Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3994/02.8TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
DESPENALIZAÇÃO
SUSPENSÃO DA PENA
PERÍODO
LEI MAIS FAVORÁVEL
Data do Acordão: 06/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 2º, 4, 50º CP, 14º DO RGIT, 107.º, N.º 1 E 105.º, N.º 1 DA LEI N.º 15/2001, DE 5 DE JUNHO
Sumário: 1. A alteração legislativa introduzida pelo artº 113º da Lei que aprova o CE para 2009, e segundo a qual apenas passa a constituir crime de abuso de confiança fiscal a não entrega, total ou parcial, da prestação tributária de valor superior a € 7.500, tem o seu campo de aplicação restrito ao mencionado crime, nada admitindo a extensão de tal limite mínimo ao crime de abuso de confiança contra a segurança Social.
2. Sendo o RGIT um diploma especial, face ao Código Penal, e na ausência de norma expressa que revogue esta lei deve ser respeitado o princípio de que a lei geral não derroga a lei especial. Ou seja, nestes casos a questão do período de suspensão da pena deve resolver-se, dando prevalência á Lei especial, artº 14 do RGIT, e não por recurso à aplicação das leis no tempo, artº 2º nº4 do Cód. Penal, com vista a apurar qual a concretamente mais favorável em cada caso.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

Por sentença proferida nestes autos em 7 de Julho de 2004, transitada em julgado, foi o arguido R... condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo art. 107.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, sob a condição de proceder solidariamente (com o arguido A..., entretanto, falecido) ao pagamento do montante de 286.184,18€, acrescida dos juros de mora devidos, e, a arguida S... – , Lda. condenada pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo art. 107.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 10,00€, no total de 1.200,00€ (mil e duzentos euros).
Por Acórdão de 22 de Dezembro de 2003, alterado pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Outubro de 2004, transitado em julgado em 25 de Outubro de 2004, no Processo Comum Colectivo n.º 2/00.7IDMGR, do 1.º Juízo deste Tribunal, foram ainda condenados, a arguida S... – , Lda. pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previstos e punidos pelos artigos 7.º e 105.º, n.º 1 do RGIT, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 25,00€, relativamente a cada um dos crimes; o arguido R... pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previstos e punidos pelos artigos 24.º, n.º 1, 2 e 5 do RGIFNA, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, relativamente a cada um dos crimes, e efectuado cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos.
Efectuado cúmulo jurídico, por sentença de 5 de Julho de 2006, transitada em julgado, foi a arguida S... – , Lda. condenada na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de 25,00€ (vinte e cinco euros), no montante global de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) e o arguido R... condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 3 (três) anos, com a condição de os arguidos procederem solidariamente ao pagamento do montante de 286.184,18€ (duzentos e oitenta e seis mil, cento e oitenta e quatro euros e dezoito cêntimos), acrescido de juros de mora, nos termos da lei da Segurança Social.
Interposto recurso pelo arguido R…, foi o mesmo julgado procedente, alargando-se o período de suspensão da execução da pena única para cinco anos (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 1 de Fevereiro de 2007).
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O condenado R... veio, a fls. 915 requerer, ao abrigo do disposto no art. 371.º-A do Código de Processo Penal, a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime alterado pela Lei do Orçamento de Estado de 31 de Dezembro de 2008, sendo ordenado o arquivamento dos autos nas prestações inferiores a 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros).
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Reabriu-se, então, a audiência, com observância das formalidades legais para os fins pretendidos pelo condenado.
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FACTOS PROVADOS:
2.1. Dão-se aqui por reproduzidos os factos provados constantes de fls. 585 a 589, 690 a 703 verso, 704 a 729, 762 a 767 e 814 a 816.
