Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2384/07.0TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
COISA IMÓVEL
RESPONSABILIDADE
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DO TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 799º, 874º, 875º, 905º, 908º, 909º, 913º, 918º E 1225º DO C.CIVIL
Sumário: I – No contexto da compra e venda, defeito oculto é aquele que, sendo desconhecido do comprador, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e. não era reconhecível pelo bonus pater familias; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência.

II - O defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa. Por outras palavras: a responsabilidade emergente da prestação de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.

III - Aos vícios supervenientes, i.e., sobrevindos após a celebração do contrato de compra e venda e antes da entrega da coisa, como de resto, à venda de coisa futura ou de coisa genérica, manda a lei aplicar as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (artº 918 do Código Civil). Esta estatuição mostra que lei reporta a garantia edilícia apenas aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e tem directamente em vista a venda de coisa específica, certa e determinada.

IV - A lei assinala à prestação de coisa defeituosa várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do CC). Presume-se, porém, que o mau cumprimento ou cumprimento inexacto procede de culpa do vendedor (artº 799 nº 1 do Código Civil).

V - Assim e em primeiro lugar, faculta-se ao comprador a supressão do contrato, fonte de qualquer daquelas obrigações (artº 905, ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil); em segundo lugar, reconhece-se ao comprador a possibilidade de exigir a reparação do defeito, caso esta seja possível, ou a substituição da coisa defeituosa, naturalmente se esta for fungível e se a entrega da coisa de coisa substitutiva não corresponder a uma prestação excessivamente onerosa para o vendedor, atento o proveito do comprador (artºs 914 e 921 do Código Civil); em terceiro lugar, atribui-se ao comprador o direito de reclamar a redução do preço convencionado (artº 911 ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil); por último, concede-se-lhe a faculdade de pedir uma indemnização (artº 911, ex-vi artº 913 do Código Civil).

VI - Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador, no caso de prestação de coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa, estando entre si numa ordem lógica: em primeiro lugar o vendedor está adstrito a eliminação do defeito da coisa; depois à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.

VII - Tendo sido proposta a reparação, o comprador ou o dono da obra, conforme o caso, não se devem opor a essa oferta, se a recusa correspondente contrariar a boa fé (artº 762 nº 2 do Código Civil). Desde que a eliminação seja adequada e o credor não tenha perdido – objectivamente – o interesse na prestação, a proposta do devedor não deve ser recusada (artº 808 do Código Civil). Caso o seja, a responsabilidade do devedor deve ter-se por cessada.

VIII - A violação dos deveres de prestação pelo vendedor envolve a sua responsabilidade delitual sempre que além do interesse contratual positivo são afectados outros valores patrimoniais ou pessoais, por exemplo, do comprador; os terceiros apenas são titulares de uma pretensão indemnizatória contra o vendedor se a violação obrigacional representar simultaneamente uma ilicitude delitual. Deste modo, não é apenas a posição do terceiro perante a relação contratual que implica a qualificação delitual da responsabilidade do vendedor perante esse lesado – mas também a ilicitude delitual que se corporiza objectivamente - nos parâmetros gerais da responsabilidade aquiliana – na violação do dever de protecção.

IX - Perante uma prestação contratual defeituosa – ou, o que é sinónimo, face a uma violação positiva do contrato – que cause danos há, portanto, que distinguir, os danos específicos, ligados à violação positiva do contrato, a que são aplicáveis, tratando-se de contrato de compra e venda, as regras particulares da garantia edilícia - artºs 908, 909 e 915 do Código Civil – e outros danos a que é aplicável a clausula geral de responsabilidade civil (artº 483 nº 1 do Código Civil). Nesta lógica, nada impede, em princípio, que por danos indirectos se possa fazer apelo à responsabilidade delitual ou aquiliana: se com o mau cumprimento se causa ao comprador danos que transcendem o âmbito do contrato, há, naquilo que ultrapasse o cumprimento defeituoso, responsabilidade ex delicto.

X - Nos casos de imóveis destinados a longa duração construídos pelo vendedor, a responsabilidade deste pelo mau cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso há que ponderar as regras relativas à responsabilidade do empreiteiro pela prestação de obra defeituosa. Sempre que o vendedor seja simultaneamente o construtor do imóvel de longa duração, àquela responsabilidade aplicam-se as regras do contrato de empreitada que regem a responsabilidade – ex contractu – do empreiteiro pelos defeitos da obra (artº 1225 nº 4 do Código Civil).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

Cooperativa de Habitação e Construção M…, CRL, impugna, por recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Direito da Vara Mista de Coimbra, que, julgando parcialmente procedente a acção de declarativa de condenação com processo comum, ordinário pelo valor, a condenou a pagar aos autores, A… e cônjuge, L…, a quantia de €17.630,00, a que acrescerá o IVA em legal em vigor, bem como a quantia de €2.876,69, correspondentes ao valor que pagaram pela aquisição do ar condicionado e a quantia de €2.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

                A recorrente pede, no recurso, a revogação desta sentença com as inerentes consequências, tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões:

                Os autores, na resposta, concluíram, naturalmente, pela improcedência do recurso.

1.1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

...

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

A recorrente assaca à sentença impugnada fundamentalmente dois defeitos: o primeiro, que lhe é exterior, radica no error in iudicando da questão de facto, por erro na valoração ou aferição das provas; o segundo, que já lhe é intrínseco, assenta num erro na estatuição, i.e., num erro respeitante à aplicação, no caso concreto, da consequência jurídica definida numa das normas aplicáveis à situação jurídica objecto do processo: a manifesta iniquidade da fixação do montante indemnizatório em sede de danos não patrimoniais.

Maneira que, tendo em conta o conteúdo da sentença apelada e da alegação das partes, as questões concretas controversas que devem constituir o universo das nossas preocupações são as de saber se:

a) O Tribunal da audiência incorreu, no julgamento da matéria de facto, num error in iudicando, por erro na avaliação das provas;

                b) O direito às prestações pecuniárias reconhecido aos recorrentes e a imposição à recorrente do cumprimento dessas prestações foi atingido pela caducidade;

                c) O valor da compensação por danos patrimoniais viola os parâmetros ou critérios da sua determinação fixados na lei.

                A resposta a estas questões reclama a qualificação do acordo de vontade invocado pelos recorridos como causa petendi e o exame das consequências jurídicas do não cumprimento e do mau cumprimento ou do cumprimento defeituoso das obrigações que, para o vendedor, emergem do contrato de compra e venda, do modo de extinção do direito do comprador às prestações que para decorrem daquele cumprimento inexacto, a ponderação, ainda que breve, dos parâmetros de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância, e, finalmente, os parâmetros de determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais.

                3.2. Natureza jurídica dos acordo de vontades invocado pelos autores como causa petendi e as consequências jurídicas que se associam ao mau ou inexacto cumprimento da obrigação a que, por força desse acordo, a recorrente se encontra adstrita.

                Tem-se por axiomático que entre a recorrente e os recorridos foi celebrado um típico contrato de compra e venda (artºs 874 e 875 do Código Civil).

Do contrato de compra e venda emergem, no direito português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida umas das outras e ambas suportando esforço económico.

                A distinção mais importante entre as modalidades do contrato de compra e venda é que cinde a compra e venda de coisa, quer dizer, do direito de propriedade sobre a coisa – da compra e venda de direito. No caso, estamos nitidamente perante a primeira modalidade.

                As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples. Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios[2]. Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes á responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.

                O vendedor, adstrito ao dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 913 e ss. do Código Civil). O vendedor não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artº 913 Código Civil).

                Coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito a fim acordado[3].

                Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (artº 913 nº 2 do Código Civil). Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada coisa: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Por exemplo, pressupõe-se que no prédio vendido não haja humidade nem fissuras nas paredes, etc.

                Apesar de apenas a propósito do contrato de empreitada a lei se referir aos defeitos ocultos e aos defeitos aparentes ou reconhecíveis, esta distinção deve valer também para a compra e venda, desde que se admita, como se deve – sob pena de se premiar a negligência do comprador - o dever deste de proceder, no momento da entrega da coisa, á verificação do defeito (artº 1218 do Código Civil)[4].

                No contexto da compra e venda, defeito oculto é, portanto, aquele que, sendo desconhecido do comprador pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e. não era reconhecível pelo bonus pater familias[5]; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência[6].

                Maneira que o defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa. Por outras palavras: a responsabilidade emergente da prestação de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.

                Aos vícios supervenientes, i.e., sobrevindos após a celebração do contrato de compra e venda e antes da entrega da coisa, como de resto, à venda de coisa futura ou de coisa genérica, manda a lei aplicar as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (artº 918 do Código Civil). Esta estatuição mostra que lei reporta a garantia edilícia apenas aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e tem directamente em vista a venda de coisa específica, certa e determinada[7].

                A lei assinala à prestação de coisa defeituosa várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do CC)[8]. Presume-se, porém, que o mau cumprimento ou cumprimento inexacto procede de culpa do vendedor (artº 799 nº 1 do Código Civil).

Assim e em primeiro lugar, faculta-se ao comprador a supressão do contrato, fonte de qualquer daquelas obrigações (artº 905, ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil)[9]; em segundo lugar, reconhece-se ao comprador a possibilidade de exigir a reparação do defeito, caso esta seja possível, ou a substituição da coisa defeituosa, naturalmente se esta for fungível e se a entrega da coisa de coisa substitutiva não corresponder a uma prestação excessivamente onerosa para o vendedor, atento o proveito do comprador (artºs 914 e 921 do Código Civil); em terceiro lugar, atribui-se ao comprador o direito de reclamar a redução do preço convencionado (artº 911 ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil); por último, concede-se-lhe a faculdade de pedir uma indemnização (artº 911, ex-vi artº 913 do Código Civil).

                Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador no caso de prestação de coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa, estando entre si numa ordem lógica: em primeiro lugar o vendedor está adstrito a eliminação do defeito da coisa; depois à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.

                Mostrando-se a coisa prestada pelo vendedor defeituosa, o direito primeiro que a lei reconhece ao comprador é o de exigir a eliminação do defeito (artº 914 do Código Civil). Na verdade, tendo este direito sido estabelecido no interesse de ambos os contraentes, não é lícito ao comprador impedir o cumprimento dessa obrigação do vendedor, mesmo no caso de já mostrar constituído, no tocante a ela, na situação de mora. À semelhança do que ocorre com o contrato de empreitada, a não eliminação do defeito não confere ao comprador o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, reclamando, depois – ou mesmo antecipadamente – do vendedor - o reembolso da despesa correspondente[10]. Só assim não será, segundo a doutrina que se tem por preferível, e também à imagem do sucede no contrato de empreitada, no caso de incumprimento definitivo daquela obrigação do vendedor de eliminação do defeito ou em caso de comprovada urgência (artºs 339 nº 1 e 808 nº 1 do Código Civil)[11].

