Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2628/17.0T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MÚTUO COM HIPOTECA
SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ATESTADO DE INCAPACIDADE MULTIUSO
ABUSO DE DIREITO
BOA FÉ
SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.615 Nº1 D), 731 CPC, 334 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10, DL Nº 202/96 DE 23/10, DL Nº 72/2008 DE 16/4, REGULAMENTO (CE) Nº883/2004 DO PARLAMENTO E DO CONSELHO DE 29/4/2004
Sumário: 1. Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção, cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento, constitui nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC);

2. No referente à última parte, relacionada com o conhecimento oficioso de excepções, não pode considerar-se haver nulidade, por omissão de pronúncia, se o juiz não detecta a excepção de conhecimento oficioso, porque ela não é medianamente visível ou conjecturável, nem as partes a indiciaram, ou se detectando uma abstracta e potencial excepção oficiosa, no entanto, entende que ela não se verifica;

3. Em contrato de seguro de grupo Vida, celebrado na sequência de mútuo com a C(…), se esta, como tomadora do seguro, explicou as condições gerais a que estavam sujeitos aos mutuários e segurados, cumpriu o respectivo ónus legal de prova que advém dos arts. 5º do DL 446/85, de 25.10 (referente ao Reg. Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais), 4º do DL 76/95, de 26.7 (que à data da subscrição dos contratos de mútuo e de seguro de vida, estabelecia as regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro) e 78º do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, imanente do DL 72/08, de 16.4);

4. O atestado médico de incapacidade multiuso é previsto no DL 202/96, de 23.10 (alterado pelo DL 291/2009, de 12.10), e refere-se ao regime de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2º da Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade, por conseguinte para um fim vinculado, de interesse público, que justifica a intervenção de um sector específico da Administração Pública para garantir a eficácia das medidas de apoio a deficientes;

5. A exigência deste atestado por um segurador, como meio indispensável para o cumprimento, por este, de uma prestação a que está, eventualmente, obrigado perante um particular por contrato de seguro, constitui uso abusivo deste instrumento legal;

6. A obrigatoriedade estabelecida a este propósito no contrato de seguro, apesar da eventualidade de, por razões várias, a pessoa segura não estar em condições de obter o dito atestado e de, por isso, lhe ser impossível satisfazer essa exigência contratual, constitui violação da boa fé, tornando a correspondente estipulação contratual proibida e, por isso, nula, à luz das disposições combinadas dos arts. 12º, 15º e 16º do DL 446/85.

7. Ainda assim, a exigência de tal atestado médico, feita pela seguradora, em relação ao embargante, residente habitual no estrangeiro, e, por isso, não alcançável, é patentemente inexequível e obviamente desproporcional e, como tal, manifestamente violadora dos limites impostos pela boa fé, a conduzir (art. 334º do CC) a um abuso de direito por parte da seguradora nessa exigência;

8. O Regulamento (CE) nº 883/2004 do Parlamento Europeu e do Concelho, de 29 de Abril de 2004, diz respeito “à coordenação dos sistemas de segurança social” e o Acordo bilateral entre Portugal e o Luxemburgo, celebrado em 10.3.1997, relativo ao “Reconhecimento das Decisões Tomadas pelas Instituições de Uma Parte Contratante em Relação ao Estado de Invalidez de Requerentes de Pensão pelas Instituições da Outra Parte Contratante”, e aprovado pelo Decreto 63/97, de 16.12, relativo a matéria de reconhecimento recíproco da certificação de invalidez, reportam-se ao sistema de segurança social relativos à EU ou reciprocidade entre os dois referidos países, e não são vinculativos para entidades que se regem por normas de direito privado, designadamente normas que regulam os contratos de seguro vida;

9. Prevendo as condições gerais de um contrato de seguro de vida determinados requisitos para o preenchimento do conceito de Invalidez Total e Permanente, sendo que um deles era a demonstração que o segurado/embargante tinha um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em condições particulares (de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura), e desconhecendo-se qual o grau de desvalorização a ponderar por não se ter apurado se existia percentagem definida nas condições particulares, e havendo-a qual ela seria, já que a seguradora (e o tomador do seguro exequente) nada alegaram num ou noutro sentido, então, não se tendo provado quantitativamente aquele grau de desvalorização, essa omissão é-lhes imputável e desfavorável, já que lhes cabia fazer essa prova, por a mesma ser delimitadora da impossibilidade de o segurado/embargante acionar o seguro contratado;

10. Age com abuso do direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, a exequente que, num contrato de mútuo com hipoteca, garantido ainda com “Seguro de Vida Grupo” dos mutuários a seu favor, com cobertura de invalidez total e permanente, sendo informado de um grau de desvalorização atribuído ao executado, que faz accionar o mesmo, move execução contra os mutuários, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro à seguradora;

11. Tendo os executados o direito contratual de recusar o pagamento até se verificar que a seguradora não solverá a dívida, nos termos do art. 731º do NCPC (fundamentos de oposição à execução baseada noutro título), ou, no caso de abuso de direito, ficando o crédito invocado pela exequente neutralizado, e, por isso inexigível, a consequência é a extinção da execução, em ambas as hipóteses.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. R (…) e F (…), residentes no Luxemburgo, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes move a C (…), SA, deduziram embargos de executado, alegando que a responsabilidade do pagamento da quantia exequenda pertence à F (…), SA, e não a eles oponentes.

Alegaram, em suma, ser verdade que celebraram com a exequente os três contratos de mútuo com hipoteca dados à execução, mas que esses contratos de crédito à habitação estavam subordinados à contratação de um seguro de vida-grupo celebrado com a F (…) contratos de seguro que foram efectuados na C (…), em que o tomador do Seguro é a ora exequente e as pessoas seguras os ora embargantes. Que, nos termos dos contratos de seguro efectuados, a F(…), garantia o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade ao beneficiário em caso de morte até aos 75 anos e de invalidez total e permanente por doença ou acidente até aos 65 anos, sendo que actualmente o embargante marido se encontra na situação de pensionista por invalidez, estando afectado de uma incapacidade permanente global e irreversível de 67%, atribuída pela C (…) Grão Ducado do Luxemburgo, facto que foi comunicado em tempo à exequente. Que enviaram à companhia seguradora toda a documentação clínica de que dispunham, tendo sido impossível a emissão do denominado “Atestado Médico de Incapacidade Multiusos” pelo facto de a decisão tomada pela segurança social luxemburguesa ser vinculativa para as instituições do Estado português.

A exequente contestou, sustentando, em síntese, que o accionamento do contrato de seguro está sujeito ao reconhecimento prévio da respectiva incapacidade/invalidez pelo Ministério da Saúde, tendo como base a Tabela Nacional de Incapacidades, que no momento da subscrição dos seguros de vida associados aos empréstimos em causa, explicou aos mutuários as condições gerais a que se encontravam sujeitos, tendo-lhes entregue cópias das mesmas, cabendo à seguradora a comunicação das condições especiais e particulares, e que as adesões aos seguros se encontram anuladas, não sendo possível o seu accionamento.

