Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
89/04.3TAACB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
INFRACÇÃO FISCAL
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 14º, DO R.G.I.T.
Sumário: Não é inconstitucional a norma do art.º 14º, do R.G.I.T. (Regime Geral das Infracções Tributárias), que prevê a suspensão da execução da pena de prisão sempre condicionada ao pagamento do valor em dívida.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

No processo comum n.º 89/04.3TAACB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, após a realização da audiência de julgamento foi proferido acórdão que decidiu: 

I- Quanto à ACÇÃO PENAL:
a) condenar os arguidos BP... e FG… como co-autores materiais, e na forma continuada, de 1 (um) crime de Abuso de Confiança Fiscal, p.p. pelo art.º 105° nºs. 1, 2, 4 e 7, do RGIT – Regime Geral das Infracções Tributárias - (aprovado pela Lei nº. 15/2001, de 5 de Junho), tendo ainda em consideração do estatuído nos artº.s 26º, nº 1 e 40º, ambos do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A.), nos artºs. 6° a 8°. do RGIT -, e 11º, 30° nº. 2 e 79°, todos do Código Penal, na pena, cada um deles, de 14 (catorze) meses de prisão ;
b) condenar os arguidos BP... e FG… como co-autores materiais, e na forma continuada, de 1 (um) crime de Abuso de Confiança em relação à Segurança Social, p.p. pelo art.º 107°, com referência ao art.º. 105° nºs. 1, 4 e 7, ambos do RGIT, considerando, ainda, o disposto nos artºs.. 6° a 8°. do RGIT e nos artºs. 11º, 30° nº. 2 e 79°, todos do Código Penal, na pena, cada um deles, de 18 (dezoito) meses de prisão;
c) em cúmulo jurídico, condenar os mesmos arguidos - BP... e FG... - nas penas únicas de 2 (dois) anos de prisão;
d) nos termos conjugados dos artigos 14º, nº 1, do RGIT e 50º, nº 1 e 51º, nº 1, alín. a), ambos do Cód. Penal:
·  suspender a execução das penas únicas de prisão, pelo período de 4 (quatro) anos, com a condição de, nesse mesmo prazo, os arguidos pagarem à Fazenda Nacional e ao Instituto da Segurança Social, I.P. as quantias, respectivamente, de:
· 108.891,87 € (cento e oito mil oitocentos e noventa e um Euros), e de 88.537,12 € (oitenta e oito mil quinhentos e trinta e sete Euros e doze cêntimos) - 29.900,16 € + 58.636,96 € ;
· devendo documentar nos autos, no prazo de 1 ano o pagamento de ¼ de tal quantia, dentro de 2 anos o pagamento de 2/4 de tal quantia, dentro de 3 anos o pagamento de 3/4, e no último ano o restante ;
e) absolver os mesmos arguidos quanto ao demais ilícito que lhes era imputado (um segundo crime continuado de Abuso de Confiança em relação à Segurança Social) ; 
f) condenar a arguida “XXX…, LDA.” como co-autora material, e na forma continuada, de 1 (um) crime de Abuso de Confiança Fiscal, p.p. pelo art.º 105° nºs. 1, 2, 4 e 7, do RGIT, tendo ainda em consideração do estatuído nos artº.s 26º, nº 1 e 40º, ambos do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A.), nos artºs. 6° a 8°. do RGIT, e 11º, 30° nº. 2 e 79°, todos do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, fixando-se a sua taxa diária  na quantia de 12,00 € (doze Euros), num total de 3.000,00 € (três mil Euros) ;
g) condenar a mesma arguida como co-autora material, e na forma continuada, de 1 (um) crime de Abuso de Confiança em relação à Segurança Social, p.p. pelo art.º 107°, com referência ao art.º. 105° nºs. 1, 4 e 7, ambos do RGIT, considerando, ainda, o disposto nos artºs.. 6° a 8°. do RGIT e nos artºs. 11º, 30° nº. 2 e 79°, todos do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, fixando-se a sua taxa diária  na quantia de 12,00 € (doze Euros), num total de 3.600,00 € (três mil e seiscentos Euros) ;
h) em cúmulo jurídico, condenar a mesma arguida – XXX…, Lda. – na pena única de 420 (quatrocentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 12,00 € (doze Euros), num total de 5.040,00 € (cinco mil e quarenta Euros) ;
i) absolver a mesma arguida quanto ao demais ilícito que lhe era imputado (um segundo crime continuado de Abuso de Confiança em relação à Segurança Social);


 II – Quanto à ACÇÃO CIVIL:

Julgar os pedidos de indemnização civil formulados, parcialmente procedentes, por parcialmente provados e, consequentemente, decide-se:

 - relativamente ao pedido de indemnização deduzido pelo Ministério Público, em representação do Estado Português – Fazenda Nacional:
a) condenar os demandados BP..., FG... e XXX…, LDA., a pagar ao demandante ESTADO PORTUGUÊS – FAZENDA NACIONAL, o montante de 125.246,77 € (cento e vinte e cinco mil duzentos e quarenta e seis euros e setenta e sete cêntimos) ;
b) sob tal montante acrescem, nos termos do art. 35º da LGT, juros compensatórios vencidos, a computar dia a dia, desde o termo do prazo da entrega do imposto (vários prazos, atendendo à circunstância do regime mensal em causa), por equivalência à taxa dos juros legais, e com o limite temporal previsto no nº 7 do mesmo normativo ;
c) bem como, nos termos do art. 44º da LGT, juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa de juro definida na lei geral para as dívidas ao Estado, com o limite temporal previsto no nº 2 do mesmo normativo ;
d) absolver os mesmos demandados quanto ao demais peticionado ;

   - relativamente ao pedido de indemnização deduzido pelo Instituto da Segurança Social – Centro Distrital de Segurança Social de Y...:
a) condenar os demandados BP..., FG... e XXX…, LDA., a pagar ao demandante INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL – Centro Distrital de Segurança Social de Y..., o montante de 29.900,16 (vinte e nove mil e novecentos euros e dezasseis cêntimos) ;
b) sob tal montante acrescem, nos termos do art. 16º do DL nº 411/91, de 17/10, ou de norma correspondente que vier a ser aplicável, juros moratórios, vencidos e vincendos, por cada mês de calendário ou fracção, à taxa de juro definida na lei geral para as dívidas ao Estado, e a computar desde o termo do prazo da entrega da contribuição (vários prazos, atendendo á circunstância do regime mensal em causa) até efectivo e integral pagamento. 


*

A arguida BP... não se conformou com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

A) Os elementos de facto fornecidos pelo processo impõem claramente uma decisão de Direito diversa daquela que foi proferida nos autos, tendo o Tribunal a quo efectuado uma errada aplicação do direito aos factos dados como provados, pelo que estamos perante um erro de direito que conduz à revogação Sentença.

B) O tribunal a quo, ao entender não ser de aplicar ao caso dos autos, o crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social, a nova redacção conferida ao artigo 105º do R.G.I.T. pela Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro, perpetrou uma vez uma violação da lei.

C) Decidiu o acórdão recorrido não aplicar ao caso dos autos, mais concretamente ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, a nova redacção conferida ao artigo 105º do R.G.I.T. pela Lei n.º 64-A/2008 de 31.12., alegando em suma para o efeito que a lei do orçamento de estado não introduziu qualquer alteração expressa no artigo 107º do RGIT e que a remissão efectuada no artigo 107º do RGIT para o artigo 105º, é apenas por referência às penas neste previstas e não propriamente quanto aos elementos constitutivos do tipo e que o legislador pretendia diferençar a legal solução quando estão cm causa actos de abuso de confiança, consoante a natureza das prestações ou contribuições em causa e a entidade afectada (Estado ou IGFSS).