                É claro que a eliminação dos defeitos, para além de poder ser exigida, pode ser oferecida pelo responsável, podendo, portanto, dizer-se que para além do dever, este último tem igualmente o direito de proceder à eliminação dos defeitos.

                Realmente, ainda que dentro de certos limites, o devedor tem o direito de cumprir a prestação e, nessa medida, pode impor a eliminação do defeito, sob pena de, em caso de recusa injustificada, se extinguir a sua responsabilidade. Mas essa extinção não é, evidentemente, automática: deve exigir-se, em primeiro lugar que o credor se constitua em mora, e, em segundo lugar, que tenha decorrido o prazo razoável assinado pelo devedor, para aceitar a eliminação do defeito. Reunidos estes dois requisitos, a obrigação do devedor deve ter-se por extinta (artºs 813 e, por aplicação analógica, 808 do Código Civil).

                Tendo sido proposta a reparação, o comprador ou o dono da obra, conforme o caso, não se devem opor a essa oferta, se a recusa correspondente contrariar a boa fé (artº 762 nº 2 do Código Civil). Desde que a eliminação seja adequada e o credor não tenha perdido – objectivamente – o interesse na prestação, a proposta do devedor não deve ser recusada (artº 808 do Código Civil). Caso o seja, a responsabilidade do devedor deve ter-se por cessada[12].

                Neste contexto, a dúvida que se levanta é a de saber se, não tendo a primeira tentativa do devedor de eliminação do defeito sido eficaz, o credor, não obstante manter interesse na prestação, deve aceitar a proposta de uma segunda tentativa de eliminação. Nesta conjuntura, a resposta que se tem por exacta é a de que o credor – o comprador ou o dono da obra, conforme o caso – não tem o dever de conceder ao responsável uma segunda oportunidade: nesse caso, a obrigação deste deve considerar-se definitivamente incumprida[13].

                O quadro das pretensões que o comprador pode alicerçar na venda de coisa defeituosa, que corresponde ao regime clássico da garantia edilícia, tem notória e directamente em vista os vícios intrínsecos, estruturais da coisa vendida, que a tornam imprópria para o seu destino, e os danos decorrentes de qualquer desses vícios lesivos do interesse na prestação – danos na própria coisa, danos directos, imediatos do vício ou danos da imperfeição do cumprimento, v.g., despesas com a reparação ou com a indisponibilidade da coisa. Contudo, é evidente que o modo como a garantia edilícia é construída na nossa lei civil não exclui os danos indirectos sofridos pelo comprador em bens pessoais – vida, saúde, integridade física – ou patrimoniais consequentes ao vício intrínseco, estrutural e funcional da coisa comprada[14].

                Para vincar esta mesma ideia recorre-se às expressões danos circa e danos extra rem. Assim, quando da prestação de coisa defeituosa emergem danos na própria coisa vendida, por exemplo, diminuição do seu valor ou da sua utilidade, fala-se em danos circa rem; quando da imperfeição da prestação decorrem danos pessoais sofridos pelo comprador ou ocasionados no seu património, o dano diz-se extra rem[15].

                É esta, de resto, a metódica da sentença impugnada, que foi terminante em declarar que a indemnização será devida em parte pelas regras da responsabilidade contratual (danos circa rem) e noutra parte (danos extra rem) através da responsabilidade delitual (artº 483 nº 1 do Código Civil). Simplesmente esta qualificação – dado que, em regra na responsabilidade ex-delicto, a culpa do responsável não se presume e deve, por isso, ser provada pelo lesado – supõe a demonstração dessa culpa, demonstração que a decisão impugnada não substancia (artº 487 nº 1 do Código Civil).

                Uma pluralidade de qualificações do dever de reparação tem muita relevância prática num ordenamento jurídico, como o nosso, no qual os regimes legais de responsabilidade contratual e delitual não são inteiramente coincidentes. A regulamentação dessas responsabilidades diverge em pontos tão importantes como, por exemplo, a determinação do ónus da prova - visto que enquanto na ilicitude delitual a regra é a da prova da culpa pelo lesado e a excepção a presunção da culpa do agente e na ilicitude contratual o princípio é o da presunção de culpa do devedor (artºs 487 nº 1, 491, 492 nº 1 e 493 do Código Civil), a medida da culpa - porque na responsabilidade aquiliana é suficiente a negligência do infractor e na responsabilidade ex contractu é exigida, nalguns casos, o dolo do devedor remisso (artºs 487 nº 2, 494, 814 nº 1, 915, 957 e 1134 do Código Civil), no prazo prescricional - que na responsabilidade ex delicto é de três anos e na responsabilidade contratual é, em regra, o prazo ordinário de vinte anos, e na quantificação da prestação indemnizatória, ao menos para quem entenda – contra o que se deve – que apenas na responsabilidade extracontratual a reparação contabiliza os danos não patrimoniais (artºs 309, 494 e 498 do Código Civil).

                A realização simultânea da responsabilidade contratual e da responsabilidade delitual verifica-se, em regra, nas situações nas quais o incumprimento da prestação também constitui uma ilicitude delitual. Mas sendo uma dimensão mais comum e vulgar dessa eventualidade, a verdade é que as relações entre a ilicitude aquiliana e a responsabilidade contratual são objecto de controvérsia.

                Para uma corrente, o problema resolve-se no plano do concurso de normas, considerando-se a responsabilidade contratual como especial perante a ilicitude aquiliana[16]: como a responsabilidade ex contractu é aplicável em exclusivo a uma vinculação contratual, essa aplicação afasta necessariamente a subsunção dessa ilicitude à responsabilidade delitual; para outra, assente na constatação de que as qualificações da ilicitude como contratual e delitual regulam simultaneamente uma mesma pretensão, o problema da dupla realização de uma e outra previsão de ilicitude deve ser deslocado para o plano do concurso de pretensões indemnizatórias, embora se discuta se esse concurso deve ser qualificado como uma pluralidade de pretensões – ou como uma única pretensão, isto, é uma mesma faculdade de exigibilidade plurimamente fundamentada[17].

                A violação contratual positiva pode, portanto, conjugar a infracção do dever de cumprimento da prestação com a violação de um dever acessório de preservação ou de protecção do património do credor e atinge, por isso, um interesse contratual e um interesse extracontratual. Esta violação contratual não coincide, por isso, com o âmbito do cumprimento defeituoso, dado que na lógica da lei, esse cumprimento inexacto é considerado como originando a indemnização de um interesse contratual, normalmente apenas o interesse negativo – o que remete implicitamente a reparação dos eventuais danos extracontratuais para os regimes da culpa in contraendo ou da responsabilidade delitual (artºs 908 e 909, ex-vi artº 913, 227 e 483 nº 1 do Código Civil).

                É claro que esta perspectiva supõe resolvido o problema de saber se relativamente aos danos que transcendem o simples interesse da prestação, a responsabilidade é obrigacional ou aquiliana. Admitindo-se a contraposição entre uma e outra responsabilidade, deve ponderar-se qual dos regimes é mais consentâneo com os valores em jogo e, depois, fazer a qualificação[18].

                Nessa qualificação deve, porém, ter-se presente que as modalidades de responsabilidade se distribuem em consonância com o interesse atingido pela acção ou omissão ilícita – e não segundo a origem contratual ou extracontratual do acto ilicitamente realizado ou omitido: se o dano afecta o interesse contratual, a responsabilidade é sempre obrigacional (artº 798 do Código Civil); se o prejuízo atinge um interesse extracontratual, a responsabilidade é sempre delitual. Contudo, qualquer destas modalidades de responsabilidade é conjugável com a outra dessas formas de ilicitude, quer porque a violação do interesse contratual pode implicar responsabilidade delitual do lesante, quer porque a infracção do interesse extracontratual pode envolver um interesse contratual. Ainda assim, nenhuma destas formas de responsabilidade consome a outra responsabilidade, nem sequer através de uma relação de especialidade, porque, na sistematização legal, a cada uma dessas responsabilidades corresponde um interesse atingido. Isto é especialmente saliente na qualificação delitual da responsabilidade originada pela omissão de um dever contratual e na distinção entre o regime da responsabilidade do comitente pelos actos do comissário e a regulação da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus auxiliares (artºs 486, 500 e 800 do Código Civil).

                A violação dos deveres de prestação pelo vendedor envolve a sua responsabilidade delitual sempre que além do interesse contratual positivo, são afectados outros valores patrimoniais ou pessoais, por exemplo, do comprador; os terceiros apenas são titulares de uma pretensão indemnizatória contra o vendedor se a violação obrigacional representar simultaneamente uma ilicitude delitual. Deste modo, não é apenas a posição do terceiro perante a relação contratual que implica a qualificação delitual da responsabilidade do vendedor perante esse lesado – mas também a ilicitude delitual que se corporiza objectivamente - nos parâmetros gerais da responsabilidade aquiliana – na violação do dever de protecção.

                Perante uma prestação contratual defeituosa – ou, o que é sinónimo, face a uma violação positiva do contrato – que cause danos há, portanto, que distinguir, os danos específicos, ligados à violação positiva do contrato, a que são aplicáveis, tratando-se de contrato de compra e venda, as regras particulares da garantia edilícia - artºs 908, 909 e 915 do Código Civil – e outros danos a que é aplicável a clausula geral de responsabilidade civil (artº 483 nº 1 do Código Civil). Nesta lógica, nada impede, em princípio, que por danos indirectos se possa fazer apelo à responsabilidade delitual ou aquiliana: se com o mau cumprimento se causa ao comprador danos que transcendem o âmbito do contrato, há, naquilo que ultrapasse o cumprimento defeituoso, responsabilidade ex delicto[19].

                Se a ilicitude é simultaneamente contratual e delitual, a dúvida que logo ocorre ao espírito do julgador é a de saber se o credor/lesado pode, em tal caso, optar pelo regime da responsabilidade extracontratual, por esta, na situação concreta, melhor o favorecer, apesar do devedor também se mostrar incurso em responsabilidade ex contractu.

                Note-se que não se trata de conceder ao credor duas indemnizações, mas antes de arbitrar uma só, embora reconhecendo-lhe o direito de escolher o regime da responsabilidade à luz do qual essa indemnização deve ser arbitrada. Nesta perspectiva, o credor não é titular de várias pretensões – mas de uma única prestação com um fundamentação plural e, portanto, de um concurso de normas que fundamentam a mesma pretensão e não de um concurso de pretensões[20].

                O problema não encontra uma resposta juspositivada[21]. Face à lacuna intencional, a solução maioritariamente proposta pela doutrina e jurisprudência portuguesas para a suprir é a do reconhecimento ao credor da faculdade de opção[22].

