Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1001/09.9TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTIVIDADE PERIGOSA
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV AVEIRO JGIC J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 493 Nº2 CC
Sumário: 1.- Uma actividade é ou não casuisticamente perigosa, para efeitos do art. 493 nº 2 do Código Civil, consoante o circunstancialismo concreto em apreciação.

2.- O jogo do paintball consubstancia uma actividade perigosa.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                        I

 D (…) e R (…), por si e em representação de seu filho P (…) menor à data, instauraram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra N (…), com domicílio na Rua (...) em Aveiro, J (…), com domicílio na Rua (...), em Aveiro, B (…), com domicílio na Rua (...), em Aveiro, e T (…)  com domicílio na Rua (...) em Aveiro, pedindo que estes sejam condenados a pagarem-lhes a quantia global de 40.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, desde a data de interposição da ação até efetivo e integral pagamento.

Como fundamento da ação, alegam os Autores, em síntese, que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na petição inicial, quando o P (…) participava num jogo de paintball organizado pelos Réus, ocorreu um acidente – foi atingido por uma bola num olho – de que resultaram danos morais, cujo ressarcimento pretendem.

Os Réus apresentaram contestação conjunta, na qual, em resumo, começaram por invocar a exceção de prescrição relativamente ao Réu T (…) e, subsequentemente impugnaram a versão do circunstancialismo em que ocorreu o jogo e o acidente aduzida na petição inicial, refutando a sua responsabilidade. Alegaram ainda que o Réu N (…) não estava no local onde decorreu o jogo, o que desde logo, o desresponsabilizaria.

A final concluem pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.

Foi apresentada réplica, pronunciando-se os AA. sobre a matéria da prescrição, concluindo pela improcedência da mesma.

Findos os articulados, realizou-se audiência preliminar, tendo os Autores sido convidados a aperfeiçoar o pedido, após o que clarificaram que, dos 40.000,00 € referidos no pedido global, € 25.000 são para ressarcimento dos danos morais sofridos pelo P(...) e € 15.000 para ressarcimento dos danos morais sofridos pelos pais deste.

Foi proferido despacho saneador, no qual se concluiu pela improcedência da exceção de prescrição e se conheceu parcialmente do pedido, absolvendo-se os Réus do pedido de 15.000,00 € formulado pelos pais do P (…), como compensação de danos morais alegadamente por si sofridos.

Realizado o julgamento, foi depois proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente:

a) – absolveu o Réu N (…)  do pedido;

b) – Condenou os Réus J (…), B (…) e T (…) , a pagarem ao Autor P (…) a quantia de 25.000,00 €, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento.

Inconformado com tal decisão, veio o Réu T (…) recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

(…).

A final requer seja o recurso julgado procedente.

Foram apresentadas contra-alegações, nas quais o apelado requereu o desentranhamento do documento junto pelo recorrente em sede de recurso, o qual à cautela, e para o caso de assim se não entender, impugnou.

Mais requereu que fosse negado provimento ao recurso mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.

                                                                        II

São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal “a quo”:

1 – P (…) nasceu em 07 de Dezembro de 1992, estando registado como sendo filho de D (…) e R (…)  ; – al. A) dos factos assentes

2 - Pelo menos, os Réus J (…), B (…) e T (…) , organizavam jogos de paintball, utilizando, para o efeito, o logradouro e anexos de uma casa desabitada, situada em Aveiro, dividindo entre si as tarefas inerentes – marcavam o ponto de encontro e/ou de reunião dos participante/jogadores e disponibilizavam algum equipamento de proteção –, repartindo entre si os proventos de tal atividade, provenientes das inscrições, no montante de 15,00 € por pessoa, e munições extra, de 5,00 €, por cada recarregamento; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 1º, 2º e 3º .

3 - O jogo de paintball consiste, em termos gerais, na simulação de “jogos de guerra”, cuja finalidade última é a eliminação dos jogadores da(s) equipa(s) adversária(s); – resposta(s) ao(s) quesito(s) 4º.

