Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
307/05.0GBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 01/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES VEDRAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 494,º496,º562º A 566ºDO CC
Sumário: 1. O que releva, para efeito da atribuição da indemnização, não é a “proporção” ente a matéria alegada e aquela que logrou provar, mas a real e efectiva dimensão do dano que emerge da matéria provada em confronto com as normas jurídicas aplicáveis. Aliás o tribunal está vinculado ao pedido formulado pelo demandante, mas não ao valor de cada uma das múltiplas parcelas em que o pedido se decompõe.
2. A decisão recorrida não arbitrou a verba em questão como compensação pela incapacidade para a actividade profissional do demandante - ponderando expressamente, em contrário, que encontrando-se na situação de reformado, não viu reduzido o seu rendimento nesse âmbito – mas apenas para o compensar do esforço adicional que a redução da visão causa nas tarefas indiferenciadas do dia-a-dia, nomeadamente nos “afazeres domésticos” e nos “cuidados da horta que costumava cultivar
3.São indemnizáveis os danos futuros, desde que previsíveis. E tendo a capacidade de ganho ficado diminuída, não sofre dúvida que existe quebra da capacidade aquisitiva futura.
4.Tais danos devem ser calculados com base em critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que no caso concreto poderá ou poderia vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, deverá o tribunal julgar segundo a equidade.
5. A indemnização por danos não patrimoniais não visa propriamente ressarcir o lesado mas apenas oferecer ao lesado a compensação que neutralize, na medida do possível o dano moral sofrido.
Decisão Texto Integral: I.
Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, na qual o tribunal recorrido decidiu:
- Condenar o arguido ZZ pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, agravada pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 143º, n.º 1, 144º, alínea b) e 147º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), a que corresponde 186 (cento e oitenta e seis) dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º do Código Penal; (…)
- Julgar procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado por AA e, em consequência, decido condenar o demandado ZZ no pagamento ao demandante AA das seguintes quantias:
a) €989,10 (novecentos e oitenta e nove euros e dez cêntimos) a título de danos patrimoniais;
b) €10.000,00 (dez mil euros) a título de perda da capacidade de ganho,
c) €20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos morais, e
d) nas despesas médicas e hospitalares que o demandante venha a ter de liquidar em consequência das lesões por si sofridas, bem como nos inerentes danos morais emergentes de futuros tratamentos médicos, a liquidar em incidente de liquidação.
e) A estas quantias acrescem juros de mora calculados desde a data de notificação para contestar o pedido cível até integral pagamento, a qual, actualmente, é de 4%.
(…)
*
Recorre da sentença o arguido/demandado, ZZ.
Formula as seguintes CONCLUSÕES:
1. O montante indemnizatório deve sofrer uma substancial redução, pois verificou-se uma deficiente interpretação dos factos provados e uma errada aplicação do direito.
2. O montante da indemnização pelos lucros cessantes é exageradamente elevado, pois nem sequer foram provados todos os fados alegados pelo demandante;
3. O demandante alegou que tinha ficado privado de executar qualquer tipo de trabalho ou biscate, mas tal facto não ficou provado, tendo ficado apenas provado que “o arguido Américo Antunes tem maiores dificuldades em efectuar qualquer tipo de tarefa…”
4. Ter maiores dificuldades em efectuar qualquer tipo de tarefa não traduz a mesma realidade que ter ficado impedido de executar qualquer tipo de tarefa, sendo realidades substancialmente diferentes, as quais têm consequências também muito diferentes;
5. A indemnização arbitrada não teve em conta este aspecto e também não teve em conta o grau de IPP de que o demandante estará afectado, sendo certo que este nem sequer foi apurado;
6. Nos termos do artigo 496º nº 3 do C.C., o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias do artigo 494º do CC;
7. O tribunal devia ter fixado a indemnização por danos não patrimoniais tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem, mas não o fez;
8. De todos os aspectos referidos nos artigos 494º e 496º do CC, a douta sentença apenas deu atenção às lesões sofridas pelo demandante;
9. Não ficou provado que, com a sua conduta, o arguido tenha previsto e querido causar as lesões sofridas pelo demandante, sendo certo que a sua conduta se molda pela negligência inconsciente;
10. O mecanismo previsto no artigo 494º do CC deve utilizar-se precisamente nos casos em que o montante da indemnização é claramente injusta, como é o caso dos autos, o que a douta sentença não fez;
11. O montante indemnizatório por danos não patrimoniais deve ser substancialmente reduzido;
12. A douta sentença violou o disposto no artigo 494º do CC, bem como o disposto no artigo 496º nº 3 do CC.
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Respondeu o demandante AA sustentando a improcedência do recurso.
