Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JAIME CARLOS FERREIRA | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO ACÇÃO DE REGRESSO SEGURADORA PRAZO | ||
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Data do Acordão: | 04/12/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GR. INST. CÍVEL DE AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 498º, Nº 2 DO C.CIV. | ||
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Sumário: | I – Não se justifica o alargamento do prazo prescricional do número 2 do artigo 498.º do Código Civil na acção de regresso, através da qual se pretende reaver as quantias indemnizatórias pagas aos lesados, porquanto nestas acções não está em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida, mas antes um segundo momento, subsequente à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso. II - Servindo o direito de regresso para o responsável primário recuperar do responsável final o valor da indemnização que teve de suportar perante terceiro, está suposto no surgimento do direito de regresso que a discussão e o apuramento da medida da responsabilidade civil estão feitos, pelo que nenhuma razão existe para lhe aplicar um alargamento do prazo que pressupõe que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal por mais tempo. III - O direito de regresso surge se e na medida em que o apuramento da responsabilidade está feito e ocorreu o pagamento da indemnização devida ao lesado, logo o prazo de 3 anos, a contar do pagamento da indemnização, para o titular do direito exigir o regresso do que pagou, mostra-se absolutamente suficiente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I Na Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, a sociedade “A… – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Av. …, instaurou contra L…, residente em …, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 385.232,46, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação até integral pagamento. Para tanto e muito em resumo, alega que celebrou com o Réu um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº AU…, para cobertura da responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo ligeiro de passageiros matrícula NF... Que em 07/03/2001, pelas 05H40, ocorreu um acidente de viação na Rua da Alegria, localidade de Mataduços, freguesia de Esgueira, concelho de Aveiro, no qual foram intervenientes o referido veículo e o ciclomotor matrícula 1-AVR…, este conduzido por J…, seu dono, cujas circunstâncias a Autora relata. Que o Réu conduzia o seu referido veículo, na ocasião, sob a influência de álcool no sangue (por ter ingerido bebidas alcoólicas antes do acidente, o que lhe afectou a concentração, destreza, visão e domínio do veículo), apresentando uma TAS de 1,11 g/litro no sangue, e que por causa dessa circunstância o dito acidente de viação ficou a dever-se a culpa sua, do qual sobrevieram danos corporais para o condutor do ciclomotor que foram causa necessária da respectiva morte no mesmo dia. Que na sequência de tal acidente e suas consequência a Autora foi condenada, por sentença transitada em julgado, a indemnizar os herdeiros do falecido condutor do ciclomotor pelos danos decorrentes da sua morte, tendo suportado dessa forma a quantia indicada no pedido da acção, pelo que pretende, agora, exercer o seu direito de regresso sobre o Réu, como pede, nos termos da al. c) do nº 1 do D.L. nº 291/2007, de 21/08. II Contestou o Réu, arguindo, além do mais, a prescrição do direito invocado pela Autora. Alega, a tal respeito, que não teve intervenção na acção onde a Autora foi condenada a pagar a indemnização a que se reporta no petitório e que nunca foi legalmente interpelado para efectuar qualquer pagamento ou de que a Autora pretendia vir a exercer o direito que agora invoca. Que a sua interpelação para pagamento só ocorreu com a sua citação para a presente acção, em 5 de Agosto de 2010, tendo a petição dado entrada em juízo em 2 de Agosto de 2010, pelo que tendo a indemnização sido paga em Junho de 2006, ou seja mais de quatro anos antes da entrada da acção, o direito da Autora já prescreveu. Terminou pedindo o reconhecimento de tal excepção e a sua absolvição do pedido.
III Respondeu a Autora, alegando que o facto gerador da obrigação de indemnizar constitui crime, sendo-lhe aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, e que o prazo de prescrição deverá começar a correr a partir do pagamento das indemnizações aos lesados com o sinistro pois só com tal pagamento surge o direito de regresso da Autora, donde resulta que o direito da Autora só poderia considerar-se prescrito em 2011, ou seja decorridos cinco anos sobre o pagamento efectuado pela Autora. Terminou pedindo que seja julgada improcedente a invocada excepção da prescrição.
IV Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade processual da acção e onde foi apreciada a arguida excepção da prescrição, com decisão do sentido de se julgar procedente tal excepção e, em consequência, foi o Réu absolvido do pedido.
V Dessa decisão interpôs recurso a Autora, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou a Apelante concluiu da seguinte forma: … V Contra-alegou o Apelado, onde defende a improcedência do presente recurso e a confirmação da sentença recorrida.