D) Se o intuito do legislador fosse de facto o de manter um regime sancionatório mais exigente quanto à falta de entrega das contribuições para a Segurança Social e conferir autonomia ao regime punitivo das infracções contra a Segurança Social, a alteração ocorrida ao artigo 105º, n.º 4, alínea b) do R.G.I.T., com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, também não teria sido aplicada aos crimes de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social, pelo que não pode ter acolhimento a argumentação do colectivo referida em C).

E) Acresce que anteriormente, previa o n.º 6 do art. 105º referido (revogado pelo art. 113º da L. 64-A/08 de 31/12) que "se o valor da prestação a que se referem os números anteriores não exceder 2000, a responsabilidade criminal extingue-se pelo pagamento da prestação, juros respectivos e valor mínimo da coima aplicável pela falta de entrega da prestação no prazo legal, até 30 dias após a notificação para o efeito pela administração tributária". Tal norma, foi revogada, tendo sido como que "assimilada" pela nova redacção do n.º 1: quando antes existia uma possibilidade de extinção da responsabilidade criminal, condicionada ao pagamento, passou agora a existir uma não criminalização, desde que o montante em causa não seja superior a € 7.500,00.

F) Nos termos do n.º 7 do art. 105º referido, também aplicável ao caso por força do n.º 2 do art. 107º, para apreciar tal valor, deverá ter-se em conta os valores que deveriam constar de cada declaração a que o contribuinte estava obrigado a entregar.

G) No caso dos autos, nas declarações entregues à Segurança Social não consta valor superior a € 7.500,00, tudo está assim em saber se a descriminalização operada pela nova redacção dada ao n.º 1 do art. 105º do RGIT (Lei do Orçamento de Estado de 2009) se aplica também ao crime de abuso de confiança contra a segurança social.

H) Não se vislumbram razões suficientemente válidas para não proceder a tal aplicação uma vez que nos termos n.º 1 do art. 107º do RGIT que "as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, as instituições de segurança social, são punidas com penas previstas, nos n.ºs 1 e 5 do art. 105º.

I) Por sua vez, o n.º 2 do art. 107º referido, determina a aplicação ao abuso de confiança contra a segurança social do disposto nos n.ºs 4 e 6 (entretanto revogado, sem que se tenha alterado a redacção do n.º 2 do art. 107º) e 7 do art. 105º, significa isto que, por virtude das remissões feitas pelo n.º 2 do art. 107º, no caso abuso de confiança contra a segurança social (e tal como no abuso de confiança fiscal):

1º - Os factos só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação (al. a) do n.º 4 do art. 105º, autónoma desde a L. 53-A/06 de 29/12 que aprovou o O.G.E. para 2007, sendo antes o n.º 4 do art. 105º);

2º - Os factos só são puníveis se não ocorreram os pagamentos que forem devidos, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (al. b) do n.º 4 do art. 105º, na redacção dada pela referida L. 53-A/06 de 29/12).

3º - Os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária (n.º 7 do art. 105º)

4º - Até à revogação do n.º 6 do art. 105º e antes da introdução da al. b) do n.º 4, a responsabilidade criminal extinguia-se se, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito, ocorresse o pagamento das quantias devidas, desde que os montantes em causa não excedessem € 1.000 (na redacção inicial do RGIT) ou € 2.000 (na redacção dada ao n.º 6 pelo art. 60º da L 60-A/05 de 30/12 que aprovou o O.G.E para 2006).

J) O artigo o artigo 107º limita-se a descrever as especificidades do crime de abuso de confiança contra a Segurança social, em relação ao crime de abuso de confiança fiscal, sendo este o tipo base.

K) Em ambos os tipos legais está em causa o erário público, associado à violação dos deveres tributários do sujeito activo, o que significa que sempre se pretendeu que o regime de punição fosse idêntico em ambos os crimes - abuso de confiança fiscal e abuso de confiança contra a segurança social - sendo apenas diferentes, as entidades devedoras das prestações e os fundamentos das dívidas.

L) Por outro lado, por virtude da remissão do n.º 1 do art. 107º, sempre se teve em conta o montante de € 50.000 previsto no n.º 5 do art. 105º para se qualificar o crime, punindo-o mais severamente, a severidade era (e é), assim, igual para ambos os crimes.

M) Não se compreenderia pois que prevendo agora o legislador uma menor severidade quando estão em causa quantias não superiores a 7.500 € se aplicasse tal alteração apenas aos crimes de abuso de confiança fiscal e não também a crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, não se fazendo identidade de punições que sempre o legislador entendeu fazer, pelo que sempre deveria a arguida ter sido absolvida do crime de abuso de confiança contra a segurança social, em virtude da descriminalização operada pela lei do O.E. para 2009.

N) Acresce que as prestações tributárias em dívida dizem respeito a 1995 a 2001.

O) O prazo de prescrição das contribuições para a Seg. Social foi estabelecido em 5 anos com a entrada em vigor [a 4/2/2001] da Lei n.º 14/2000, de 8/8 (v/ art. 63º/2).

P) Este prazo foi mantido pela actual lei de bases da segurança social -, Lei n.º 32/2002, pelo que todas as prestações tributárias em dívida à Segurança Social se encontram prescritas, não podendo por isso o acórdão recorrido condenar a arguida no pedido de indemnização civil, tal como fez.

Q) Sem prescindir de tudo quanto foi exposto desde já se dirá que a norma contida no artigo 14º do RGIT, que impõe de forma automática o condicionamento da suspensão da execução da pena ao pagamento da totalidade dos montantes das prestações tributárias em dívida, é inconstitucional por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, dos limites às restrições, pela lei, dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, da separação de poderes, da reserva judicial da função jurisdicional e da independência, consagrados, respectivamente, nos artigos 1º, 2º, 13º n.ºs 1 e 2, 18º, n.ºs 2 e 3, in fine, 111º n.º 1, 202º, n.ºs 1 e 2, e 203º da CRP.

R) A norma constante do no n.º 1 do art. 14º do R.G.I.T. ao impor obrigatoriamente a condição do pagamento à suspensão da pena, viola os artigos 1°, 13º, 27° e 18°, n.º 2, da nossa Lei Fundamental.

S) A restrição de direitos fundamentais, especialmente o da liberdade -, art. 27° da C.R.P. - atingiu o nível do arbitrário, violando o princípio da proibição do excesso, consagrado no art. 18°, n.º 2, da C.R.P.

T) Violação que resulta das restrições decorrentes da opção legislativa importarem, relativamente ao direito fundamental à liberdade, limitação ofensiva dos princípios em que aquele da proibição do excesso se desdobra: da adequação (porque se mostra inapropriada), da necessidade (por não ser exigível) e da proporcionalidade em sentido restrito - princípio da justa medida - por virtude de a lei adoptar «cargas coactivas» de direitos, liberdades e garantias «desmedidas» «desajustadas», «excessivas» ou «desproporcionadas» em relação aos resultados obtidos», à luz dos critérios com relevo constitucional.

U) Se é certo que existe o dever constitucional de pagar imposto, não é menos certo que a arguida não é a devedora originária do imposto.

V) Assim, a imposição do condicionamento do pagamento, se entendida no sentido de que teria como efeito que o não cumprimento da condição, no prazo estabelecido, implica necessariamente, no caso concreto, a revogação da suspensão, o que ofende o princípio da culpa que informa todo o sistema penal como exigência incontornável do respeito pela dignidade da pessoa humana, importando por isso inconstitucionalidade da norma do art. 14°, n.º 1, do RGIT e n.º 1 do artigo 14° da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho) que impõe se condicione obrigatoriamente a suspensão ao dever do referido pagamento (cf. arts. 1º, 27° e 18°, n.º 2, da C.R.P.).