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II.

1. Vistas as conclusões, que definem o objecto do recurso, este circunscreve-se à quantificação da indemnização civil que o recorrente foi condenado a pagar a favor de do demandante AA.
A apreciação obriga a recapitular a matéria de facto provada.
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2. A matéria de facto provada é a seguinte:
1 - No dia 23 de …. de 2005, pelas 20:30 horas, o arguido ZZ circulava no seu veículo e, ao chegar à Rua do Correio, na localidade dos Riachos, concelho …, verificou que ali se encontrava o veículo do arguido AA, dificultando a entrada na mesma.
2 - O arguido ZZ apeou-se e dirigiu-se ao arguido AA, solicitando-lhe que chegasse o respectivo veículo mais para a frente para o dele poder passar.
3 - O arguido AA não retirou o veículo e começou a proferir algumas palavras.
4 - A dada altura, o arguido AA desferiu um murro no nariz do arguido ZZ e este desferiu outro murro no olho esquerdo daquele.
5 - O arguido AA que se encontrava sob o efeito da ingestão de bebidas alcoólicas, como o arguido ZZ se apercebeu, caiu no chão, em posição que não se logrou apurar, e em cima de uns vasos que ali se encontravam.
6 - Mercê da referida conduta do arguido AA sofreu o arguido ZZ lesões que lhe provocaram traumatismo do nariz com epistaxis e que lhe determinaram 10 (dez) dias de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho profissional e em geral, conforme auto de exame médico de fls. 130 a 132 dos autos, aqui dado por reproduzido.
7 - Mercê da referida conduta do arguido ZZ, sofreu o arguido AA lesões que lhe provocaram traumatismo do olho esquerdo, luxação do cristalino com ruptura do globo ocular e prolapso da íris, que lhe determinaram um período de 10 (dez) dias de doença com afectação da capacidade geral e 101 (cento e um) dias com afectação da capacidade de trabalho profissional, resultando como sequelas grande redução da acuidade visual do olho esquerdo, limitada à visão de vultos junto ao olho, conforme autos de exame médico de fls. 30 a 32 e de fls. 50 a 52 dos autos, aqui dados por reproduzidos.
8 - Ambos os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente.
9 - Ao actuarem como se descreve, quiseram os arguidos ferir e magoar o corpo um do outro, de forma recíproca, como feriram, estando cientes de que semelhante conduta era proibida por lei.
10 - O arguido ZZ ao agir como descreve não previu, como podia e devia ter previsto, que a força da projecção e embate do murro num olho era adequada a provocar lesões graves naquele órgão, com perda da capacidade de visão.
11 - O arguido ZZ foi assistido nas urgências do Hospital de … no dia 23/ /2005, pelas 21:56 horas, tendo despendido com a assistência médica a quantia total de €43,60 (quarenta e três euros e sessenta cêntimos), correspondentes a €35,80 pelo atendimento no serviço de urgência, €6,10 do episódio de urgência e €1,70 em exames radiológicos.
12 - O médico que assistiu o arguido ZZ receitou-lhe analgésicos para as dores, que este tomou.
13 - O arguido ZZ sofreu dores no nariz em consequência das lesões referidas em 6).
14 - Após a agressão o arguido AA foi transportado para o Hospital …, no qual deu entrada no serviço de urgência pelas 22:09 horas, onde foi sujeito a vários tratamentos e exames médicos, e teve alta no dia 24…/2005, pelas 01:15 horas.
15 - O arguido A A voltou a dar entrada no serviço de urgência do Hospital de … no dia 24/--/2005, pelas 11:42 horas, tendo nesse mesmo dia sido transferido para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por se ter detectado que estava a perder a visão do olho esquerdo.
