Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1372/10.4T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
ACÇÃO DE REGRESSO
SEGURADORA
PRAZO
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GR. INST. CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 498º, Nº 2 DO C.CIV.
Sumário: I – Não se justifica o alargamento do prazo prescricional do número 2 do artigo 498.º do Código Civil na acção de regresso, através da qual se pretende reaver as quantias indemnizatórias pagas aos lesados, porquanto nestas acções não está em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida, mas antes um segundo momento, subsequente à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso.

II - Servindo o direito de regresso para o responsável primário recuperar do responsável final o valor da indemnização que teve de suportar perante terceiro, está suposto no surgimento do direito de regresso que a discussão e o apuramento da medida da responsabilidade civil estão feitos, pelo que nenhuma razão existe para lhe aplicar um alargamento do prazo que pressupõe que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal por mais tempo.

III - O direito de regresso surge se e na medida em que o apuramento da responsabilidade está feito e ocorreu o pagamento da indemnização devida ao lesado, logo o prazo de 3 anos, a contar do pagamento da indemnização, para o titular do direito exigir o regresso do que pagou, mostra-se absolutamente suficiente.

Decisão Texto Integral:             Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            Na Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, a sociedade “A… – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Av. …, instaurou contra L…, residente em …, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 385.232,46, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação até integral pagamento.

Para tanto e muito em resumo, alega que celebrou com o Réu um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº AU…, para cobertura da responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo ligeiro de passageiros matrícula NF...

Que em 07/03/2001, pelas 05H40, ocorreu um acidente de viação na Rua da Alegria, localidade de Mataduços, freguesia de Esgueira, concelho de Aveiro, no qual foram intervenientes o referido veículo e o ciclomotor matrícula 1-AVR…, este conduzido por J…, seu dono, cujas circunstâncias a Autora relata.

Que o Réu conduzia o seu referido veículo, na ocasião, sob a influência de álcool no sangue (por ter ingerido bebidas alcoólicas antes do acidente, o que lhe afectou a concentração, destreza, visão e domínio do veículo), apresentando uma TAS de 1,11 g/litro no sangue, e que por causa dessa circunstância o dito acidente de viação ficou a dever-se a culpa sua, do qual sobrevieram danos corporais para o condutor do ciclomotor que foram causa necessária da respectiva morte no mesmo dia.

Que na sequência de tal acidente e suas consequência a Autora foi condenada, por sentença transitada em julgado, a indemnizar os herdeiros do falecido condutor do ciclomotor pelos danos decorrentes da sua morte, tendo suportado dessa forma a quantia indicada no pedido da acção, pelo que pretende, agora, exercer o seu direito de regresso sobre o Réu, como pede, nos termos da al. c) do nº 1 do D.L. nº 291/2007, de 21/08.


II

Contestou o Réu, arguindo, além do mais, a prescrição do direito invocado pela Autora.

Alega, a tal respeito, que não teve intervenção na acção onde a Autora foi condenada a pagar a indemnização a que se reporta no petitório e que nunca foi legalmente interpelado para efectuar qualquer pagamento ou de que a Autora pretendia vir a exercer o direito que agora invoca.

Que a sua interpelação para pagamento só ocorreu com a sua citação para a presente acção, em 5 de Agosto de 2010, tendo a petição dado entrada em juízo em 2 de Agosto de 2010, pelo que tendo a indemnização sido paga em Junho de 2006, ou seja mais de quatro anos antes da entrada da acção, o direito da Autora já prescreveu.

Terminou pedindo o reconhecimento de tal excepção e a sua absolvição do pedido.


III

Respondeu a Autora, alegando que o facto gerador da obrigação de indemnizar constitui crime, sendo-lhe aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, e que o prazo de prescrição deverá começar a correr a partir do pagamento das indemnizações aos lesados com o sinistro pois só com tal pagamento surge o direito de regresso da Autora, donde resulta que o direito da Autora só poderia considerar-se prescrito em 2011, ou seja decorridos cinco anos sobre o pagamento efectuado pela Autora.