Foi admitida a intervenção principal provocada da F(…), que nesse seguimento contestou os embargos, sustentando que os contratos de seguro foram anulados por falta de pagamento dos prémios, que as condições gerais das apólices foram entregues à pessoa segura e que esta nunca demonstrou que a incapacidade de que alega estar afectado tenha equivalência na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo irrelevante a incapacidade atribuída pela Caixa Luxemburguesa, concluindo que a cobertura de invalidez total e permanente não pode ser accionada no vertente caso.

*

A final foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.

*

2. Os embargantes recorreram, concluindo que:

(…)

3. A interveniente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

II - Factos Provados

1 - No âmbito da sua actividade creditícia a exequente celebrou com os embargantes três contratos de mútuo:

a) Contrato de mútuo com Hipoteca, formalizado por escritura pública e documento complementar anexo, no dia 26 de Janeiro de 2005, no edifício da C (…), S.A., sito na Rua(…) , em (…), perante M (…), Notária do Cartório Notarial de (…) , aletrado por documento particular de 27 de Dezembro de 2012, dado como perfeito em 30 de Dezembro de 2012, no montante de 30.000,00€, actualmente registado com o número de operação PT (…), do qual desde logo se confessaram solidariamente devedores à exequente da totalidade do montante mutuado, que lhes foi sucessivamente creditado na conta de depósitos à ordem nº (…), aberta em nome dos executados, na agência da exequente em(…) , destinado à aquisição de habitação própria secundária, tendo-se clausulado que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, acrescida de um “spread” de 2%, o que se traduzia numa taxa nominal, para pagamentos mensais, de 2,360% e taxa efectiva de 2,368%, sendo que em caso de mora a exequente poderia cobrar, sobre o capital exigível, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estiver em vigor na C(…) para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, tudo conforme resulta do teor dos documentos juntos a fls.7 a 14 da execução e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

b) Contrato de mútuo com hipoteca, formalizado por escritura pública e documento complementar anexo, no dia 14 de Março de 2006, no edifício da C (…), S.A., sito na Rua (…) , em (…), perante M (…) Notária do Cartório Notarial de(…) , aletrado por documento particular de 27 de Dezembro de 2012, dado como perfeito em 30 de Dezembro de 2012, no montante de 50.000,00€, actualmente registado com o número de operação PT (…), do qual desde logo se confessaram solidariamente devedores à exequente da totalidade do montante mutuado, que lhes foi sucessivamente creditado na conta de depósitos à ordem nº (…), aberta em nome dos executados, na agência da exequente em (…), destinado à conclusão de construção de habitação própria secundária, tendo-se clausulado que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, acrescida de um “spread” de 0,050%, o que se traduzia numa taxa nominal, para pagamentos mensais, de 3,8% e taxa efectiva de 3,867%, sendo que em caso de mora a exequente poderia cobrar, sobre o capital exigível, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estiver em vigor na C(…) para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, tudo conforme resulta do teor dos documentos juntos a fls.15 a 24 da execução que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

c) Contrato de mútuo com hipoteca, formalizado por escritura pública e documento complementar anexo, no dia 27 de Dezembro de 2006, no edifício da C (…), S.A., sito na Rua(…) , em(…) , perante F (…) Notária do Cartório Notarial de (…), aletrado por documento particular de 27 de Dezembro de 2012, dado como perfeito em 30 de Dezembro de 2012, no montante de 47.000,00€, actualmente registado com o número de operação PT (…), do qual desde logo se confessaram solidariamente devedores à exequente da totalidade do montante mutuado, que lhes foi sucessivamente creditado na conta de depósitos à ordem nº(…) , aberta em nome dos executados, na agência da exequente em (…) , destinado à construção de habitação própria e permanente, tendo-se clausulado que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, acrescida de um “spread” de 0,950%, o que se traduzia numa taxa nominal, para pagamentos mensais, de 4,700% e taxa efectiva de 4,803%, sendo que em caso de mora a exequente poderia cobrar, sobre o capital exigível, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estiver em vigor na C(…) para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano, tudo conforme resulta do teor dos documentos juntos a fls. 25 a 30 da execução que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

2 - Em garantia do capital mutuado, juros e despesas emergentes dos contratos aludidos em 1. foram constituídas três hipotecas específicas sobre o prédio urbano, sito em (…), composto por casa de habitação de cave e rés do chão e logradouro, da freguesia de (…), concelho de(…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo(…), e descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóvel de (…) sob a ficha n.º 1041, hipotecas que se encontram respectivamente registadas pelas Ap. 4 de 2005/01/13, Ap. 2 de 2006/02/21 (convertida em definitiva pela AP. 5 de 2006/07/27) e Ap. 5 de 2006/12/04 (convertida em definitiva pela AP. 7 de 2007/05/03).

3 - Os embargantes deixaram de cumprir as obrigações decorrentes dos contratos de mútuo aludidos em 1. nomeadamente, o pagamento das prestações, juros e despesas, tal como liquidado pela exequente no RE.

4 - Apesar de interpelados, os embargantes não procederam, até esta data, a qualquer pagamento.

5 – Os embargantes celebraram contratos de seguro do ramo vida, com a interveniente F(…), através da respectiva adesão a contrato de seguro de vida protecção mais, sendo beneficiário dos mesmos a C (…), para garantia dos capitais mutuados melhor discriminados nas apólices n.º 11/5001500, n.º 11/ 5001152 e n.º 11/5001152, em conformidade com os documentos juntos a fls. 10 verso a 11 verso, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.

6 - Nos termos dos contratos de seguro efectuados, “A companhia de seguros F (…) S.A., garante o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade ao beneficiário em caso de: Morte até aos 75 anos; Invalidez total e permanente por doença ou acidente até aos 65 anos”.

7 – A embargante mulher, no princípio do ano de 2014, ao encetar negociações tendentes à resolução dos contratos de crédito à habitação outorgados com a C (…), com outra instituição bancária, foi informada que poderia ter direito, face à situação em que se encontrava o embargante marido, ao accionamento dos seguros de vida contratados com a C (…).

8 - Nessa sequência, dirigiu-se a embargante F (…) ao balcão da C(…)em (…) para obter a cópia dos contratos de seguro de vida contratados.

9 - Tais cópias foram-lhe entregues meses mais tarde.

10 - Após encetou as diligências necessárias para interpelar o Tomador do Seguro, C (…), S.A. e a Seguradora, F (…), S.A., no sentido de accionar o seguro de vida em questão.

11 - A CNS – (…) reconheceu ao embargante marido uma percentagem de invalidez de 67% derivado à sua doença de gota e Dupuytren, sem possibilidade de reprender uma actividade profissional, declarando que o mesmo se encontra no estatuto de pensão de invalidez a partir de 01.03.2010.