Mais se provou que:
a) O arguido R... encontra-se reformado, recebendo a esse título a quantia de cerca de 600,00€, incidindo sobre esse valor a penhora de um terço.
b) A sua esposa é doméstica, auferindo a título de pensão de reforma a quantia de cerca de 200,00€ mensais.
c) Vive em casa da sua filha, contribuindo com a quantia de 200,00€ a 250,00€ mensais, para ajuda nas despesas domésticas.
d) A arguida S... foi declarada insolvente em 2 de Maio de 2005, por decisão transitada em julgado em 29 de Agosto de 2005, nos autos de processo n.º 1069/05.5TBMGR, do 3.º Juízo deste Tribunal.
e) Em 16 de Junho de 2008, a massa insolvente da S... não dispunha de qualquer saldo positivo.
f) Por despacho de 16 de Setembro de 2009, foi declarada extinta a responsabilidade criminal de A..., pelo seu óbito.
g) Após a condenação sofrida à ordem destes autos, o arguido R...não praticou qualquer outro facto ilícito.
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MOTIVAÇÃO
A matéria de facto dada como provada resultou dos elementos juntos aos autos, designadamente das sentenças de fls. 585 a 589, 690 a 703 verso, 704 a 729, 762 a 767 e 814 a 816, a informação de fls. 869, a informação de fls. 906 e o requerimento de fls. 915.
Teve ainda por base as declarações prestadas pelo arguido R... em audiência de julgamento (em sede de reabertura da audiência nos termos do art. 371.º-A do Código de Processo Penal), que se afiguraram razoáveis e credíveis, não tendo sido contrariadas por qualquer outra prova.

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Face ao que se decidiu:
Pelo exposto, nos termos do n.º 4 do art. 2.º do Código Penal, declara-se cessada a execução e seus efeitos penais, relativamente às prestações inferiores a 7.500,00€ e, em consequência, decide-se, aplicar ao arguido R... a pena de 18 (dezoito) meses de prisão, substituída na sua execução por igual período, subordinada à condição de pagar a quantia de 286.184,18€ (duzentos e oitenta e seis mil, cento e oitenta e quatro euros e dezoito cêntimos), acrescido de juros de mora, nos termos da lei da Segurança Social.
Aplicar à arguida S... – , Lda. a pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 15,00€ (quinze euros), no montante global de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros).

Inconformado, recorre o arguido R…, conclusando:
1) A reformulação da pena ora operada é mais prejudicial ao arguido;
2) Atenta a descriminalização da generalidade dos montantes; condições pessoais e económicas do arguido; inserção social do mesmo deveria agora o arguido ser condenado em pena de multa, nos termos do artº 105º nº1 da Lei 15/2001 de 05 de Junho
3) A pena de multa poderia ser paga pelo arguido em prestações ou trabalho a favor do Estado;
4) A morte do co-arguido acaba também por penalizar o ora arguido/recorrente
5) O quantitativo da pena excede assim largamente culpa do agente:
6) De todo o modo, a não se aplicar a pena de multa, dever-se-ia aplicar uma pena suspensa com obrigação de pagar o montante que resulta do somatório das quantias superiores a 7500 Euros e pelo período de 5 anos, atenta a decisão anterior do Tribunal da Relação:
7) A sentença recorrida violou os artigos 70º, 71º do Código Penal e artigos 14º n01 105º n01 e 107º do Lei 15/2001 de 05 de Junho;
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pelo improvimento, sendo de idêntico sentido, o Parecer do Ex.mo Procurador Geral Adjunto, plasmando ambos o entendimento que a cessação dos efeitos penais da condenação se restringem ao proc.2/2000, onde os arguidos foram condenados por crimes de abuso de confiança fiscal, não se encontrando abrangidos os crimes de abuso de confiança à segurança social, cuja condenação foi operada nestes autos tendo sido a pena objecto de cumulo com aquela.