Terminou pedindo que seja julgada improcedente a invocada excepção da prescrição.


IV

            Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade processual da acção e onde foi apreciada a arguida excepção da prescrição, com decisão do sentido de se julgar procedente tal excepção e, em consequência, foi o Réu absolvido do pedido.


V

            Dessa decisão interpôs recurso a Autora, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

            Nas alegações que apresentou a Apelante concluiu da seguinte forma:


V

            Contra-alegou o Apelado, onde defende a improcedência do presente recurso e a confirmação da sentença recorrida.


VI

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto o qual se resume à reapreciação da decisão recorrida e que julgou prescrito o direito que a Autora pretende fazer valer com a presente acção (alegado direito de regresso contra o Réu).

            Assim, não está em causa o conjunto de factos tidos como assentes (quer por acordo das partes quer por prova documental junta aos autos) e considerados, para o efeito em discussão, na sentença recorrida, os quais são os seguintes:  

...

            Perante tal factualidade dúvidas não sobram nem está em discussão que a presente acção foi instaurada já decorridos mais de 4 anos da data de pagamento das indemnizações alegadas na acção pela Autora e relativamente às quais pretende exercer um alegado direito de regresso contra o Réu, com base no disposto no artº 27º, nº 1, al. c) do D.L. nº 291/2007, de 21/08 (anterior artº 19º, al. c) do D. L. nº 522/85, de 31/12).

            Com efeito, tendo a aqui Autora pago tais indemnizações (aos lesados em consequência do dito acidente) em Junho de 2006, ao ter instaurado a presente acção em 2/08/2010 já haviam decorrido mais de 4 anos após aquela data.

            Será que este lapso de tempo permite que se considere como prescrito o direito que a aqui Autora pretende fazer valer nesta acção, como alegou e defende o Réu?

            Na sentença proferida entendeu-se que sim, e passamos a reproduzir essa parte da dita sentença:

            “A questão que nos ocupa passa por determinar qual o prazo de prescrição do direito da autora e quando se começou esse prazo a contar. Mais concretamente passa por saber se ao direito de regresso da seguradora sobre o condutor do veículo está sujeito ao prazo de prescrição de três anos ou se lhe estende o prazo de prescrição mais alargado decorrente da natureza criminal do facto ilícito.

             Segundo o artigo 498.º do Código Civil “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.

O nº 2 da norma acrescenta que “prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”.

E o nº 3 estabelece que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.

Refira-se que na acção não está em causa se o facto ilícito constitui ou não crime, muito embora nada venha referido quanto à existência e/ou desfecho de algum processo-crime aberto na sequência do acidente.

Os factos alegados, supondo a sua veracidade e correcção, permitem, com segurança, afirmar que o acidente terá consubstanciado um crime de homicídio negligente.

Da mesma forma que não foi invocada qualquer questão relativa à suspensão ou interrupção da contagem do prazo de prescrição.

Sobre a questão que nos ocupa pronunciou-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2009, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf, relatado pelo Ex. Sr. Juiz Conselheiro Paulo Sá, nos seguintes termos:

“… teremos que definir se o prazo prescricional é o de 3 ou se poderá ser o de 5 anos, ex vi do disposto no artigo 498.º, n.º 3, dado o prazo prescricional correspondente ao ilícito penal a que se subsumem as ofensas corporais causadas. A nossa jurisprudência divide-se quanto a tal problemática, havendo naturalmente quem defenda tal aplicação (cf., entre todos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13.04.2000, processo nº 00B200, e de 26.06.2007, processo n.º 03B644), ao passo que outros (cf., entre outras, as decisões deste Tribunal de 4.11.2008 e de 18.12.2003, já citados) pugnam pela tese oposta, considerando que o prazo de prescrição do direito de regresso é, somente, de 3 anos, não havendo fundamento legal para o seu alargamento, ao contrário do que acontece com o prazo de prescrição do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil.