16 - O arguido A A esteve internado no Hospital de Santa Maria, em Lisboa do dia 24--/2005 até ao dia 03…/2005, tendo sido submetido a diversos exames médicos e a uma intervenção cirúrgica ao olho esquerdo.
17 - Após a alta, o arguido A A tem vindo a comparecer a diversas consultas externas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e a efectuar exames médicos e tratamentos.
18 - O arguido AA, à data dos factos, tinha 61 anos e gozava de boa saúde, sendo que era e é reformado da C.P.
19 - Durante vários meses, por falta da visão no olho esquerdo, AA perdia o equilíbrio e não conseguia ler.
20 - O arguido AA sofreu dores no momento da agressão, bem como durante os tratamentos e a cirurgia.
21 - Sentiu vergonha e vexame por ter sido agredido.
22 - Despendeu na assistência hospitalar, nos tratamentos médicos e exames a quantia total de €989,10 (novecentos e oitenta e nove euros e dez cêntimos).
23 - O arguido AA tem maiores dificuldades em efectuar qualquer tipo de tarefa, designadamente em ajudar a mulher nos afazeres domésticos e em cuidar da horta que costumava cultivar até à data dos factos em apreço, e de onde retirava alguns produtos alimentares para consumo caseiro.
24 - O arguido A A continua a frequentar consultas médicas, a fazer exames periódicos e a receber tratamentos médicos, estando ainda por equacionar se no futuro virá a ser submetido a novas intervenções cirúrgicas.
25 - Em consequência das lesões referidas em 7) o Hospital de Santa Maria, E.P.E. prestou a AA a seguinte assistência médica:
- cuidados de saúde em episódio de urgência, análises clínicas e exames radiológicos realizados nos dias 24/09/2005, no valor de €110,40 (cento e dez euros e quarenta cêntimos);
- cuidados de saúde em episódio de internamento entre os dias 24/09/2005 a 03/10/2005 (9 dias), no valor de €2.472,36 (dois mil quatrocentos e setenta e dois euros e trinta e seis cêntimos);
- assistência em regime ambulatório na consulta realizada no dia 06/10/2005 no Serviço de Oftalmologia, no valor de €25,20 (vinte e cinco euros e vinte cêntimos);
- assistência em regime ambulatório na consulta realizada no dia 13/10/2005 no Serviço de Oftalmologia e exames realizados nesse mesmo dia, tudo no valor de €109,80 (cento e nove euros e oitenta cêntimos);
- assistência em regime ambulatório na consulta realizada no dia 31/10/2005 no Serviço de Oftalmologia, no valor de €25,20 (vinte e cinco euros e vinte cêntimos);
- assistência em regime ambulatório na consulta realizada no dia 07/11/2005 no Serviço de Oftalmologia, no valor de €25,20 (vinte e cinco euros e vinte cêntimos);
- assistência em regime ambulatório na consulta realizada no dia 14/11/2005 no Serviço de Oftalmologia, exames e anestesia realizados no dia 18/11/2005, tudo no valor de €92,70 (noventa e dois euros e setenta cêntimos); e
- cuidados de saúde em episódio de internamento entre os dias 07/02/2006 e 09/02/2006 (2 dias), no valor de €624,14 (seiscentos e vinte e quatro euros e catorze cêntimos).
26 – O arguido ZZ :
- Não tem antecedentes criminais.
- Trabalha por conta própria como electricista, auferindo quantia não concretamente apurada.
- Vive com a mulher, em casa da mãe.
- A mulher do arguido trabalha como auxiliar de acção médica no Hospital de Torres Novas.
- Tem a 4ª classe.
27 – O arguido A A:
- Não tem antecedentes criminais.
- É reformado da C.P., auferindo a título de reforma a quantia mensal de €1.100,00 (mil e cem euros).
- Vive com a mulher, a qual é doméstica.
- Reside em casa própria.
- Tem o 9º ano (antigo curso da escola industrial).
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3. O recorrente questiona os seguintes montantes arbitrados pelo tribunal recorrido:
b) €10.000,00 (dez mil euros) a título de perda da capacidade de ganho,
c) €20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos morais.
