.

A própria intervenção das autoridades administrativas nesse procedimento fornece elementos relevantes para ajuizar da verificação ou não dos pressupostos da medida em causa.

Não está em causa neste procedimento a imputação à arguida de uma contra­ordenação, mas apenas saber se na situação dos autos estão preenchidos os

pressupostos da medida, previstos no artigo 41.º da Lei Quadro das Contra­ordenações Ambientais, pelo que carece de sentido, invocar-se a falta de intervenção do Ministério Público, nos termos do artigo 62.º do Regime Geral das Contra-ordenações.

Em conformidade com o exposto, emite-se parecer no sentido da procedência do recurso, determinando-se que o Tribunal recorrido lavre despacho a receber o recurso interposto e a definir a forma do respectivo julgamento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, importando apreciar e decidir.


***

II. Apreciação do Recurso

Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação.

Resulta das conclusões do recurso interposto e acima transcritas que se coloca para apreciação deste Tribunal a questão de saber se providência cautelar e acção correspondente, interpostas no Tribunal Administrativo no sentido de impugnar decisão administrativa proferida no âmbito de processo de contra-ordenação, remetidas ao tribunal competente para este último procedimento, podem ser convoladas para esta forma processual.

Apreciando:

Como verificamos do relato efectuado na decisão recorrida, a recorrente, no sentido de impugnar decisão proferida no âmbito de processo de contra-ordenação, intentou junto do Tribunal Administrativo – em 27 de Novembro de 2017 - providência cautelar em que pede a suspensão da eficácia do despacho de 20 de Novembro de 2017 (notificado na mesma data) que aplicou medida cautelar de cessação da actividade de secagem de bagaço e azeitona, com previsão no artigo 41º, nº 1, alínea a) da Lei nº 50/2006 de 29.8 (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais).

Em 20 de Fevereiro de 2018 a recorrente intentou a acção correspondente em que pede seja declarado nulo ou anulado o despacho em causa.

Na sequência de declarações de incompetência do Tribunal Administrativo e no âmbito da previsão do artigo 14º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, foi remetida certidão dos mencionados processos ao Tribunal competente para o processo de recurso de contra-ordenação.

A previsão do artigo 14º desse diploma dirige-se, literalmente, às situações em que se usou do meio processual próprio para o fim visado, mas apresentado em tribunal não competente.

O presente não se caracteriza apenas pela declarada incompetência, antes o recorrente usou de meio processual impróprio para o fim visado que apresentou ao tribunal que seria competente, caso fosse adequada a forma usada, mas de facto incompetente em razão da matéria.

Ou seja, antes de mais verifica-se a ocorrência de um erro na forma do processo; o recorrente intentou uma providência cautelar e a acção que lhe corresponderia, quando o meio processual próprio seria a impugnação judicial da decisão administrativa nos termos previstos nos artigos do 55º, nº 1, 59º, 60º e 62º do RGCO (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) aplicável por força do artigo 2º da Lei nº 50/2006 e artigo 52º desta Lei.

Como vem previsto no artigo 193º, nº 1 do Código de Processo Civil (aplicável por força do disposto nos artigos 2º da Lei nº 50/2006, 43º do RGCO e 4º do Código de Processo Penal) o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.

Ora, a questão que deve colocar-se é se uma providência cautelar é susceptível de ser aproveitada, porque apenas esta foi instaurada dentro do prazo legal de impugnação judicial da decisão administrativa, o mesmo já não ocorrendo em relação à acção. Lembremos que o despacho que se pretende impugnar foi notificado ao recorrente em 20.11.2017, a providência cautelar foi instaurada em 27.11.2017 e a acção foi proposta em 20.2.2018, sendo o prazo da impugnação judicial de 20 dias.

Na providência cautelar pede-se a suspensão da eficácia da decisão administrativa e a sua causa de pedir consiste, em primeira linha, na alegação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

Nem esta causa de pedir, nem o pedido, têm qualquer correspondência com a causa de pedir e pedido de um recurso de impugnação judicial no âmbito de um processo de contra-ordenação.

A inadequação substancial que o exposto traduz e não apenas inadequação formal como a referida no despacho recorrido, torna, no nosso entendimento, manifesto que a providência cautelar não pode ser objecto de aproveitamento/convolação para a espécie processual de impugnação judicial, o que significa que tal petição se deve considerar nula e de nenhum efeito, por força do disposto no artigo 193º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Resta, pois, a acção que, sem o subsídio do requerimento de providência cautelar; nulo e de nenhuma eficácia jurídica, sempre seria de considerar extemporâneo ainda que se pudesse cogitar o seu aproveitamento no âmbito do referido artigo 193º e da solução pugnada pelo recorrente e pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto de remeter os autos à entidade administrativa para processamento nos termos previstos no RGCO e Lei nº 50/2006.

Assim, embora por fundamentos diferentes dos constantes da decisão recorrida, concluiu-se que deve ser mantida a rejeição do recurso de impugnação judicial.


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            III. Decisão

Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, mantendo a decisão recorrida.

Pelo seu decaimento em recurso condena-se a recorrente em custas, com taxa de justiça de três UC.


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Coimbra, 26 de Junho de 2019
Texto processado e integralmente revisto pela relatora.

Maria Pilar de Oliveira (relatora)

José Eduardo Martins (adjunto)