                No caso de o mau cumprimento ter causado ao credor danos não patrimoniais, aquele pode, portanto, escolher um dos títulos de aquisição da prestação concorrentes. No caso, porém, o reconhecimento dessa faculdade não assuma uma importância primordial, desde que se admita a ressarcibilidade, com fundamento numa ilicitude puramente contratual, do dano não patrimonial.

                É na verdade, objecto de controvérsia a questão de saber se a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais se limita ao perímetro da responsabilidade extracontratual ou ex-aquilia, ou deve estender-se à responsabilidade contratual[23].

                As razões adiantadas para negar a reparação do dano não patrimonial no contexto da responsabilidade contratual podem cristalizar-se nas proposições seguintes: de um aspecto, o facto de a indemnização dessa espécie de dano se encontrar prescrita na área da responsabilidade delitual; de outro, a preocupação de não introduzir no capítulo da responsabilidade ex-contractu um factor de perturbação da certeza e segurança do comércio jurídico.

                Ao argumento assente na colocação sistemática do preceito que contém a previsão da reparação do dano não patrimonial pode replicar-se, com tranquilidade, que aquele preceito se aplica analogicamente[24] à responsabilidade contratual, e ao reparo de que não procedem, no tocante a esse tipo de responsabilidade, as razões justificativas da previsão da ressarcimento desse dano, poderá responder-se que àquela previsão subjaz um princípio de alcance geral, não havendo razão para o não tornar extensível à responsabilidade contratual.

                Mais ponderosa é a razão fundada na preocupação de evitar os perigos da extensão dessa indemnização e na insegurança que a reparação do dano não patrimonial, no contexto da responsabilidade contratual, pode aportar para o comércio jurídico[25].

                Mas a verdade é que quando a ofensa a bens não patrimoniais ocorra no âmbito de uma relação contratual, não há motivo sério para que se recuse ao credor a reparação do dano correspondente.

                É exacto que esses danos têm a sua fonte na violação ilícita de bens e direitos de personalidade – v.g. a integridade física ou moral – geradora, portanto, de responsabilidade extracontratual. Porém, como essa infracção ocorre no desenvolvimento de deveres de prestar emergentes de um contrato, bem pode entender-se que passam a assumir natureza contratual ou, pelo menos, são absorvidos para o perímetro da responsabilidade contratual. A responsabilidade funda-se, então, na violação de deveres laterais de protecção e cuidado para com a pessoa da outra parte[26].

                Estando em causa a lesão de direitos ou bens de personalidade do credor, é indiscutível a ressarcibilidade do dano não patrimonial correspondente, por se tratar da violação de direitos absolutos (artº 70 nºs 1 e 2 do Código Civil). O facto dessa violação se verificar no cumprimento de um contrato, não deve constituir obstáculo à reparação daquele dano nem deve remeter necessariamente o credor para a tutela extracontratual.

                Note-se, porém, que o simples não cumprimento do contrato não justifica, de per se, a ressarcibilidade do dano não patrimonial, a menos que a especial natureza da prestação o exija ou quando as circunstâncias envolventes da violação do contrato hajam contribuído, de forma essencial, para uma lesão grave de bens ou valores não patrimoniais.

                Decisivo, em qualquer caso, para se sustentar, nas condições apontadas, a reparação do dano não patrimonial é a gravidade desse dano, visto que é ela e só ela que, em último termo, justifica a tutela do direito (artº 496 nº 1 do Código Civil)[27]. A exigência da gravidade do dano não patrimonial para que se deva afirmar a reparabilidade dele, esconjura, de resto, o perigo da excessiva extensão da obrigação de indemnizar e diminui, para limites socialmente toleráveis, as perturbações do tráfico jurídico.

                A gravidade do dano é, portanto, a única condição de ressarcibilidade dele. Essa gravidade deve, decerto, medir-se por um padrão essencialmente objectivo[28]. Porém, ao estimar-se ou mensurar-se esse dano seria erróneo não ponderar uma componente subjectiva, quer dizer, ligada à sensibilidade do lesado ou que releve das especiais características deste[29]: a exigência da gravidade do dano visou única e nitidamente recusar pretensões que convertam simples incómodos e pequenas contrariedades em danos juridicamente relevantes[30].

                De entre os tipos mais salientes de dano não patrimonial destaca-se o dano moral em sentido próprio ou subjectivo, como, por exemplo, a humilhação, a angústia, a vergonha, a tristeza e a ansiedade. Inclui-se nele a própria dor, que compreende a dor física e o sofrimento moral.

                A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é, como se apontou, a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas[31].

                 É a esta luz que deve ser considerado o problema dos danos não patrimoniais resultantes de lesões de bens patrimoniais, designadamente o dano de estima, da afeição ou de apego, quer dizer, o dano relativo à relação sentimental com um objecto.

                Dado que não existe nenhum obstáculo conceptual que afaste a existência de danos não patrimoniais em resultado da violação de direitos patrimoniais – mesmo no contexto da responsabilidade contratual - tudo dependerá da conclusão que, em casa caso, se deva ter por exacta quanto à gravidade do dano.

                Para isso é necessário determinar, para além de aspectos relativos ao próprio bem – como por exemplo, a sua infungibilidade - que interesses não patrimoniais esse bem satisfazia ou garantia. E, depois de identificada a presença no caso concreto de interesses daquela espécie, há que ponderar, à luz do critério da relevância jurídica do dano não patrimonial, se ele é ou não ressarcível.

                Mas, em regra, a resposta deve ser negativa, só em casos muito contados ou excepcionais se devendo tratar a sentimental loss ou o dano de afeição, consequentes a lesões de bens patrimoniais, como graves[32].

                Por duas razões: de um aspecto porque isso importaria um alargamento excessivo dos danos não patrimoniais susceptíveis de ressarcimento; de outro, porque um tal latitude contrastaria vivamente com o carácter restritivo do dano de afeição, proprio sensu, resultante da morte de familiares (artº 496 nºs 2 e 3 do Código Civil): mostrando-se a lei particularmente restritiva quando à reparação do dano de afeição proprio sensu não será lógico tratar de modo mais favorável a dor sentida pela perda por um objecto querido do que a dor experimentada pela perda de uma pessoa de família amada. Devemos possuir as nossas coisas – mas não deixarmo-nos possuir por elas.

                Para que o devedor que presta uma coisa com defeito que cause danos em bens de personalidade do credor para aquele se deva considerar constituído num dever de reparação é necessário, quer no plano contratual quer no domínio extracontratual, a prova da sua culpa. O problema que, nesse contexto, logo se coloca, é o da possibilidade de extensão, à responsabilidade delitual, da presunção de culpa específica da responsabilidade contratual (artº 799 nº 1 do Código Civil).

O problema não oferece dificuldades de maior se se tiver presente a unidade do objecto da prova da negligência do devedor lesante no concurso de responsabilidades subjectivas, justificada pela referência dessa negligência à inobservância do dever de diligência exigido para o cumprimento da prestação. Assim, como o incumprimento representa uma ilicitude aferida em função da não efectivação - ou da efectivação defeituosa - da prestação devida, essa própria ilicitude resulta da infracção daquele dever de diligência. Assim, mesmo sem recorrer à presunção de culpa, a negligência do devedor fica estabelecida se o credor provar o incumprimento contratual, pelo que aquela presunção se limita a confirmar no âmbito da negligência, as conclusões definidas pela análise da ilicitude. Daí que, embora a presunção de culpa constitua uma característica da responsabilidade contratual, a dispensa da prova da negligência coincide com a indiciação dessa negligência pela ilicitude traduzida no incumprimento obrigacional. Não há, portanto, qualquer obstáculo à aplicação dessa presunção a uma responsabilidade que provém desse mesmo incumprimento.

De resto, sendo suficiente, na responsabilidade ex delicto, para a demonstração da negligência uma prova prima facie, que assenta numa conexão causal, extraída da normalidade dos acontecimentos naturais, entre a violação ilícita e a inobservância de um dever de diligência, ou, em concreto, do dever de cuidado que, se tivesse sido observado, teria evitado, segundo a probabilidade daqueles acontecimentos, uma infracção ilícita - a prova dessa ilicitude vale como prova prima facie da negligência, o que onera o lesante com a contraprova, por exemplo, da atipicidade causal entre a violação do dever de negligência e o resultado ilícito.

Dito de outra forma: negligência e, portanto, a censurabilidade do devedor pode ser deduzida da própria violação do dever contratual e, portanto, a própria ilicitude da conduta do devedor indicia a sua culpa. Nestas condições, o cumprimento do ónus da prova relativamente a essa violação é suficiente para que o tribunal conclua, através de uma praesumptio hominis, extraída da tipicidade causal entre os acontecimentos naturais e o resultado típico, pelo carácter negligente da conduta do devedor

Esta constatação mostra a fundamental proximidade da prova da negligência que é pressuposto da responsabilidade ex delicto que corra a par com a responsabilidade obrigacional, o que permite superar quaisquer objecções contra a presunção de culpa do devedor específica da responsabilidade contratual, como pressuposto de uma responsabilidade delitual com ela concorrente.

                O direito de indemnização reconhecido ao comprador de coisa defeituosa assenta também necessariamente na culpa do vendedor (artº 908, ex-vi artº 913 do Código Civil). Ao contrário do que sucede na venda de coisas oneradas, na venda de coisas defeituosas, só foi estabelecida uma responsabilidade subjectiva (artº 915 do Código Civil). Esta obrigação de indemnização não é independente das demais pretensões do devedor, estando, pelo contrário, sujeita aos mesmos pressupostos e é complementar dessas pretensões. Ela não pode ser requerida em substituição de qualquer dos outros pedidos - mas é complemento deles, com vista a reparar o prejuízo excedente.

                Este é, nos seus traços gerais mais relevantes, o regime da responsabilidade do vendedor pela prestação de coisa com vícios ou com defeitos.

                Todavia, nos casos de imóveis destinados a longa duração construídos pelo vendedor, a responsabilidade deste pelo mau cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso há que ponderar as regras relativas à responsabilidade do empreiteiro pela prestação de obra defeituosa. Sempre que o vendedor seja simultaneamente o construtor do imóvel de longa duração, àquela responsabilidade aplicam-se as regras do contrato de empreitada que regem a responsabilidade – ex contractu – do empreiteiro pelos defeitos da obra (artº 1225 nº 4 do Código Civil).

                De uma maneira deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que o empreiteiro, adstrito ao dever de realizar uma obra, pode violar o seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de empreitada, é também objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 1218 e ss. do Código Civil). O empreiteiro não está vinculado apenas à obrigação de realizar uma obra, de obter certo resultado; ele encontra-se ainda vinculado executar uma obra isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artºs 1218 nº 1 e 1219 nº 1 do Código Civil).

                Obra defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das prestações daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado[33].

                Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a obra se destina, atende-se, naturalmente, à função normal das obras da mesma categoria. Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada obra: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Na construção de um edifício, pressupõe-se, por exemplo, que as superfícies exteriores se mantenham agregadas e sejam impermeáveis.