Nestes termos e nos melhores de direito, devem as presentes conclusões proceder e por via disso deve o recurso obter provimento, sendo revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.


*

Respondeu a Magistrada do MºPº junto do tribunal “a quo” defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, a arguida não respondeu.

Os autos tiveram os vistos legais.


***


II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da decisão recorrida (por transcrição):

A - Da discussão da causa RESULTARAM PROVADOS os seguintes factos :


1. a arguida XXX…, Lda., é uma sociedade comercial que se dedica à elaboração de contabilidade, projectos planeamento, gestão e assistência técnica, documentação, factores de protecção para a agricultura, construção e manutenção de áreas ajardinadas, instalações de sistemas de rega e iluminação de jardins, comercialização de plantas ornamentais de exterior e interior e utensílios de jardinagem, fornecedor de obras públicas, parques e ajardinamentos e arruamentos em zonas urbanas ;
2. encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ...com o nº. … ;
3. a mesma sociedade é contribuinte da Segurança Social com o nº. …, possuindo o NIPC … ;
4. para execução da mencionada actividade, a mesma sociedade arguida tinha trabalhadores/funcionários ao seu serviço ;
5. desempenhando as funções de sócios-gerentes os arguidos BP... e FG... ;
6. o que fizeram, nomeadamente, no período que mediou entre Outubro de 2001 e Fevereiro de 2005 ;
7. exercendo, quanto à sociedade arguida e em conjunto, a efectiva gestão desta, agindo de facto e de direito em seu nome e interesse ;
8. cabendo-lhes, nomeadamente, a iniciativa e total responsabilidade pelas decisões atinentes à gestão da sociedade arguida, a que davam execução ;
9. definindo, nomeadamente, a afectação dos recursos financeiros ao cumprimento das obrigações correntes e do desconto das contribuições devidas à Segurança Social nos salários pagos aos seus trabalhadores, nos salários dos gerentes e no pagamento dos impostos ;
10. ainda que, internamente, a arguida BP... direccionasse mais a sua actividade para a área ou vertente administrativa, actuando maioritariamente o arguido FG... na área da produção ;


11.  nos meses que decorreram entre Outubro de 2001 e Abril de 2005 foram pagos salários aos identificados sócios-gerentes, bem como aos trabalhadores/funcionários da sociedade arguida, tendo sido entregues à Segurança Social – Centro Distrital de Y... as declarações de remunerações dos trabalhadores/funcionários e dos identificados membros dos órgãos estatutários ;
12. durante o período de Outubro de 2001 a Março de 2003, a sociedade arguida, aquando do pagamento dos salários, efectuou a retenção das contribuições devidas, por força da lei, à Segurança Social ;
13. sendo que, entre Outubro de 2001 a Julho de 2002, Setembro a Dezembro de 2002, Fevereiro e Março de 2003, os arguidos não entregaram tais contribuições à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diziam respeito ;
14. no montante total de 37.706,22 €, respeitando 28.627,41 € aos trabalhadores por conta de outrem, e 9.078,81 € aos gerentes ;
15. e, especificamente nos seguintes períodos e quantias:

DATA10% GERENTES11% TRABALHADORES
Outubro 2001498,80 €1.967,51 €
Novembro 2001498, 80 €2.348,32 €
Dezembro 2001997,59 €3.010,54 €
Janeiro 2002488,00 €1.415,70 €
Fevereiro 2002 1.714,01 €
Março 2002360,67 €1.157,42 €
Abril 2002498,80 €1.810,69 €
Maio 2002498,80 €1.572,45 €
Junho 2002498,80 €1.313,66 €
Julho 2002 2.329,08 €
Setembro 20021.745,79 €1.608,64 €
Outubro 2002498,80 €1.505,07 €
Novembro 2002498,80 €1.220,32 €
Dezembro 2002997,59 €2.246,57 €
Fevereiro 2003498,80 €1.644,24 €
Março 2003498,80 €1.763,21 €
TOTAL9.078,81 €28.627,41 €


16. não o fazendo igualmente nos 90 dias posteriores àquele, sendo que nenhuma das entregas em falta era de valor superior a 50.000,00 € ;
17. posteriormente, em data não concretamente apurada, foram liquidadas a totalidade das contribuições em dívida (e respectivos acréscimos legais) relativamente aos meses de Outubro e Novembro de 2001, e parcialmente as contribuições referentes a Dezembro de 2001, das quais apenas se encontra em dívida a quantia de 1.515,50 € ;
18. permanecendo assim em dívida o montante de 29.900,16 € das mesmas contribuições ;


19. igualmente, durante o período de Abril de 2003 a Fevereiro de 2005, a mesma sociedade arguida, aquando do pagamento dos salários, efectuou a retenção das contribuições devidas, por força da lei, à Segurança Social ;
20. que os arguidos não entregaram a esta mesma entidade até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diziam respeito ;
21. no montante total de 58.636,96 €, respeitando 47.169,85 € aos trabalhadores por conta de outrem, e 11.227,28 € aos gerentes e 239,83 € aos pensionistas por velhice ;
22. e, especificamente nos seguintes períodos e quantias:

PERÍODONATUREZAQUOTIZAÇÕES
04/2003TRABALHADORES1.924,06 €
04/2003PENSIONISTAS46,69 €
04/2003GERENTES498,80 €
05/2003TRABALHADORES2.017,70 €
05/2003PENSIONISTAS93,38 €
05/2003GERENTES498,80 €
06/2003TRABALHADORES1.913,76 €
06/2003PENSIONISTAS99,76 €
06/2003GERENTES997,60 €
07/2003TRABALHADORES2.636,69 €
07/2003GERENTES498,80 €
08/2003TRABALHADORES2.258,23 €
08/2003GERENTES498,80 €
09/2003TRABALHADORES2.020,18 €
09/2003GERENTES498,84 €
10/2003TRABALHADORES2.028,65 €
10/2003GERENTES498,80 €
11/2003TRABALHADORES1.813,58 €
11/2003GERENTES498,84 €
12/2003TRABALHADORES3.054,10 €
12/2003GERENTES997,60 €
01/2004TRABALHADORES1.678,15 €
01/2004GERENTES249,40 €
02/2004TRABALHADORES1.688,25 €
02/2004GERENTES249,40 €
03/2004TRABALHADORES1.793,10 €
03/2004GERENTES624,40 €
04/2004TRABALHADORES1.562,84 €
04/2004GERENTES374,40 €
05/2004TRABALHADORES2.996,57 €
05/2004GERENTES374,40 €
06/2004TRABALHADORES1.564,56 €
06/2004GERENTES748,80 €
07/2004TRABALHADORES1.931,62 €
07/2004GERENTES374,40 €
08/2004TRABALHADORES1.767,08 €
08/2004GERENTES374,40 €
09/2004TRABALHADORES1.673,86 €
09/2004GERENTES374,40 €
10/2004TRABALHADORES1.984,60 €
10/2004GERENTES374,40 €
11/2004TRABALHADORES1.775,99 €
11/2004GERENTES374,40 €
12/2004TRABALHADORES3.261,34 €
12/2004GERENTES748,80 €
01/2005TRABALHADORES1.898,63 €
01/2005GERENTES249,40 €
02/2005TRABALHADORES1.926,31 €
02/2005GERENTES249,40 €
TOTAL: 58.636,96 €


23. não o fazendo igualmente nos 90 dias posteriores àquele prazo, sendo que nenhuma das entregas em falta era de valor superior a 50.000,00 € ;