12 - Os embargantes comunicaram à embargada e interveniente o facto aludido em 11.

13 - O embargante R(…)enviou toda a documentação clínica de que dispunha, relativa às patalogias de que padece, para a Seguradora.

14 - Pela Segurança Social, Instituto da Segurança Social IP Centro Nacional de Pensões está o Oponente R(…)l no regime de pensionista por invalidez desde 2010-03-01.

15 – Durante o ano de 2014, a interveniente F (…) solicitou aos embargantes o vulgarmente denominado " Atestado Médico de Incapacidade Multiusos”, o que nunca foi feito.

16 - No momento da subscrição dos seguros de vida associados aos empréstimos em causa nos autos, a C(…) explicou aos ali mutuários as condições gerais a que os mesmos se mostravam sujeitos.

17 - Segundo as referidas condições gerais da apólice, considera-se Invalidez Total e Permanente a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:

a) A pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões

b) Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em condições particulares de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes.

c) Seja reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontra abrangida ou pelo Tribunal de Trabalho, ou, caso a Pessoa Segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou instituição de Segurança Social, por Junta Médica, em conformidade com o teor dos documentos juntos a fls. 46 a 51 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18 - A partir de 01.02.2015 os embargantes deixaram de proceder ao pagamento dos prémios das apólices aludidas em 5., o que provocou a anulação dos contratos de seguro, atrás referidos, por falta de pagamento dos prémios, desde 09.07.2015,

19 – A C(…)exigiu como condição para a celebração dos contratos de mútuo com hipoteca aludidos em 1, a contratação de seguros de vida que garantissem o pagamento das importâncias devidas em caso de morte e invalidez do devedor.

*

Factos não provados:

a) que depois de lhe terem sido entregues as cópias dos contratos de seguro, a embargante mulher não tenha percebido as cláusulas dos mesmos e que não tenha tido a percepção do que tinha direito;

b) que essas cópias lhe foram entregues incompletas;

c) que os embargantes tiveram apenas acesso ao conteúdo integral das mesmas em 2015;

d) que a Seguradora F (…), a intervir nesses contratos, foi imposta pela embargada aos embargantes;

e) que apesar das várias tentativas, quer junto do Delegado de Saúde, quer junto da Segurança Social, o embargante não tenha conseguido obter o atestado médico multiusos pelo facto de já ser portador de uma declaração emitida pelas entidades luxemburguesas;

f) que o embargante marido ficou afectado de um grau de desvalorização de 67%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades;

g) que o embargante marido se prontificou a submeter-se a qualquer exame médico e ou outro que a interveniente achasse por conveniente;

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Apurar se os contratos de seguro vida celebrados pelos embargantes eram accionáveis e foram accionados.

- Em caso afirmativo, determinar se a seguradora interveniente é responsável pelo pagamento da dívida exequenda, com a consequente extinção da execução nos termos em que foi proposta.

 

2. Os recorrentes vieram arguir a nulidade da sentença, nos termos, do art. 615º, nº 1, d), do NCPC, que dispõe que a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. É normativo que tem íntima conexão com o disposto no art. 608º, nº 2, do mesmo diploma, relativo às questões a resolver por parte do juiz.

De acordo com a lição de Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum, à Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., págs. 334/335), devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção, cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento, constitui nulidade por omissão de pronúncia.

É claro que no referente à ultima parte, relacionada com o conhecimento oficioso de excepções, não pode considerar-se haver nulidade, por omissão de pronúncia, se o juiz não detecta a excepção de conhecimento oficioso, porque ela não é medianamente visível ou conjecturável, nem as partes a indiciaram, ou se detectando uma abstracta e potencial excepção oficiosa, no entanto, entende que ela não se verifica.

Por outro lado, não podendo o juiz conhecer de pedidos não deduzidos, nem de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não invocadas, que estejam na disponibilidade das partes, é nula a sentença, por excesso de pronúncia, em que o juiz o faça. 

Como os recorrentes referem profusamente, e até de modo banal, que tal artigo 615º, nº 1, d), foi violado, há que ver se assim é, atendendo à situação jurídica invocada. Ora, atentando às conclusões de recurso (e relacionando-as com o indicado no corpo das alegações), entendemos que os recorrentes arguiram tal vício da sentença em apenas 3 situações concretas que consigamos identificar.

2.1. Omissão de pronúncia, relativamente à nulidade da cláusula constante das condições gerais do contrato de seguro, sob art. 8º, nº 2.2, c)2, 4º travessão, referente ao atestado médico de incapacidade multiusos, nulidade que decorre do regime das cláusulas contratuais gerais (cfr. conclusões de recurso 16., 19. e 20.).

Sem razão, porém. Na verdade, em lado algum da petição de embargos os recorrentes invocaram tal nulidade, e como não o fizeram também a exequente não se pronunciou sobre tal tema, nem a interveniente o fez, igualmente, no articulado que apresentou.

Ademais, de não ter invocado nenhuma nulidade de tal cláusula, os recorrentes nem nessa peça fizeram qualquer alusão mínima a cláusulas contratuais gerais e ao regime emergente do DL 446/85, de 25.10, pelo que, embora a eventual nulidade da cláusula seja de conhecimento oficioso, não havia nenhum indício deixado pelas partes ou conjecturável que apontasse para o tribunal a quo se debruçar sobre essa eventual nulidade.

Já para não falar da hipótese do tribunal recorrido poder ter prefigurado essa potencial nulidade mas entender que ela não se verificava. Não sendo, obviamente, obrigado a proclamar que inexiste nulidade, onde ele não a divisa e as partes não a suscitaram.

Inexiste, pois, a apontada nulidade, indeferindo-se esta parte do recurso.     

2.2. Omissão de pronúncia, por o tribunal a quo ter ignorado os Regulamentos (CEE), nº 1408/71 do Conselho de 14.6.1071, revogado pelo nº 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29.4.2004, relativos a certificação de Invalidez e DL 202/96, de 23.10 (alterado pelo DL 291/2009, de 12.19), referente à emissão do atestado médico de incapacidade multiusos (cfr. conclusões de recurso 21., 25. a 29.).

O que de modo nenhum corresponde à verdade, pois o tribunal recorrido, na sua fundamentação jurídica (ver infra em 4. a respectiva transcrição) mostrou conhecer e referiu-se expressamente a tais Regulamentos e DL.

Assim, não existe, manifestamente, a acusada nulidade, indeferindo-se esta parte do recurso.   

2.3. Omissão de pronúncia, por o tribunal apelado ter ignorado o abuso de direito por parte da exequente e da seguradora, aquela por exigir aos executados uma obrigação que é da seguradora e esta por se querer eximir à obrigação de pagamento da cobertura do seguro com base na exigência do mencionado atestado de incapacidade multiusos que era inexigível (cfr. conclusões 30. a 36.).   

Mais uma vez, sem razão. Estamos numa hipótese similar à primeira arguição.