Tomando posição, desde já, nesta polémica, entendemos que não se justifica o alargamento do prazo prescricional do número 2 do artigo 498.º do Código Civil, pois, na acção de regresso, através da qual se pretende reaver as quantias indemnizatórias pagas aos lesados, não está já em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida, mas antes um segundo momento, subsequente à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso”.

Também se pronunciou sobre esta questão o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/11/2008, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf, relatado pelo Ex. Sr. Juiz Conselheiro João Camilo, onde se defende que “o direito de regresso da seguradora que satisfez uma indemnização decorrente de contrato de seguro, direito esse fundado na alínea c) do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85 de 31/12, tem o prazo de prescrição de três anos, previsto no n.º 2 do art. 498.º do Código Civil, não se aplicando a estes prazo a extensão do seu n.º 3”.

Na fundamentação deste Acórdão, que pedimos a devida vénia para citar demoradamente, consta o seguinte: “…”.

Ainda que tenhamos conhecimento de Acórdãos que sufragam entendimento diverso sobre esta questão, é com o entendimento acima indicado que concordamos.

Servindo o direito de regresso para o responsável primário recuperar do responsável final o valor da indemnização que teve de suportar perante terceiro, está suposto no surgimento do direito de regresso que a discussão e o apuramento da medida da responsabilidade civil estão feitos, pelo que nenhuma razão existe para lhe aplicar um alargamento do prazo que pressupõe que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal por mais tempo. O direito de regresso surge se e na medida em que o apuramento da responsabilidade está feito e ocorreu o pagamento da indemnização devida ao lesado, logo o prazo de 3 anos, a contar do pagamento da indemnização, para o titular do direito exigir o regresso do que pagou, mostra-se absolutamente suficiente.

Perante isso, falece a solidez da interpretação que use como argumento único a localização sistemática da norma, designadamente a ordem dos vários números do artigo 498.º e mais em pormenor a circunstância de o prazo de prescrição do direito de regresso (nº 2) vir antes do alargamento do prazo em função da natureza criminal do facto ilícito (nº 3).

Assim, uma vez que no âmbito do seguro obrigatório, o direito de regresso da

seguradora sobre o seu segurado, quanto às quantias que, por força do contrato de seguro e da verificação de uma das circunstâncias previstas no art.º 19º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 522/85, esta haja pago aos lesados, prescreve no prazo de 3 anos, estabelecido no nº 2 do artº 498.º do Código Civil, contado a partir da data em que ocorreu o pagamento cujo reembolso se pretende – neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 7/09/2010, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf, relatado pelo Ex. Sr. Juiz Desembargador Falcão de Magalhães –, que no caso nenhum factor de suspensão ou interrupção da contagem do prazo foi alegado ou resulta dos autos e, finalmente, que a acção foi instaurada mais de três anos depois de a autora ter efectuado o pagamento das indemnizações cujo reembolso ou regresso agora reclama, entendemos que o direito da autora se encontra prescrito”.

           

            Porque estamos em verdadeira e completa sintonia com tal exposição/sentença, nos termos do artº 713º, nº 5, do CPC (redacção do DL nº 303/2007, de 24/08) cumpre apenas confirmar tal sentença, remetendo-se quer para os (nela) citados acórdãos do STJ de 27/10/2009 e de 4/11/2008, quer para o recente acórdão desta Relação (e também desta mesma secção) de 7/09/2010, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, em cujo sumário se pode ver o seguinte:

“Recurso de Apelação nº 329/06.4TBOBR.C1 (Secção Cível)

Data do Acórdão: 07/09/2010

Relator: Falcão de Magalhães

Sumário: I – No âmbito do seguro obrigatório, o direito de regresso da seguradora sobre o seu segurado, quanto às quantias que, por força do contrato de seguro e da verificação de uma das circunstâncias previstas no artº 19º, al. c) do DL nº 522/85, esta haja pago aos lesados, prescreve no prazo de 3 anos, estabelecido no nº 2 do artº 498º do CC, contado a partir da data em que ocorreu o pagamento cujo reembolso se pretende.