24. os arguidos BP... e FG... conheciam as qualidades que tinham na sociedade arguida, e que actuavam em nome e favor desta ;
25. tinham perfeita consciência que a sociedade arguida era igualmente a sua entidade empregadora, e que deduziam nos salários que lhes eram pagos, como sócios-gerentes, bem como nos salários dos trabalhadores/funcionários, as contribuições impostas por lei ;
26. as quais não entregaram à Segurança Social, utilizando-as nas despesas de gestão e funcionamento da sociedade arguida, nomeadamente para o pagamento de novos salários e dos bens adquiridos pela sociedade arguida junto dos seus fornecedores ;
27. fazendo assim de tais montantes coisa própria, pertencente à sociedade arguida ;
28.  agiram assim os arguidos de forma deliberada, livre e consciente, com a intenção concretizada de utilizarem da forma descrita, apoderando-se, as quantias referentes àquelas contribuições ;
29. apesar de bem saberem que as mesmas não eram da sua pertença, e que tinham a obrigação de as entregar à Segurança Social, nos termos e prazos descritos ;
30. os arguidos foram notificados do despacho proferido em 09 de Março de 2007 para, em 30 dias, procederem, junto da entidade competente, ao pagamento da prestação tributária em falta acrescida dos juros respectivos e da coima mínima prevista pelo art.º. 114º, nº. 1, do R.G.I.T., devendo juntar aos autos documento comprovativo, o que não fizeram ;

   
31. tendo por referência as operações comerciais realizadas no âmbito da descrita actividade social da sociedade arguida, e por referência aos anos de 2002 e 2003, os arguidos remeteram através da internet ao Estado Português – Fazenda Nacional as declarações periódicas de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) – regime mensal ;
32. o que fizeram depois do dia 10  do mês seguinte àquele a que diziam respeito as operações tributáveis, e sem os respectivos meios de pagamento ;
33. relativamente a essas mesmas operações comerciais, e por referência aos anos de 2002 e 2003, os arguidos liquidaram IVA, guardaram-no e não o entregaram ao Estado Português – Fazenda Nacional, nos seguintes períodos e quantias;
Ø Dezembro de 2002 =» 28.722,83 € ;
Ø Janeiro de 2003 =» 15.905,59 € ;
Ø Março de 2003 =» 10.840,80 € ;
Ø Abril de 2003 =» 7.956,70 € ;
Ø Maio de 2003 =» 18.670,63 € ;
Ø Junho de 2003 =» 17.083,65 € ;
Ø Setembro de 2003 =» 11.330,40 € ;
Ø Outubro de 2003 =» 19.443,83 € ;
Ø Novembro de 2003 =» 25.686,57 € ;
Ø Dezembro de 2003 =» 10.765,84 € ;
34. no montante global de 166.406,84 € (cento e sessenta e seis mil quatrocentos e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) ;
35. decorreram mais de 90 (noventa) dias sobre o termo dos prazos legais para a entrega das mencionadas prestações ;
36. em vez de entregarem tais prestações ao Estado Português – Fazenda Nacional, do que eram capazes, os arguidos, em conjugação de esforços e intentos, optaram por não fazê-lo ;
37. antes as utilizando nas despesas de gestão e funcionamento da sociedade arguida, nomeadamente para o pagamento de salários, dos bens adquiridos pela sociedade arguida junto dos seus fornecedores e dos serviços prestados à mesma sociedade ;
38. fazendo assim de tais montantes coisa própria, pertencente à sociedade arguida ;
39. os arguidos bem sabiam que as referidas quantias pecuniárias haviam sido por si retidas para que as guardassem e viessem a entregar ao Estado Português – Fazenda Nacional ;
40. no entanto, ao não o fazerem, gastando-as em proveito da sociedade, agiram com o propósito de actuar como se fossem donos das mesmas, dispondo delas como se fossem suas ;
41. bem sabendo que essas quantias lhes não pertenciam, e que agiam contra a vontade e sem autorização do Estado Português – Fazenda Nacional, legítimo dono das mesmas ;
42. entretanto, a quantia total referente a Dezembro de 2002, e parcial relativamente a Janeiro de 2003, no montante de 2.213,90 €, foram pagas em 15/12/2006 ;
43. os arguidos foram notificados do despacho proferido em 09 de Fevereiro de 2007 para, em 30 dias, procederem, junto da entidade competente, ao pagamento da prestação tributária em falta acrescida dos juros respectivos e da coima mínima prevista pelo art.º. 114º, nº. 1, do R.G.I.T., devendo juntar aos autos documento comprovativo, o que não fizeram totalmente ;
44. vindo a liquidar, no referente a Novembro de 2003, a importância de 20.751,15 €, entre 08/03/2007 e 31/08/2007 e, no respeitante a Dezembro de 2003, a quantia de 5.827,09 €, em 29/08/2007 ;
45. sendo que as demais quantias não foram ainda regularizadas ou pagas ;

  
46. os arguidos actuaram da forma descrita, sucessivamente, dado que, após a retenção e não entrega das primeiras quantias, não foram alvo de qualquer fiscalização, penalização ou controlo no cumprimento da lei que obriga a tais entregas ;
47. nomeadamente, aproveitando-se do facto de não ter existido reacção imediata da Fazenda Nacional e da Segurança Social às primeiras não entregas ;
48. pelo que tal circunstância, aliada ao acesso próximo e imediato a tais quantias, e à necessidade das mesmas para fazer face a compromissos da sociedade arguida, sendo certo que as dificuldades económicas e de liquidez desta mantiveram-se durante a totalidade dos períodos supra mencionados, permitiram e facilitaram a continuidade e repetição de tal conduta durante os identificados meses e anos ;
49. os arguidos BP... e FG... agiram de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e intentos, agindo em nome e no interesse da arguida sociedade XXX…, Lda. ;
50. bem sabendo e conhecendo que as suas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei ;
51. pretendiam, ainda, os arguidos BP... e FG..., ao direccionarem as quantias não entregues nos termos descritos, contribuir para a manutenção da arguida sociedade em laboração, mantendo, no possível, os postos de trabalho ;
52. as dificuldades económicas e financeiras da arguida XXX…, Lda., iniciaram-se nos anos de 1999/2000, fruto da aquisição, por parte dos co-arguidos sócios-gerentes, de uma sociedade de construção civil e obras públicas, de uma situação de inactividade e perdas decorrentes de um inverno especialmente rigoroso (ano de 2000) e da existência de vários créditos sobre terceiros, em montantes elevados e de difícil, ou mesmo impossível, cobrança ;
53. fruto de tal aquisição, muitos dos recursos financeiros, que até aí eram direccionados para a arguida XXX..., passaram a ser direccionados para a sociedade adquirida ;
54. sendo que o negócio de aquisição desta veio a revelar-se económica e financeiramente deficitário, esgotando muitos dos recursos financeiros a que os arguidos poderiam recorrer ;


55. em 28 de Abril de 2005, a ora arguida XXX…, Lda., apresentou Procedimento Extrajudicial de Conciliação de Credores junto do IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento), propondo, entre outras, regularizar a dívida à Segurança Social mediante a entrega, como garantia, do prédio urbano sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia e concelho de ... ;
56. no desenvolvimento das conversações, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., enviou ao ora arguido FG... o fax cuja cópia se encontra junto a fls. 1033, no qual, para além de indicar a totalidade do capital e juros em dívida (494.809,72 € + 90.773, 18 €), reporta-se à avaliação de duas fracções de um prédio, oferecidas em dação em pagamento, às quais foi atribuído o valor de 462.500,00 € ;
57. acrescentando que as mesmas fracções têm que se encontrar livres de quaisquer ónus e encargos na data da escritura de dação em pagamento ;
58. tal Procedimento Extrajudicial de Conciliação de Credores acabou por nunca ser aprovado ou subscrito, nomeadamente, e desde logo, devido ao facto de sob tais fracções incidir garantia real a favor da Administração Fiscal que esta nunca retirou ou aceitou substituir por outras garantias ;
59. vindo o mesmo Procedimento a ser declarado extinto pelo IAPMEI, conforme comunicação efectuada por este instituto à arguida XXX..., Lda., datada de 01 de Junho de 2009 ;
60. presentemente, a arguida sociedade foi objecto de requerimento de insolvência intentado por terceiro, cujos autos correm os seus termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, possuindo elevado passivo e situação financeira débil, tendo como principal credor a Segurança Social ;
61. deixou de ter funcionários directamente a seu cargo desde Março de 2010, altura em que tinha aproximadamente 35 funcionários, apenas recorrendo a prestadores de serviços na execução dos trabalhos acordados ;
62. em sede de IRS, os montantes referentes aos meses de Janeiro a Novembro de 2003 foram liquidados entre Janeiro e Março de 2007, permanecendo assim em dívida as quantias referentes a Novembro e Dezembro de 2002, e Dezembro de 2003, no montante total de 10.707,61 € ;