Na verdade, em lado algum da petição de embargos os recorrentes invocaram tal abuso de direito, e como não o fizeram também a exequente não se pronunciou sobre tal tema, nem a interveniente o fez, igualmente, no articulado que apresentou.

Ademais, de não ter invocado nenhum abuso de direito, os recorrentes nem nessa peça fizeram qualquer alusão mínima ao disposto no art. 334º do CC, pelo que, embora a eventual existência do mesmo seja de conhecimento oficioso, não havia nenhum indício deixado pelas partes ou conjecturável que apontasse para o tribunal a quo se debruçar sobre esse eventual abuso de direito.

Já para não falar, de novo, da hipótese do tribunal recorrido poder ter prefigurado esse potencial abuso mas entender que ele não se verificava. Não sendo, obviamente, obrigado a proclamar que inexiste abuso de direito, onde ele não o divisa e as partes não o suscitaram.

Inexiste, pois, a apontada nulidade, indeferindo-se esta parte do recurso.    

3. Os recorrentes pugnam para que seja dado como provado o facto cuja redacção propõem, com base na prova documental existente nos autos em articulação com o disposto no DL 202/96, de 23.10 (alterado pelo DL 291/2009, de 12.10) (cfr. conclusões de recurso 37. a 39.).
O referido DL, refere-se ao regime de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2º da Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade (art. 1º).
E no seu art. 3º, que trata dos procedimentos, estabelece no seu nº 1, que os requerimentos de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência são dirigidos ao adjunto do delegado regional de saúde e entregues ao delegado de saúde da residência habitual dos interessados, devendo ser acompanhados de relatório médico e dos meios auxiliares de diagnóstico complementares que os fundamentam.

Pode ou não ser considerado para efeito de discutir o mérito da causa. Se for de levar em conta, resulta que o elemento territorial onde deva ser obtido é onde se localiza a residência habitual dos interessados. Ora, decorre das 3 escrituras de mútuo juntas aos autos de execução (e no apresente apenso-A a fls. 160/218), e respectivos documentos complementares, e alterações, que o embargante Raul tinha a sua residência habitual no Luxemburgo, o mesmo resultando dos certificados de seguro (a fls. 10 v./11 v.), dos boletins de adesão ao seguro (a fls. 52/53) e das cartas de anulação do seguro enviadas pela interveniente ao embargante (a fls. 44 v./ 45 v.), facto que era, por isso, do conhecimento óbvio da exequente e interveniente. O que significa que tal embargante não podia obter o aludido certificado médico de incapacidade multiusos, que a interveniente lhes solicitou. Daí que proceda a impugnação da decisão da matéria de facto, devendo ser aditado o mesmo ao elenco dos factos provados, sob 15-A. (a negrito).  

15-A. O embargante R(…) por ter residência habitual no Luxemburgo não conseguiu obter o certificado médico de incapacidade multiusos.

4.1. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Os executados podem opor-se à execução por embargos com os fundamentos previstos nos artigos 729.º e 731.º, ambos do Código de Processo Civil, sendo que a respectiva procedência extinguirá, no todo ou em parte, a execução.

(…)

Importa, pois, apurar se os contratos de seguro do ramo vida celebrados pelos embargantes em conexão com os contratos vulgarmente denominados de crédito à habitação são accionáveis no vertente caso.

Está assente que a exequente celebrou com os embargantes três contratos de mútuo com hipoteca destinados à aquisição/construção de habitação própria permanente e que acoplados a esses mútuos foram igualmente celebrados contratos de seguro do ramo vida, com a interveniente F(…), através da respectiva adesão a contrato de seguro de vida protecção mais, sendo beneficiário dos mesmos a (…), para garantia dos capitais mutuados melhor discriminados nas apólices n.º (…). Mais se apura que, nos termos dos contratos de seguro efectuados, “A companhia de seguros F (…)e, S.A., garante o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade ao beneficiário em caso de: Morte até aos 75 anos; Invalidez total e permanente por doença ou acidente até aos 65 anos”.

Sabemos, ainda, que tendo sido reconhecido pela Nationale de Santé do Luxemburgo que o embargante marido era portador de uma percentagem de invalidez de 67% derivado à sua doença de gota e Dupuytren, sem possibilidade de retomar uma actividade profissional e que o mesmo se encontra no estatuto de pensionista por invalidez a partir de 01.03.2010, tinham os mutuários a expectativa de que esse seguro – que se prova ter-lhes sido imposto – fosse accionado e, consequentemente, transferisse para a interveniente a responsabilidade no pagamento da quantia exequenda (senão totalmente, pelo menos em montante correspondente ao do capital seguro), evitando a propositura da acção executiva ou, tendo em conta o estado dos estados, conduzindo à sua extinção.

Tendo optado por fazer valer essa pretensão em sede de embargos de executado, invocando factos extintivos ou modificativos da obrigação, tal como lhes permite o artigo 731.º do Código de Processo Civil, os embargantes teriam de demonstrar que, efectivamente, estavam preenchidas as condições contratuais para o accionamento do respectivo seguro de vida, o que não lograram fazer, sendo que, ressalvando sempre melhor juízo, as questões que os mesmos suscitaram no seu RI relativas à violação do direito de informação a que a instituição de crédito e seguradora estavam obrigadas e as relativas à dilação na entrega das cópias dos contratos de seguro, se revelaram meramente circunstanciadoras dos factos, uma vez que, na realidade, o processo de sinistro foi aberto junto da seguradora três anos antes da propositura da execução em apenso, e só não culminou com uma resposta concreta da seguradora pelo facto do embargante marido não ter entregue o atestado médico de incapacidade multiusos que as condições gerais da apólice de seguro exigia que apresentasse e que a interveniente lhe solicitou durante o ano de 2014.

Ao contrário do que os embargantes sustentam não é suficiente para accionar o aludido contrato de seguro, a apresentação da declaração descrita em 11, uma vez que, conforme ficou assente em 17., também era necessário que a pessoa segura ficasse com um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em condições particulares de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.

Não estando o grau de desvalorização definido nas condições particulares da apólice, nem nas condições gerais, bastava que o embargante provasse que é portador de grau de incapacidade que lhe provoca invalidez (limitação funcional permanente e sem possibilidade de melhoria) para exercer a sua profissão, estando obrigado, pelas condições gerais do contrato, a entregar o atestado médico de incapacidade multiusos (cf. cláusula 2, 2.2., c) 2 das condições gerais da apólice).

O embargante marido não demonstrou junto da seguradora e não logrou demonstrar nesta oposição que a incapacidade de que é portador, atribuída pelas entidades luxemburguesas, tenha equivalência na referida tabela nacional de incapacidades, sendo incompreensível para o tribunal a razão que leva o embargante a não requerer a emissão de tal documento, com a convocação da pertinente junta médica…

Não aceitando a seguradora o grau de incapacidade que as entidades luxemburguesas atribuíram no vertente caso (posição que poderia adoptar nos termos contratualizados), tornava-se necessário apurar se ocorre efectivamente uma Invalidez Total e Permanente sem possibilidade clínica de melhoria e qual o grau de desvalorização que está em causa, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades, grau esse que as partes (segurados e seguradora) não chegaram sequer a discutir.