4.- Para tanto, cada jogador está munido de uma arma de ar comprimido (“tipo pistola metralhadora”) que dispara munições constituídas por bolas de tinta; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 5º.

5 - As bolas de tinta são projetadas, em modo de rajada ou em tiros isolados, a grande velocidade e, quando atingem o alvo, rebentam, deixando marcas; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 6º.

6 - A força com que as munições são projetadas é tal que é exigido o uso de proteções faciais e de pescoço, bem como aconselhável o uso de vestimenta adequada; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 7º.

7 - No dia 27 de Maio de 2006, o Autor P (…) e vários amigos e colegas combinaram encontrar-se, no Centro Comercial Glicínias, com (…), irmã do Réu J (…); – resposta(s) ao(s) quesito(s) 8º.

8 - Uma vez reunido o grupo, as pessoas que o compunham dirigiram-se ao local dos jogos; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 9º.

9 - Aí chegados, o P (…), bem como todos os demais participantes, pagaram ao Réu J (…), a título de inscrição, a quantia de 15,00 €;– resposta(s) ao(s) quesito(s) 10º.

10 - Tal quantia, para além de habilitar os jovens a participar no jogo, dava também direito à utilização da arma, 100 munições, máscara, proteção para o pescoço e colete; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 11º.

11 - Para além das munições inicialmente fornecidas e sempre que fosse necessário recarregar, o jogador podia fazê-lo, pagando para tanto 5,00 € adicionais e recebendo como contrapartida 100 munições extra; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 12º

12 - Após terem sido pagas as quantias das inscrições, o grupo de jovens dividiu-se em duas equipas, tendo os Réus J (…), B (…) e T (…) definido as regras e o plano para o(s) jogo(s); – resposta(s) ao(s) quesito(s) 13º.

13 - O plano de jogo gizado pelos Réus J (…) B (…) e T (…)  consistia no seguinte: uma das equipas ficava dentro dos anexos da moradia e outra no quintal/logradouro, sendo que a finalidade do jogo se resumia a eliminar/abater todos os jogadores da equipa adversária; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 14º.

14 - Uma vez instaladas as equipas no terreno/recinto, os jogos começaram, decorrendo ao longo da tarde; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 15º.

15 - Nesse período, o P (…) participou ativamente em cada um dos assaltos que se foram sucedendo; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 16º .

16 - A dado passo, já perto do fim da tarde, e após a organização ter determinado que o jogo a decorrer seria o último do dia, o (…), companheiro de P (…), deixou de jogar; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 17º e 18º.

17 - Após ter deixado de jogar, o (…) entregou as proteções (máscara, proteção de pescoço e colete) e foi sentar-se num alpendre, contíguo ao recinto de jogos, para onde os Réus J (…), B (…) e T (..) tinham mandado ir os jogadores quando não estivessem a jogar; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 19º.

18 - Pouco tempo depois, o Autor P (…) deixou cair as munições que lhe restavam e, quando isto sucede, as mesmas não podem voltar a ser recarregadas na arma, porquanto podem ficar com impurezas (lixo), o que provoca o mau funcionamento da arma ou mesmo o não funcionamento de todo; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 20º.

19 - Por esta razão, o  Autor entregou as proteções e foi sentar-se no alpendre, junto de T(...) conforme instruções que os Réus J (…), B (…) e T (…)  haviam dado aos jogadores; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 21º.

20 - No decurso deste último jogo, os jogadores que ainda estavam a jogar evoluíam pelo recinto, de modo mais ou menos aleatório, isto é, as movimentações de cada jogador eram ditadas pelas circunstâncias instantâneas do próprio jogo; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 22º

21 - Face à proximidade entre o local onde se encontravam sentados o (…) e o P (…)e os jogadores intervenientes no jogo, um destes disparou um tiro cuja trajetória intercetou o local onde aqueles estavam, atingindo o P (…) no olho direito, privando-o de imediato de visão e causando-lhe dores agudas; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 23º a 27º.