Sustentando que tais valores “devem ser substancialmente reduzidos” com fundamento nos critérios definidos pelos artigos 496ºn.º3 e 494º do C. Civil.

3.1. Em relação ao primeiro (dano patrimonial/capacidade de ganho), sustenta o recorrente, em suma, que o demandante alegou que tinha ficado privado de executar qualquer tipo de trabalho ou biscate, mas resulta provado, apenas, que “o arguido AA tem maiores dificuldades em efectuar qualquer tipo de tarefa…”, não ter sido apurado o grau de IPP de que o demandante estará afectado.
Na perspectiva de que, tendo o demandante pedido a quantia de € 10.000,00 por determinado dano e tendo-se provado um dano “menor” que o alegado não inibindo as lesões o exercício da actividade, mas apenas dificultando o exercício dessa actividade, devia a quantia pedida ser “reduzida em conformidade” com a menor relevância do dano.
Ora, o que releva, para efeito da atribuição da indemnização, não é a “proporção” ente a matéria alegada e aquela que logrou provar. Mas a real e efectiva dimensão do dano que emerge da matéria provada em confronto com as normas jurídicas aplicáveis. Aliás o tribunal está vinculado ao pedido formulado pelo demandante mas não ao valor de cada uma das múltiplas parcelas em que o pedido se decompõe.
Importando apurar se a atribuição tem apoio na matéria provada valorada em conformidade com os critérios legais aplicáveis.
Salienta-se que a verba pedida pelo recorrente não tinha como fundamento uma qualquer IPP para a actividade profissional/laboral - que o demandante já não exercia encontrando-se na situação de reforma. Mas apenas o prejuízo decorrente das sequelas físicas para as tarefas indiferenciadas (hoby) do dia-a-dia de um reformado, nas tarefas expressamente invocadas e provadas de ajuda à mulher nas chamadas “lides domésticas” e na actividade de cultivo de produtos hortícolas de consumo do casal.
Invoca-se explicitamente (citando o Ac. do STJ de 03/03/2005, proc. n.º 04B4470, in www.dgsi.pt.) a afectação da “autonomia vivencial” do demandante, aí ancorando a de rendimentos pela qual visa compensar o demandante.
A própria sentença refere na fundamentação desenvolvida a este respeito – em conformidade com o ponto 27 da matéria provada - que o demandante à data dos factos, tinha 61 anos, gozava de boa saúde e era, como ainda é, reformado dos Caminhos-de-Ferro (C.P.), não vendo, por isso, reduzido o seu rendimento da sua actividade profissional.
Assim a decisão recorrida não arbitrou a verba em questão como compensação pela incapacidade para a actividade profissional do demandante. Ponderando expressamente, em contrário, que encontrando-se na situação de reformado, não viu reduzido o seu rendimento nesse âmbito.
A quantia arbitrada neste âmbito – em conformidade com a matéria alegada – teve por fundamento apenas o efeito da “redução da visão do olho esquerdo” no exercício das actividades “complementares” do demandante, designadamente em “ajudar a mulher nos afazeres domésticos e em cuidar da horta que costumava cultivar”. Visando “compensar o esforço acrescido do demandante para realizar as (referidas) tarefas da vida diária”.
A decisão recorrida não arbitrou, pois, a verba em questão como compensação pela incapacidade para a actividade profissional do demandante. Ponderando expressamente, em contrário, que encontrando-se na situação de reformado, não viu reduzido o seu rendimento nesse âmbito.
Mas apenas para o compensar do esforço adicional que a redução da visão causa nas tarefas indiferenciadas do dia-a-dia, nomeadamente nos “afazeres domésticos” e nos “cuidados da horta que costumava cultivar”
De onde que, desde logo, a não definição do grau de IPP não tenha sido valorada e seja irrelevante para o fim em vista, uma vez que a fonte primordial de rendimento do arguido (pensão de reforma) se mantém inalterada – por factores aos quais é estranho o dano causado.