VI Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto o qual se resume à reapreciação da decisão recorrida e que julgou prescrito o direito que a Autora pretende fazer valer com a presente acção (alegado direito de regresso contra o Réu). Assim, não está em causa o conjunto de factos tidos como assentes (quer por acordo das partes quer por prova documental junta aos autos) e considerados, para o efeito em discussão, na sentença recorrida, os quais são os seguintes: ...
Perante tal factualidade dúvidas não sobram nem está em discussão que a presente acção foi instaurada já decorridos mais de 4 anos da data de pagamento das indemnizações alegadas na acção pela Autora e relativamente às quais pretende exercer um alegado direito de regresso contra o Réu, com base no disposto no artº 27º, nº 1, al. c) do D.L. nº 291/2007, de 21/08 (anterior artº 19º, al. c) do D. L. nº 522/85, de 31/12). Com efeito, tendo a aqui Autora pago tais indemnizações (aos lesados em consequência do dito acidente) em Junho de 2006, ao ter instaurado a presente acção em 2/08/2010 já haviam decorrido mais de 4 anos após aquela data. Será que este lapso de tempo permite que se considere como prescrito o direito que a aqui Autora pretende fazer valer nesta acção, como alegou e defende o Réu? Na sentença proferida entendeu-se que sim, e passamos a reproduzir essa parte da dita sentença: “A questão que nos ocupa passa por determinar qual o prazo de prescrição do direito da autora e quando se começou esse prazo a contar. Mais concretamente passa por saber se ao direito de regresso da seguradora sobre o condutor do veículo está sujeito ao prazo de prescrição de três anos ou se lhe estende o prazo de prescrição mais alargado decorrente da natureza criminal do facto ilícito. Segundo o artigo 498.º do Código Civil “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”. O nº 2 da norma acrescenta que “prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”. E o nº 3 estabelece que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”. Refira-se que na acção não está em causa se o facto ilícito constitui ou não crime, muito embora nada venha referido quanto à existência e/ou desfecho de algum processo-crime aberto na sequência do acidente. Os factos alegados, supondo a sua veracidade e correcção, permitem, com segurança, afirmar que o acidente terá consubstanciado um crime de homicídio negligente. Da mesma forma que não foi invocada qualquer questão relativa à suspensão ou interrupção da contagem do prazo de prescrição. Sobre a questão que nos ocupa pronunciou-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2009, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf, relatado pelo Ex. Sr. Juiz Conselheiro Paulo Sá, nos seguintes termos: “… teremos que definir se o prazo prescricional é o de 3 ou se poderá ser o de 5 anos, ex vi do disposto no artigo 498.º, n.º 3, dado o prazo prescricional correspondente ao ilícito penal a que se subsumem as ofensas corporais causadas. A nossa jurisprudência divide-se quanto a tal problemática, havendo naturalmente quem defenda tal aplicação (cf., entre todos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13.04.2000, processo nº 00B200, e de 26.06.2007, processo n.º 03B644), ao passo que outros (cf., entre outras, as decisões deste Tribunal de 4.11.2008 e de 18.12.2003, já citados) pugnam pela tese oposta, considerando que o prazo de prescrição do direito de regresso é, somente, de 3 anos, não havendo fundamento legal para o seu alargamento, ao contrário do que acontece com o prazo de prescrição do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil. Tomando posição, desde já, nesta polémica, entendemos que não se justifica o alargamento do prazo prescricional do número 2 do artigo 498.º do Código Civil, pois, na acção de regresso, através da qual se pretende reaver as quantias indemnizatórias pagas aos lesados, não está já em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida, mas antes um segundo momento, subsequente à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso”. Também se pronunciou sobre esta questão o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/11/2008, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf, relatado pelo Ex. Sr. Juiz Conselheiro João Camilo, onde se defende que “o direito de regresso da seguradora que satisfez uma indemnização decorrente de contrato de seguro, direito esse fundado na alínea c) do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85 de 31/12, tem o prazo de prescrição de três anos, previsto no n.º 2 do art. 498.º do Código Civil, não se aplicando a estes prazo a extensão do seu n.