                A lei assinala à prestação de obra defeituosa, várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do empreiteiro: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do Código Civil).

                Em caso de cumprimento defeituoso, atribui-se ao dono da obra, além da indemnização, o direito de exigir a eliminação dos defeitos, a realização de nova obra, a redução do preço e a resolução do contrato de empreitada (artºs 1221, 1222, 1223 e 1224 do Código Civil). Mas estes direitos não são de exercício atrabiliário, antes obedecem a uma ordem lógica[34].      

                Mostrando-se a prestação do empreiteiro defeituosa, o direito primeiro que a lei reconhece ao dono da obra é o de exigir a eliminação do defeito (artºs 1218 nº 1 e 1221 nº 1 do Código Civil). Na verdade, tendo este direito sido estabelecido no interesse de ambos os contraentes, não é lícito do dono da obra impedir o cumprimento dessa obrigação do empreiteiro, mesmo no caso de já mostrar constituído, no tocante a ela, na situação de mora. A não eliminação do defeito ou a não repetição da obra não confere ao dono da obra o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, reclamando, depois – ou mesmo antecipadamente - do empreiteiro, o reembolso da despesa correspondente[35]. Só assim não será, segundo a doutrina que se tem por preferível, no caso de incumprimento definitivo daquela obrigação do empreiteiro de eliminação do defeito ou em caso de comprovada urgência (artºs 339 nº 1 e 808 nº 1 do Código Civil)[36].

                A comparação do regime da compra e venda, tout court, e da compra e venda de imóveis em que o vendedor do imóvel foi quem o construiu, modificou ou reparou, mostra uma divergência de prazos: no primeiro caso o limite máximo da garantia pode atingir cinco anos e meio a contar da entrega, dado que aos cinco anos desde a entrega da coisa vendida para a denúncia do defeito, somam-se mais seis meses para interpor a acção judicial (artºs 916 nº 3 e 917 do Código Civil); no segundo, esse último prazo é de um ano (artº 1225 nºs 2 e 3 do Código Civil).

                É, portanto, patente uma convergência fundamental de regimes entre a responsabilidade do vendedor e do empreiteiro, que minimizou as injustiças de tratamento desigual, sem fundamento razoável para essa diferença, entre e um e outro caso. Mas a equiparação não é total, pois o vendedor que não tenha construído, modificado ou reparado o imóvel responde nos termos dos artºs 917 e ss. do Código Civil, ao passo que aquele que venda o edifício depois de o ter construído, modificado ou reparado, responde na qualidade de empreiteiro, nos termos do artº 1218 e ss. do mesmo Código. Note-se que a aplicação deste último regime não tem a virtualidade de alterar a qualificação do contrato: este continua a ser um contrato de compra e venda e são-lhe aplicáveis, excepto quanto àquele ponto, as normas específicas deste tipo contratual.

                O Código Civil ao fixar o princípio geral da matéria do ónus da prova apelou, nitidamente, à natureza funcional dos factos perante o direito do autor.

Assim, ao autor cabe a prova, não de todos os factos que interessem à existência actual do direito alegado – mas somente dos factos constitutivos dele; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, incumbe à parte contrária, aquele contra quem a invocação do direito é feita (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil).

                De maneira que se o autor se propõe valer declarar e valer um direito assente, por exemplo, num contrato de compra e venda ou num contrato de empreitada, e se o demandado lhe opõe a caducidade desse direito, a aplicação daquele princípio impõe ao primeiro o ónus de provar os elementos estruturais – constitutivos – do seu direito à prestação – a celebração do contrato entre as partes e a inclusão da prestação exigida entre os efeitos do contrato a cargo do devedor – cabendo ao último a prova do facto extintivo do demandante, que é a caducidade.

                Portanto, se o autor fundado na prestação de coisa ou de obra defeituosa quiser fazer valer o seu direito à eliminação do defeito e à indemnização do dano, incumbe-lhe provar não só os factos que integram o contrato de compra e venda ou de empreitada – mas também os que dizem respeito à existência do defeito ou do vício, dado que é desses factos que emerge qualquer daqueles direitos.

                Todavia, a aplicação do regime da responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos da coisa imóvel prestada exige a reunião, na mesma pessoa, das qualidades de vendedor e de construtor. Nos casos em que o dono da obra acorda a construção do prédio com um empreiteiro para o comercializar, só responde nos termos previstos para o contrato de compra e venda de coisa defeituosa pelos defeitos existentes no imóvel vendido a terceiro, podendo, porém, este responsabilizar o empreiteiro contratado pelo dono da obra (artº 1225 nº 1, in fine, do Código Civil).

                Na espécie do recurso, de harmonia com a decisão da matéria de facto – que neste particular não é objecto de impugnação – o vínculo jurídico que liga a recorrente e os recorridos resume-se a um contrato de compra e venda: nestas condições são aplicáveis, maxime, ao aspecto capital da responsabilidade da primeira pelos defeitos da coisa prestada, as regras dispostas na lei para o contrato de compra e venda.

                3.3. Extinção dos direitos do comprador ligados à garantia edilícia.

                Para que o vendedor de coisa defeituosa se mostre constituído em responsabilidade exige a lei que o defeito lhe seja denunciado: o comprador deve comunicar ao vendedor o facto de a coisa prestada sofrer de determinado defeito, ou seja que tem um vício ou vícios ou que não corresponde à qualidade convencionada.

                O comprador está, portanto, sujeito, excepto no caso de dolo, a um verdadeiro ónus de denúncia - que se resolve numa declaração receptícia, sem forma especial, através da qual o comprador, de uma forma circunstanciada, e o mais exacta possível, comunica ao vendedor os defeitos de que a coisa se encontra ferida (artº 916 nº 1 do Código Civil). A denúncia não é exigível, por ser inteiramente inútil, se o vendedor, depois da entrega da coisa, reconheceu o defeito.

                Tratando-se de coisa imóvel, a denúncia deve ser feita no ano subsequente ao do conhecimento do defeito e nos cinco anos posteriores à entrega da coisa.

Assim, em coisas daquela espécie, o comprador tem cinco anos a contar da entrega dela para descobrir o defeito; depois de descoberto o defeito, tem um ano para o comunicar ao vendedor (artº 916 nº 3 do Código Civil, na redacção do DL nº 267/94, de 25 de Outubro). Se o comprador tiver procedido à denúncia, terá de intentar a acção judicial nos seis meses posteriores a ela: este prazo de seis meses conta-se a partir da data em que foi feita a denúncia (artº 917 do Código Civil). O limite máximo da garantia pode, portanto, atingir cinco anos e meio a contar da entrega, pois aos cinco anos desde a entrega da coisa vendida para a denúncia do defeito, somam-se mais seis meses para interpor a acção judicial (artºs 916 nº 3 e 917 do Código Civil).
                Apenas a acção que tenha por objecto a anulação do contrato é expressamente sujeita a um prazo de caducidade de seis meses (artº 917 do Código Civil). Contudo esta disposição deve ser objecto de interpretação extensiva de modo a aplicar-se a todas as demais pretensões reconhecidas ao comprador no contexto da garantia edilícia e a ela ligadas[37].
Mas, em contrapartida, esta solução não vale para pretensões que não se compreendam no artº 913 do Código Civil, quer dizer, para os casos em violação culposa dos deveres do devedor não se refere a vício orgânico ou extrínseco da coisa; nesta hipótese, a responsabilidade ex contracto está sujeita ao prazo ordinário de prescrição (artº 309 do Código Civil)[38].

                Portanto, os diversos direitos, no caso de violação positiva do contrato ou de cumprimento defeituoso das obrigações que dele emergem para o vendedor, que a lei reconhece ao comprador, estão sujeitos a caducidade.

                Assim, se o comprador não tiver denunciado o defeito, a acção com base na responsabilidade por cumprimento defeituoso deve ser intentada nos prazos fixados para a denúncia; nesse caso, a acção a intentar contra o vendedor tem o valor de uma denúncia, pois não é obrigatório que, antes da propositura da acção, tenha havido denúncia do defeito.

                A caducidade traduz a extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu, dotado de eficácia extintiva[39]. Em sentido estrito, a caducidade exprime a cessação de situações jurídicas pelo decurso de um prazo a que estejam sujeitas. A caducidade só é impedida pela prática do acto a que a lei ou a convenção atribuam semelhante efeito (artº 331 nº 1 do Código Civil).

No caso, da leitura ainda que meramente oblíqua dos preceitos que a estabelecem conclui-se que se trata de uma caducidade simples, quer dizer, não punitiva, dado que se limita a prever a cessação da situação jurídica pelo decurso do prazo, legal, visto que é predisposta directamente pela lei, e relativa a matéria disponível: a sua apreciação não é oficiosa (artºs 330, 331 nº 2 e 333 do Código Civil).

A caducidade produz, ao contrário da prescrição, um efeito extintivo, na espécie sujeita, dos direitos do comprador, assentes na prestação de coisa defeituosa. Dado que este direito é disponível, a caducidade confere ao devedor o direito potestativo de, através de declaração de vontade, que consiste em invocá-la, por termo àquele direito[40].

Nos termos gerais, a caducidade pode ser impedida pelo reconhecimento pelo do direito por parte daquele contra deve ser exercido (artº 331 nº 2 do Código Civil).

A caducidade mostra-se ordenada para a tutela do vendedor, evitando que a situação de incerteza sobre a existência do direito se prolongue por um período de tempo desrazoável. Se é, porém, o vendedor, que de forma inequívoca, reconhece, na pendência do prazo de caducidade, a existência do direito, ainda que não pratique qualquer acto que equivalha à sua realização, não há razão nenhuma para que lhe continue a ser disponibilizada a tutela da caducidade, dado que, por força do reconhecimento, a situação de incerteza cessou[41].

O impedimento da caducidade, pelo reconhecimento do direito, não determina a contagem de novo prazo de caducidade: o exercício do direito passa então a ficar sujeito apenas ao prazo ordinário de prescrição[42].

Ponto é que o reconhecimento ocorra na pendência do prazo de caducidade: o reconhecimento posterior ao decurso desse prazo não possui eficácia extintiva, visto que o seu termo provoca, de modo automático, a extinção do direito a ela sujeito[43].

Nos termos gerais, esse reconhecimento pode ser meramente tácito, como sucederá, por exemplo, no caso de vendedor se propuser ou tiver promovido mesmo, ainda que sem êxito, a eliminação do defeito (artº 217 do Código Civil).

3.4. Parâmetros de determinação da indemnização por danos não patrimoniais.

Seja qual for o escopo que, em definitivo se deve assinalar á responsabilidade civil[44] - seja ela obrigacional ou aquiliana - é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito[45]. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial[46].