22- O Autor P (…) foi conduzido ao Hospital de Aveiro, sendo posteriormente levado para os Hospitais da Universidade de Coimbra; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 28º.

23- Tendo sido conduzido ao Hospital Pediátrico de Coimbra, o P (…), apresentava à entrada naquela instituição, lesão corneana extensa com hifema do segmento anterior, iridodonesis e catarata traumática sem rutura capsular; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 29º.

24 - Por isso ficou logo internado para tratamento médico e, no dia 05 de Junho, fez lavagem da CA no bloco operatório; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 30º.

25 - Após este internamento, e no decurso das consultas de controlo, detetou-se reabsorção da lesão corneana, apresentando como sequela leucoma paracentral às 8.00 horas, iridodonesis com íris em midriase média reativa por rutura parcial do esfíncter da íris e catarata subcapsular anterior e posterior; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 31º.

26 - Dado apresentar défice visual acentuado (AV OD 20/60) e fotofobia marcada, foi realizada, em 29 de Março de 2007, no Hospital de Coimbra, uma intervenção cirúrgica de catarata OD tendo implantado LIOCP de + 21 D; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 32º.

27 - Acabando por ter alta da consulta de cirurgia com AV de 10/10 com lente progressiva no referido olho com graduação de 1,0x180.0; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 33º.

28 - As lesões acima descritas são de natureza irreversível; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 34º

29 - O P (…) passou a ter que usar permanentemente óculos de proteção e correção à presbiopia, que substituiu, entretanto, por lentes de contacto por não se ter adaptado àqueles; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 35º.

30 - À data do acidente, o P (…) gozava de boa saúde; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 36º.

31 - O facto de ter tido necessidade de usar óculos, que entretanto substituiu por lentes de contacto, para além da angústia e tristeza, provocou ao P (…) grande ansiedade; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 37º.

32 - O que provocou uma alteração sensível na sua personalidade pois que, outrora, era impulsivo, brincalhão, ativo e sempre disponível para todo o tipo de brincadeiras e jogos; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 38º.

33 - Após o acidente, o P (…) passou a ser reservado e muito cuidadoso, deixando, inclusivamente, de acompanhar os amigos em determinados jogos e/ou atividades; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 39º.

34 - O paintball é um desporto, praticado ao ar livre; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 40º.

35 - Cada jogador tem um marcador de plástico com a viseira em acrílico e bolas de tinta biodegradáveis que são “disparadas” pela forma descrita na resposta ao quesito 6º; – resposta(s) ao(s) quesito(s) 41º.

                                                                        III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigo 635º nº 4 do NCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608º nº 2 do mesmo, in fine), são as seguintes as questões a decidir:

I - da (in)admissibilidade do documento junto pelo apelante com as alegações de recurso

II - Da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 2, 12, 13, 17 e 19 da base instrutória, resultando da mesma a inexistência de prova quanto à responsabilidade do apelante (T...) no jogo em questão e, quanto ao exercício duma atividade lucrativa relativamente à organização dos jogos de paintball, onde aquele se inseriu.

III - Da (in)devida consideração do jogo de paintball como atividade perigosa.

I – Da (in)admissibilidade do documento junto pelo apelante com as alegações de recurso

Veio o apelante apresentar com as alegações de recurso um documento intitulado “Declaração” emitido por S..., S.A., que identificou como sendo  a sua entidade patronal, com vista a provar que no dia 27 de maio de 2006, dia do acidente que vitimou o P... , o apelante esteve a trabalhar como vigilante das 08 h às 16 h. E, assim sendo, ou não esteve no local ou quando muito chegou mais tarde.

O apelado opôs-se a tal junção com fundamento na sua intempestividade.

Dispõe o artigo 523 do CPC, então em vigor (atual art. 423 do NCPC), que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, podendo ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ªinstância, sendo neste caso a parte condenada em multa.

A apresentação em momento posterior, ou seja, depois do encerramento da discussão e, no caso de recurso, mostra-se permitida pelo art. 524 do mesmo Código (atual art. 424), condicionada, contudo à alegação e demonstração de que a sua apresentação não tinha sido possível até àquele momento.