II – O detentor do direito de regresso a partir do momento em que paga determinadas quantias ao lesado está habilitado a pedir o respectivo reembolso ao obrigado de regresso, sem que isso obste a que venha, depois, a exercer esse direito relativamente a outras quantias que posteriormente pague ao lesado.

III – A expressão “a contar do cumprimento”, referida no nº 2 do artº 498º CC, não tem como pressuposto o integral cumprimento da obrigação que dá origem ao direito de regresso, reportando-se tal “cumprimento” àquilo que o titular do direito de regresso for satisfazendo.

IV – Satisfeitas algumas quantias, fica o titular do direito de regresso a conhecer o direito que lhe assiste sobre as importâncias pagas, correndo a partir de então (relativamente ao que já pagou) o prazo de prescrição de 3 anos”.

            Ainda no apontado sentido citamos o recente Ac. do STJ de 16/11/2010, Procº nº 2119/07.8TBLLE.EI.SI, relatado pelo sr. Conselheiro João Camilo, do qual passamos a reproduzir as seguintes passagens:

Decisão Texto Integral:“Está aqui em causa determinar o prazo de prescrição de um direito de regresso, previsto no art. 524º do Cód. Civil e na al. c) do art. 19º do Decreto-Lei nº 522/85 de 31/12, baseado no facto de o mesmo direito haver nascido por a sua titular haver pago uma indemnização a um lesado em acidente de viação causado por um individuo, pagamento esse motivado pela existência de um contrato de seguro obrigatório em matéria estradal em que aquela titular era seguradora e incidente sobre o veículo causador daquelas lesões e que, efectuado esse pagamento baseado nesse contrato de seguro, a autora seguradora vem pedir o que pagou, alegando que o condutor do veículo segurado deu causa ao acidente por conduzir influenciado pela ingestão de álcool.
A citada al. c) estipula que satisfeita a indemnização pela seguradora ao abrigo do contrato de seguro obrigatório, a seguradora tem direito de regresso contra o condutor do veículo segurado que na causa do acidente tenha agido sob a influência do álcool.
Por seu lado, o art. 498º, nº 1 do Cód. Civil, integrado na secção da responsabilidade civil por factos ilícitos, prevê que o direito de indemnização do lesado prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
Além disso, o seu nº 2 prevê que prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
Finalmente o seu nº 3 ainda estipula que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
Segundo a sentença de primeira instância, para o caso do direito de regresso, como o dos autos, aplica-se a extensão do prazo fixado naquele nº 2 prevista no seu nº 3, ou seja, o prazo de prescrição do direito de regresso também pode ser alongado nos termos do nº 3 mencionado.
Já o douto acórdão recorrido faz uma interpretação diversa no sentido de que a extensão do prazo prevista no nº 3 apenas se aplica ao prazo de prescrição fixado no nº 1 e, por isso, apenas no caso de direito de indemnização do lesado e não também no caso do direito de regresso do garante que pagou aquela indemnização ao lesado.
Há aqui que fazer a interpretação destas disposições legais utilizando os critérios do art. 9º do Cód. Civil.
À primeira vista e utilizando o elemento literal de interpretação, podia-se dizer que a extensão do prazo prevista no citado nº 3 tanto se aplica ao prazo do nº 1 – de prescrição do direito do lesado – como ao prazo previsto no nº 2 – do direito de regresso, embora a interpretação contrária também seja admissível com aquela redacção da lei.
Porém, pensamos que pela utilização do elemento lógico de interpretação teremos de chegar a entendimento contrário, nomeadamente pela utilização do elemento racional.
A razão de ser da introdução do preceito do nº3 em causa visou alargar o prazo de prescrição do lesado quando o facto lesante constituía crime de gravidade acentuada que leve a que o prazo de prescrição do crime seja superior aos três anos fixados no nº 1.
É que se não pode esquecer a existência do princípio da adesão da dedução da indemnização civil no processo criminal e se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, se não compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil – conexa com o crime - e ainda estivesse a decorrer o prazo para a prescrição penal operar, onde o legislador entendeu dever ser deduzido o pedido de indemnização civil – dentro de certas limitações constantes das normas penais.
