Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3638/13.2TBLRA-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: BENFEITORIAS
CASAMENTO
COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BEM COMUM
MASSA INSOLVENTE
SEPARAÇÃO
Data do Acordão: 05/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.216, 1689, 1717, 1724, 1733 CC, 141 CIRE
Sumário: 1.- Tendo os cônjuges, enquanto casados sob o regime de comunhão de adquiridos, construído uma moradia num terreno pertencente ao património próprio de um deles, essa construção constitui uma benfeitoria útil.

2.- O valor das despesas materiais feitas pelo casal com a dita benfeitoria é um bem comum do casal, nos termos dos arts. 1724º, b), e 1733º, nº 2, do CC;

3.- O cônjuge, não proprietário, dissolvido o casamento, tem o direito de receber metade desse valor.

4.- O prédio urbano resultante da construção da moradia no terreno pertencente a um dos cônjuges não integra os bens adquiridos a que se refere o art. 1724º do CC e não é bem comum do casal.

6.- Consequentemente o ex-cônjuge não proprietário não pode reclamar a separação e restituição da massa insolvente de uma alegada meação sobre tal benfeitoria, nos termos do art. 141º, nº 1, c), do CIRE.

Decisão Texto Integral:

 

I – Relatório

1. R (…) , residente em Leiria, intentou (em Julho de 2016) acção declarativa com forma de processo comum contra Massa Insolvente de C (…), CS (…) e Credores de C (…) tendo pedido: - condenação dos réus na separação e restituição ao autor da benfeitoria edificada no prédio urbano sito em P (...) , na freguesia de C (...) , concelho de Leiria, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 2668/Leiria – inscrito na matriz sob o artigo 7245º, que se compõe de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, que se compõe de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar para habitação e logradouro; - condenação dos réus a reconhecer que o autor tem direito de retenção sobre o prédio urbano referido.

Alegou, em suma, a insolvência da requerida (por sentença proferida em 24.10.2013), o facto da administradora judicial ter (em Janeiro de 2014), por carta remetida à insolvente, declarado resolvida em benefício da massa insolvente, a doação outorgada pela mesma e marido, o ora autor, a favor do filho menor de ambos, relativamente ao prédio urbano atrás identificado. O prédio descrito que então tinha a natureza de rústico veio à posse da insolvente, então solteira, maior, por sucessão de M (…) casada com J (…). Em Outubro de 2005, o autor casou com a insolvente, tendo, no aludido prédio, na constância do casamento, sido edificada uma casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, que é bem comum do casal. Foi o autor que conjuntamente com a insolvente, utilizando dinheiro comum do casal, fruto dos proventos das suas actividades profissionais, pagaram todos os materiais de construção civil e demais actos necessários à edificação, bem como adquiriram e pagaram conjuntamente todo o recheio da referida casa de habitação, que ali existia à data da apreensão de bens pela senhora administradora de insolvência. O prédio em apreço tem o valor comercial actual de 365.540 €. Desde pelo menos a data de tais edificações, há 7 anos, o autor vem usando o edifício em causa de forma plena, pública e pacífica. Sendo legítimo dono e possuidor dos bens existentes no prédio acima identificado, tanto do edifício nele implantado, como de todo o seu recheio, tem o autor direito a ver separada a meação que lhe cabe nos bens identificados. Caso se entenda que a liquidação dos bens (venda) deva prosseguir nos autos de que a presente acção é apenso, o autor tem direito de retenção sobre os mesmos, enquanto legítimo possuidor (de boa-fé) e proprietário.

Contestou a Massa Insolvente, alegando que o casamento foi dissolvido por divórcio (por decisão Fevereiro de 2013), tendo o autor e a sua mulher declarado no mesmo que não existem bens comuns a partilhar. Mais declararam acordar que o direito de habitação da casa de morada de família, fica adjudicado à requerente mulher C (…). A aludida doação (de Dezembro de 2012) foi efectuada unicamente pela insolvente, com autorização do autor, à data casado com esta última, estando o registo predial da propriedade feito exclusivamente em nome da mesma. Sobre o imóvel encontram-se registadas duas hipotecas a favor do Banco (…), nas quais figura como sujeito passivo apenas a insolvente, o que demonstra, também, ser ela a proprietária plena do imóvel, não sendo o autor titular da meação do prédio, nem detendo a meação sobre qualquer edificação nele existente. O autor também não é detentor de qualquer direito de crédito, nomeadamente a título de benfeitorias. Há muito que caducou a acção do autor a serem-lhe reconhecidos quaisquer créditos.