Ora tal impossibilidade não foi pelo apelante alegada e, menos ainda demonstrada, pelo que, não reúne o requerido os condicionalismos necessários para ser admitido, rejeitando-se a junção do documento.

Deverá, assim, tal documento ser desentranhado e condenado o apresentante na taxa de justiça mínima, pelo incidente a que deu causa (art. 7º nº 3 do Regulamento das Custas Processuais).

II - Da impugnação da matéria de facto

(…)

Improcede, assim, na totalidade a impugnação da matéria de facto.

III - Da (in)devida consideração do jogo de paintball como atividade perigosa.

Entende o apelante que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, é muito forçado incluir a atividade de paintball no leque das atividades perigosas, para efeitos de aplicação do disposto no art. 493º, n.º 2 do Código Civil.

Dispõe este artigo que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

A lei não define o que é uma atividade perigosa, pelo que, como refere a sentença, importa atentar na doutrina e na jurisprudência.

Para Mário Júlio de Almeida Costa, deve tratar-se de atividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral” (in “Direito das Obrigações”, 9.ª edição, pág. 538).

Também a jurisprudência sublinha essa potencialidade de causar danos, seja pela natureza da atividade, seja, pela natureza dos meios utilizados.

Assim:

Lê-se no Ac. do STJ de 13-10-2009, P.318/06.9TBPZ.S1, in www.dgsi.pt que:

«De um modo geral, considera-se “atividade perigosa” toda aquela atividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral».

Referindo o acórdão do mesmo Tribunal Superior, de 17-01-2012, P. 291/07.6TBLRA.C1.S1, publicado no mesmo sítio que:

« A lei não define o que deva entender-se por atividade perigosa, limitando-se a fornecer ao intérprete uma diretiva genérica para sua identificação, apenas admitindo que ela possa derivar da própria natureza da atividade ou da natureza dos meios empregues, nem sendo viável um conceito que abarque todos os casos».

Como exemplos de atividades perigosas assinaladas, como tal, pela jurisprudência, podemos ver, os casos de corridas de cavalos a galope, a prática de patinagem em determinado circunstancialismo (o tamanho desproporcionado dos sticks face à idade infantil dos praticantes, bola pesadíssima e com previsível e eventual impacto mortal, ausência de proteção adequada dos sticks e de uso obrigatório de máscara e/ou capacete protetor dos jogadores de campo) e, a atividade de exploração de piscinas, instaladas num parque aquático, designadamente a descida de escorregas, atividades estas que, mais recentemente, e até pela novidade de algumas delas, vieram a acrescer a uma já extensa lista de outras que a jurisprudência vinha integrando em tal definição, como, os casos de monda química por meios aéreos, de construção de barragens, de fabricação de produtos pirotécnicos, de abate de árvores, de utilização de explosivos, de realização de escavações no sopé de encosta por máquinas escavadoras, de organização de karting e de lançamento de fogo-de-artifício (conforme referência feita na sentença ao Ac.do STJ de 13/10/2009, P.318.06.9, in www.dgsi.pt).

Ora, o que ressalta de toda a jurisprudência é que uma atividade é ou não casuisticamente perigosa, consoante o circunstancialismo concreto em apreciação, ou seja, a perigosidade de uma atividade há-de ser apurada, caso a caso, perante as circunstâncias concretas.

No caso dos autos, provou-se que os Réus J (…), B (…) e T (…) organizavam jogos de paintball, utilizando, para o efeito, o logradouro e anexos de uma casa desabitada, situada em Aveiro, dividindo entre si as tarefas inerentes – marcavam o ponto de encontro e/ou de reunião dos participante/jogadores e disponibilizavam algum equipamento de proteção –, repartindo entre si os proventos de tal atividade, provenientes das inscrições, no montante de 15,00 € por pessoa, e munições extra, de 5,00 €, por cada recarregamento, tendo sido nesse circunstancialismo que ocorreram os factos em causa nos autos.