E, na verdade ainda que não esteja provada uma determinada redução da capacidade de trabalho, é indubitável que o demandante sofreu um efectivo dano funcional/biológico - cfr. ponto 7 da matéria provada: sofreu AA lesões que lhe provocaram traumatismo do olho esquerdo, luxação do cristalino com ruptura do globo ocular e prolapso da íris, que lhe determinaram um período de 10 (dez) dias de doença com afectação da capacidade geral e 101 (cento e um) dias com afectação da capacidade de trabalho profissional, resultando como sequelas grande redução da acuidade visual do olho esquerdo, limitada à visão de vultos junto ao olho, conforme autos de exame médico de fls. 30 a 32 e de fls. 50 a 52 dos autos, aqui dados por reproduzidos.
E na verdade os efeitos patrimoniais da afectação do corpo do lesado não se esgotam no seu efeito na actividade profissional do lesado.
A regra básica, nesta matéria, é a do art. 562º do C. Civil: Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Como escrevem PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, C. Civil Anotado, 2ª ed., p. 545 “Estabelece-se como princípio geral o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural).
A indemnização em dinheiro tem carácter excepcional, embora seja a forma mais vulgar de indemnizar, por impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão.
Por outro lado, nos termos do art. 564º, n.º1 “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”.
No que diz respeito ao dano futuro, estabelece o n.º2 do citado art. 564º, que pode o tribunal “atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis”.
Assim, são indemnizáveis os danos futuros, desde que previsíveis. E tendo a capacidade de ganho ficado diminuída, não sofre dúvida que existe quebra da capacidade aquisitiva futura.
Por sua vez, nos termos do art. 566º, nº3 do C. Civil, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”.
O cálculo destes danos é sempre uma operação delicada, uma vez que obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não se tivesse verificado a lesão, o que implica uma previsão pouco segura sobre dados verificáveis no futuro.
Por isso que tais danos devem ser calculados com base em critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que no caso concreto poderá ou poderia vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, deverá o tribunal julgar segundo a equidade – neste sentido v. Vaz Serra, R.L.J. 12º, 329 e 114º, 287 e segs.; Pires de Lima Antunes Varela, C. Civil Anotado, 3ª ed., 549; Dario M. Almeida, Manual de Acidentes de Viação.
O dano, neste caso, deve ser considerado patrimonial, visto que abrange os prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição especifica da situação anterior à lesão), pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária).
Estando em causa o maior esforço despendido na actividade do lesado como pessoa, afectado por uma incapacidade fisiológica significativa, ou seja, a sua incapacidade funcional, é hoje indiscutível tratar-se de um dano patrimonial futuro cuja indemnização tem cobertura no critério definido pelo art. 564.º, n.º 2 do Código Civil.
Daí que, a par da afectação da capacidade para o exercício da actividade profissional habitual, de há muito que tal dano tem vindo progressivamente a ser considerado, como dano indemnizável, autonomamente, o chamado “dano funcional” ou “dano biológico” - cfr., síntese no estudo do Conselheiro Sousa Dinis publicado na CJ/STJ, 1997, tomo II, pag. 11 e segs., actualizado na CJ/STJ, 2001, Tomo I, p 1 a 12.
Na verdade, a afectação da pessoa do ponto de vista funcional, na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da sua actividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial - cf., por ex., Ac do STJ de 21/9/94, de 7/10/04, de 13/1/2005, in www dgsi.pt/jstj.
Com efeito, muito embora as regras gerais do processo indemnizatório, designadamente a “teoria da diferença”, se ajustem mais facilmente, à diminuição da capacidade de ganho, o certo é que a incapacidade funcional ou “ dano fisiológico”, numa perspectiva sistémica da teoria geral da indemnização, implica a ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial futuro - cf. ÁLVARO DIAS, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra - Almedina - 2001, págs. 255 a 265.
Aliás, nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência é hoje unânime no sentido da ressarcibilidade do dano (cf., neste sentido, VAZ, RLJ ano 102, pág.296, ANTUNES VARELA, Obrigações, vol. I, pág.910; Ac STJ de 5/2/87, BMJ 364, pág.819, de 17/5/94, C.J. ano II, tomo II, pág.101, de 6/4/04, de 21/9/04, www dgsi.pt/jstj ).
É o que se passa com a pessoa que tenha por actividade a lide doméstica, e que, devido à incapacidade de que ficou afectada, tenha necessidade de utilizar os serviços de outra pessoa ou que passe a exercer tal actividade com maior dificuldade do que exercia até aí, desenvolvendo um maior esforço para atingir o mesmo fim.