Daqui parece apontar para que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 referido apenas se justifica no prazo de prescrição do direito do lesado e não do direito de regresso.
Por outro lado, o direito de regresso em causa tem natureza diversa, é um direito autónomo ao relação ao direito do lesado, nascido “ex novo”, com o pagamento do direito à indemnização ao ofendido, que assim se extinguiu fazendo nascer aquele direito de regresso.
Além disso, o momento a partir do qual começa a correr o prazo de prescrição daqueles direitos é diverso, sendo no caso do direito do lesado o momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete, enquanto no direito de regresso começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado.
Finalmente diremos que a prescrição é um instituto jurídico pelo qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este exercício não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos – art. 304º do Cód. Civil – e este instituto tem como fundamento a reacção da lei contra a inércia ou o desinteresse do titular do direito que o torna indigno de protecção jurídica – cfr. Prof. Almeida Costa, in “Direitos das Obrigações”, 10ª ed. pág. 1123.
Ora no caso do direito de regresso, este nada tem a ver com a fonte da obrigação extinta pela seguradora, cuja satisfação pela seguradora o fez nascer, direito de regresso este que a mesma veio exercer, sendo este direito de regresso independentemente da fonte do daquela obrigação extinta que pode ter origem em mera responsabilidade civil – nomeadamente pelo risco – ou pode resultar da prática de um crime grave com prazo alongado de prescrição penal.
Esta autonomia justifica que o interesse da lei em sancionar o credor pouco diligente – no interesse da clarificação, estabilização e segurança das relações jurídicas que está subjacente à adopção daquele instituto – leva a que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 mencionado se não justifique aplicar-se ao caso do direito de regresso em face da sua natureza diversa do direito do lesado em relação ao direito de regresso e da autonomia deste em relação à causa ou fonte daquele direito do lesado.
Desta forma se nos afigura que a melhor interpretação dos números 1, 2 e 3 do art. 498º citado aponta para que o prazo de prescrição do direito do lesado é o previsto no nº 1 e pode ser alongado nos termos do seu nº 3, mas que o prazo de prescrição do direito de regresso é sempre o previsto no seu nº 2, mas não se lhe aplica a extensão prevista no nº 3.”
            Confessamos que nem entendemos bem a corrente jurisprudencial adversa (que defende o alargamento do prazo de prescrição do nº 2 do artº 498º do CC para o direito de regresso, com base no nº 3 desse mesmo preceito), na medida em que temos uma norma própria e clara a tal respeito – o dito nº 2 -, face ao disposto no artº 9º do C. Civ..

            E dizemos “muito clara” porque a dita norma apenas se reporta ao prazo de prescrição – 3 anos - do direito de regresso entre os responsáveis (cíveis), nela se dizendo também que tal prazo se conta a partir do cumprimento.

            O que difere do nº 1 do dito preceito, onde o prazo de prescrição para o direito de indemnização (por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos) se conta a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete…

            Donde apenas se poder entender o nº 3 da dita norma reportado ao seu nº 1, não ao seu nº 2, o que não faz qualquer sentido (com o devido respeito por opinião contrária, que também existe e consagrada em vários arestos quer do STJ quer das Relações, designadamente os arestos citados pela Recorrente).

            Assim, sem necessidade de maiores desenvolvimentos e face à nossa total concordância com o teor da sentença recorrida, impõe-se julgar improcedente o presente recurso e confirmar a sentença recorrida, o que se decide.    


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se, por inteiro e nos seus precisos termos, a sentença recorrida, com remissão para a fundamentação constante dos acórdãos supra citados.

            Custas pela Recorrente.


***

Jaime Carlos Ferreira (Relator)
Jorge Arcanjo
Isaías Pádua