Em face da recusa do embargante em submeter-se a junta médica em Portugal, não se pode sequer avaliar se a seguradora estará a restringir de modo injustificado o âmbito de cobertura do respectivo seguro.

Note-se que, ao contrário do que sustentam os embargantes, a interveniente não está obrigada a reconhecer automaticamente a decisão tomada pela Caisse Nationale de Santé do Luxemburgo, por força de Regulamento CEE, invocado pelos mesmos no artigo 45.º do seu RI.

O Regulamento (CEE) n.º 1408/71 do Conselho de 14 de Junho de 1971 relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, revogado pelo Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO L 200 de 7.6.2004, pp. 1-49) limita-se a coordenar sistemas de segurança social e não é vinculativo para entidades que se regem por normas de direito privado e quando estão em causa contratos de seguro igualmente sujeitos ao principio da autonomia privada.

Sendo um documento relevante para ser analisado e tomado em conta pelos elementos que compõem a junta médica a convocar nos termos do Decreto-Lei 202/96 de 23.10, alterado pelo Decreto-lei 291/2009 de 12.10, não serve, no nosso modesto juízo, para que se possa considerar, apenas com base no mesmo, que estão reunidos os requisitos necessários para o accionamento do seguro que garantiria o pagamento dos créditos reclamados na execução.

Não se nega que existe uma evidente ligação entre a C(…) SA e a seguradora contratualizada – não há dúvidas quanto a este facto -, quanto mais não seja, porque é a primeira quem vai beneficiar desse seguro, dado que será a ela que o capital segurado será pago, pelo que, sempre lhe incumbiria, segundo as regras da boa-fé contratual, informar os embargantes das condições necessárias para accionar esse seguro e encaminhar a participação para a seguradora. Sucede, no entanto, reafirma-se, que não foi a eventual omissão dos funcionários da C(…) em prestarem informações relativas ao seguro e em encaminharem o respectivo processo, que impediu o accionamento do seguro a tempo de evitar a execução do crédito.

Como se referiu supra, a execução só deu entrada em juízo decorridos três anos da data em que o processo de sinistro foi aberto junto da F(…) e já depois das apólices terem sido canceladas por falta de pagamento dos respectivos prémios, tendo ficado provado que só por falta de colaboração do embargante, na apresentação da documentação exigida, é que a interveniente não pode concluir se seria ou não de pagar o capital seguro.

Aqui chegados, uma vez que os embargantes não puseram em causa os montantes em dívida, tal como foram liquidados pela C(…), impõe-se a improcedência dos presentes embargos, com o consequente prosseguimento da execução para cobrança dos respectivos valores.”.

Os recorrentes discordam abertamente desta fundamentação jurídica, por várias razões que expõem nas suas alegações de recurso e respectivas conclusões. Vejamo-las, então, uma a uma.

- os apelantes afirmam que não tiveram conhecimentos das cláusulas contratuais gerais, constantes dos seguros de vida celebrados com a seguradora, particularmente das constantes no art. 1º, a) a c), de tais condições gerais. Pelo que foram violados os arts. 5º, 6º, 10º e 11º, nº 1 e 2, do acima mencionado DL 446/85. Não é verdade.

A acusação dos recorrentes, com excepção do indicado art. 1º e referidas alíneas, é meramente genérica, pois não apontam quais as cláusulas em concreto de que não tiveram conhecimento, pelo que invocar-se os referidos arts. 10º e 11º do mencionado DL, que respeitam à interpretação e integração dos negócios jurídicos e às cláusulas ambíguas, é descabido.

O art. 5º do citado DL prescreve, no seu nº 1, que “As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las e o nº 2 que “A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”, estipulando o nº. 3 que “O ónus da prova da comunicação adequada

e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.

Por sua vez, o art. 6º do mesmo diploma prescreve por seu turno que “1 – O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias: a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique” e que “2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.”.

Este art. 6º reporta-se ao dever de informação, relacionado com esclarecimentos solicitados pelo contraente aderente ou necessidade de aclaração que se justifique por parte do contratante proponente. Todavia, os apelantes mais uma vez, ficam-se por afirmações genéricas, pois não alegam que esclarecimento em concreto terão pedido ou que aclaração em concreto se justificava fosse dada !

Relativamente àquele art. 5º, reportado ao dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais, particularmente das constantes no falado art. 1º, a) a c) - cujo teor corresponde ao facto provado 17. -, o que está provado é que a C(…), tomadora do seguro, no momento da subscrição dos seguros lhes explicou as condições gerais a que estavam sujeitos (facto provado 16.). Assim, a C(…) cumpriu o seu ónus de prova. Aliás, também em respeito pelo DL 176/95, de 26.7, que à data da subscrição dos contratos de mútuo e de seguro de vida, estabelecia as regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, mais concretamente previstas no art. 4º, referentes aos seguros de grupo, e onde se estatuía que “1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora. 2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro”. Regra que se manteve na vigência do contrato, após a entrada em vigor, em 1.1.2009, do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, imanente do DL 72/08, de 16.4), nomeadamente, por força do art. 2º, nº 1, no respectivo art. 78º.

Ademais, sabemos, até, que aquando da subscrição dos contratos de seguro, Vida, o embargante/segurado R (…) assinou os boletins de adesão e declarou que tinha tomado conhecimento das condições pré-contratuais gerais, tendo-lhe sido entregue a respectiva nota informativa (vide os boletins de adesão emitidos pela seguradora a fls. 52, 52 v. e 53).

Não tem, por isso, fundamento a invocação recursiva dos apelantes nesta parte.      

- Dizem, igualmente, os recorrentes que é nula a cláusula constante das condições gerais do contrato de seguro, sob art. 8º, nº 2.2, c)2, 4º travessão, referente ao atestado médico de incapacidade multiusos.

Tal art. 8º, refere-se às obrigações das partes, em caso de sinistro, designadamente da pessoa segura, em caso de invalidez. Visando promover a demonstração do preenchimento da cláusula das condições gerais, prevista no acima mencionado art. 1º, a) a c), alusiva à invalidez total e permanente.