                É ao lesado que cumpre a prova do dano (artº 342 nº 1 do Código Civil). Caso não consiga libertar-se do encargo dessa prova, intervém a regra de julgamento representada pelas normas sobre a distribuição do ónus da prova: a questão de facto correspondente é resolvida contra o lesado (artºs 516 do CPC e 346, in fine, do Código Civil).

Já se adiantou a noção jurídica de dano que se tem por exacta: a diminuição duma situação favorável protegida pelo Direito.

                O dano não tem, porém, uma natureza unitária, podendo separar-se em duas grandes categorias: o dano patrimonial e o dano não patrimonial.

                A lei não define o dano não patrimonial. Doutrinariamente o conceito é recortado pela negativa. O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual[47]; o dano não patrimonial é dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral[48]; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. Há uma ofensa a bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro[49]; é o prejuízo que, sendo insusceptível de avaliação pecuniária, porque atinge bens que não integram o património do lesado que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária[50].

                A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afectado. É, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais.

                A indemnização visa reparar danos não patrimoniais quando tem por objecto um interesse não patrimonial, i.e., um interesse não avaliável em dinheiro[51]. Diferentemente do que acontece com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. Por isso, melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação[52]. Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade.

                Na verdade, no tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil). O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença que, de resto, se mostra para essa finalidade, imprestável[53]. Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano de um princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano.

                A lei é terminante na declaração de que o montante da indemnização do dano não patrimonial será fixado equitativamente (artº 496 nº 3, 1ª parte do Código Civil). Neste contexto, a equidade visa determinar aspectos quantitativos de uma prestação: a indemnização. Mas seria errado pensar-se que a fixação da indemnização, a que a equidade é chamada, está no livre arbítrio do juiz; a leitura da lei evidencia a existência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada, deve atender.

                A actividade do juiz na determinação do montante da indemnização, não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção - dado que o obriga a converter a sua valoração de critérios jurídicos de determinação numa quantificação numérica; trata-se, porém, de uma actividade juridicamente vinculada que constitui estruturalmente autêntica aplicação do direito. Desta constatação faz-se, naturalmente, decorrer a consequência da controlabilidade por via de recurso do procedimento de determinação da indemnização.

 No tocante ao processo de determinação do valor da indemnização não se deve reconhecer um espaço de discricionariedade diverso daquele que sempre se encontra presente em qualquer decisão verdadeiramente jurídica, antes se devendo qualificar a actividade correspondente como aplicação do direito, susceptível de controlo por via do recurso.

                Mas também aqui se deve reconhecer que os instrumentos dispostos para orientação e racionalização da decisão judicial cobrem apenas parte das variáveis de que o juiz é portador. Se se introduzirem conceitos como basic rules ou second codes, aludindo ao complexo de regras e de mecanismos reguladores que determinam efectivamente a aplicação que o juiz faz da lei, pode dizer-se que os princípios regulativos de determinação do valor da indemnização cobrem apenas uma parte do processo decisório.

                Esta constatação decorre da circunstância de a lei se limitar disponibilizar proposições indeterminadas que apenas se materializam no caso concreto. A indeterminação é de resto dupla: ela resulta quer da possibilidade de introduzir, na aplicação, novos factores atendíveis quer da intermutabilidade dos especificados na lei, cujo peso relativo, também se não encontra determinado. Existe, portanto, uma ilimitada variedade dos factores relevantes para o processo de individualização da medida da indemnização, a que soma a ausência de explicitação do seu peso relativo, tudo apontando para uma valoração casuística infindável, que vinca, também por esta via, a natureza móvel ou aberta do sistema.

                Tudo inculca, pois, a conclusão de que a determinação da prestação da indemnização não está na dependência de um liberum arbitrium indifferantiae, de uma discricionariedade livre ou desvinculada do juiz – que implicaria conferir a nota de irrecorribilidade à decisão correspondente – e, consequentemente, que o processo de da determinação do quantum da indemnização deve, em concreto, ser reconduzível a critérios objectivos, e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo. Mas seria imprudente não reconhecer a importância de elementos racionalmente não explicitáveis e mesmo puramente emocionais, e, portanto, uma margem inescapável de subjectividade.

                Serve isto para dizer que a remissão no caso para a equidade é aparente, visto que esta só ocorre, não quando haja uma qualquer indeterminação que o juiz tenha de resolver no caso concreto – mas quando se verifique uma decisão tomada à revelia do ius strictum, no sentido de sistemático[54]. De resto, um modelo de decisão ex aequo e bono tem ainda a particularidade de não ter preocupações generalizantes, característica que é abertamente contrariada por um dos parâmetros sob cujo signo deve decorrer a actividade de fixação da indemnização: o da uniformização ou padronização do seu valor.

Seja como for, a verdade é que o sistema de ressarcimento do dano não patrimonial é móvel ou aberto, indicando a lei, de forma inteiramente exemplificativa, para determinar o dano de cálculo – i.e., a expressão monetária do dano não patrimonial real – o grau de culpa do lesante a situação económica do lesante e do lesado e outras circunstâncias do caso (artº 494 do Código Civil).

Na espécie do recurso, a recorrente opôs à recorrida a excepção peremptória da caducidade – mas a sentença apelada julgou-a improcedente e, constatando que a coisa prestada por aquela aos recorridos patenteia um conjunto de defeitos graves, condenou a apelante a pagar aos recorridos as quantias de € 17 630,00, acrescida de IVA, relativa à reparação daqueles vícios, de € 2 876,69, referente ao preço da aquisição de um aparelho de ar condicionado, e de € 2 500,00, a título de compensação pelo dano não patrimonial suportado pelos apelados.

Mas esta decisão – sustenta a recorrente – só se compreende em face do error in iudicando, por erro na avaliação das provas, em que incorreu o decisor de facto da 1ª instância.

3.5. Parâmetros de controlo da Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância e reponderação do julgamento correspondente.

                A Relação é normalmente um tribunal de 2ª instância. Pela sua própria índole, a Relação tem competência para apreciar e conhecer tanto de questões de direito como de questões de facto. O recurso de apelação é precisamente aquele que, segundo a sua natureza de recurso amplo, deveria ter eficácia e alcance para submeter à consideração da Relação toda a matéria da causa.

                A atribuição ao recurso de apelação da natureza de recurso verdadeiramente global e, correspondentemente, a possibilidade de a Relação conhecer da matéria de facto, pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas condições que são asseguradas ao tribunal recorrido.

                O sistema actual de recursos procurou conciliar as garantias da oralidade e da imediação – que contribuem decisivamente para o bom julgamento da causa, em especial, no que se refere à apreciação da matéria de facto – com algumas exigências práticas.

                Estas exigências conduzem, por exemplo, a que o controlo sobre um decisão relativa ao julgamento de um facto supostamente provado pelo depoimento de uma testemunha, não requeira a presença dessa testemunha perante o tribunal ad quem. É suficiente, na lógica da lei, que seja disponibilizado a este tribunal o registo ou a gravação desse depoimento ou a sua transcrição (artº 690-A nº 1, b) e 2 e 4 e 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).

                O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância, pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.

                A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).

                Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando[55]. O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.

                Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para, o julgamento do facto, um sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[56].

                Nem, aliás, é difícil explicar a exactidão de um tal entendimento dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei adjectiva actual reconhece à Relação.

                De um aspecto, porque esse controlo e a reponderação correspondente da matéria de facto é efectuado, em regra, a partir da reprodução de registos sonoros, rectior, gravações áudio, de depoimentos, ou da leitura fria e inexpressiva da sua transcrição. Ora, é irrecusável que depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode alguma vez ser medido pelo tom em que foram proferidos; a palavra é simultaneamente um meio de exprimir conteúdos de pensamento e de os ocultar; todas as formas de comunicação não verbal do depoente influem, quase tanto como a sua expressão oral, na força persuasiva do seu depoimento[57]. Existem aspectos e reacções dos depoentes que apenas podem ser apreendidos e apreciados por quem os constata presencialmente e que a gravação sonora, e muito menos a transcrição, não tem a virtualidade de registar e que, por isso, são irremissivelmente subtraídos à apreciação do último tribunal relativamente ao qual ainda seja lícito conhecer da questão correspondente[58]. Tratando-se de prova pessoal, rectius, testemunhal, o registo – sonoro ou escrito - comporta o risco de tornar formalmente equivalentes declarações substancialmente diferentes, de desvalorizar depoimentos só aparentemente imprecisos e de atribuir força persuasiva a outros que só na superfície dela dispõem.

                A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[59] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva. As dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais.

                Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada num audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[60].

                Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros. Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente.

                O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.

                Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que resolve num silogismo em que a premissa maior é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos. Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso. Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit - daquilo que normalmente sucede[61].

Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[62].

Como já se reparou, o resultado da actividade de julgamento da matéria de facto pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática.
No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado – e, não raro, num passado distante - quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal.
A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse facto. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto[63]. O juiz deve, portanto, decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis tem menor probabilidade de não ser a correcta.

As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida. Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade – não ontológica mas jurídico-prática – de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela.

Na impossibilidade de submeter a apreciação da prova a critérios objectivos - como são os que exigem uma demonstração por leis científicas - a lei apela à convicção íntima ou subjectiva do tribunal. Essa convicção exigida para a demonstração do facto é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, pode assentar numa regra máxima da experiência. A convicção sobre a prova do facto fundamenta-se em regras de experiência baseadas na normalidade das coisas e aptas a servirem de argumento justificativo dessa convicção. Essas regras de experiência podem corresponder ao senso comum, ou a um conhecimento técnico ou científico especializado.

A convicção do tribunal extraída dessas regras da experiência é uma convicção argumentativa, isto é, uma convicção demonstrável através de um argumento. A regra de experiência que o tribunal pode utilizar para fundamentar a sua convicção sobre a prova realizada é a mesma que pode ser usada pela parte como argumento para a formação dessa convicção – ou para a impugnar. Quer dizer: a máxima de experiência que pode convencer o tribunal da veracidade do facto é a mesma que pode ser utilizada para a fundamentação da decisão desse órgão sobre a apreciação da prova ou para impugnar essa mesma decisão[64].

Note-se, que um tal ónus de argumentação é de todo independente do registo da prova: este registo destina-se a assegurar o controlo pelo tribunal ad quem da correcção daquela decisão e não a tornar mais leve aquele ónus de argumentação.

                3.5.1. Reponderação da decisão relativa à matéria de facto da 1ª instância.

                Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, no sentido já apontado. É o caso da prova da prova pericial (artº 389 do Código Civil).

                A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes (artº 341 do Código Civil). Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388 do Código Civil)

                No tocante ao valor da perícia, quer se trate da primeira perícia quer da segunda, vale, por inteiro, de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (artº 389 do Código Civil)[65].

                Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres dos peritos como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à pericial, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.

                Agora, convém não esquecer o peculiar objecto a prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388 do Código Civil).

                Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Deste modo, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica.

Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva[66] (artº 653 nº 2 e 659 nº 2, in fine, do CPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida[67].        

Mas, em boa verdade, não se deve confiar, de forma ilimitada ou irrestrita, no efeito prático do ditame de que o juiz é o perito dos peritos. Dado que a prova pericial supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado, é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos.

Isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, maxime, uma nova perícia, a liberdade do juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso dos peritos, as razões da sua convicção.

Por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa.

                Nem outro é o caso do recurso. Realmente, como linearmente decorre da motivação adiantada pela Sra. Juíza de Direito para justificar o seu julgamento, uma das provas que exerceu uma influência considerável no seu espírito - cuja produção, foi, aliás, ordenada oficiosamente - foi, decerto, a prova pericial, produzida por recurso a perito único. E foi essa prova que, declaradamente, teve por decisiva no tocante às origens das deficiências que a casa padece.

                Este facto constituía objecto do quesito 13º, no qual se perguntava, justamente, se os defeitos reclamados e denunciados têm origem na deficiente construção realizada e sua execução, quer em termos de betonagem quer ao nível da compactação de terrenos que afastaria a origem dos problemas que a habitação padece – e que mereceu esta resposta sem reserva: provado.

                Este mesmo facto foi sujeito à consideração do perito e obteve dele esta resposta restritiva: os defeitos verificados aquando da vistoria do prédio têm origem em defeitos de construção, não se verificando anomalias relacionadas com betonagem e compactação de solos.

                Portanto, a prova de que, declaradamente, o tribunal da audiência se socorreu para estabelecer a realidade daquele facto desmente a exactidão da resposta. Neste ponto, a recorrente tem, realmente, razão. Houve erro de julgamento, que deve corrigir-se dando aquele ponto o mesmo conteúdo da resposta do perito: que os defeitos verificados aquando da vistoria têm origem em defeitos de construção.

                Perguntava-se, no quesito 18º, se o valor da reparação dos defeitos patenteados pela casa dos autores ascendia a € 16 577,00, IVA incluído. Na sequência de decisão de deferimento do requerimento dos autores de ampliação do seu pedido, quesitou-se, posteriormente, se o custo daquela reparação ascendia à quantia de € 16 577.00, a que acresce IVA. A redacção deste quesito mostra-se de todo inexacta, dado que – conforme decorre do requerimento, recebido no dia 10 de Março de 2010, a partir do qual foi formulado - o que os autores alegaram foi que o valor actual, do custo das reparações, com IVA incluído era de 21 156,00 euros.

Seja como for, o decisor de facto da 1ª instância julgou provado que a reparação dos problemas mencionados ascendia em 27 de Janeiro de 2010, à quantia de 17.630,00, acrescida do valor IVA, tendo escrito, para justificar, esse julgamento que o tipo de reparação a efectuar foi confirmado pela prova pericial, com base no orçamento que acompanhou a petição inicial (fls. 50), tendo posteriormente sido apresentado um orçamento idêntico, mas com actualização de valores, face ao tempo que veio a decorrer, razão pela qual se nos afigura como razoável que os preços tivessem aumentado (fls. 315).

                Os orçamentos oferecidos pelos autores, elaborados pela mesma empresa, mostram-se datados de 22 de Agosto de 2007 e 27 de Janeiro de 2010. Todavia, o relatório da perícia, elaborado em 29 de Dezembro de 2010, declarou-se inteiramente concordante com os valores constantes do primeiro daqueles orçamentos e – como bem nota a recorrente – nos esclarecimentos que prestou na audiência de discussão e julgamento, o perito garantiu que valor do primeiro daqueles orçamentos, em termos genéricos é um valor perfeitamente razoável.

                Dado a significativa diferença entre o valor de um e de outro orçamento – mais de € 4 000,00 – e a concordância do perito, meses antes da elaboração do segundo orçamento, com os valores constantes do primeiro, não se julga suficiente, para explicar a opção pelo orçamento de valor mais elevado, o simples decurso do tempo.

                 Também não se julga prudente o afastamento do resultado da perícia a partir de um simples orçamento. Em face do primeiro orçamento, julgou-se necessário – e bem – recorrer à perícia para averiguar o valor exacto exigido para as reparações dos defeitos, não se afigura coerente que, depois, o parecer pericial seja prejudicado por outro orçamento, produzido pela mesma empresa, cerca de um mês depois da elaboração do relatório pericial.

                É exacto – por ser notório – que a economia portuguesa continua a ser sistemicamente afectada pelo fenómeno inflacionário, nos últimos anos de forma mais moderada. Mas se se tiver presente que nos anos de 2008 e 2009, o nível geral de preços registou uma evolução de 2,7% e -0,9%, a diferença entre os valores de um e de outro não é explicável pela simples variação da taxa de inflação. De outro aspecto, constitui facto notório que o sector da construção civil sofre de uma crise sem precedentes, patente, por exemplo, no recuo do valor das habitações.

Independentemente destas considerações, a verdade é que não há nenhuma regra de experiência que suporte a conclusão que no arco temporal que mediou entre um e outro orçamento, o nível de preços, naquele sector da actividade, tenha sofrido uma oscilação, no sentido do aumento, que justifique a diferença de valor entre aqueles orçamentos. Isto mesmo é confirmado pelo perito que esclareceu, na audiência, a pergunta do Exmo. Advogado dos autores, que há preços unitários que se praticam hoje que já se praticavam há seis ou sete anos e que alguns até baixaram.

                Nestas condições, há, realmente, boas razões para concluir, no tocante a este ponto de facto, pelo error in iudicando que a recorrente assaca à decisão correspondente da 1ª instância.

                Importa, pois, corrigir esse erro dando como provado o valor da reparação sufragado pela perícia: € 13 700,00, acrescido do valor IVA que se mostrar devido.

                Um outro ponto da decisão da matéria de facto que merece também a veemente discordância da recorrente é o relativo à aquisição do aparelho de ar condicionado é a respectiva funcionalidade.

                Alega a recorrente que o documento de que o tribunal se serviu para julgar provado tal facto – incluso a fls. 46 - é demasiado vago, dado que não refere qualquer marca ou modelo comercial, não identifica a entidade emissora da factura nem o ramo de actividade comercial exercida pela entidade que emitiu tal documento. Esta alegação é inteiramente exacta.

                Simplesmente, como decorre da fundamentação da decisão da matéria de facto, aquele documento não foi a única prova que concorreu para formar a convicção do tribunal a quo sobre a realidade do facto discutido. Para assentar na veracidade daquele enunciado de facto, o decisor da 1ª instância teve por convincente uma outra prova: a prova testemunhal representada pelo depoimento da testemunha António Serra Ribeiro. E realmente, esta testemunha – que é vizinho dos autores – asseverou que a qualidade de vida era má, era uma casa cheia de humidades, as paredes era cinzento escuro, era só humidades; em termos de saúde, não era bom, constatei isso em casa do Sr. Amândio; o Sr. Amândio adquiriu um aparelho de ar condicionado; ele meteu o aparelho de ar condicionado, foi devido às humidades que tinha dentro de casa que não lhe davam bom ambiente, sei lá, de respiração; o ar condicionado funcionava como desumidificador.

                Em face deste depoimento, conjugado com o documento apontado, não viola nenhuma regra prudencial de avaliação da prova, julgar provado aquele ponto de facto.

É irrelevante para a decisão da causa e do recurso – segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do seu objecto – averiguar se aquele aparelho dispõe da funcionalidade de desumidificação (artº 511 nº 1 do CPC). Em todo o caso, dir-se-á que essa funcionalidade é inerente, por força de uma lei da física, aos sistemas de ar condicionado, sempre que operem no modo de arrefecimento.

                O último ponto da decisão da matéria de facto de cujo julgamento merece também o descontentamento da recorrente é o que prende com a aceitação e reconhecimento, por si, dos defeitos da coisa que prestou, objecto do quesito 3º. No seu ver, este ponto de facto foi também erroneamente julgado, dado que nunca aceitou ou reconheceu tais defeitos. Ergo, aquele quesito, deve ser julgado não provado.

                Quanto a este segmento da impugnação, o primeiro ponto que fere a atenção é o facto não serem patentes, em face da alegação da recorrente, as provas que, no seu ver, foram mal valoradas e que inculcam, para aquele ponto de facto, decisão de sentido contrário àquela que para ele foi encontrada pelo tribunal da audiência.

                Seja como for, a realidade do facto reconhecimento dos defeitos é irrecusavelmente imposto por outros de facto cuja exactidão do julgamento a recorrente não controverte.

                Decorre da matéria de facto apurada na 1ª instância – que não é objecto de controversão no recurso – que os recorridos denunciaram os defeitos em Abril de 2006 e que, na sequência dessa comunicação, a ré diligenciou pela sua reparação, comunicando-os à interveniente, que procedeu à reparação de alguns desses defeitos – respostas aos quesitos 1º e 2º e 4º e 5º.

                Este comportamento da recorrente é significante, inequívoco, de que reconheceu, ao menos tacitamente, a existência dos defeitos denunciados. Para se subtrair a esta consequência, a recorrente alega que o envio das reclamações dos compradores para o construtor das casas era tudo a um nível administrativo, já que não era sua função a actividade de construção, trabalho que cabia ao empreiteiro. Dito doutro modo: eu nada ver com os defeitos com as reparações, dado que não procedi a construção da casa. Não a construiu – mas vendeu-a e, portanto, está vinculada aos deveres que decorrem da garantia edilícia, não se podendo remeter à posição neutra e passiva de mero transmissor das denúncias dos vícios e defeitos denunciados pelo comprador. Em qualquer caso, o facto de ter diligenciado junto do construtor pela reparação dos defeitos, comunicando-os a este, constitui factum concludentiam do reconhecimento dos vícios denunciados.

                Independentemente da exactidão destas considerações, a verdade é que a prova disponível inculca, indelevelmente, a realidade do facto discutido.

                É o que decorre, desde logo, do depoimento da testemunha …, administrativa, funcionária da recorrente há 29 anos. Esta testemunha afiançou, designadamente que, a partir de 2002, recebia reclamações – do lote 3 – que eram enviadas sempre à construtora Abrantina. Eram instruções da Direcção (da recorrente) e assegurou que insistiu junto da A… para serem feitas as reparações; havia cartas da Direcção insistindo para com o construtor para que fizesse as reparações; a resposta da A… era que iam fazer as obras; houve várias reclamações, do lote, nos anos de 2002, 2004 e 2006, que diziam respeito a fissuras e humidades – eram as mais frequentes.