Contestou, igualmente, o Banco B (…) (Portugal), S.A., credor reclamante com garantia hipotecária, declarando acompanhar essencialmente os termos da contestação apresentada pela ré massa insolvente.

Proferido despacho de prestação de esclarecimentos, o autor respondeu pretender que lhe seja reconhecido o direito sobre a meação dos bens do casal que é composto pela mencionada benfeitoria e que não há lugar a crédito para reclamar (por não haver ainda dívida), mas tão-somente a separação de meações dos bens comuns do dissolvido casal.

Respondeu o Banco sustentando que, face à confissão de que não existe crédito a reclamar, deverá ser imediatamente julgado improcedente o pedido de reconhecimento do alegado direito de retenção. E face ao esclarecimento do autor de que pretende o reconhecimento de alegado direito sobre a meação/metade de benfeitorias correspondente a uma casa de habitação, edificada num terreno que o autor admite ser bem próprio da insolvente, estar-se-á perante uma benfeitoria útil, manifestamente insusceptível de levantamento sem detrimento para o imóvel, sendo certo que o autor não alegou o valor do terreno antes da construção, nem nunca se dispôs a pagar à massa insolvente o respectivo valor. Assim, a alegada benfeitoria, não constituindo um bem comum autónomo, quer materialmente (a casa não poderá ser retirada do terreno onde está implantada sem ficar destruída), quer juridicamente, deverá ser imediatamente julgado improcedente o pedido de separação e restituição.

A Massa Insolvente acompanhou a posição do Banco.

*

Foi, depois, proferido despacho-saneador sentença que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade invocada e julgou a acção improcedente, em consequência do que:

A. Não determinou a separação da massa insolvente e a restituição ao autor da meação dos bens do dissolvido casal correspondentes a benfeitoria edificada no prédio urbano sito em P (...) , na freguesia de C (...) , concelho de Leiria, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2668/Leiria, inscrito na matriz sob o artigo 7245º, que se compõe de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, que se compõe de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar para habitação e logradouro.

B. Não reconheceu ao autor o direito de crédito correspondente ao valor dessa meação, referida em A. do segmento decisório.

C. Não reconheceu ao autor o direito de retenção sobre o prédio referido em A. do segmento decisório.

*

2. O A. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. A Massa Insolvente contra-alegou, tendo apresentado as conclusões que seguem:

(…)

4. O Banco (…) contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II- Factos Provados

1. C (…) foi declarada insolvente por sentença proferida em 24 de Outubro de 2013, que transitou em julgado no dia 13/11/2013.

2. A presente acção deu entrada em juízo no dia 1/07/2016.

3. Em 8 de Outubro de 2005 o autor casou com a insolvente sem precedência de convenção antenupcial.

4. O casamento foi dissolvido por divórcio, por decisão de 27 de Fevereiro de 2013, proferida pela Conservatória do Registo Civil da Marinha Grande, transitada em julgado nessa mesma data.

5. A Senhora Administradora Judicial, em 24 de Janeiro de 2014, por carta remetida à insolvente C (…), declarou resolver, em benefício da massa insolvente, a doação outorgada pela insolvente C (…) e marido, o ora autor, a favor do filho menor de ambos, T (…), relativamente ao prédio urbano sito em P (...) , na freguesia de C (...) , concelho de Leiria, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2668/Leiria, inscrito na matriz sob o artigo 7245º, que se compõe de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, que se compõe de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar para habitação e logradouro.