O próprio legislador, na tentativa de estabelecer critérios objectivos de reparação do dano futuro pela ofensa da integridade física em si, independentemente da perda da capacidade de ganho directa, acabou por consagrar legalmente, de forma expressa, a reparação do tipo de dano a que nos reportamos – procedendo à “baremização” deste tipo de dano – cfr. art. 3º, alíneas b), art. 8º e anexo IV anexo à Portaria n.º 377/2008 de 26. 05 que regulamenta a aplicação da proposta de indemnização obrigatória, ao lesado, criada pelo DL 83/2006 de 03.05, reajustada pelo DL 291/2007 de 21.08.
Existe uma infinidade de tarefas desempenhadas pelo corpo humano, do dia a dia, para além da actividade laboral/profissional específica propriamente ditas, que são afectadas/condicionadas no ser exercício diário, que embora possam continuar a ser exercidas, “perdem qualidade”, exigem do lesado maior dispêndio de energia, de tempo, de desgaste físico adicional que, não fosse o dano seriam dirigidos para outras tarefas, com real e efectivo valor económico/patrimonial, consequência de o lesado ter deixado de dispor da plenitude das faculdades do seu corpo ao nível dos sentidos ou das capacidades corporais/físicas/fisiológicas/funcionais.
Ora é o que sucede no caso: o lesado, embora não tenha visto reduzido o rendimento auferido no exercício da sua actividade profissional (encontra-se reformado), vê-se diminuído fisicamente, pela significativa redução da visão do olho esquerdo, que apenas lhe permite, com esse olho, divisar vultos (sombras).
O que, embora dispondo de outro olho, reduz de forma significativa o sentido da visão essencial ao desempenho das tarefas do dia a dia – desde as tarefas domésticas até aos pequenos trabalhos indiferenciados do dia a dia, às actividades de lazer, aos chamados “hoby”.
Sendo inquestionável, no caso, que a redução da acuidade visual do olho esquerdo, limitada à visão de vultos junto ao olho, condiciona de forma significativa, limitando-a, a vida futura na perspectiva do exercício da generalidade das tarefas do dia a dia, designadamente, como resulta da matéria provada, no âmbito das actividades domésticas e do trabalho na sua pequena actividade agrícola para produção de produtos para consumo do casal pela redução.
Pelo que, não sendo postos em causa os demais fundamentos da decisão recorrida, se conclui que a mesma não merece censura, nesta âmbito.
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3.2. Danos não patrimoniais:
Questiona também o recorrente a quantia de € 20.000,00 arbitrada neste âmbito.
Em termos de matéria de facto provada estão em causa as dores físicas, o sofrimento moral, vexames, desgosto, pela lesão de bens como a saúde e a integridade física, a beleza, a perfeição física, insusceptíveis de quantificação patrimonial.
Postula o art. 496º do Código Civil, no seu n.º 1, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Acrescentando o n.º 3 que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo sempre em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º”.
Aqui - danos não patrimoniais - a indemnização não visa propriamente ressarcir o lesado mas apenas oferecer ao lesado a compensação que neutralize, na medida do possível o dano moral sofrido.
Relativamente à quantificação da indemnização o art. 494º”, para que remete o 496º, estabelece: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem”.
Da conjugação do art. 496º com o 494º para que aquele remete, resulta que a indemnização tem como critério base a reparação/compensação da gravidade do dano (dentro do critério geral enunciado no art. 562º do C. Civil, da reconstituição, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a lesão).
E só em caso de mera culpa, concorrência de culpas ou de causalidade, poderá relevar significativamente o grau de culpa do agente e a situação económica deste e do lesado.
Alega o recorrente, como fundamento da sua pretensão, que o tribunal recorrido não ponderou devidamente o grau de culpabilidade, que não actuou dolosamente, mas apenas com “negligência inconsciente”.
Ora, para além de não existir concorrência de culpas ou de causalidade do dano – apesar de o demandado também ter agredido o demandante, este é o único autor da agressão dolosa que perpetrou na pessoa daquele e, como tal, das consequências das lesões causadas – certo é que a lesão foi causada por acção dolosa do recorrente (logo pela natureza dolosa do crime fundamento da responsabilidade civil conexa da criminal).