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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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O arguido R… foi condenado por Acórdão de 22.12.2003, proferido no Processo Comum Colectivo nº 2/00.7JDMGR, do 1º Juízo, do Tribunal Judicial da Marinha Grande, alterado pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 6.10.2004, transitado em julgado em 25.10.2004, como autor material de dois crimes de Abuso de Confiança Fiscal, ps. e ps. pelo art., 24º nºs 1, 2, 5 do RGIFNA, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
Por sentença de 7.07.2004, confirmada pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2006, já transitado em julgado, nestes autos, foi o arguido condenado como autor material de um crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos arts.107º nº1 e 105º nº1 do RGJT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 5 de Junho, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob a condição de os arguidos procederem solidariamente ao pagamento do montante de € 286.184,18, acrescido de juros de mora, nos termos da Lei da Segurança Social
Posteriormente, por acórdão desta Relação de 1 de Fevereiro de 2007, na sequência de recurso interposto pelo ora recorrente, o período de suspensão de execução da pena resultante do cúmulo foi alargado para cinco anos.
O arguido veio, nos termos do artº 371-A do CPP, requerer a reabertura da audiência para que lhe fosse aplicado o novo regime alterado pela Lei do Orçamento de Estado, de 31.12.2008.
Nessa sequência veio a ser aplicada ao arguido a pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, subordinada á condição de pagar a quantia de € 286.184,18, acrescida de juros de mora, nos termos da Lei da Segurança Social.
Veio, ora, arguido recorrer desta decisão alegando que, a reformulação da pena operada lhe é mais prejudicial e que foram violados os arts.70º, 71º do Código Penal e arts.140, nº1, 105º, n1 e 107º da Lei n015/2001, de 5 de Junho.
Em causa nos presentes autos, as condenações sofridas pelo arguido:
-no Processo Comum nº 2/00.7IDMGR, do 10 Juízo, deste Tribunal, como autor material de dois crimes de Abuso de Confiança Fiscal, p. e p. pelo art., 24º, n0s 1, 2, 5 do RGIFNA, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
-nestes autos, autor material de um crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos arts.107º, nº1 e 105º, nº 1 do RGJT, aprovado pela Lei n0 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob a condição de os arguidos procederem solidariamente ao pagamento do montante de € 286.184,18, acrescido de juros de mora, nos termos da Lei da Segurança Social.
A alteração verificada no art.105º, nº1 do RGIT, por força da Lei nº 64-A/2008, de 31.12, só é de aplicar á condenação sofrida pelo arguido no âmbito do Processo Comum nº2/00.7 IDMGR, atento o ilícito pelo qual o arguido foi condenado – Abuso de Confiança Fiscal.
No âmbito dos presentes autos o arguido foi condenado como autor material de um crime de Abuso de Confiança à Segurança Social, que não está abrangido pela referida alteração, pelo menos, tem sido esta a posição maioritária da jurisprudência, e unânime neste tribunal da Relação de Coimbra.
Embora o artº 107º, abuso de confiança à segurança social, remeta para o artº 105º, que tipifica o crime de abuso de confiança fiscal, quanto às penas a aplicar, a alteração operada pela Lei 64-A/2008 de 31.12, apenas se refere ao artº 105º nº1, nada permitindo aplicar a despenalização aí operada ao crime de abuso de confiança à segurança social, que configura um tipo autónomo.
Por outro lado, normas que punem um e outro crime protegem bens jurídicos diferentes.
Assim enquanto no crime de abuso de confiança à segurança social, artº 107º do RGIT, está em causa a protecção dos deveres de colaboração, transparência e lealdade das entidades empregadoras para com a administração da segurança social, bem como a sustentabilidade do sistema de protecção social dos trabalhadores, quer na doença quer nas reformas.
No crime de abuso de confiança fiscal (artº 105º) o que se tutela é o normal funcionamento do sistema fiscal e os interesses que este visa satisfazer (ou seja, não apenas a arrecadação de receitas, mas também a prossecução de objectivos de justiça distributiva, tendo em conta a necessidade de financiamento das actividades sociais do Estado (art0s 103º e 104º da CRP).
E sendo crimes autónomos, entendemos que a alteração legislativa introduzida pelo artº 113º da Lei que aprova o CE para 2009, e segundo a qual apenas passa a constituir crime de abuso de confiança fiscal a não entrega, total ou parcial, da prestação tributária de valor superior a € 7.500, tem o seu campo de aplicação restito ao mencionado crime, nada admitindo a extensão de tal limite mínimo ao crime de abuso de confiança contra a segurança Social.