                E para calar definitivamente qualquer dúvida que se pudesse insinuar a este propósito, está uma outra prova: a carta de resposta, datada de 19 de Junho de 2007, dirigida pela recorrente a mandatário do autor, na qual se podem ler entre outras coisas, estes dizeres: (…) Sempre nos batemos pela resolução urgente dos problemas/anomalias detectados. Se no início a resposta foi pronta, neste momento tentamos à cerca de dois anos e meio conseguir que a Construtora A… execute as reparações abrangidas pela garantia da obra. Há cerca de três meses, após a verificação das condições da envolvente e do interior das habitações, propôs-se e a V…, Lda., aceitou primeiro o tratamento dos panos exteriores das paredes para garantir que as reparações a serem feitas no interior não fossem prejudicados. E, como decorre da carta, datada de 9 Maio de 2007, Dirigida pela V…, Lda., ao morador do Lote 3, esta propôs-se proceder à reparação dos defeitos - mas declinou a sua responsabilidade pelos respectivos custos, fazendo-os recair sobre os compradores.

                Estas provas convencem, para além de toda a dúvida razoável, que realmente, a recorrente não se limitava à actividade puramente burocrática e asséptica de retransmitir ao construtor as reclamações por defeitos deduzidas pelos compradores, antes insistia junto daquele para que procedesse à sua reparação, insistência que, em boa lógica, só se compreende em face do reconhecimento da existência dos defeitos denunciados, já que seria de todo absurdo que a apelante exigisse, repetidamente, a reparação de vícios – que não existiam.

                Serve para dizer, que, neste ponto, a impugnação é infundada e que, portanto, a decisão de declarar provado o enunciado de facto relativo ao reconhecimento pela recorrente dos defeitos denunciados é inteiramente exacta.

                Este viaticum habilita-nos a decidir as questões concretas controversas objecto do recurso.

                3.6. Concretização.

                È axiomático que entre a recorrente e os recorridos foi concluído um típico contrato de compra e venda e que a primeira, cumpriu, de forma que se presume culposa, a prestação de coisa que para ela emergiu daquele contrato, dado que entregou aos recorrentes uma casa com múltiplos e graves defeitos (artº 799 nºs 1 e 2 do Código Civil).

                Por força desse cumprimento defeituoso, a recorrente ficou, desde logo vinculada, ao dever de proceder à eliminação daqueles defeitos. A recorrente ainda promoveu a reparação desses defeitos, mas essa tentativa não obteve êxito. Face à permanência dos defeitos, os recorridos reiteraram a sua denúncia – mas obtiveram por resposta uma proposta, produzida por uma empresa terceira, na qual era proposta a reparação, mas não à custa do vendedor – mas do comprador.

                Neste contexto, a conclusão – tirada na sentença apelada e que a recorrente não discute no recurso - de que aquela conduta da apelante se resolve numa recusa de cumprimento da obrigação de reparação e, consequentemente, que incumpriu definitivamente essa mesma obrigação, é de toda a correcção (artº 808 do Código Civil).

                Aos recorridos assiste, por isso, o direito de por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, e de reclamar antecipadamente o reembolso da despesa correspondente. O valor dessa despesa, de harmonia com a decisão da matéria de facto – tal como se mostra reconformada em consequência da reponderação do julgamento correspondente feita nesta Relação – é de apenas € 13 700,00, acrescida de IVA.

                Um dos defeitos graves da coisa prestada pela recorrida patenteia é a sua permeabilidade. que teve este efeito perverso: a dispersão pelo interior da casa da humidade e a redução da respectiva temperatura, comprometedora não apenas do conforto mas mesmo da saúde dos autores e da sua família, tendo estes, para obviar a essa insalubridade, adquirido um aparelho de ar condicionado, quer para elevar a temperatura quer para baixar o teor de humidade. Trata-se de um dano, que apesar de indirecto ou mediato, é ainda objectivamente imputável ao facto ilícito e culposo da recorrente, que os recorridos não teriam suportado caso lhes tivesse prestado uma casa isenta daquele defeitos e que, portanto, não comprometesse a sua saúde e bem-estar (artºs 562, 563, 564 nº 1 e 566 nº 2 do Código Civil). A recorrente deve, por isso, repará-lo.

                Por força dos graves defeitos – e das respectivas sequelas - que a coisa que a recorrente lhes prestou padece, os recorridos sentem-se tristes.

Uma casa é um bem fundamental, um bem estruturante do património de qualquer pessoa – muitas vezes o bem mais valioso – a sua aquisição importa, também muitas vezes, um sacrifício patrimonial extraordinariamente severo, e o seu valor representa, não raro, a poupança líquida de toda uma vida. E além da sua dimensão patrimonial preenche ou dá satisfação a necessidades eminentemente espirituais. É natural, por isso, que o aspecto da casa, o seu desconforto – e mesmo a sua insalubridade – a desvalorização do seu valor, e o condicionamento do seu uso, entristeça os recorridos. Trata-se, indubitavelmente, de dano não patrimonial grave que deve ser objecto de adequada compensação – sendo indiferente, no caso, o fundamento dessa compensação: a responsabilidade ex-contractu ou a responsabilidade ex-delicto.

                A sentença apelada, em inteira correspondência com o pedido dos autores, computou essa compensação em € 2 500,00. A recorrente discorda achando que um tal valor é iníquo, censurando à sentença apelada a omissão da não ter indagado a sua débil situação económica e, parece, o seu relevantíssimo papel a nível social, na cidade de Coimbra, desde a sua criação em 1976. Mas tais factos nem sequer foram objecto de oportuna alegação e, por isso, a sentença não podia considerá-los, sob pena de incorrer na nulidade substancial, por excesso de pronúncia, segundo certo entendimento do problema, ou num erro de julgamento, segundo outro (artºs 264 nº 1, 664, 2ª parte, e 668 nº 1 d), in fine, do CPC).

                Quanto a este aspecto, a única coisa que se pode ter por certa, é a ignorância tanto da situação económica da recorrente como, aliás, dos recorridos.

                Mas mesmo nessa ignorância, tendo em conta, designadamente a etiologia daquele dano, o bem jurídico atingido e o tempo decorrido, bem pode dizer-se que, em, em face dos parâmetros a que obedece o cômputo da respectiva indemnização – sobretudo se se lhe der um coloração punitiva – o valor pedido e para ela encontrado pela sentença peca – mas por defeito.

                Por último, a recorrente opôs aos recorridos a excepção peremptória da caducidade – que a sentença apelada desamparou. E fez bem. Por duas razões, de resto.

                Em primeiro lugar, porque a recorrente, com o reconhecimento do direito actuado pelos recorridos impediu essa caducidade e, por força desse impedimento, aquele direito passo a ficar sujeito a prescrição – e ao prazo ordinário desta.

Em segundo lugar, porque os prazos de caducidade dispostos na lei para a actuação da garantia edilícia, não são aplicáveis nem ao direito à compensação dos danos não patrimoniais – já que não se trata de um dano dos vícios lesivos do interesse na prestação, danos na própria coisa, danos directos imediatos, do vício em si ou danos do não cumprimento perfeito, mas de prejuízos indirectos, mediatos, sofridos pelo comprador em bens de personalidade[68] - nem ao direito de indemnização em dinheiro pelo custo da eliminação dos defeitos, pelo comprador ou por terceiro, assente no incumprimento definitivo da obrigação correspondente do vendedor. Esta última proposição pode detalhar-se do modo seguinte.

Como este direito de indemnização resulta da aplicação das regras gerais do direito das obrigações e não das regras especiais reguladores da prestação de coisa com defeito, não lhe aplicam os prazos de caducidade previstos apenas para o exercício dos direitos conferidos por este regime especial.

                Realmente, resultando este último direito de indemnização do incumprimento definitivo de um dos direitos cujo exercício está sujeito aos apontados prazos de caducidade, seria absurdo que também ele estivesse sujeito aos mesmos prazos. Se o comprador tivesse obstado ao decurso dos prazos de caducidade instituídos pela garantia edilícia para o exercício do direito de exigir a eliminação dos defeitos, no limite, era-lhe já impossível actuar esse direito de indemnização nesses mesmos prazos. E mesmo que não tivesse actuado aqueles direitos em data próxima do terminus ad quem do prazo de caducidade, dificilmente conseguiria exercer aquele direito de indemnização, assente no incumprimento das respectivas prestações, considerado o tempo que decorre ate que esse incumprimento se possa considerar definitivo. A conclusão a tirar é, portanto, que tais direitos estão sujeitos ao prazo ordinário de prescrição (artº 309 do Código Civil).

                Em absoluto remate: o recurso deve proceder – mas apenas parcialmente.

                As custas do recurso deverão ser satisfeitas tanto pela recorrente como pelos recorridos, dado que ambos nele sucumbem – e na exacta medida dessa sucumbência (artº artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

                4. Decisão.           

                Pelos fundamentos expostos, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência:

a) Modifica-se, nos termos supra referidos, a decisão da matéria de facto;

                b) Revoga-se a sentença apelada, no segmento em que condenou a apelante, Cooperativa de Habitação e Construção M…, CRL, a pagar aos recorridos, A…, e cônjuge, L…, a quantia de € 17.630,00, acrescida de IVA, e condena-se a primeira a pagar aos segundos apenas a quantia de € 13.700,00, acrescida de IVA;

                c) Mantém-se, no mais, a sentença impugnada.

                Custas, da acção e do recurso, pela recorrente e pelos recorridos, na proporção da respectiva sucumbência.

                                                                                                                            

                                                                                                                             Henrique Antunes (Relator)