63. pelo menos nos anos de 2002 e 2003, a arguida BP..., para além das funções de gerência, exerceu ainda as funções de Técnica Oficial de Contas ou responsável pela contabilidade da arguida XXX…, Lda. ;
64. esta arguida sociedade foi constituída por escritura pública celebrada em 28 de Outubro de 1991, e teve como objecto social inicial a contabilidade, projectos, planeamento, gestão e assistência técnica (agrícolas) ;
65. vindo o pacto social a ser alterado, nos termos expostos em 1., mediante escritura pública celebrada em 06 de Junho de 1997 ;


66. os arguidos são casados entre si e têm dois filhos ;
67. vivendo em casa arrendada ;
68. tendo confessado, quase na sua globalidade, os factos imputados ;
69. a arguida BP... é licenciada em …, trabalhando em empresas de que é co-titular ;
70. declarando não ter quaisquer outros processos penais pendentes ;
71. o arguido FG... possui Bacharelato em …, trabalhando em empresas (em número de 7) de que é co-titular ;
72. declarando igualmente não ter quaisquer outros processos penais pendentes ;
73. dos CRC’s dos arguidos nada consta.


*

    B - NÃO SE PROVARAM os seguintes factos :


a) Que os montantes referenciados em 14. e 15. respeitem à totalidade das contribuições retidas, devidas por força da lei à Segurança Social, no período mencionado em 12. ;
b) Que o IVA liquidado e não entregue, referente a Janeiro de 2003, seja no valor de 18.813,10 € ;
c) Que o IVA liquidado e não entregue, referente a Novembro de 2003, seja no valor de 25.472,85 € ;
d) Que os valores descritos em 21. e 22. se reportem ao período de Janeiro de 2003 a Abril de 2005 ;
e) Que as garantias referenciadas em 58. tivessem sido prestadas, e não avaliadas por inércia  da administração fiscal.


*

    C - MOTIVAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO que presidiu à convicção do julgador:

 O Tribunal fundamentou a sua convicção na globalidade da prova produzida na audiência de discussão e julgamento e na ponderação daí advinda.

Nomeadamente, o Tribunal teve em atenção, no que à prova testemunhal concerne, o teor dos seguintes depoimentos:

  • De IJ…, Jurista do núcleo de investigação criminal da Segurança Social de Y... desde Outubro de 2001. Confirmou a entrega das declarações de remunerações, as percentagens das retenções aplicáveis aos trabalhadores e aos gerentes e o período a que se reportava a não entrega das quantias retidas, confirmando o teor do mapa de fls. 24 dos autos principais. Por fim, acrescentou desconhecer a existência de quaisquer pagamentos posteriores dos montantes em dívida ;
  • De AG… … Direcção-Geral de Finanças até 2004. Confirmou a inspecção efectuada à sociedade arguida, o regime mensal de IVA a que esta se encontrava sujeita, a análise à contabilidade da contribuinte que efectuou e que, na altura, foi regularizado o envio das declarações de IVA, ainda que os valores em dívida não tivessem sido pagos ;
  • De AA…, … Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social desde 2006, sendo que entre 2001 e 2005 desempenhou funções do núcleo de ilícitos criminais. Referenciou ter sido instrutora de um dos processos, mencionando acerca do valor em dívida e das propostas existentes para a concretização de dação em pagamento por parte da sociedade devedora, desconhecendo os motivos da não concretização desta ;
  • De MJ…, …. do Centro Distrital de Segurança Social de Y..., encontrando-se aposentado desde Novembro de 2006. Confirmou o teor de fls. 21 dos autos apensos e extracto de conta corrente anexo do registo das folhas de declarações, esclarecendo que estas existem, faltando a entrega dos valores retidos que as deveriam acompanhar ;
  • De FD…, … Administração Tributária, Precisou a que exercícios se reportava o IVA em dívida, a motivação da inspecção (sociedade não declarante) e que no exercício da acção inspectiva foram entregues as declarações em falta, ainda que não acompanhadas dos montantes em dívida. Mencionou, por fim, que os valores de IVA em dívida foram apurados pela arguida BP..., à altura responsável pela contabilidade da empresa arguida ;
  • De HL.... , … chefe de equipa da sociedade arguida, onde entrou em 2001, provindo da …, e onde se manteve até 2005/06. Referenciou que houve um período de falta de pagamento dos salários, que fixou em um ou dois meses, mas que posteriormente foi regularizado, e que nos talões de recibo de vencimento vinham devidamente anotados os descontos para a segurança social ;
  • De VG…, … Referenciou que de 2001 a 2005 a sociedade teve uma média entre 30 a 50 trabalhadores, mencionando que em 2001, aquando da sua entrada, já existiam dificuldades de tesouraria, nomeadamente no pagamento dos salários, que se forma mantendo, conduzindo a que os salários fossem pagos com atraso de entre um a três meses. Acrescentou que os descontos para a segurança social constavam das folhas, que os recebimentos juntos dos devedores das obras não eram fáceis, e referenciou um ano de intensa invernia, com repercussões financeiras na empresa, atentos os trabalhos não executados e os que tiveram que ser repostos. Por fim, indicou ainda a existência de créditos da sociedade arguida decorrentes dos montantes retidos e não entregues (10%) no âmbito das obras públicas contratadas ;
  • De IC…, …. Mencionou o número médio de funcionários existentes, situando-o, com dúvidas, em 20, que normalmente recebiam os salários, mas nem sempre pontualmente, acrescentando que o atraso nunca terá chegado aos 2 meses. Por fim, referiu que existiram obras em que a XXX... demorou muito a receber, confirmando a existência de um inverno rigoroso em que existiram obras realizadas e afectadas, as quais tiveram que ser repostas ;
  • De ER.... Confirmou a existência de dificuldades de tesouraria conducentes a dificuldades de produção, a ocorrência de uma campanha com muitas dificuldades devido às condições climatéricas e que de 2000 a 2003 chegaram a ter períodos de 3 meses de salários em atraso. Acrescentou ter igualmente existido o negócio de aquisição da … que foi mal sucedido, o que trouxe ainda mais dificuldades, bem como atrasos de pagamentos de vários clientes com grande dimensão, os quais só permitiam a facturação em determinados períodos, os quais eram sucessivamente adiados, sendo que alguns créditos tornaram-se mesmo incobráveis, não conseguindo, todavia, precisar os períodos e valores. Mencionou, por fim, acerca do Plano Extrajudicial de Conciliação, o qual acabou por não ser aprovado.         