Argumento que se colhe, ainda, da circunstância de que, enquanto a não entrega das prestações tributárias iguais ou inferiores a € 7500 passa a integrar a contra-ordenação prevista pelo art0 114º do RGIT, na caso da entrega das quotizações deduzidas à Segurança Social, tal conduta deixa, por falta de previsão legal correspondente, de ser objecto de qualquer sanção consequência que não terá sido, seguramente, a pretendida pelo legislador;
Quanto à não descriminalização, neste termos, do crime de abuso de confiança contra a segurança Social, se tem pronunciado este Tribunal da Relação de Coimbra, em sentido uniforme, nomeadamente pelo acórdão de 4.03.2009, processo nº 257/035TAVIS.C1, de 17.06.2009, processo n037/05.3TASEI CI e no processo n02942/06.OTAVIS.C1 (os dois primeiros, disponíveis em http:www.dgsi.ptjtrc e este ultimo, ainda inédito).
Apesar de o artº 107º do RGIT, onde está tipificado o crime de abuso de confiança contra a segurança social, remeter para as penas previstas no art.1050, nºs 1 e 5, configura um tipo diferente, que não se confunde com o crime do artº 105º nº1 nem quanto aos elementos do tipo nem ás condições de procedibilidade, daí não se lhe aplicar o novo elemento do tipo que só pune como crime prestações s operada pela referida Lei nº 64-A/2008 de 31.12.
Com efeito o tipo legal de crime de abuso de confiança contra a segurança social encontra no n01 do art. 107º do RJIT a completa descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que depende em concreto a punição.
A alteração do art.1050 n0s 1 e 5 do RGIT, introduzida pela Lei n064-A/2008, de 31.12, limita-se a introduzir um novo elemento objectivo ao tipo - limitando-o à não entrega de prestações tributárias de “valor superior a €7.500”.
A alteração não abrange o crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social, que mantém a sua tipificação autónoma e integral na previsão do art. 107º do RGJT.
Embora não o diga expressamente, houve, na decisão recorrida, a aplicação do regime mais favorável ao arguido — com a cessação da execução e seus efeitos penais, relativamente ás prestações inferiores a €7.500 - limitou-se à condenação sofrida pelo mesmo no âmbito do Processo Comum n02/00.7IDMGR, já que todas elas estão contidas neste valor.
Não se compreende, no entanto, por que razão o tribunal à quo terá diminuído a pena de dois anos de prisão, aplicada aos crimes de abuso de confiança à segurança social no âmbito destes autos, cuja sentença transitou em julgado, sendo posteriormente integrada no cúmulo com a pena do proc. nº2/00.7 JDMGR, do 1º juízo do Tribunal da Marinha Grande que o condenou pelos crimes de abuso de confiança fiscal, agora descriminalizados - para a pena de 18 meses de prisão, o que estava em causa, era pura e simplesmente desfazer o cúmulo, permanecendo a pena de dois anos de prisão, cuja sentença já havia transitado.
Ao fazê-lo o tribunal “a quo” errou, pois violou o caso julgado, violação que não pode ser corrigida nestes autos atento o princípio da proibição da reformatio in pejus com assento no artº 409º do CPP, dado que só o arguido recorreu.
Em face do que foi dito fica prejudicada a pretensão de o arguido ser condenado em pena de multa.
Por outro lado, não poderia o tribunal “ a quo” alterar a condição - entrega do montante de €286.184,18 valor das contribuições em dívida – da suspensão da execução da pena de prisão sofrida pelo arguido, no âmbito destes autos, como autor material do Crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social, uma vez que a alteração introduzida pela Lei nº 64-A12008, de 3 1.12, ao art.105º, nº1 do RGIT, não abrange, como já foi sobejamente referido, o sobredito ilícito, e o montante em causa apenas a ele diz respeito, ou seja a quantia referida refere-se na sua totalidade às prestações em dívida à segurança Social.