6. O autor alega que o prédio supra descrito, que então tinha a natureza de rústico e era composto por vinha, veio à posse da insolvente C (…), então solteira, maior, por sucessão de M (…) casada com J (…), como resulta de escritura de partilha outorgada em 28/07/2004, a fls.60, do Livro 311-D, do 2º Cartório Notarial de Leiria, e que na constância do casamento foi edificado no aludido prédio uma edificação urbana que se compõe de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, tendo sido o autor e a insolvente, utilizando dinheiro comum do casal, fruto dos proventos das suas actividades profissionais, que pagaram todos os materiais de construção civil e demais actos necessários à edificação, no valor de € 136.388,50.

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Direito à separação da massa e à restituição da meação dos bens do dissolvido casal - benfeitoria edificada em bem próprio da devedora.

2.1. Dispõe o art. 141º, nº 1, c), do CIRE, que é possível reclamar a separação da massa insolvente dos bens dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade.

O primeiro pedido do recorrente, como resulta da sua p.i., in fine, esclarecimento prestado e requerimento de recurso, parte final conclusiva, é o de que sejam condenados os RR a separar e restituir ao mesmo o direito à sua meação nos bens comuns do dissolvido casal, que é composta pela benfeitoria edificada no prédio urbano sito em P (...) , na freguesia de C (...) , concelho de Leiria, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 2668/Leiria, inscrito na matriz sob o artigo 7245º, que se compõe de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, que se compõe de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar para habitação e logradouro.

Na sentença recorrida escreveu-se que:

“O autor alega que o prédio em causa nesta acção, que então tinha a natureza de rústico e era composto por vinha, veio à posse da insolvente C (…), então solteira, maior, por sucessão de M (…) casada com J (…), como resulta de escritura de partilha outorgada em 28/07/2004, a fls.60, do Livro 311-D, do 2º Cartório Notarial de Leiria, e que na constância do casamento foi edificado no aludido prédio uma edificação urbana que se compõe de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, tendo sido o autor e a insolvente, utilizando dinheiro comum do casal, fruto dos proventos das suas actividades profissionais, que pagaram todos os materiais de construção civil e demais actos necessários à edificação, no valor de € 136.388,50.

O autor e a devedora casaram um com o outro segundo o regime da comunhão de adquiridos – cfr. artigo 1717º do Código Civil.

De harmonia com a orientação jurisprudencial dominante, o prédio urbano construído pelos cônjuges em terreno de um só deles – situação cuja existência é sustentada pelo autor - deve ser considerado uma benfeitoria. 1Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/05/2014, processo n.º 1068/08.7TBTMR-B.C1, publicado em www.dgsi.pt …

Segundo a definição legal, benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa – cfr. artigo 216º/1 do Código Civil.

São necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; são úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam todavia, o valor; por último, são voluptuárias, as benfeitorias que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante (artigo 216º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).

A lei atribui ao autor das benfeitorias um direito ao levantamento ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada, mas não um direito de propriedade sobre a coisa (como acontece no caso da acessão), já que a benfeitoria se destina a conservar ou a melhorar a coisa …

(…)

O cônjuge não pode considerar-se estranho à coisa nem de boa-fé, e, portanto, o caso é, simplesmente, de benfeitorias realizadas na coisa, que atribui à comunhão conjugal e, após a dissolução do casamento, ao ex-cônjuge não proprietário, um direito de crédito sobre o cônjuge proprietário (cfr. artigo 1689º/1do Código Civil).

Em síntese, tendo os cônjuges, enquanto casados sob o regime de comunhão de adquiridos, construído uma moradia num terreno pertencente ao património próprio de um deles, essa construção constitui uma benfeitoria útil e não pode basear a aquisição da propriedade do prédio por acessão.

As benfeitorias, pelo menos algumas delas, como a construção de uma moradia, podem ser encaradas sob a perspectiva de coisas e sob a perspectiva de despesas. O valor das despesas materiais feitas pelo casal com a dita construção da moradia é um bem comum do casal, nos termos dos artigos 1724º, alínea b), e 1733º/2, do Código Civil. Esse valor deve ser relacionado como crédito do património comum do casal. O prédio urbano resultante da construção da moradia no terreno pertencente a um dos cônjuges não integra os bens adquiridos a que se refere o artigo 1724º do Código Civil e não é bem comum do casal. 3Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/10/2012, processo n.º 1058/09.2TBTMR-A.C1, publicado em www.dgsi.pt

O autor pretende que lhe seja restituída a meação dos bens do dissolvido casal (benfeitoria) – cfr. pedido expressamente deduzido.