O paintball é um jogo de muita ação, que simula um combate entre duas equipas, visando, como no caso dos autos, acabar com todos os elementos da equipa adversária.

Todos os jogadores têm de usar máscaras de proteção com vista a protegerem o rosto e, coletes de proteção.

Um jogador é eliminado quando uma bola atinge qualquer parte do seu corpo e rebenta, causando uma mancha de tinta.

As duas equipas localizam-se nas extremidades do campo, o qual tem normalmente obstáculos naturais, como árvores.

As armas ou “marcadores” são equipamentos de alta tecnologia, funcionam com ar comprimido e atiram as bolas a grande velocidade. A bola ao atingir o adversário normalmente rebenta e liberta a tinta.[1]

A atividade de paintball não está regulamentada em Portugal e, foi explicitamente excluída do âmbito de aplicação do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02 (art. 1º, n.º 4, al. b) do referido diploma).

Não obstante, não pode deixar de se entender que tal atividade configura uma atividade perigosa, em particular devido à força com que as munições são projetadas.

Como bem referiu a decisão recorrida “tal perigosidade é tanto maior quando o jogo é praticado nas circunstâncias descritas nos autos, ou seja, sem que haja uma zona em que os jogadores que já terminaram de jogar e continuam a assistir ao jogo e demais pessoas que assistam ao evento possam estar resguardadas de qualquer bola perdida que as possa atingir”.

Com efeito, como se apurou, depois de ter participado em vários jogos, o Autor entregou as proteções e foi sentar-se no alpendre, junto de outro jogador que também já havia deixado de jogar, o (…), conforme instruções que os Réus J (…), B (…) e T (…) , haviam dado aos jogadores. No decurso do último jogo, os jogadores que ainda estavam a jogar evoluíam pelo recinto, de modo mais ou menos aleatório, isto é, as movimentações de cada jogador eram ditadas pelas circunstâncias instantâneas do próprio jogo. Face à proximidade entre o local onde se encontravam sentados o (…) e o P (…) e os jogadores intervenientes no jogo, um destes disparou um tiro cuja trajetória intercetou o local onde aqueles estavam, atingindo o Autor no olho direito, privando-o de imediato de visão e causando-lhe dores agudas.

Assim, a atividade em concreto exercida pelos Réus, pelos meios utilizados, não pode deixar de ser considerada uma atividade perigosa, na medida em que tem ínsita uma especial aptidão para produzir danos.

E, nessa medida tem o seu enquadramento legal no artigo 493 nº 2 do Código Civil, que estabelece-se uma presunção de culpa por parte de quem exerce tal atividade.

Não tendo o apelado (ou qualquer um dos demais RR. condenados em 1ª instância) provado que empregaram todas as diligências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos, não podiam deixar de ser responsabilizados por tal atividade.

Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida.

Em suma:

- Uma atividade é ou não casuisticamente perigosa, para efeitos do art. 493 nº 2 do Código Civil, consoante o circunstancialismo concreto em apreciação.

- O paintball é um jogo que simula um combate entre duas equipas, visando “acabar” com todos os elementos da equipa adversária. Os jogadores têm de usar máscaras e coletes de proteção. Um jogador é eliminado quando uma bola atinge qualquer parte do seu corpo e rebenta, causando uma mancha de tinta. As armas ou “marcadores” são equipamentos de alta tecnologia, funcionam com ar comprimido e atiram as bolas a grande velocidade. A bola ao atingir o adversário normalmente rebenta e liberta a tinta.

- Em particular devido à força com que as munições são projetadas, não pode deixar de se entender que tal atividade configura uma atividade perigosa,

                                                            IV

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Vai ainda o apelante condenado na taxa de justiça mínima, pelo incidente de rejeição do documento apresentado (art. 7º nº 3 do Regulamento das Custas Processuais).

 Anabela Luna de Carvalho ( Relatora )

 João Moreira do Carmo

 José Fonte Ramos


[1] Conforme sites da especialidade, entre os quais: http://www.junglepaintball.com.br/paintball.html; http://www.campo-aberto.com/actividades_paintball.html