Ora, em situação similar se pronunciou o Ac. do STJ de 30.11.2017, Proc.1329/14.6T8LSB, em www.dgsi.pt (citado pelos recorrentes), que subscrevemos e que passamos a acompanhar de perto na parte relevante.
A aplicabilidade das condições gerais, como parte integrante do conteúdo da vinculação recíproca das partes contratantes, leva também a que estas devam ser observadas, na parte em que estatuem sobre os procedimentos a desenvolver com vista à verificação dessa invalidez, sem prejuízo de as exigências nelas feitas poderem suscitar um juízo crítico se não forem conformes ao regime das cláusulas contratuais gerais.
Aí, no dito art. 8º, nº 2.2, c)2, exige-se o envio de:
- relatório do médico assistente que indique as causas, a data do início, a evolução e as consequências da lesão corporal e ainda a informação sobre o grau de invalidez verificada e a sua provável duração;
- documento comprovativo do reconhecimento da invalidez emitido pela instituição de Segurança Social ou pelo Tribunal de Trabalho;
- documento descrevendo a atividade profissional ou ocupação principal exercida pela pessoa segura antes de ter sido afetada pela Invalidez;
- atestado médico de incapacidade multiuso.
É a conformidade da exigência deste último documento com o regime das cláusulas contratuais gerais que os recorrentes questionam.
O atestado em causa está previsto no DL 202/96, como acima já se referiu. E como acima já se mencionou, lê-se no seu art. 1º que tal diploma rege a avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei, designadamente na Lei nº 38/2004, de 18.8, para facilitar a sua plena participação na comunidade.
Devendo as pessoas com deficiência apresentar os respetivos requerimentos de avaliação de incapacidade através de estruturas públicas da saúde – nomeadamente o delegado de saúde da sua residência habitual – com vista à sua submissão a uma junta médica, após o que o presidente desta emite o atestado médico de incapacidade multiuso, em que se indica expressamente qual a percentagem de incapacidade do avaliado, tudo isto de acordo com os arts. 3º e 4º do diploma referido. Trata-se, pois, de um atestado previsto na lei para um fim vinculado, de interesse público, o que justifica a intervenção de um sector específico da Administração Pública para garantir a eficácia das medidas de apoio a deficientes.
Porém, no caso em apreço não se verifica esta justificação para a intervenção da Administração Pública.
A exigência deste atestado por um segurador, como meio indispensável para o cumprimento, por este, de uma prestação a que está, eventualmente, obrigado perante um particular por contrato de seguro, constitui uso abusivo de um instrumento legal que é concebido pelo Estado para uma finalidade específica, na linha do imperativo constante do art. 71º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência (…)”.
Está, na verdade, fora deste contexto legal o pedido de emissão desse atestado para efeitos da sua apresentação ao segurador, e não para acesso a medidas e benefícios legais.
Seria admissível uma cláusula prevendo que a pessoa segura pudesse apresentar esse atestado ao segurador se o mesmo já tivesse sido emitido em seu favor, sem que na apólice se previsse a obrigatoriedade dessa apresentação.
Mas a obrigatoriedade estabelecida a este propósito no contrato de seguro, apesar da eventualidade de, por razões várias, a pessoa segura não estar em condições de obter o dito atestado e de, por isso, lhe ser impossível satisfazer essa exigência contratual, constitui violação da boa fé, tornando a correspondente estipulação contratual proibida e, por isso, nula, à luz das disposições combinadas dos arts. 12º (cláusulas proibidas que geram nulidade), 15º (princípio geral de proibição de cláusulas contrárias à boa fé) e 16º (concretização da norma anterior) do DL 446/85.

Como assim, os recorrentes têm razão ao defender que tal cláusula é nula, não podendo, pois, ser considerada, e como tal o referido atestado médico não podia ser exigido pela seguradora ao segurado embargante Raúl (nem ao tomador do seguro, a exequente C(…)).  

- Alegam, também, os recorrentes que a seguradora age com abuso de direito ao exigir tal atestado médico para preencher a definição de invalidez total e permanente prevista no contrato de seguro.

Não fosse a cláusula ser nula, e, portanto, de desconsiderar, não deixaríamos de dar razão aos apelantes.

Pelos motivos que constatámos no anterior ponto 3., o embargante R(…) tinha a sua residência habitual no Luxemburgo, o que significa que tal embargante não podia obter o aludido certificado médico de incapacidade multiusos, que a interveniente lhes solicitou.

Daí se ter provado (facto 15-A.) que o embargante R(…)por ter residência habitual no Luxemburgo não conseguiu obter o certificado médico de incapacidade multiusos.

Assim, a exigência feita pela seguradora em relação ao embargante, por patentemente inexequível é obviamente desproporcional e manifestamente violadora dos limites impostos pela boa fé, pelo que nos termos do art. 334º do CC, sempre haveria abuso de direito por parte da seguradora na sua exigência.  

- Afirmam, igualmente, os recorrentes que foi violado o acordo celebrado desde 1999 com o Luxemburgo, em matéria de reconhecimento recíproco da certificação de invalidez, bem como o Regulamento (CE) nº 883/2004 do Parlamento Europeu e do Concelho, de 29 de Abril de 2004, por a sentença se ter limitado a concluir que tal regulamento se limita a coordenar sistemas de segurança social e que não são vinculativos para entidades que se regem por normas de direito privado. Mais uma vez sem razão.

Duas observações merecem esta argumentação.

Primeira. O dito Regulamento diz respeito “à coordenação dos sistemas de segurança socialcomo expressamente dele consta, com o seguinte âmbito material: Artigo 3.o - Âmbito de aplicação material
1. O presente regulamento aplica-se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a: a) Prestações por doença; b) Prestações por maternidade e por paternidade equiparadas; c) Prestações por invalidez; d) Prestações por velhice; e) Prestações por sobrevivência; f) Prestações por acidentes de trabalho e por doenças profissionais; g) Subsídios por morte; h) Prestações por desemprego; i) Prestações por pré-reforma; j) Prestações familiares.
2. Salvo disposição em contrário no anexo XI, o presente regulamento aplica-se aos regimes de segurança social, gerais e especiais, contributivos e não contributivos, assim como aos regimes relativos às obrigações do empregador ou do armador.
3. O presente regulamento aplica-se igualmente às prestações pecuniárias especiais de carácter não contributivo abrangidas pelo artigo 70.o

Portanto, como a sentença concluiu bem, aplica-se ao sistema de Segurança Social e não a normas de direito privado atinentes à subscrição de seguros.
Segunda. Aplicável no caso concreto poderia ser, uma vez que o embargante trabalhava e residia no Luxemburgo, o Acordo bilateral entre Portugal e o Luxemburgo, celebrado em 10.3.1997, relativo ao Reconhecimento das Decisões Tomadas pelas Instituições de Uma Parte Contratante em Relação ao Estado de Invalidez de Requerentes de Pensão pelas Instituições da Outra Parte Contratante, e aprovado pelo Decreto 63/97, de 16.12, que dispõe no seu art. 2º que:
1 - A decisão tomada pela instituição de uma das Partes Contratantes em relação ao estado de invalidez de um requerente de pensão de invalidez, nos termos da legislação dessa Parte, vincula a instituição da outra Parte Contratante, desde que seja reconhecida a concordância das condições relativas ao estado de invalidez entre as legislações das duas Partes, em conformidade com o artigo 3.º do presente Acordo.
2 - Não obstante o estabelecido no n.º 1, as decisões tomadas pela instituição de uma Parte Contratante não vinculam a instituição da outra Parte nos casos em que o estado de invalidez se revista de carácter temporário ou quando se trate de uma incapacidade resultante de acidente de trabalho ou doença profissional.”.
Porém, mais uma vez, se verifica que respeita ao sistema de segurança social relativo à reciprocidade entre os dois países, e nada tendo a haver com normas de direito privado que regulam os contratos de seguro vida celebrados por determinadas pessoas e suas condições contratuais.