Como acima também se referiu, a lei atribui ao autor das benfeitorias, em alternativa ao exercício do direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada, um direito ao levantamento da benfeitoria, levantamento pretendido pelo autor ainda que por referência à sua “meação”.

No tocante às benfeitorias necessárias e úteis estabelece o artigo 1273º do Código Civil o seguinte:

1- Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis reali-zadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2- Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Assim, no que concerne às benfeitorias úteis, vigora a regra de que o possuidor da coisa promotor de tais benfeitorias tem direito a levantá-las desde que o possa fazer sem detrimento da coisa, quer seja possuidor de boa-fé quer seja possuidor de má-fé.

Caso não se possa fazer o levantamento das benfeitorias úteis sem detrimento da coisa, o titular da coisa beneficiada adquire a benfeitoria e, então, aquele tem direito a ser indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, o que significa que o despendido funciona apenas como limite máximo, tendo, porém, o proprietário que pagar tão só (dentro de tal limite máximo) o valor que as benfeitorias aportam para a coisa. 4Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/02/2015, processo n.º 1289/12.8TBACB.C1, publicado em www.dgsi.pt

No caso, não se vislumbra a possibilidade de fazer o levantamento das benfeitorias úteis sem detrimento da coisa, pelo que qualquer pretensão de entrega da coisa carece de fundamento; sendo que, como acima se referiu, a construção que o autor alega ter edificado na constância do casamento não pode jamais basear a aquisição da propriedade do prédio por acessão.

Com o que improcede esta pretensão deduzida pelo autor.”.

Esta fundamentação jurídica mostra-se acertada, com convocação das normas legais pertinentes e jurisprudência adequada, pelo que nada existe a censurar.

Ex abundante podemos acrescentar, como ensina Pereira Coelho (em Curso de Direito da Família, Vol. I, 4ª Ed., pág. 546), que face ao citado art. 1733º, nº 2, do CC, só se considera comum, com autonomia, o valor das benfeitorias úteis, como é o caso frequente da edificação de um imóvel, durante o casamento, com dinheiro comum, num terreno próprio de um dos cônjuges. Ou, como afirma A. Varela (em CC Anotado, Vol. IV, 2ª Ed., nota 7. ao referido artigo, pág. 443), a lei garante apenas a participação dos dois cônjuges no valor das benfeitorias úteis realizadas nos bens próprios.

Ou seja, nos bens comuns integra-se apenas o valor das benfeitorias úteis feitas nos bens próprios, como decorre expressamente do art. 1733º, nº 2, do CC.

Pelo que, ao contrário do que o apelante defende e afirma repetidamente, ele apenas disporá (ou dispõe) de um direito de crédito sobre o património comum do casal, em princípio, na medida da percentagem das despesas havidas, mas não dispõe de nenhuma meação sobre a própria benfeitoria, que não é bem comum do casal.

Não poderia, por isso, proceder o seu pedido de separação e restituição ao mesmo do seu direito à meação nos bens comuns do dissolvido casal composto pela benfeitoria “edificada no prédio urbano sito em P (...) , na freguesia de C (...) , concelho de Leiria, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2668/Leiria, inscrito na matriz sob o artigo 7245º, que se compõe de casa de rés-do-chão, destinada a habitação, que se compõe de casa de cave, rés-do-chão e primeiro andar para habitação e logradouro”.

Assim improcedendo as suas conclusões de recurso VII, IX, X e XIII.

2.2. O apelante teria (tinha) pois um direito de crédito (correspondente a parte do valor dispendido na benfeitoria útil) mas que não reclamou ainda, como reconheceu no esclarecimento que prestou (limitou-se a pedir um direito de retenção sobre o aludido prédio urbano, sem previamente afirmar ou reclamar um crédito o que é estranho pois aquele direito como de garantia que é pressupõe a existência de um crédito).  