º 3”. Na fundamentação deste Acórdão, que pedimos a devida vénia para citar demoradamente, consta o seguinte: “…”. Ainda que tenhamos conhecimento de Acórdãos que sufragam entendimento diverso sobre esta questão, é com o entendimento acima indicado que concordamos. Servindo o direito de regresso para o responsável primário recuperar do responsável final o valor da indemnização que teve de suportar perante terceiro, está suposto no surgimento do direito de regresso que a discussão e o apuramento da medida da responsabilidade civil estão feitos, pelo que nenhuma razão existe para lhe aplicar um alargamento do prazo que pressupõe que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal por mais tempo. O direito de regresso surge se e na medida em que o apuramento da responsabilidade está feito e ocorreu o pagamento da indemnização devida ao lesado, logo o prazo de 3 anos, a contar do pagamento da indemnização, para o titular do direito exigir o regresso do que pagou, mostra-se absolutamente suficiente. Perante isso, falece a solidez da interpretação que use como argumento único a localização sistemática da norma, designadamente a ordem dos vários números do artigo 498.º e mais em pormenor a circunstância de o prazo de prescrição do direito de regresso (nº 2) vir antes do alargamento do prazo em função da natureza criminal do facto ilícito (nº 3). Assim, uma vez que no âmbito do seguro obrigatório, o direito de regresso da seguradora sobre o seu segurado, quanto às quantias que, por força do contrato de seguro e da verificação de uma das circunstâncias previstas no art.º 19º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 522/85, esta haja pago aos lesados, prescreve no prazo de 3 anos, estabelecido no nº 2 do artº 498.º do Código Civil, contado a partir da data em que ocorreu o pagamento cujo reembolso se pretende – neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 7/09/2010, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf, relatado pelo Ex. Sr. Juiz Desembargador Falcão de Magalhães –, que no caso nenhum factor de suspensão ou interrupção da contagem do prazo foi alegado ou resulta dos autos e, finalmente, que a acção foi instaurada mais de três anos depois de a autora ter efectuado o pagamento das indemnizações cujo reembolso ou regresso agora reclama, entendemos que o direito da autora se encontra prescrito”.
Porque estamos em verdadeira e completa sintonia com tal exposição/sentença, nos termos do artº 713º, nº 5, do CPC (redacção do DL nº 303/2007, de 24/08) cumpre apenas confirmar tal sentença, remetendo-se quer para os (nela) citados acórdãos do STJ de 27/10/2009 e de 4/11/2008, quer para o recente acórdão desta Relação (e também desta mesma secção) de 7/09/2010, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, em cujo sumário se pode ver o seguinte: “Recurso de Apelação nº 329/06.4TBOBR.C1 (Secção Cível) Data do Acórdão: 07/09/2010 Relator: Falcão de Magalhães Sumário: I – No âmbito do seguro obrigatório, o direito de regresso da seguradora sobre o seu segurado, quanto às quantias que, por força do contrato de seguro e da verificação de uma das circunstâncias previstas no artº 19º, al. c) do DL nº 522/85, esta haja pago aos lesados, prescreve no prazo de 3 anos, estabelecido no nº 2 do artº 498º do CC, contado a partir da data em que ocorreu o pagamento cujo reembolso se pretende. II – O detentor do direito de regresso a partir do momento em que paga determinadas quantias ao lesado está habilitado a pedir o respectivo reembolso ao obrigado de regresso, sem que isso obste a que venha, depois, a exercer esse direito relativamente a outras quantias que posteriormente pague ao lesado. III – A expressão “a contar do cumprimento”, referida no nº 2 do artº 498º CC, não tem como pressuposto o integral cumprimento da obrigação que dá origem ao direito de regresso, reportando-se tal “cumprimento” àquilo que o titular do direito de regresso for satisfazendo. IV – Satisfeitas algumas quantias, fica o titular do direito de regresso a conhecer o direito que lhe assiste sobre as importâncias pagas, correndo a partir de então (relativamente ao que já pagou) o prazo de prescrição de 3 anos”.
Ainda no apontado sentido citamos o recente Ac. do STJ de 16/11/2010, Procº nº 2119/07.8TBLLE.EI.SI, relatado pelo sr. Conselheiro João Camilo, do qual passamos a reproduzir as seguintes passagens:
E dizemos “muito clara” porque a dita norma apenas se reporta ao prazo de prescrição – 3 anos - do direito de regresso entre os responsáveis (cíveis), nela se dizendo também que tal prazo se conta a partir do cumprimento. O que difere do nº 1 do dito preceito, onde o prazo de prescrição para o direito de indemnização (por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos) se conta a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete… Donde apenas se poder entender o nº 3 da dita norma reportado ao seu nº 1, não ao seu nº 2, o que não faz qualquer sentido (com o devido respeito por opinião contrária, que também existe e consagrada em vários arestos quer do STJ quer das Relações, designadamente os arestos citados pela Recorrente). Assim, sem necessidade de maiores desenvolvimentos e face à nossa total concordância com o teor da sentença recorrida, impõe-se julgar improcedente o presente recurso e confirmar a sentença recorrida, o que se decide.
VII Decisão: Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se, por inteiro e nos seus precisos termos, a sentença recorrida, com remissão para a fundamentação constante dos acórdãos supra citados.
Custas pela Recorrente.
*** Jorge Arcanjo Isaías Pádua |