Não tem, pois, fundamento a invocação dos recorrentes nesta parte.

4.2. Desta sorte, e aqui chegados, com os dados jurídicos já disponíveis e perante a matéria de facto apurada há que verificar se os contratos de seguro eram accionáveis.

Os seguros contratados cobriam a Invalidez total e Permanente por doença ou acidente até aos 65 anos. Tal definição (constante do art. 1º, a) a c), das condições gerais) está descrita no facto provado 17. O embargante segurado tem o ónus de provar que está abrangido pela cobertura.

Provou, o que consta da enunciada a), como resulta do facto provado 11., e também do 12. e 13. Provou, também, o que consta da enunciada na c), como decorre dos mesmos factos 11. e 12.

A interveniente seguradora, e embargada, questionam o preenchimento do requisito previsto na b), tendo aquela exigido um atestado médico de incapacidade multiuso para o efeito, que, todavia, como atrás vimos, não podia ser exigido. O embargante estava obrigado a demonstrar que tinha um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em condições particulares (de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura).

Ora, acontece que, como já a seu tempo feito notar na sentença recorrida, desconhece-se qual o grau de desvalorização a ponderar por não se ter apurado se existia percentagem definida nas condições particulares, e havendo-a qual ela seria, já que a seguradora (e o tomador do seguro exequente) nada alegaram, nos seus articulados, no primeiro sentido ou no outro. Pelo que aquele grau de desvalorização não se provou quantitativamente. E cabia-lhes fazer essa prova, pois a mesma era delimitadora da impossibilidade de o segurado embargante acionar o seguro contratado. Sibi imputet.
Só o embargante alegou tal percentagem, a de 67%, que comprovou face à Segurança Social Luxemburguesa, percentagem inclusive aceite pela Segurança Social Portuguesa (factos 11. e 14). Se os embargados não aceitam tal grau de desvalorização deviam ter provado qual ele seria, o que não lograram como se disse.
E fosse qual fosse, não aceitando a percentagem referida, e uma vez que não podiam exigir o aludido certificado médico de incapacidade multiusos, restava sempre à interveniente seguradora a possibilidade de recorrer ao procedimento previsto no antes mencionado art. 8º, nº 2.2, c)2, 1º travessão, que exige o envio à Seguradora de relatório do médico assistente que indique as causas, a data do início, a evolução e as consequências da lesão corporal e ainda a informação sobre o grau de invalidez verificada e a sua provável duração – o que o embargante fez, como assinalado -, podendo, então, a seguradora, face à sua divergência com o grau de invalidez recorrer ao procedimento de, conjuntamente com o segurado embargante, nomearem um mesmo médico, para decidir a divergência, diligência que, no entanto, nunca promoveu. O que, igualmente, podia e devia ter levado a cabo, já que divergia do grau de desvalorização de que o embargante segurado padece.
Deste modo, se conclui que os seguros eram accionáveis desde Março de 2010, e efectivamente o foram em 2014 (factos provados 11., 14, 7., 8. e 10.), só que a seguradora lhes tolheu o passo, exigindo o já várias vezes aludido certificado médico multiusos, quando não o podia fazer. Sendo, por isso, irrelevante a anulação dos seguros decretada pela seguradora interveniente em Julho de 2015 (facto 18.).  

5. Tendo-se concluído pela afirmativa, ou seja, que os seguros eram accionáveis e foram accionados, sendo irrelevante a anulação dos mesmos pela seguradora, resta analisar a sua implicação para a presente execução.

A seguradora interveniente é responsável pelo pagamento da dívida exequenda.

Contudo a exequente escolheu agir contra os embargantes executados. Estará correcta tal atitude ? Abertamente dizemos que não, já que a primeira devedora é a seguradora, por se ter verificado o sinistro contratualmente previsto. A não ser assim não valia a pena os mutuários terem celebrado os contratos de seguro

exigidos pela exequente C(…) !

E a entender-se de outra maneira estaríamos perante um claríssimo abuso de direito.
Na verdade, um dos capítulos de extrema relevância na atividade bancária diz respeito aos contratos de mútuo, em especial visando a aquisição de habitação.
A não posição igualitária entre as partes é aqui acentuada. Dum lado está uma instituição bem informada, vocacionada e dimensionada para a efetivação deste tipo de contratos e do outro um particular dependente economicamente do ato bancário. Neste quadro, o banco dita as regras, surgindo um contrato eivado de domínio bancário com manifestação particular quanto a garantias.
A boa fé, assim como os institutos que com ela caminham interligados, da tutela da confiança e do abuso do direito envolvem necessariamente um esforço jurisprudencial intenso e profundamente ponderado. Para isso temos os arts. 762º, nº 2 e 334º do CC.
No caso presente, o banco ficou garantido com hipoteca, com seguro de vida e com seguro do imóvel. O seguro de vida foi condição por ele imposta, tendo-o a si mesmo como beneficiário e com direito a indicação das respectivas “condições constantes da respectiva apólice.”
Por isso, a normalidade comportamental aponta, claramente, para que, em caso de verificação do sinistro funcione, em primeira linha, o seguro de vida. No normal das expectativas, o seguro seria sempre acionado e cobriria o que era devido, ficando os obrigados libertos.
Dispondo o Banco do benefício constante do contrato de seguro é injustificável – atento o princípio da boa fé consignado no art. 762º, nº 2 do CC – que venha junto dos mutuários para obter a satisfação do seu crédito. Não pode nem deve fazê-lo, pois, como dissemos, primeiramente tinha que ir junto da seguradora procurar obter aquilo a que tinha direito. Só malograda esta intenção, poderia aspirar a executar os mutuários.
Do exposto, resulta que tal pretensão contra os mutuários está eivada de má fé, sendo a sua conduta violadora de modo manifestamente excessiva, dos ditames da boa fé objectiva, e como tal preenchendo o exigido pelo referido art. 334º do CC.