Mas mesmo que se perspectivasse a pretensão do autor como reconhecimento de um crédito, nos termos do art. 146º, nº 1 do CIRE, como justamente observou a decisão recorrida, verifica-se que a acção deu entrada em juízo ultrapassado que se mostrava o prazo de seis meses a que alude o art. 146º, nº 2, b), do citado diploma legal - não tendo aplicação ao caso a 2ª parte deste preceito, de o invocado crédito, face ao alegado pelo autor, se ter constituído posteriormente -, pelo que, face à defesa por excepção apresentada pelos RR contestantes, o tribunal a quo concluiu acertadamente que o aludido prazo se encontrava ultrapassado e em consequência decidiu correctamente pelo não reconhecimento desse eventual direito de crédito.

Decisão que como resulta dos fundamentos e conclusões das suas alegações de recurso o recorrente acaba por não atacar.

Resta repelir, ainda, dois argumentos esgrimidos pelo apelante.

Um, o de que a administradora de insolvência não poderia ter efectuado a resolução da doação do imóvel aqui em causa feita pelo casal ao único filho comum, por não ter qualquer legitimidade para representar o A./recorrente, tratando-se, por isso, de um acto ineficaz (conclusão de recurso VIII).

Por um lado o apelante labora em erro, pois quem fez a doação foi exclusivamente a insolvente, proprietária do prédio, tendo o mesmo limitado a sua participação no acto e na escritura a conceder autorização à ex-mulher (vide cópia da escritura a fls. 54/55). Como, aliás não podia deixar de ser face ao que dispõe o art. 1682º-A, nº 1, a), do CC.

Por outro lado, não há qualquer notícia nos autos, nem o apelante o alega que apesar de notificado pela administradora judicial da resolução da doação (vide fls. 12 v. dos autos) tenha impugnado a mesma, o que quer dizer que se conformou com ela, não a podendo agora, por meio ínvio, reavivar tal questão.

O segundo argumento (constante das suas conclusões de recurso XIV e XV) é quase ininteligível.

É que não se entende, porque o apelante não as concretiza, de que questões o tribunal a quo terá deixado de conhecer, que a ser verdade até gerariam a nulidade da decisão, nos termos dos arts. 608º, nº 2, 1ª parte e 615º, nº 1, d), do NCPC.

Nem se alcança que questões este tribunal devia conhecer, nos termos do invocado art. 665º, nº 2, do NCPC, porque também o recorrente não as especifica.

A terminar dir-se-á que o apelante na parte final das suas conclusões de recurso requer que, em última instância, se remetam os autos à 1ª instância para que seja apurado a existência ou não do seu direito sobre os bens apreendidos para a massa insolvente. Ora já vimos que esse invocado direito à separação e restituição não existe, pelo que a decisão tomada no despacho saneador de conhecimento do mérito da causa foi correctamente tomada, não havendo necessidade de produzir mais provas, como tudo decorre do art. 595º, nº 1, b), do NCPC.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Tendo os cônjuges, enquanto casados sob o regime de comunhão de adquiridos, construído uma moradia num terreno pertencente ao património próprio de um deles, essa construção constitui uma benfeitoria útil; 

ii) O valor das despesas materiais feitas pelo casal com a dita benfeitoria é um bem comum do casal, nos termos dos arts. 1724º, b), e 1733º, nº 2, do CC;

iii) O cônjuge, não proprietário, dissolvido o casamento, tem o direito de receber metade desse valor;

iv) O prédio urbano resultante da construção da moradia no terreno pertencente a um dos cônjuges não integra os bens adquiridos a que se refere o art. 1724º do CC e não é bem comum do casal;

v) Consequentemente o ex-cônjuge não proprietário não pode reclamar a separação e restituição da massa insolvente de uma alegada meação sobre tal benfeitoria, nos termos do art. 141º, nº 1, c), do CIRE.

 

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pelo recorrente.

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  Coimbra, 16.5.2017

Moreira do Carmo ( Relator )

  Fonte Ramos

Maria João Areias