Por fim, a problemática da suspensão da execução da pena, face à nova redacção do artº 50º do Cód. Penal introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, que impõe que o tempo de suspensão seja igual ao da medida concreta da pena de prisão, em contraposição com a norma anterior nº5 do artº 50º, da redacção anterior que permitia, a suspensão por um período de 1 a 5 anos sem qualquer vinculação à pena de prisão concretamente aplicada, sendo que o problema pode ter aplicação no caso das infracções fiscais, face ao artº 3º do RGIT, que manda aplicar subsidiariamente as normas do Código Penal, e ao artº 14º do próprio RGIT, que permite a suspensão da execução da pena de prisão até ao limite de cinco anos, sempre subordinada à condição do pagamento das prestações em falta.
A questão de saber qual dos regimes é mais favorável ao arguido, se a anterior se a nova redacção do Código Penal, no que concerne ao período de suspensão quando é subordinada a qualquer condição, designadamente do pagamento de qualquer quantia, como é o caso, tem sido objecto de polémica, estando longe de se atingir um consenso.
Para encurtar razões passa-se a transcrever a nota 29 do Ac. para Fixação de Jurisprudência de 21 de Outubro de 2009 Publicado na Col. Júris, STJ, tomo III/2009, pág220. onde a propósito se escreveu ” Tenha-se em vista que em certos casos a aplicação da lei nova poderá redundar em prejuízo do condenado. É o que sucede relativamente aos processos em que a suspensão da execução da pena de prisão ficou subordinada ao pagamento de certa importância, a efectuar ao longo do período de suspensão ou no seu final. Certo é que a redução daquele período, implicando uma antecipação do pagamento é aparentemente mais desfavorável para o condenado - cf. Acórdão deste Supremo Tribunal de 08.12.18, proferido no Processo nº 020/07.
E não se contra argumente, continuamos a citar, como se fez no acórdão da Relação de Coimbra de 08.06.18, publicado na CJ. XXX, III, 58, considerando-se mais favorável ao condenado o período de dois anos de suspensão da execução da pena de prisão, com a obrigação de pagar nesse período quantias em dívida à administração tributária, em Relação ao anteriormente fixado período de 5 anos de suspensão, com a mesma condição, tendo em conta que só o incumprimento culposo importa a revogação da suspensão da pena.
Com efeito, se o condenado puder pagar as quantias em dívida, não se poderá dizer mais favorável um período de suspensão da execução mais curto. Só ele poderá aquilatar o que mais lhe convém…”
Ora, no caso vertente, não temos dúvidas de que o condenado tem conveniência no período mais lato, 5 anos, que lhe foi fixado no Ac. desta Relação de 1 de Fevereiro de 2007, e que incidiu precisamente sobre um recurso do condenado com vista ao alargamento do prazo de pagamento das quantias em dívida á Segurança Social, é o próprio quem o diz no ponto 6 das suas conclusões de recurso, não se vislumbrando razões que permitam dizer o contrário.
Por outro lado, mesmo que não soubéssemos a posição do condenado, quanto a este assunto, temos dúvidas acerca da questão levantada a este propósito, quando estão em causa infracções tributárias, pois que sendo o RGIT um diploma especial, face ao Código Penal, e na ausência de norma expressa que revogue esta lei deve ser respeitado o princípio de que a lei geral não derroga a lei especial.
Ou seja, nestes casos a questão deve resolver-se, dando prevalência á Lei especial, artº 14 do RGIT, e não por recurso à aplicação das leis no tempo, artº 2º nº4 do Cód. Penal, com vista a apurar qual a concretamente mais favorável em cada caso.
Seja, como for no caso concreto a solução a dar ao problema só pode ser uma, manter o período de suspensão que já foi fixado para o pagamento das quantias em dívida – 5 anos.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso, mantendo-se a pena de 18 meses, suspensa na sua execução por 5 anos, sob condição de neste prazo o arguido pagar a quantia em dívida à Segurança Social.

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Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 3 Ucs.
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Coimbra,


(Cacilda Sena.)



(Alberto Mira)


Alberto Mira.