    As testemunhas identificadas depuseram de forma aparentemente séria, isenta e imparcial, denotando equilíbrio e sensatez no declarado, pelo que mereceram total credibilidade e ponderação por parte do Tribunal. Procuraram ser objectivas e precisas nas declarações prestadas, evitando juízos pessoais ou conclusivos, antes se bastando com a pura narração factual, o que se considerou, valorou e ponderou. Ainda que algumas não tenham conseguido total precisão no declarado, o teor do relatado permitiu a devida articulação com a prova documental junta aos autos, complementando-se mutuamente.

Para além do relato acerca das suas condições pessoais, familiares e profissionais, os arguidos mencionaram pretender prestar declarações a propósito dos factos imputados, fazendo-o nos seguintes termos:

   - a arguida BP... referenciou acerca do estado evolutivo da empresa arguida, a forma como as funções estavam tendencialmente diferenciadas entre si e o seu marido co-arguido, o controlo mais específico da tesouraria que lhe incumbia e que as entregas das declarações na segurança social eram efectuadas como se os salários estivessem em dia, sendo certo que chegaram a estar atrasados vários meses. Acrescentou ter efectivo conhecimento dos montantes em dívida, sendo que apenas não os entregaram por falta de recursos, usando as quantias que iam recebendo na liquidação das demais obrigações da empresa arguida, de forma a garantir o pagamento dos salários dos funcionários e manutenção da actividade da mesma.

 Relativamente às declarações periódicas de IVA, referenciou a sua efectiva entrega, ainda que algumas o tenham sido fora de prazo, reconhecendo que alguns valores ainda estão em dívida e que as facturas normalmente eram recebidas a 60 ou 90 dias.

Acrescentou que a sociedade arguida, após a sua constituição em 1991, foi financeiramente saudável até 2000, elencando as causas para que tal situação se tivesse alterado: a aquisição da …, empresa de construção civil e obras públicas, negócio que correu mal e sorveu muitos recursos financeiros que fizeram falta para a XXX..., e o inverno de 2000 particularmente rigoroso e chuvoso, conducente a que durante 8 meses não existisse qualquer actividade, agravando a situação que já se configurava.

Confirmou o pedido de insolvência da sociedade arguida apresentado em Dezembro transacto, e que a situação financeira desta é muito débil, tendo um passivo elevado, sendo o principal credor a segurança social, e já não possuindo funcionários directos ao seu serviço desde Março do corrente ano (possuindo na altura 35), recorrendo, quando necessário, a prestadores de serviços.

 Por fim, reconheceu a assunção da actividade de técnica de contas, procurando definir no tempo tal acontecimento, ainda que de forma hesitante, referenciou o número médio de funcionários ao longo dos anos, que a aquisição da … foi feito individualmente por si e pelo marido, e referenciou o património da sociedade arguida, bem como a avaliação que foi efectuada para efeitos de dação em pagamento do mesmo à segurança social.

   - Por sua vez, o arguido FG... especificou e concretizou as tentativas de pagamento ao fisco, as démarches efectuadas ao longo dos anos, as dificuldades encontradas e a burocracia com que se confrontou, conducente à não concretização do Plano Extrajudicial de Conciliação. Reconheceu saber que os meios de pagamento não acompanhavam a apresentação das declarações, mas que a preocupação foi sempre a de manter a arguida em actividade, pelo que foram efectuadas opções quanto aos pagamentos a concretizar, atentas as dificuldades económicas e financeiras existentes, procurando ainda elencar o activo existente e que o valor total do passivo deve actualmente rondar a quantia de dois milhões de euros.

Ambos os depoimentos prestados revelaram equilíbrio, ponderação e aparente responsabilidade no declarado, procurando explicitar objectivamente o ocorrido, as motivações subjacentes aos actos praticados e opções efectuadas e as dificuldades encontradas para lograr a manutenção em actividade da sociedade arguida. Pelo que tais declarações mereceram ponderação e consideração, a valorar e enquadrar em articulação com a demais prova produzida.

Em articulação com a prova supra enunciada, ponderada foi ainda a prova documental junta aos autos, nomeadamente a seguinte:

        PCTC nº. 89/04.3TAACB:

  • Fls. 2 e 3: auto de notícia ;
  • Fls. 24: mapas de apuramento das contribuições retidas e não entregues ;
  • Fls. 25 a 101: extractos de conta corrente donde constam os pagamentos referentes a cada mês ;
  • Fls. 110 a 112: certidão da matrícula comercial da arguida XXX…, Lda. ;
  • Fls. 126 a 199: cópia de folhas de remunerações e declarações de remuneração enviadas à Segurança Social ;
  • Fls. 226 a 233 e 236 a 263: cópias de recibos de vencimentos donde constam os descontos para a taxa social única (de 11%) ;
  • Fls. 265 a 277: parecer final fundamentado elaborado pela instrutora do processo ;
  • Fls. 279 e 280, 324 a 335 e 1021 a 1032: requerimento apresentado, em 28/04/2005, pela arguida sociedade junto do IAPMEI, de enquadramento no PEC (Procedimento Extrajudicial de Conciliação), no sentido de encontrar uma solução para a sua viabilidade ;
  • Fls. 312: tabela do valor em dívida ao I.S.S., I.P., e cálculo dos juros moratórios reportados até Junho de 2005 ;
  • Fls. 537 a 562: declaração anual e modelo 22 apresentados pela arguida sociedade referente aos anos de 2004 a 2006 ;
  • Fls. 680, 922 e 923: informação acerca dos impostos entretanto liquidados (IVA e IRS) ;
  • Fls. 935 e 936: informação do Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Y..., mencionando não ter sido efectuado qualquer pagamento no âmbito do presente processo referente à dívida de quotizações a que se reportam os presentes autos ;
  • Fls. 1007 e 1008: CRC´s dos arguidos ;
  • Fls. 1033: carta enviada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., datada de 18/07/2007, relativamente ao Procedimento Extrajudicial de Conciliação, referenciando as conversações existentes e o oferecimento de imóveis por parte da ora arguida sociedade em dação em pagamento ;
  • Fls. 1035 a 1045: teor das cartas enviadas pela arguida XXX..., Lda., à Provedoria da Justiça (e resposta desta), à Presidência da República e ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais relativamente à não evolução e resolução do apresentado Plano Extrajudicial de Conciliação de Credores ;

       PCTC nº. 89/04.3TAACB-A (Inquérito nº. 121/04.0 IDACB):

  • Fls. 8 a 10: informação preliminar acerca dos impostos em falta ;
  • Fls. 13 a 19: registo das declarações periódicas de IVA apresentadas ;
  • Fls. 34 a 41: registo das declarações periódicas de IVA e pagamentos entretanto efectuados ;
  • Fls. 50: informação acerca da identificação do Técnico Oficial de Contas ou responsável pela contabilidade por referência aos exercícios de 2002 e 2003 ;
  • Fls. 66 a 71 e 84 a 90: certidão da escritura pública de constituição da sociedade ora arguida e de alteração do pacto social ;
  • Fls. 150 a 162: auto de notícia e relatório da inspecção tributária ;
  • Fls. 249 a 256: teor do parecer elaborado pelo NIC da DGCI – Direcção de Finanças de Y... ;
  • Fls. 400 a 572: informação e prova de recebimento do valor do IVA liquidado ;

        PCTC nº. 89/04.3TAACB-B (Inquérito nº. 747/05.5 TAACB):

  • Fls. 2 a 6: participação da notícia crime e relatório preliminar ;
  • Fls. 40 a 117: extracto de declarações de remunerações entregues pela internet ;
  • Fls. 147 a 177: cópias de recibos de vencimento ;
  • Fls. 189 a 200: parecer final fundamentado elaborado pela instrutora do processo ;
  • Fls. 495: comunicação de 01/06/2009 efectuada pelo IAPMEI, informando acerca da extinção do Procedimento Extrajudicial de Conciliação.