É esta também a resposta da nossa jurisprudência, como se pode ver dos seguintes acórdãos (todos disponíveis no indicado sítio):

» Ac. do STJ de 26.6.2014, Proc.3220/07.3TBGDM-A (citado pelos recorrentes), assim sumariado “Age em manifesto abuso de direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, o Banco que num mútuo, para habitação, garantido com um seguro de vida do mutuário, a seu favor, hipoteca, fiança com cláusula de "principais pagadores" e seguro do imóvel, sendo informado da morte devedor, move execução contra o mutuário - com habilitação posterior de herdeiros - e aos fiadores, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro àquela seguradora”.
» Ac. do STJ de 24.11.2016, Proc.7531/12.8TBMTS-A, com o seguinte sumário “II -Tendo o banco celebrado com os executados um contrato de mútuo garantido por hipoteca e com um seguro de vida que impôs aos executados como condição do mútuo, seguro esse de que é beneficiário o Banco EE/AA e tendo sido informado do sinistro coberto pelo referido contrato de seguro, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, quando em vez de acionar directamente a seguradora com vista à satisfação do seu crédito, exige antes dos executados o pagamento do crédito numa execução pela via da reclamação de créditos, o que configura o exercício ilegítimo do direito enquadrável na previsão do art. 334 do C Civil.”.
» Ac. do STJ de 7.11.2019, Proc. 4118/17.2T8GMR-A, com o sumário que segue “IV - Age com abuso do direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, o exequente que, num contrato de mútuo com hipoteca, garantido ainda com “Seguro de Vida Grupo” dos mutuários a seu favor, com cobertura de invalidez e morte, sendo informado da incapacidade permanente global de 73% atribuída à executada, move execução contra os mutuários, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro à seguradora”.

Em suma, e concluindo, no nosso caso, os executados têm o direito contratual de recusar o pagamento até se verificar que a seguradora não solverá a dívida, invocável nos termos do art. 731º do NCPC (fundamentos de oposição à execução baseada noutro título).

E, concluindo-se pelo abuso de direito, o crédito invocado pela exequente fica neutralizado, como é típico resultado em caso de abuso de direito, e surge como inexigível e, por isso, torna a presente execução inviável. 

Com a consequente extinção da execução, em ambas as hipóteses, nos termos em que foi proposta.

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção, cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento, constitui nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte, do NCPC);

ii) No referente à última parte, relacionada com o conhecimento oficioso de excepções, não pode considerar-se haver nulidade, por omissão de pronúncia, se o juiz não detecta a excepção de conhecimento oficioso, porque ela não é medianamente visível ou conjecturável, nem as partes a indiciaram, ou se detectando uma abstracta e potencial excepção oficiosa, no entanto, entende que ela não se verifica;

iii) Em contrato de seguro de grupo Vida, celebrado na sequência de mútuo com a C(…), se esta, como tomadora do seguro, explicou as condições gerais a que estavam sujeitos aos mutuários e segurados, cumpriu o respectivo ónus legal de prova que advém dos arts. 5º do DL 446/85, de 25.10 (referente ao Reg. Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais), 4º do DL 76/95, de 26.7 (que à data da subscrição dos contratos de mútuo e de seguro de vida, estabelecia as regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro) e 78º do RJCS (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, imanente do DL 72/08, de 16.4);

iv) O atestado médico de incapacidade multiuso é previsto no DL 202/96, de 23.10 (alterado pelo DL 291/2009, de 12.10), e refere-se ao regime de avaliação das incapacidades das pessoas com deficiência, tal como definido no artigo 2º da Lei nº 38/2004, de 18 de Agosto, para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade, por conseguinte para um fim vinculado, de interesse público, que justifica a intervenção de um sector específico da Administração Pública para garantir a eficácia das medidas de apoio a deficientes;
v) A exigência deste atestado por um segurador, como meio indispensável para o cumprimento, por este, de uma prestação a que está, eventualmente, obrigado perante um particular por contrato de seguro, constitui uso abusivo deste instrumento legal;
vi) A obrigatoriedade estabelecida a este propósito no contrato de seguro, apesar da eventualidade de, por razões várias, a pessoa segura não estar em condições de obter o dito atestado e de, por isso, lhe ser impossível satisfazer essa exigência contratual, constitui violação da boa fé, tornando a correspondente estipulação contratual proibida e, por isso, nula, à luz das disposições combinadas dos arts. 12º, 15º e 16º do DL 446/85.

vii) Ainda assim, a exigência de tal atestado médico, feita pela seguradora, em relação ao embargante, residente habitual no estrangeiro, e, por isso, não alcançável, é patentemente inexequível e obviamente desproporcional e, como tal, manifestamente violadora dos limites impostos pela boa fé, a conduzir (art. 334º do CC) a um abuso de direito por parte da seguradora nessa exigência; 

viii) O Regulamento (CE) nº 883/2004 do Parlamento Europeu e do Concelho, de 29 de Abril de 2004, diz respeito “à coordenação dos sistemas de segurança social” e o Acordo bilateral entre Portugal e o Luxemburgo, celebrado em 10.3.1997, relativo ao Reconhecimento das Decisões Tomadas pelas Instituições de Uma Parte Contratante em Relação ao Estado de Invalidez de Requerentes de Pensão pelas Instituições da Outra Parte Contratante, e aprovado pelo Decreto 63/97, de 16.12, relativo a matéria de reconhecimento recíproco da certificação de invalidez, reportam-se ao sistema de segurança social relativos à EU ou reciprocidade entre os dois referidos países, e não são vinculativos para entidades que se regem por normas de direito privado, designadamente normas que regulam os contratos de seguro vida;

ix) Prevendo as condições gerais de um contrato de seguro de vida determinados requisitos para o preenchimento do conceito de Invalidez Total e Permanente, sendo que um deles era a demonstração que o segurado/embargante tinha um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em condições particulares (de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela pessoa segura), e desconhecendo-se qual o grau de desvalorização a ponderar por não se ter apurado se existia percentagem definida nas condições particulares, e havendo-a qual ela seria, já que a seguradora (e o tomador do seguro exequente) nada alegaram num ou noutro sentido, então, não se tendo provado quantitativamente aquele grau de desvalorização, essa omissão é-lhes imputável e desfavorável, já que lhes cabia fazer essa prova, por a mesma ser delimitadora da impossibilidade de o segurado/embargante acionar o seguro contratado;

x) Age com abuso do direito, por violação manifestamente excessiva do princípio da boa fé, a exequente que, num contrato de mútuo com hipoteca, garantido ainda com “Seguro de Vida Grupo” dos mutuários a seu favor, com cobertura de invalidez total e permanente, sendo informado de um grau de desvalorização atribuído ao executado, que faz accionar o mesmo, move execução contra os mutuários, invocando falta de pagamento das prestações, sem se dirigir primeiro à seguradora;

xi) Tendo os executados o direito contratual de recusar o pagamento até se verificar que a seguradora não solverá a dívida, nos termos do art. 731º do NCPC (fundamentos de oposição à execução baseada noutro título), ou, no caso de abuso de direito, ficando o crédito invocado pela exequente neutralizado, e, por isso inexigível, a consequência é a extinção da execução, em ambas as hipóteses.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, os embargos procedentes, e, por conseguinte, determina-se a extinção da execução.

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Custas pelo embargado/exequente e seguradora/interveniente, na proporção de 1/2 para cada.

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  Coimbra, 26.1.2021

 Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Alberto Ruço