                                                                                                                           Regina Rosa

                                                                                                                             Artur Dias


[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.3.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Cfr., relativamente aos deveres acessórios de protecção, e no sentido da sua descontratualização, cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, 1994, págs. 55 a 92.
[3] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185. É portanto, à luz do fim da coisa prestada pelas partes – concepção subjectivo-concreta de defeito – ou, na sua falta, à luz do uso corrente, habitual – noção objectiva do defeito – que se aprecia a existência do vício. Cfr. João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336.
[4] Pedro Romano Martinez, Compra e Venda e Empreitada, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora, págs. 246 e 247 e Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, pág. 128 e João Calvão da Silva, cit. pág. 336;
[5] Ac. da RL de 21.02.91, CJ, XVI, I, pág. 161
[6] Ac. da RP de 17.11.92, CJ, XVIII, V, pág. 224.
[7] Neste sentido, João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança. Almedina, Coimbra, 2001, págs. 82 a 84. Mas o ponto é duvidoso. Cfr., no sentido da aplicação, no tocante às situações de defeito superveniente, as regras específicas da venda de coisas defeituosas – e, portanto, propondo uma interpretação restritiva do preceito no sentido de que se pretendeu unicamente esclarecer, que no caso previsto, têm aplicação as regras gerais relativas à transferência da propriedade e do risco - Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., págs. 214 e 215 e 224 a 227.
[8] Ressalva-se, evidentemente, a responsabilidade sem culpa do vendedor, se for dada garantia de bom funcionamento (artº 921 do Código Civil). Mas esta responsabilidade objectiva não vale para todas as pretensões edilícias – mas apenas para os deveres de reparar a coisa e de proceder à sua substituição.
[9] É de caso pensado que o texto se refere à supressão do contrato e não a anulabilidade dele, directamente indicada na lei. O uso daquela expressão teve em vista compreender o entendimento segundo o qual a venda de coisa defeituosa faculta ao comprador não o exercício da faculdade de requerer a anulação do contrato, mas de promover resolução dele e que, portanto, não trata de um problema de erro mas de incumprimento. Cfr., v.g., Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, págs. 129 e 130 e Acs. do STJ de 26.6.95, CJ (STJ), II, pág. 143, da RC de 28.03.89 CJ XIV, II, pág. 47 e da RP de 13.05.93, CJ, XVIII, III, pág. 201.
[10] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, págs.106 a 110; Acs. STJ de 19.10.94, CJ, STJ, II, III, pág. 93, RE de 26.09.96, CJ XXI, IV, pág. 282 e RC de 02.10.01, CJ XXVI, IV, pág. 24.
[11] João Cura Mariano, A Responsabilidade, cit., págs. 114 e 115, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 346 e Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 483 e Acs. da RP de 22.01.96, CJ XXI, I, pág. 202, e da RC de 10.12.96, RLJ Ano 131, pág. 113.
[12] Ac. da RP de 14.01.92, CJ, XVII, I, pág. 222.
[13] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., pág. 383, e Direito das Obrigações, (Parte Especial), (Contratos), cit., pág. 485, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pelos Defeitos da Obra, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 101 e Ac. da RC de 18.01.11, www.dgsi.pt.
[14] Ac. da RL de 08.05.90, CJ, III, pág. 112, e João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 44 e 45. No mesmo sentido, no tocante ao cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pelos Defeitos da Obra, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 91 a 93.
[15] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., pág. 260 e ss. e Direito das Obrigações, (Parte Especial) Contratos, Compra e Venda, Locação, Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 139 e 140 e Acs. RC de 31.05.94, CJ, XIX, III, pág. 22, da RL de 6.12.88, CJ, XIII, V, pág. 114, da RE de 31.01.91, CJ, XVI, pág. 292, de 20.02.92, CJ XVII, I, pág. 237 e do STJ de 31.05.94, BMJ nº 356, pág. 349.
[16] Mário Júlio de Almeida e Costa, O Concurso da Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual, Ab Uno Ad Omnes, 75 anos da Coimbra Editora, 1998, págs. 555 e ss. e Direito das Obrigações, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 477 e 478.
[17] Miguel Teixeira de Sousa, O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, Almedina, Coimbra, 1988, págs. 150 a 159.
[18] António Menezes Cordeiro, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda, Parecer, CJ, XII, IV, págs. 39 e ss.
[19] António Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 1987, pág. 134.
[20] Cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez – Direito das Obrigações, (parte especial), Contratos, Compra e venda, Locação e Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 140 – ao ponderar que quando a prestação defeituosa causa, em simultâneo, danos circa rem e extra rem, o comprador tem direito a uma prestação indemnizatória, mas há concurso de normas. O concurso não é entre responsabilidades, mas entre normas específicas que estabelecem regimes diversos.
[21] Apesar de Vaz Serra o ter equacionado nos trabalhos preparatórios do Código Civil, propondo o reconhecimento ao credor a faculdade de optar por um outro regime ou até de cumular regras de uma e outra forma de responsabilidade. Cfr. Responsabilidade Contratual, BMJ nº 85, págs. 208, 230 e 239 e 239.
[22] Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pág. 209, Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970 pág. 411, Mota Pinto e Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, 1980, págs. 148 e 149, Vaz Serra, RLJ Ano 102, pág. 313, António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2003, págs. 429 a 431 e Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 713 e 714 e os Ac. do STJ de 26.11.90 e 22.10.87, BMJ nºs 301, pág. 404 e 370, pág. 529, respectivamente.
[23] No primeiro sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª edição, vol. I, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 565 e nota (3), e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol., 4ª edição, Coimbra, 1987, pág. 501; no segundo sentido – que corresponde à doutrina e jurisprudência maioritárias – Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, pág. 102 e RLJ Ano 108, pág. 122, Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, vol. I, Lisboa, 1975, pág. 576, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., Coimbra, 1984, pág. 396 e Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, Coimbra, 1989, pág. 383. Rui de Alarcão – Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pág. 278 – sustenta que uma compensação por danos morais só pode, em princípio ser feita valer no terreno delitual, e Ribeiro de Faria – Direito das Obrigações, vol. I, Porto, 1987, pág. 493 – julga ser duvidoso que o artº 496 do Código Civil, pela sua inserção sistemática, seja aplicável á responsabilidade contratual; Acs. do STJ de 04.06.74, 18.11.75, 02.12.76, 30.01.81 e BMJ nºs 238, pág. 204, 251, pág. 148, 262 pág. 142 e 303, pág. 212 e www.dgsi.pt.
[24] Vaz Serra, RLJ Ano 108 e Ac. do STJ de 30.01.81, citados.
[25] Cfr. Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, pág. 84 e ss.
[26] Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada. Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, 1994, págs. 55 e ss., 240 e ss. e 274 e ss.
[27] Maria Manuel Veloso, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, págs. 501 a 508. Cfr., porém, no sentido que, no contexto do incumprimento de obrigações, o critério da relevância jurídica do dano não patrimonial nem sempre será apropriado, Rui Soares Pereira, A Responsabilidade por Danos Não Patrimoniais do Incumprimento das Obrigações no Direito Civil Português, Coimbra Editora, 2009, pág. 320.
[28] Dano grave não é, porém, apenas o dano excepcional: cfr. Ac. do STJ de 04.03.08, www.dgsi.pt.
[29] Assim, v.g. Ac. da RC de 06.02.90, CJ, I, pág. 92.
[30] Acs. do STJ de 2.10.73, BMJ nº 230, pág. 107, de 26.6.91, BMJ nº 408, pág. 438 e de 10.11.03, CJ, STJ, I, III, pág. 132.
[31] Jorge Sinde Monteiro, Reparação dos Danos Pessoais em Portugal, CJ, 86, IV, pág. 11.
[32] Maria Manuel Veloso, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, págs. 512. Os Ac. da RC de 19.11.87, BMJ nº 379, pág. 543, da RL de 04.07.00, CJ, IV, pág. 73, da RP de 02.05.02 e do STJ de 29.06.94, www.dgsi.pt., assentaram nessa gravidade no tocante aos incómodos resultantes para o proprietário da privação do veículo automóvel enquanto se aguarda a sua reparação, à danificação de um automóvel Alfa Romeu antigo, no caso de lesão de um cão e, por último, no caso do abate, não autorizado, de 73 eucaliptos e 3 pinheiros, respectivamente.
[33] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185. É portanto, à luz do fim visado pelas partes com a obra – concepção subjectivo-concreta de defeito – ou, na sua falta, à luz do uso corrente, habitual – noção objectiva do defeito – que se aprecia a existência do vício. Cfr. João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336.
[34] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 395 e João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 115 a 119; Acs. da RC de 10.12.96, RLJ, Ano 131, pág. 113, RE de 23.04.98, BMJ nº 476, pág. 507 e RL de 18.05.99, CJ, XXIV, II, pág. 102.
[35] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, págs.106 a 110; Acs. STJ de 19.10.94, CJ, STJ, II, III, pág. 93, RE de 26.9.96, CJ XXI, IV, pág. 282 e RC de 2.10.01, CJ XXVI, IV, pág. 24.
[36] João Cura Mariano, A Responsabilidade, cit., págs. 114 e 115, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 346 e Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 483 e Acs. da RP de 22.1.96, CJ XXI, I, pág. 202 e da RC de 10.12.96, RLJ Ano 131, pág. 113.
[37] Neste sentido, João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 45 e 82, e Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, pág. 372 e Direito das Obrigações, pág. 144 e nota (4) e o Assento do STJ de 04.12.96, DR, I Serie, de 30 de Janeiro de 1997 e, v.g., o Ac. do STJ de 02.11.06, www.dgsi.pt.
[38] Neste sentido João Calvão da Silva, Compra e Venda, cit., pág. 72, e Ac. do STJ de 22.02.07, www.dgsi.pt.

[39] António Menezes Cordeiro, Da Caducidade no Direito Português, Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina Coimbra, 2007, pág. 7.
[40] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2008, págs. 26 a 30.
[41] Assim, ainda que no contexto do contrato de empreitada, v.g., os Acs. da RP de 03.03.09, da RL 26.11.09, da RP de 09.06.10, 09.12.10, 08.02.11 e 21.02.11, www.dgsi.pt e João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 137.
[42] Ac. da RL de 01.10.09,www.dgsi.pt.
[43] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso. Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pág. 381, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, Lisboa, 1988, pág. 378 e Ac. da RP de 28.10.04, www.dgsi.pt.
[44] Cfr. Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 228 a 293.
[45] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, vol. 2º Volume, pág. 283.
[46] Pereira Coelho, o nexo de causalidade na responsabilidade civil, Boletim da Faculdade de Direito, suplemento IX, Coimbra, 1951, pág. 107 e ss. Tratando-se de danos não patrimoniais, só são atendíveis os que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artº 496 nº 1 do Código Civil). À luz desta exigência, a jurisprudência sustenta que não compensáveis dos danos não patrimoniais que se traduzam em meros incómodos. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 2.10.73, BMJ nº 230, pág. 107, de 26.6.91, BMJ nº 408, pág. 438 e de 10.11.03, CJ, STJ, I, III, pág. 132.
[47] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, Lisboa, AFDDL, 1980, págs. 285 e 286.
[48] Maria Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, págs. 514 e 515.
[49] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª ed., Coimbra Editora, 1989, pág. 370.
[50] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pág. 601.
[51] Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, págs. 65 e ss.
[52] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed. Almedina, Coimbra, 1986, pág. 566.
[53] Ac. do STJ de 26.02.04, www.dgsi.pt.
[54] António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 1984, pág. 1202 e 1203 e A Decisão Segundo a Equidade, O Direito, Ano 122, II, 1990, pág. 261 e ss.
[55] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[56] Ac. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150.
[57] Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220 e 221.
[58] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2000, págs. 273 e 274.
[59] Ac. do STJ 08.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt.
[60] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt.
[61] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45.
[62] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[63] Antunes Varela, RLJ Ano 116, pág. 330.
[64]  Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa, 1995, p. 239)
[65] Acs. da RP de 29.03.93 e da RE de 11.11.94, BMJ nºs 425, pág. 627 e 441, pág. 421. Cfr., contudo, em sentido aparentemente contrário, o Ac. da RP de 29.4.98, BMJ nº 476, pág. 489.
[66] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 263 e 264.
[67] Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, págs. 789 e 780.
[68] Ac. da RL de 08.05.90, CJ, 90, III, pág. 112.