 A factualidade dada como não provada teve fundamentalmente por base a precisão de alguma da factualidade apurada, e a ausência de prova suficiente, nos termos da convicção supra exposta, tendo por base as regras da experiência comum, da lógica das coisas, do equilíbrio, da adequação, da ponderação e do bom senso. Regras estas que se ponderaram na avaliação da totalidade da prova produzida, quer de natureza testemunhal, quer de natureza documental, quer, por fim, do teor das declarações dos arguidos.


***

APRECIANDO

Sendo o objecto do recurso fixado pelas conclusões retiradas da respectiva motivação, no presente recurso vêm suscitadas as seguintes questões:

- a violação da lei quanto ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social porquanto, considera a recorrente que a sua conduta foi descriminalizada, face à nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 105º do RGIT pelo artigo 113º da Lei n.º 64-A/2008, de 31Dez. (Lei do Orçamento de Estado para 2009), que deve ser aplicada ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por força do artigo 107º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma;

- a prescrição do direito à indemnização;     e,

- a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 14º do RGIT, que prevê a obrigatoriedade da suspensão da pena de prisão, sob condição do pagamento das prestações em dívida.


*

A-

A primeira questão colocada à apreciação deste Tribunal, consiste em saber se a alteração introduzida ao artigo 105º, n.º 1 do RGIT pelo artigo 113º da Lei n.º 64-A/2008, de 31Dez. (Lei do Orçamento de Estado para 2009), descriminalizando a não entrega à Administração Tributária de prestação igual ou inferior a € 7.500, é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107º do mesmo diploma.

Incorrem na prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, tal como vem definido no n.º 1 do art. 107º do RGIT: as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem total ou parcialmente às instituições de segurança social são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105º.

E, nos termos do n.º 2 do preceito: - É aplicável o disposto nos n.ºs 4, 6 e 7 do artigo 105º».

Por sua vez, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal, estabelecia o n.º 1 do artigo 105º do RGIT que «a não entrega à administração tributária, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar, é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias».

Quanto ao bem protegido neste tipo de infracções, o sistema português optou por um modelo misto, conferindo ao bem jurídico não só a natureza patrimonial, consubstanciada na “pretensão do fisco à obtenção integral das receitas tributárias”, mas também a natureza de protecção do dever de colaboração leal dos contribuintes com a administração ([1]). Porém, conforme o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2005 (publicado no DR, n.º 63, Série I-A, de 31-3-2005): “diversamente do que acontece em regra com os impostos que constituem receitas do Estado, não afectas a fins específicos, as contribuições para a segurança social destinam-se a fins específicos da mesma, de que beneficiam apenas alguns cidadãos. Algumas das prestações sociais constituem, aliás a contrapartida das quotizações dos trabalhadores”.

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 Dez (Lei do Orçamento do Estado para 2008) no seu art. 113º, veio aditar ao n.º 1 do artigo 105º um novo elemento objectivo do tipo, relativo ao valor da prestação tributária, passando a constar “não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária superior a € 7500”. Ou seja, só constituem crimes de abuso de confiança fiscal, as não entregas à administração tributária de prestações tributárias deduzidas de valor superior a € 7500.

Já quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, a mencionada Lei n.º 64-A/2008 não procedeu a qualquer alteração do artigo 107º, sendo certo que a remissão para o artigo 105º do RGIT apenas se circunscreve às penas.

Assim sendo, tendo presente o estatuído no art. 9º, n.º 2 do CC de que «o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados», a conclusão a retirar é a de que a alteração introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 Dez, ao n.º 1 do artigo 105º do RGIT não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto no artigo 107º do mesmo diploma.

A realçar que, se não fosse este o entendimento, “atendendo a que só grandes empresas terão prestações mensais à segurança social de valor igual ou superior a € 7500, criava-se um espaço de absoluta impunidade para comportamentos bem mais censuráveis do que aqueles que são tipificados como contra-ordenações contra a segurança social”. Na verdade, deixando de constituir crime de abuso de confiança fiscal, a não entrega de prestação tributária de valor igual ou inferior a € 7500, esta conduta passou a ser sancionada como contra-ordenação, conforme artigo 114º, n.º 5, al. a) do RGIT, na redacção dada pela Lei n.º 64-A/2008. Mas, a entender-se que o referido limite de € 7500 também se aplicava ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, a não entrega de contribuições devidas não seria punida como crime tributário, nem como contra-ordenação, dado que nenhuma norma sanciona esta conduta como tal.

Salienta-se ainda a diversa inserção sistemática destes dois ilícitos na Lei do Orçamento para 2009. O artigo 113º da Lei n.º 64-A/2008 integra-se na sua secção II – “Procedimento e Processo Tributário” do Capítulo XI- “Procedimento, processo tributário e outras disposições”; enquanto as alterações legislativas que o OE contempla para o regime da Segurança Social se inserem no capítulo V – “Segurança Social”, (artigo 55º e segs) e, nesta parte é que poderia/deveria caber qualquer alteração aos crimes contra a segurança social.

Esta tem sido a orientação desta Relação, nomeadamente nos acórdãos proferidos em 4-3-2009 (no proc. 257/03.5TAVIS.C1), 17-6-2009 (no proc. 37/05.3TASEI.C1), 8-7-2009 (no proc. 148/98.0IDCBR.C1), 16-9-2009 (no proc. 340/07.8TATND.C1), em 23-9-2009 (no proc. 413/06.4TATND.C1) e, em 20-1-2010 (no proc. 187/05.6TATND.C1) todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Por outro lado, entendemos que a não alteração da redacção do artigo 107º do RGIT não corresponde a qualquer medida discriminatória ou excessiva, tendo em conta precisamente a realidade da previsão dos artigos 105º e 107º deste diploma. É que, o montante das contribuições devidas à Segurança Social, e que não foram entregues, porquanto foram afectas a fins específicos, vão pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social, e daí as várias medidas que têm vindo a ser tomadas para evitar/retardar o seu colapso, onde incluímos a não despenalização da não entrega das contribuições de valor igual ou inferior a  € 7500.

De qualquer forma, sobre esta questão o STJ, com o Acórdão n.º 8/2010, de 14-7-2010 (publicado no DR, I Série, de 23-9-2010), fixou jurisprudência “no sentido de que a exigência do montante mínimo de € 7500, de que o n.º 1 do artigo 105º do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e alterado, além do mais, pelo artigo 113º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no artigo 107º, n.º 1, do mesmo diploma.».

Em conformidade, improcede, nesta parte, a argumentação da recorrente.


*

B-

Alega a recorrente que “todas as prestações tributárias em dívida à Segurança Social (que dizem respeito a 2001 a 2003) e em discussão no presente processo se encontram prescritas, não podendo, por isso, o acórdão recorrido condenar a arguida no pedido de indemnização civil, tal como o fez”.

Era de dez anos o prazo de prescrição dos créditos tributários (art. 34º do CPT), o qual veio a ser reduzido pelo artigo 48º da Lei Geral Tributária (cfr. artigos 5º da LGT e 297º do CC).

Com efeito, estabelecia o n.º 1 do artigo 48º da Lei Geral Tributária (Lei n.º 398/98, de 17 Dez.) que “As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”

Prevendo o artigo 49º as causa de interrupção e suspensão da prescrição.

Posteriormente, com a Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto ([2]), que aprovou as Bases Gerais do sistema de solidariedade e segurança social, tal prazo voltou a ser reduzido, dispondo o n.º 2 do artigo 63º que «A obrigação de pagamento de cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida». Acrescentando o n.º 3 que «A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou não à cobrança da dívida».

A Lei n.º 17/2000 foi entretanto revogada pela Lei n.º 32/2002, de 20 de Dez. ([3]), tendo o artigo 49º, n.ºs 1 e 2 igual redacção aos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 63º da Lei n.º 17/2000.