Não sofre dúvida que ofendeu corporalmente o demandante de forma voluntária, com intenção de o atingir na sua integridade física, actuando dolosamente (dolo directo – art. 14º, nº 1 do CP) relativamente à ofensa corporal do demandante.
Embora sendo certo que resulta do ponto 10 da matéria provada que “O arguido (…) não previu, como podia e devia ter previsto, que a força da projecção e embate do murro num olho era adequada a provocar lesões graves naquele órgão, com perda da capacidade de visão”, não é menos certo que o recorrente ofendeu corporalmente o demandante de forma voluntária. Só não tendo previsto – embora devesse ter previsto, como reporta a descrição da matéria de facto – os efeitos dessa actuação dolosa. Nem podia prevê-los porque se é possível prever a acção que se quer praticar, dificilmente se pode prever toda a dimensão do dano futuro que dela possa vir a resultar causalmente.
Assim a argumentação aduzida pelo recorrente com vista à redução da indemnização com base em actuação meramente culposa, improcede pela dupla ordem de razões aduzida – nem existe mera culpa nem esta seria relevante para o efeito pretendido.
Pelo que, improcedendo os fundamentos invocados, daí decorre a improcedência do recurso neste âmbito.
Sempre se dirá porém que se sufraga a decisão recorrida, na sequência do que tem vindo a ser repetido pelos Tribunai, que há que aplicar indemnizações não miserabilistas, mas ajustados à realidade, ajustados a compensar, com dignidade, os padecimentos causados.
Ora, resulta da matéria provada, além do mais, com relevância neste âmbito, que o lesado:
- sofreu traumatismo do olho esquerdo, luxação do cristalino com ruptura do globo ocular e prolapso da íris, que lhe determinaram um período de 10 (dez) dias de doença com afectação da capacidade geral e 101 (cento e um) dias com afectação da capacidade de trabalho profissional, resultando como sequelas grande redução da acuidade visual do olho esquerdo, limitada à visão de vultos junto ao olho;
- sofreu dores no nariz (…) foi transportado para o Hospital de , onde foi sujeito a vários tratamentos e exames médicos, teve alta no dia 24/09/2005, pelas 01:15 horas (…) voltou a dar entrada no serviço de urgência do Hospital de no dia 24/09/2005, pelas 11:42 horas, tendo nesse mesmo dia sido transferido para o Hospital de… Lisboa;
- esteve internado no Hospital de…, em Lisboa do dia 24/09/2005 até ao dia 03/10/2005, tendo sido submetido a diversos exames médicos e a uma intervenção cirúrgica ao olho esquerdo;
- após a alta tem vindo a comparecer a diversas consultas externas no Hospital , em Lisboa, e a efectuar exames médicos e tratamentos;
- à data dos factos, tinha 61 anos e gozava de boa saúde;
- durante vários meses, por falta da visão no olho esquerdo, perdia o equilíbrio e não conseguia ler;
- sofreu dores no momento da agressão, bem como durante os tratamentos e a cirurgia;
- sentiu vergonha e vexame por ter sido agredido;
- tem maiores dificuldades em efectuar qualquer tipo de tarefa, designadamente em ajudar a mulher nos afazeres domésticos e em cuidar da horta que costumava cultivar até à data dos factos em apreço, e de onde retirava alguns produtos alimentares para consumo caseiro;
- continua a frequentar consultas médicas, a fazer exames periódicos e a receber tratamentos médicos, estando ainda por equacionar se no futuro virá a ser submetido a novas intervenções cirúrgicas.
Mostrando-se, pois, o valor arbitrado perfeitamente ajustado ao critério legal referido e padrões seguidos pela jurisprudência para casos de gravidade relativa semelhante, tendo em vista a gravidade da ofensa corporal, dos internamentos hospitalares com transferência para Lisboa e cirurgia ao olho esquerdo, dos tratamentos médicos, das dores físicas e angústia inerentes, das sequelas permanentes da lesão.
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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção integral da decisão recorrida. ---
Custas pel