Como resulta do acórdão recorrido:

“No âmbito do processo original - PCTC n.º 89/04.3TAACB – veio o Instituto da Segurança Social – Centro Distrital de Segurança Social de Y..., deduzir pedido de indemnização civil contra os arguidos – cf., fls. 307 a 311 -, concluindo pela sua condenação no pagamento das seguintes quantias:
A) as contribuições retidas aos trabalhadores e gerentes, na quantia de € 29 900,21 ;
B) juros moratórias calculados até Junho de 2005, sobre a importância indicada em A). no valor de € 10.271,50 ;
C) juros vincendos calculados nos mesmos termos da al. B), ou seja, em conformidade com o disposto no art.º 16° do Dec-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro, ou da norma correspondente que se lhe vier a aplicar, desde Junho de 2005, até efectivo e integral pagamento.

e,

No âmbito do processo apenso - PCTC n.º 89/04.3TAACB-A (originariamente Processo nº 121/04.0IDACB) -, (cfr. fls. 373 e 374) veio o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, deduzir pedido de indemnização civil contra os arguidos, peticionando a sua condenação solidária a pagar ao Estado Português – Fazenda Nacional, a quantia de 214.920,19 € (duzentos e catorze mil novecentos e vinte Euros e dezanove cêntimos), acrescido dos juros compensatórios e moratórios vencidos, e dos que se entretanto se vencerem até integral pagamento.”

   

  Ora, subjacente ao alegado pela recorrente sobre a prescrição das prestações tributárias em dívida à Segurança Social, a questão verdadeiramente suscitada é a da prescrição do direito à indemnização.

Assim, “ocorrendo um crime e este cause danos, a fonte da obrigação, não é a lei que delimita a obrigação de entregar certas quantias à Segurança Social (norma de incidência), mas sim a responsabilidade civil”, verificando-se os respectivos pressupostos. – cfr. Ac. RP de 23-2-2011, in www.dgsi.pt.

Como estatui o artigo 71º do CPP «o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei» e, conforme o disposto o artigo 129º do CP «A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil».

Quanto à prescrição do direito de indemnização, nos termos do n.º 3 do artigo 498º do CC, se «Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é esse o prazo aplicável».

In casu, sendo o prazo de prescrição do procedimento criminal (face aos crimes praticados pela arguida) de cinco anos, é também esse o prazo da prescrição do direito de indemnização.

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 306º, n.º 1, 323º, n.º 1 e 327º, n.º 1, todos do Código Civil «O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido e, interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito. O novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.»

«É equiparado à citação ou notificação, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido» - n.º 4 do art. 323º CC.

A fim de poder exercer o respectivo direito, por despacho de 31-5-2005 (no PCTC n.º 89/04.3TAACB), foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 75º do CPP, informando-se o Instituto de Solidariedade e Segurança Social para efeitos de dedução de pedido cível. Deste despacho foram os arguidos notificados em 11-6-2005.

Notificado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, foi o pedido de indemnização civil deduzido em 24-6-2005.

Por sua vez, [no PCTC n.º 89/04.3TAACB-A (originariamente Processo nº 121/04.0IDACB)], ao abrigo do disposto no artigo 77º do CPP, em 3-2-2005, na acusação, o Ministério Público deduziu pedido de indemnização civil, em representação do Estado – Fazenda Nacional. Na sequência da notificação da acusação, a sociedade arguida requereu a abertura da instrução, em 7-3-2005.

Acresce que, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, 29Dez., foram os arguidos notificados (em 26-2-2007) para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento das quantias em dívida nos autos (havendo notícia nos autos de que, relativamente aos montantes iniciais apurados, foram efectuados pagamentos parciais, o que demonstra o reconhecimento da dívida).

Nos termos expostos, com a notificação dos pedidos de indemnização civil deduzidos interrompeu-se o prazo de prescrição e, enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, mantém-se interrompido o prazo de prescrição do direito de indemnização, pelo que, não estando prescrito tal direito, nenhum reparo nos merece o acórdão recorrido quanto à condenação em indemnização civil da ora recorrente, improcedendo, também, nesta parte, o recurso.


*

C-

Outra questão suscitada é a da inconstitucionalidade da norma que prevê a obrigatoriedade da suspensão da pena de prisão sob condição do pagamento do valor em dívida.

Ao abrigo do artigo 14º, n.º 1 do RGIT (e anteriormente o artigo 11, n.º 7 do RJIFNA) a pena de prisão pode ser suspensa, com a condição do pagamento das prestações tributárias e contribuições em dívida.

Alega a recorrente que “a norma contida no artigo 14º do RGIT, que impõe de forma automática o condicionamento da suspensão da execução da pena ao pagamento da totalidade dos montantes das prestações tributárias em dívida, é inconstitucional por violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, dos limites às restrições, pela lei, dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, da separação de poderes, da reserva judicial da função jurisdicional e da independência, consagrados, respectivamente, nos artigos 1º, 2º, 13º n.ºs 1 e 2, 18º, n.ºs 2 e 3, in fine, 111º n.º 1, 202º, n.ºs 1 e 2, e 203º da CRP.”.

O Tribunal Constitucional tem vindo a declarar não inconstitucional a norma do artigo 14º do RGIT, por considerar que não colide com os princípios constitucionais da culpa, adequação e proporcionalidade – Ac. de 21-5-2003 proferido no proc. n.º 647/02, in DR, 2ª série, n.º 150, pág. 9872.

Também no acórdão n.º 596/99, de 2-11, in DR, 2ª Série, n.º 44, de 22-2-2000, pág. 3600, o Tribunal Constitucional considerou que (…) em certos casos a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se ela – suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.

Embora esta seja a jurisprudência quase unânime do TC, não desconhecemos um ou outro voto de vencido (designadamente no Ac. do TC n.º 256/03, de 21-05), no sentido de que a obrigatoriedade fixada pelo artigo 14º do RGIT, ao condicionar, sempre, a suspensão da execução da pena ao pagamento das prestações tributárias e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos, sem admitir a ponderação casuística do julgador, viola os princípio constitucionais da igualdade, da culpa, da necessidade e da proporcionalidade da pena.

Recentemente, após a alteração introduzida ao Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4Set, por via da alteração da duração do período da suspensão indexada à duração da pena de prisão fixada, de harmonia com o disposto no n.º 5 do artigo 50º do CP, o TC decidiu “Não julgar inconstitucional a norma que se extrai do artigo 14º do Regime Geral das Infracções Tributárias, em conjugação com o n.º 5 do artigo 50º do Código Penal, interpretada no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de duração da pena de prisão concretamente determinada, a contar do trânsito em julgado da decisão, da prestação tributária e acréscimos legais» - Ac. n.º 327/2008, de 18 de Julho.

Nesta concreta questão, tendo em vista o interesse público subjacente ao dever de pagamento de impostos, o RGIT consagra, efectivamente, algumas especialidades relativamente ao regime da suspensão da pena prevista no Código Penal. Todavia, os dois regimes de suspensão da execução da pena não são assim tão diferentes.

Deste modo, considerando o TC não padecer o artigo 14º do RGIT de inconstitucionalidade, acaba por improceder, na totalidade a argumentação da recorrente.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça.


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Elisa Sales (Relatora)

Paulo Valério


[1] - Augusto Silva Dias, “Crimes e contra-ordenações fiscais”, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, vol. II, Coimbra Editora, 1999, pág. 445 e ss.
[2] - que entrou em vigor em 4-2-2001, cfr. artigo 119º do diploma.
[3] - que entrou em vigor em 19-1-2003, cfr. artigos 132º e 133º do diploma.